JARDIM BAGDÁ escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 44
Capítulo 44




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— Lamento informar senhor, mas o paciente sofreu um acidente vascular cerebral severo, e é bem provável que as sequelas o farão prisioneiro do próprio corpo para sempre. Não há qualquer possibilidade de que ele volte a se expressar um dia como um ser humano normal e que goza perfeitamente das suas faculdades mentais. Já é um milagre estar vivo - Informou o enfermeiro chefe do pronto socorro municipal após estabilizar Cândido, emendando que aquilo se deveu a demora em socorrê-lo.

— Mas existem fortes indícios e provas robustas de que esse homem é suspeito de cometer um duplo homicídio! Ele deveria estar preso numa cela e não no seu corpo! - Retrucou o delegado, reconhecendo o iminente fracasso daquele caso, observando o corpo inerte do homicida inimputável, ligado a tubos num leito de hospital.

— Esse homem não fará mal a mais ninguém, delegado - Vaticinou, saindo da unidade de tratamento intensivo, tentando entender como um homem naquela posição podia ser tão ignorante.

 

O homem da lei faria uma tréplica, já que não gostava que lhe virassem as costas com a última palavra, mas deixou o enfermeiro ir embora quando viu quem entrava na UTI para visitar o paciente, outrora um ser perigoso. A onça em pessoa. Sentiu duas coisas quando a viu metida numa micro saia de couro preto, uma comichão nas partes íntimas e um ardor nos arranhões do pescoço, o que lhe fazia passar os dedos sobre as cascas das feridas como se fosse o relevo de um bordado. No que faltava em estatura naquela mulher, lhe sobrava em sedução. E ainda por cima era muda. Deus deveria ter dado outra função para aquela língua. Acompanhando Zuleide, vinha o médico de plantão segurando uns papéis na mão e gesticulando para que ela entrasse no recinto controlado.

 

Ao deparar-se com o delegado, ela abriu-lhe um sorriso, que logo se desvaneceu para dar lugar a uma consternação ao olhar o estado do primo. Aproximou-se do leito, segurou a sua mão e abaixou a cabeça de olhos fechados como se fosse orar. Mas apenas pensou..’’Cuidarei de você meu amor, com toda a dedicação que você merece’’. Ao mesmo tempo, ela puxava para trás o dedo mindinho da mão do homem até o limite de uma possível fratura. O monitor cardíaco reagiu à dor, e começou a oscilar. Os homens que estavam atrás da cena, não puderam ver a agressão, e se entreolharam como se  pensassem a mesma coisa. O homem estava emocionado com a presença de uma pessoa que lhe era familiar. Aquilo apenas rendeu uma satisfação à mulher ao saber que ele podia sentir na pele os males de uma tortura. Era importante para ela que ele sentisse dor.

 

— Talvez ele consiga algum progresso convivendo com a prima - Falou o médico ao delegado, que burilava na mente quais seriam as reais intenções daquela pequena. Pena que ela não falava. Aquele negócio de tradutora tirava a confidencialidade da conversa. Precisava aprender a linguagem dos sinais, ou teria que gastar uma resma de papel escrevendo o que queria saber naquele momento.

— Já assinei a alta e a senhora pode levá-lo agora mesmo se preferir. Ele vai precisar de uma cadeira de rodas. A senhora já providenciou uma? - Perguntou, vendo-a balançar a cabeça para os lados.

— Eu mesmo vou providenciar doutor, fique tranquilo - Intercedeu o delegado, recebendo o sorriso mais gracioso vindo de uma dama que ele já recebeu na sua vida de poucas mulheres.

 

Após o médico pedir que saíssem da UTI para que os enfermeiros preparassem o paciente para a alta, Zuleide e o delegado aguardavam na recepção, com apenas uma das partes tagarelando.

—....e qualquer coisa que você precisar pode contar comigo! Apenas me prometa que se por um milagre seu primo voltar ao…ao normal, me avise, está bem? Nesse caso seria bom contar com um milagre. Não gosto de arquivar casos, mas dadas as circunstâncias acho que esse deve cair na vala dos inconclusos - Discursava se pavoneando, na tentativa de impressionar quem não se impressionava com facilidade.

 

Recebeu um abraço demasiado caloroso, mais para fazê-lo calar do que por agradecimento, o que lhe rendeu uma ereção logo sentida pela moça pequena, que fez questão de apertá-lo ainda mais, numa clara resposta de que o assunto deles ainda não tinha sido resolvido. Ela passou a mão com delicadeza sobre as cicatrizes que as suas unhas fizeram naquele pescoço, e gesticulou, fazendo crer que queria cuidar delas. Em poucos minutos, ouviu-o acionar a sua equipe pelo rádio, ordenando que enviassem uma cadeira de rodas para um custodiado naquele hospital. Enquanto esperavam o equipamento, levou a mudinha pela mão até a viatura descaracterizada com a desculpa que o ar condicionado do hospital não estava funcionando. Copularam no exíguo habitáculo, no estacionamento do centro médico. Daquela vez, teve o cuidado de tirar dos bolsos um par de luvas surrupiado dos peritos da polícia técnica, e a fez vestir as mãos para cobrir as unhas afiadas como um estilete.

 

Baixou o vidro já banhado de suor, no exato instante em que o veículo com a cadeira de rodas chegava. Ao se virar para o banco do carona não havia ninguém. Ela já estava composta, com a maquiagem retocada e sem nenhum sinal de que tinha acabado de fornicar por meia hora naquela sauna, caminhando para assinar os papéis da liberação do primo. Aproveitou para desenhar um coração no pára-brisas embaçado da viatura, enquanto ouvia no rádio o investigador lhe chamar para dizer que tinha perdido o rastro do coveiro. Ele não tinha forças nem para pressionar o botão do rádio, quanto mais para formular uma expressão jocosa com o raro fracasso do seu subordinado. Tateou por baixo do banco e pegou a calcinha que tinha escondido de forma sorrateira. Cheirou-a como se fosse uma flor e decidiu que daria um lugar especial àquele troféu.

 

Com desenvoltura, ela se livrou dos fluidos corporais resultantes da conjunção carnal de há pouco, com o pano que servia de babador em Cândido, que devolveu ao rosto do sequelado antes de vê-lo sendo acomodado na cadeira de rodas por dois enfermeiros, que duvidaram da força dela para movê-la até a ambulância que os levaria para a sua casa. O primo mexia as pupilas como se quisesse impedir alguém de girar a chave que abria as portas do inferno, mesmo sabendo que era inútil. 

 

Quando entrou na ambulância ele sabia exatamente o que estava reservado para o resto dos seus dias. Pensou na mulher que nunca amou e fazia tempo que não cortejava, e na filha que amava tanto ao ponto de não se arrepender de ter chegado até ali naquele estado. Aquilo tudo era pela sua criança. Como queria que aquele tiro tivesse matado o desgraçado. Mas não tinha certeza de nada, apenas que estavam atrás dele pelo homicídio dos dois vagabundos que matou na sala da sua casa, e que a sua prima solícita tinha revelado a sua verdadeira face. A da vingança. Estava ferrado em qualquer cenário.

 

Dez minutos depois que o veículo de socorro com seus passageiros peculiares a bordo tinha partido, Lilian e Cândida chegaram no hospital à procura do marido e pai, respectivamente, depois de reconhecê-lo pela televisão sendo socorrido na cena do pandemônio do asilo e descobrir a polícia periciando dois cadáveres na sala da sua ex-moradia. Com a frustração da notícia de que ele tinha sido liberado sob os cuidados de uma parente que elas não conheciam, foram aconselhadas a buscar consolo com o delegado que saia da viatura ensopado de suor, parecendo ter saído do banho sem se enxugar, tentando recompor o que restava da sua dignidade antes que algum repórter ousasse se aproximar. Pouco antes de atender as duas mulheres, cheirou o próprio corpo, achando que o odor do coito estava impregnando o ar.

 

Ainda dentro da ambulância, a caminho de casa, ela voltou a torturar o mesmo dedo que parecia estar começando a inchar. Via no fundo dos olhos dele o quanto aquilo era dolorido, o que a fazia sorrir como um anjo querubim a lhe dizer que não se preocupasse, pois aquilo era somente um aperitivo do que estava por vir. Parou apenas quando viu as lágrimas escorrendo já na iminência de quebrar-lhe o membro.  Como prêmio de consolo, abriu as pernas para que ele pudesse ver suas partes íntimas descobertas e ainda úmidas pelo líquido seminal de outro homem. Se ela pudesse falar, lhe diria..’’O delegado me comeu dentro da viatura faz vinte minutos’’. Ela segurou o dedo machucado, fazendo-o se desconcentrar da visão, e encostou na sua virilha, introduzindo o dedo arroxeado dentro dela. Iniciou um vai e vem desconfortável para ele. Ela fechou os olhos e levantou a cabeça, aumentando a velocidade da penetração até se dar por satisfeita. Enxugou mais uma vez as lágrimas de dor do rosto de Cândido, no exato instante em que a ambulância parava em frente a sua casa.

 

O enfermeiro que ia na cabine com o motorista, ajudou a descer a maca e a sentá-lo na cadeira de rodas. Ela fez um sinal de agradecimento, e se fez entender que dali por diante era com ela. Cândido arregalava os olhos num pedido de socorro silencioso não correspondido pelos homens, que achavam que aquilo fazia parte da sua condição de inválido. 

 

Entraram na casa simples, onde ela foi recebida com festa pelo seu cão, que estranhou a presença do homem, rosnando na direção dele. Ela posicionou a cadeira para que ficasse virada para o sofá, onde ela se deitou nua, deixando que o pastor alemão cheirasse o seu corpo. Tão logo o animal encontrou o cheiro que procurava começou a lamber com frenesi a virilha exposta de Zuleide, que fechava os olhos, mas de vez em quando observava a reação do seu primo estarrecido com a cena. ‘’Olhe com quem sua prima está casada há mais de dez anos. Esse é o meu marido. E ele anda possesso de ciúmes de você’’. Sultão parava de lambê-la por uns segundos e olhava na direção de Cândido, voltando a se concentrar na vagina que liberava os sucos ao qual ele estava acostumado a sorver. 

 

Ao se dar por satisfeito, o cão foi buscar uma calçola da sua dona e a entregou para que ela passasse nas partes íntimas e devolvesse a ele. Era com aquela peça próxima a ele que dormia tranquilo dentro da sua casinha no quintal. Mas ao invés de devolver ao animal, que estava ansioso pelo seu troféu, ela se levantou e enfiou a peça de roupa minúscula na cabeça do homem, deixando o animal transtornado. Sultão latia e rosnava, saltando de um lado para o outro, sob os olhares de terror do inválido, que observava tudo através do tecido fino sentindo um ataque iminente, que não demorou de acontecer. O cão saltou sobre a cadeira de rodas, e na ânsia de recuperar o que era seu, cravava seguidamente os dentes no rosto. A mulher muda emitia sons próximos a uma satisfação plena ao testemunhar a agressão. Aos poucos, pedaços do rosto caíam no chão e o sangue cascateava pelo pescoço. O corpo inerte de Cândido já não se debatia. O seu nariz estava sendo mastigado por Sultão que dilacerava o que antes tinha sido uma face humana.

 

Quando a fera conseguiu o seu intento, levando na boca o farrapo ensanguentado para fora de casa, ela tomou um banho e se vestiu tranquilamente, abriu a gaveta do criado mudo, onde pegou duas fichas telefônicas, papel e caneta. Na passagem para a porta da casa, viu os olhos pendurados na face destruída, agora uma amálgama de carne, sangue e ossos triturados, e recolocou aquelas bolinhas esbranquiçadas para dentro das órbitas com a ponta dos dedos, com a delicadeza de quem abotoa uma camisa de seda. ‘’Assim está melhor’’. Em seguida, saiu para pedir ao seu moleque de recados, filho da sua vizinha, que ligasse para o número anotado e dissesse para o interlocutor o que ela tinha escrito no papel. Precisava chamar o delegado para limpar a sujeira que o seu cachorro malvado tinha feito dentro da sua casa. Sua vingança estava completa.


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