JARDIM BAGDÁ escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 13
Capítulo 13




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Não sabia para que santo rezar, mas pediu aos céus que Jonas não a quisesse por trás. Peixoto já a tinha maltratado naquele lugar porque disse que a porta da frente estava interditada pelo período menstrual. Maldita hora pra mentir. O certo é que estava toda assada, com um compromisso que envolvia sexo, e que precisava dar o seu melhor para receber em troca um cadáver. A sua carne viva pela carne morta. O prêmio seria a sua segurança financeira para o resto da vida. Daria uma banana ao abusador do seu chefe e roubaria Justino pra si. Ainda estava pensando na proposta, mas faria ele trocar o ofício bizarro que tinha por outro mais adequado à sua posição. Quem sabe um secretário para assuntos lascivos. Acordou do devaneio ao entrar no prédio frio que fedia a criolina, descendo as escadas enquanto sentia umas repuxadas doloridas no seu músculo anal.

 

— Bom dia, flor do dia! - Cumprimentou-a empolgado e com a mesma graça de um pavão sem rabo.

Ela observou melhor, e concluiu que Jonas jamais teria o mesmo tempero apimentado de Justino.

— Bom dia! - Disse, tentando ser cordial com o incômodo doloroso que parecia só piorar.

— Quer ver o seu irmão agora? - Perguntou, falando o combinado para o caso de alguém passar perto deles, o que era o caso. Ela concordou com um gesto de cabeça.

O funcionário seguiu o protocolo mostrando o corpo de um homem branco de aproximadamente quarenta anos, em estado avançado de decomposição, encontrado num matagal à beira de uma rodovia. A autópsia revelou várias fraturas e rompimento de órgãos devido a um atropelamento, tendo o corpo sido arremessado por vários metros devido ao impacto. A imagem não era bonita de se ver.

 

Tão logo finalizou a feitura dos papéis, colocou num envelope e jogou sobre a mesa. Trancou a porta, bateu as mãos e as esfregou, como informando que era chegado o momento. Ela não estava excitada como da primeira vez. Era como se o viço da novidade não mais existisse. O primeiro corpo estava intacto e aquele, ela não saberia dizer se serviria ao seu propósito. Porém sempre cumpria o prometido, desde quando teve que deixar aqueles dois tocar o seu corpo nu atrás de uma moita em troca de um ingresso, há muito tempo atrás, em Sabugueiro.

 

— Hoje eu quero algo diferente - Disse, abraçando-a por trás e dando um tapa na suas nádegas.

Ela sentiu um arrepio de dor percorrendo-lhe a espinha, mas entendia que se estava na chuva era pra se molhar. Amanhã cuidaria do seu precioso traseiro. Suspendeu a saia, baixou a calcinha e apoiou as mãos na porta de uma das geladeiras. Cuspiu em uma das mãos e umedeceu o local. Enquanto era possuída pelo homem sedento, pensava no ogro para aliviar o sofrimento. Jonas confundia os gritos abafados de dor de Patrícia com prazer, e aumentava a violência das estocadas até se satisfazer. Pediu desculpas por ter lhe feito sangrar, levantou as calças um pouco constrangido dizendo que ia liberar o corpo, vendo-a paralisada na mesma posição, ainda nua, com lágrimas a escorrerem pelo rosto e sangue a lhe descer pelas pernas. Pouco tempo depois, ambos os corpos foram liberados dali.

 

 

— A senhora sabe, nós dois somos viúvos, não temos um pinto pra dar água. Os filhos já ganharam o mundo, e o tempo vai ficando curto pra gente voltar a ter um chamego e envelhecer junto - Dizia baixinho, próximo ao ouvido da Dona Vilma, enquanto o padre seguia com a missa em homenagem a Franchico.

— O senhor precisa respeitar a casa de Deus! - Disse, repreendendo o mestre de capoeira, que tinha outro credo e só estava ali para não perder a oportunidade de estar perto dela.

— Me desculpa, a minha intenção é só lhe mostrar o meu apreço pela senhora. Há tempos venho lhe cortejando, mas a senhora só me enxota de perto. Parece até que gosta daquele coveiro! - Disparou, quando já estavam retirando o caixão do suporte para levá-lo ao velório do cemitério.

 

Ela o olhou discretamente de cima a baixo, ainda sentados no banco da igreja, e viu um homem cheio de boas intenções. Mas o mundo dos sentimentos era cruel, e ela apreciava aquele lado sombrio do homem do cemitério, a sua inteligência, o jeito como a repelia, e até os carneirinhos do pijama. Sentia atração por homens que a maltratavam, e não o pegajoso que lhe grudava como visgo de jaca. Mestre Tuta tinha boas intenções, disso não se podia duvidar, mas tinha uma fama de linguarudo que a fazia temer pelas suas intimidades. Logo ela que sempre fora discreta, pelo menos no que se refere a relacionamentos, porque sempre colocava a boca no trombone quando via algo de errado, e lhe tomavam por fofoqueira. Analisou o homem, ajoelhado no genuflexório, sem saber se era um pedido de casamento ou uma prece a algum ente da umbanda.

 

— O senhor não é católico, e isso dificulta tudo - Disse num impulso.

— Eu me converto! - Mentiu, sentindo pinicadas na costela, que só podia ser de Xangô, seu orixá protetor.

— Turíbio, você está dentro de uma igreja! Aqui o pecado é punido com severidade! - Alertou ao homem derretido por ela, que agora tinha os olhos cheios d’água.

 

Ela o deixou ali de joelhos, levantou e foi embora, imaginando como seria o seu casamento nos ritos da outra religião, entrando no terreiro ao som de berimbaus e mães de santo dançando afoxé, brindando com o noivo em uma cuia cheia de sangue de galinha preta. Preferia continuar moça velha, e da titia. Acompanharia o féretro até o cemitério, onde veria o homem que lhe interessava. Aquele corcunda ossudo era o objeto da sua loucura. O homem que devolvia os homens ao pó, falava bem, era carrancudo e de poucas palavras. Todas as vezes que ele lhe batia a porta na sua cara, sentia um prazer imenso. Talvez o sexo fosse daquele jeito. Tinha passado dos cinquenta anos há algum tempo, sabia toda a teoria por relatos de experiências alheias, mas nunca soube como era na prática. Depois de um tempo, desistiu de saber. No seu caso, talvez o tal fogo que as mulheres sentiam tivesse apagado com a idade. Mas ainda não sabia dizer o que era aquela comichão na virilha que aparecia quando chegava perto dele.

 

 

Fazia tempo que não via Samira de longe, e daquela vez calhou dela estar saindo do asilo no momento em que ele chegava. Ela o cumprimentou por conhecê-lo de vista, sem saber de duas coisas: que ele estava indo visitar a sua mãe, e também que era o seu pai. Abdias vinha mantendo a promessa que fizera a Dinorá desde que soube que estava grávida e nunca tentou fazer contato. Ele a tinha visto de perto pela primeira vez, já que a moça era freguesa de outra farmácia. Um ímpeto de parar a filha ali mesmo, lhe parabenizar pelo seu aniversário e lhe contar tudo, foi contido em nome da boa amizade que ainda mantinha com a mãe dela. Porém, tudo mudava com a progressão da doença da idosa, que já não respondia mais por si. Tentaria conversar, mas sabia que era perda tempo. Só queria vê-la mais uma vez. Olhou para trás e viu Samira embarcar num táxi, murmurando baixinho: Feliz aniversário, minha filha.

 

Entrou no quarto levando um buquê de margaridas, sua flor predileta. Ela estava sentada na cama, parecia alheia a sua presença, de olhos fechados. Ele aproximou-se e puxou a cadeira para sentar, quando a viu fazer um gesto com a mão, irritada com o barulho do móvel sendo arrastado. Sentou-se próximo. Viu uma mulher que parecia ser sadia, mesmo com a idade avançada. Estava bem cuidada e tinham acabado de lhe dar banho. A sua companheira de quarto estava ausente. Depois de um minuto inteiro, ela finalmente se virou para ele.

 

— Abdias, como vai meu camarada? - Perguntou, para surpresa do farmacêutico, e prosseguiu - Estava tentando rezar o Pai Nosso. Mas eu não lembro mais.

— Você recorda daquela moça que saiu daqui agora?

— Não. Só sei que ela é muito simpática. Tomara que volte mais vezes. Ela me trouxe um pedaço de um bolo maravilhoso, que acabei de comer.

— Aquela moça é a filha que tivemos juntos. Eu sou o pai dela.

— Não lembro de nada disso. Nunca tive intimidades com você! - Se exasperou.

— Desculpe, não fique nervosa. Acho que era só a vontade de ter aquela moça como filha minha, de tão bonita que era. Os meus já estão crescidos e ganharam o mundo muito cedo. Mal lembram de mim. Só quando estão doentes.

— Ô coitadinho de você, Abdias! - Disse, numa voz doce e fazendo um carinho no rosto do amigo.

— Mas vamos fingir que isso fosse verdade. Você teria vergonha de me apresentar como pai? 

— Jamais. Você sempre foi um cavalheiro. Eu não tive filhos - Afirmou sem lembrar que tinha feito cinco abortos, frutos de suas relações promíscuas e sem proteção. O próprio Abdias tinha contribuído para que isso tivesse acontecido, lhe ministrando remédios proibidos.

 

Conversaram sobre o pouco que ela lembrava, e era de fato muito pouco. Ele se sentia feliz por ela saber com quem estava conversando. Ou pelo menos a metade da sua pessoa. Ao final da visita, ele segurou as mãos dela, e rezaram o Pai Nosso juntos. Ela não tinha tropeçado ou esquecido nenhuma frase.

 

 

O dia de Finados seria no fim de semana vindouro, e Justino tinha reservado aquela manhã para fazer uma faxina no jazigo do irmão e capinar ao redor do túmulo. Tinha levado velas e flores frescas para colocar no jarro sobre o pequeno altar. Tirou a poeira da imagem de São Cosme e São Damião e passou um pano por dentro da capelinha. Quando se deu por satisfeito, fechou o pequeno portão e trancou o cadeado. Ficou de passar na secretaria do cemitério para reclamar das bitucas de cigarro que encontrou pelo lado de dentro do túmulo de Jacinto, mesmo sabendo que não fariam absolutamente nada a respeito. Desconfiava que era coisa do bando de Montila.

 

No caminho de volta para a saída, refez o mesmo trajeto e se assustou com a presença dela ali conversando com aquele homem. Não era o mesmo que estava na sua rua observando o trabalho do guincho? Sim, era o coveiro. Será que estavam tratando de algo a respeito do finado marido? Só podia ser. À distância, ele tinha a impressão que estavam numa discussão acalorada. Ela estava com uma saia curta demais. Devia ser o calor. O coveiro parecia conhecê-la, dado a curta distância que estavam um do outro. Depois de um tempo ela se virou um tanto contrariada e o deixou falando sozinho. Era no mínimo estranho. Resolveu fazer um outro caminho para a saída e encontrá-la como se estivesse lá fora.

 

— Olá, dona moça - Surpreendeu-a, aproximando-se por trás, enquanto ela parecia procurar um táxi.

Ela se virou e encarou o ogro com um sorriso que lhe serviu de analgésico, porque a dor que estava sentindo no seu traseiro foi esquecida. Nas últimas doze horas tinha praticado sodomia com dois homens diferentes, mas ela só queria estar com outro. Aquele ali.

— Olha só! Lugar apropriado para dizer que quem é vivo aparece! - E deu uma risadinha, que Justino achou um charme adicional na mulher que já era bonita demais.

— Vim dar um trato no túmulo do meu irmão. Finados é no fim de semana e quero tudo limpo. É como o aniversário dos mortos, e é preciso deixar a casa arrumada - Disse, sem querer demonstrar nenhuma emoção.

— Eu virei visitar o túmulo do meu.. meu falecido esposo também - Gaguejou um pouco, quase esquecendo do defunto que enterrou há poucos dias - Até vim pedir ao coveiro que tirasse um pouco daquele capim ao redor - Mentiu.

— Quando acordei você não estava mais perto de mim - Galanteia, numa voz melosa e cheia de segundas intenções - Obrigado pelo retrato.

— Eu esqueci de pedir desculpas pela invasão da sua casa. Só queria fazer uma surpresa.

— E fez. Quando será a próxima?

Ela calculou o tamanho do tesão versus a dor que voltou a sentir no traseiro cheio de pomada, e optou por outra saída.

— Surpresa é surpresa, ué! - E deu meia volta mandando um beijinho de longe, enquanto o táxi encostava.

 

Ficou ali um tempo parado absorvendo o rastro de perfume que ela deixou, quando percebeu que passaram uns garotos ralhando com a sua cara e apontando o dedo para a sua bermuda apertada. Notou que a sua ereção chamava atenção ali no meio da rua, e voltou para dentro do cemitério esperar passar aquela agonia.


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