JARDIM BAGDÁ escrita por MARCELO BRETTON


Capítulo 12
Capítulo 12




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Apesar de ter sido um sonho estranho, tinha apreciado. Ainda manteve os olhos fechados por uns minutos para ver se não voltava pra ele, mas já estava desperto. Inaugurava a nova cama de casal em grande estilo. De um lado, Patrícia, e do outro, Samira. Ambas nuas e maquiadas como aquelas princesas egípcias que via nos filmes antigos, lhe dando tratamento de Faraó. Ambas beijavam a sua boca e esfregavam seus corpos no dele, deslizando as mãos por todo canto, levando-o a deleitar-se. Quando Samira já se movimentava para subir no seu abdômen, a bolha estourou.

 

Como viu que não tinha jeito, levantou, e ainda de cuecas foi até a janela, que dormia apenas encostada, na esperança que uma delas entrasse sorrateira e se esgueirasse até a sua cama. Apenas precisava ter cuidado para que não se cruzassem. Aí sim, ele teria problemas. Olhou para o casarão à distância e não viu qualquer movimento. Era melhor não testemunhar ninguém entrando ou saindo, ainda mais se fosse homem. Ficava imaginando as coisas que teriam feito lá dentro. Gostaria de ter dinheiro apenas o suficiente para comprar todo o tempo que ela tivesse disponível. Foi na cozinha fazer café e conferir se ainda tinha cigarros na carteira para quando ela chegasse. Ainda não sabia como seria o encontro depois da tórrida noite de amor.

 

Colocou uma bermuda velha e entrou na sua oficina para trabalhar numa lápide. Encomenda essa, que não cobraria dinheiro algum, quando soube que era para o Franchico, que tinha morrido no fim de semana e já estava enterrado. Era um homem que tinha lhe trazido muitos clientes e pediu à viúva para fazer o elogio fúnebre na pedra, mas ela preferiu que apenas o nome completo e as datas constasse ali. Foi um trabalho rápido, mas transpirava em demasia devido ao calor. Foi até a calçada tomar um ar e viu ela andando na sua direção. Parecia ainda mais bonita do que na noite anterior, e sorria, o que era raro de se ver.

 

— Oi bonitão! - Disse, passando por ele e entrando na casa.

— Não ganho nem um beijo? - Perguntou, fechando a porta e sendo surpreendido por um abraço dela por trás.

— Longe dos olhos alheios - Respondeu, virando-o e passando as mãos por trás do seu pescoço, antes de lhe beijar.

 

Quando ele baixou as mãos para a sua bunda, ela o interrompeu.

— Sem assanhamento. Estou em horário de trabalho.

— Mudou o turno?

— Vou receber alguém com hora marcada, daqui a pouco.

— Deve ser alguém importante. Espero que você cobre caro. É conhecido?

— Só vi uma vez, mas da primeira vez ele queria só conversar.

— O palerma te pagou pra conversar com ele?

— Acontece com mais frequência do que você imagina.

— Você não vai me cobrar essa conversa não, né?

— Vou sim. Tem café e cigarro?

 

E foram pra cozinha, onde prosearam mais um pouco, ela fumou e beberam café. Antes de sair, ele mamou nos seus peitos como de costume, por dois minutos, como um pastor alemão faminto. Às vezes escorria dos mamilos uma gota ou duas de um líquido esbranquiçado, e de alguma maneira aquilo o excitava. Quando percebeu o volume surgir dentro da bermuda de Justino, ela sabia que era hora de atravessar a rua de volta pra casa. Aquele era o ponto do comprimento da pista em que ainda se podia abortar a decolagem. Ele a levou até a porta, sem beijos, e correu para o banheiro.

 

 

Com certa desenvoltura, citou o nome de todas as letras, sentado num banquinho de madeira todo empertigado. Era bastante perspicaz e aprendia rápido, tanto que no segundo dia já estava silabando. Levava exercícios para casa e voltava com todos eles feitos. Parecia decidido, tanto que sempre pedia para estender um pouco mais a aula além do tempo combinado. Ele sabia que o rapaz possuía inteligência para aprender qualquer coisa que quisesse na vida, apesar de ter se especializado em arrombamento de carros e assalto com arma branca. No início assustou um pouco o coveiro ao vê-lo entrar na sua casa com a arma na cintura, mas depois o homem percebeu que ali dentro existia um garoto com sede de aprendizado, e era inofensivo para ele. Se a partir dali o garoto mudasse o rumo da vida depois de acessar aquele mundo mágico tendo ele como professor, aí seria a cereja do bolo.

 

Despediram-se já bem tarde, quando Nego Bó veio buscá-lo. Ele havia contado ao chegar, que estava sendo ameaçado por um grupo rival porque tinha se encantado por uma menina que era daquela região do cemitério, onde o coveiro vivia, enquanto ele morava na região alvo do conflito, depois da área das covas novas.  O bando rival não aceitava de jeito nenhum que Montila namorasse uma menina de lá, por isso estava andando escoltado pelos seus homens. Até pediu que o professor levantasse alguma informação a respeito ali no seu pedaço. Assentiu com a cabeça, mas não prometeu nada. Se meter numa encrenca que envolvia meliantes da sua área, era pedir pra cavar a sua própria cova.

 

Já sozinho, ficou ali folheando as páginas dos livros e olhando os garranchos do rapaz numa folha de papel, se servindo de um gole de uma cachaça especial que ele disse ter sido do seu pai, e estava guardada em casa há muito tempo. Aquele gesto, caso tal história fosse verdade, e ele achava que era, já fora algo digno de consideração. Mútua, diga-se de passagem. A bebida era amarelada, envelhecida em barril de madeira amendoim, de sabor indescritível. Nunca tinha colocado na boca algo parecido. Parecia caro. Com aquele pensamento teve certeza que não tinha sido obra de algum assalto na região, já que ninguém ali tinha pra vender. Precisava pedir um aumento, pois já previa ficar mal acostumado com aquela bebida. Pensou em tomar outra dose, mas preferiu guardar a garrafa e poder voltar para ela outras vezes. Nesse meio tempo, beberia as trapaças que mais pareciam álcool do posto da esquina.

 

Ligou o chuveiro e ficou ali parado, deixando a água cair sobre a cabeça, pensando se ela já teria lido o bilhete que enviara pelo motorista do guincho. Era o mínimo que poderia fazer, já que tinha lhe custado uma nota preta pagar o resgate e o reboque do carro. Precisava daquele outro defunto o mais rápido possível, e ainda tinha que pensar como explicaria aquela situação quando tudo acabasse. Ele achava que já tinha calculado tudo. Perdas e ganhos. Se ele não ganhasse de um lado, teria o outro para cobrir, e aquilo lhe dava segurança. Lembrou que tinha que ligar para o seu contato e dizer que não tardariam a finalizar o negócio.

 

Já dentro do seu pijama, guardou os livros, e quando caminhava para o quarto se deitar, ouviu alguém bater à sua porta, e foi abri-la para saber quem o incomodava.

 

— Não me diga que esqueceu da missa de corpo presente de Franchico? - Perguntou a Dona Vilma, metida num vestido preto cheio de babados, que a fazia parecer um abajur de feira hippie, que olhava divertida os carneirinhos que estampavam o pijama do vizinho.

— Eu durmo cedo Dona Vilma, e amanhã eu vou vê-lo de qualquer jeito. Quem vai botar ele dentro do buraco sou eu.

— Que falta de sensibilidade, hein! Homem desalmado! - Disse, retomando o rumo para fora do beco.

— Não me encha a paciência mulher! - Disse, batendo a porta com irritação, como de costume. Ela só podia ser apaixonada por ele.

 

 

O vilarejo era pequeno e pobre. Era ali que ela tinha nascido. Ele parou o carro no que parecia ser a praça principal para comprar uma água no bar em frente. Viajou por quatro horas para chegar ali, e os últimos trinta quilômetros foram difíceis de cumprir. Uma estradinha de barro batido, que estava enlameada por causa da chuva. Então ela tinha nascido naquele cafundó. Não à toa era revoltada com a pobreza. Olhou para os pés e viu uma galinha bicando o cadarço do seu sapato. Enxotou a ave com um chute, observando-a fazer um voo curto até o meio da rua, cacarejando. Tomou a garrafa de um fôlego só e tirou o lenço do bolso para enxugar o suor da testa. A revoada de urubus em círculo no horizonte indicava algum bicho morto. Talvez de sede. Voltou para o interior da vendinha simples, com alguns pães dormidos na vitrine do balcão para pedir informações ao dono, que pela cara inchada e bocejos, tinha dormido demais para conseguir vender seus pães na hora em que gente normal tomava café da manhã.

 

— O senhor sabe onde é a casa de D Conceição, mãe de Patrícia? - Perguntou, colocando a garrafa vazia sobre o balcão enquanto a galinha que tinha chutado voltava a se encantar pelo seu cadarço, talvez achando ser uma minhoca.

— Conceição de Lindinha? - Disse o homem que parecia ter um terçol em cada olho.

— Essa mesma. Tenho umas encomendas no carro que preciso entregar a ela.

— Da parte de quem? Desculpe perguntar.

— De Patrícia.

— Porque ela mesma não vem? Muito trabalho? Nunca veio aqui em Sabugueiro.

— Sou só o entregador - Disse, irritado com aquela curiosidade que era comum no interior. 

 

O homem grandão de meia idade que parecia ter apanhado em cima de um ringue acuado nas cordas, orientou Peixoto a chegar no endereço na condição de não dizer quem o tinha orientado. Dirigiu mais cinco minutos e encostou em frente a porteira de um sítio pequeno, porém frondoso, com vários corredores de hortaliças plantadas já em ponto de colheita. Saiu do carro e bateu palmas em direção a casinha de madeira colorida que dava ainda mais vida ao terreno repleto de verde. ‘’Não era tão mal assim’’, pensou achando que talvez fosse encontrar um bolsão de miséria, dado a tantas lamentações de sua namorada com o grotão ao qual pertencia. Ouviu uma voz infantil, mas ela não vinha de dentro da propriedade. Virou-se, e se viu diante de uma formosura de oito anos, de cabelos castanhos claros e longos, olhos agateados e azuis e traços finos como uma gringa, carregando uma bacia vazia de alumínio na cabeça, com apenas umas poucas folhas de coentro soltas.

 

— Você deve ser Lindinha, eu suponho? - Questionou, já sabendo a resposta, por um retrato que tinha visto sem querer na mesa de Patrícia, quando ela teve que sair às pressas para cobrir um engavetamento - Eu sou amigo da sua mãe, Patrícia - Emendou, vendo a menina franzir o cenho.

— Então não é meu amigo. O nome da minha mãe é Conceição.

Atrás da criança, vinha uma senhora de semblante sofrido, caminhando com dificuldades, e carregando dois cestos de palhas, que apesar de vazios pareciam lhe pesar. Ele se adiantou para oferecer ajuda, tomando-lhe os cestos das mãos. Ela resfolegou um pouco antes de poder dizer alguma coisa.

 

— Quem é o senhor? O que está fazendo aqui na frente da minha porteira? Está perdido?

— Não, não. Eu tenho um compromisso aqui na região e Patrícia aproveitou para me pedir o favor de trazer alguns presentes pra Lindinha - Disse, esperando que mãe e filha continuem sem se comunicar.

— O senhor ainda não respondeu quem é?

— Me desculpe. Meu nome é Carlos Peixoto e sou colega de trabalho da sua filha, que por sinal tem uma cópia pequenina por aqui - Respondeu, tentando tocar na cabeça da menina como um gesto carinhoso, e vendo Lindinha se esquivar e se abrigando nos braços da avó.

— Seja o que for, não temos interesse, Sêo Carlos - Retrucou, mas o homem já estava perto do porta malas do carro aberto, retirando de dentro alguns presentes embalados em papéis coloridos e com laços de fita. Aquilo pareceu ter despertado o interesse da menina, e os seus olhos brilhavam com a beleza dos embrulhos. Ele se aproximou com a caixa maior e estendeu os braços em direção a ela, que saia de trás da avó desconfiada, se aproximando. A avó lhe deu permissão com o olhar para que ela pudesse pegar a caixa. Ela cheirou o papel e o tocou antes de começar a rasgá-lo com delicadeza. Ao chegar no seu conteúdo, abriu um sorriso e ficou frente a frente com um boneco enorme que fazia xixi, segundo o que dizia na caixa. Tinha até um penico dentro. Saiu correndo porteira adentro segurando o boneco, enquanto a sua avó ajudava o tal amigo de sua mãe com os outros pacotes, convidando-o para tomar um café, mesmo contrariada.

 

 

Desde pequeno ouvia os lamúrios da mãe, praguejando sobre como o seu pai adotivo era mulherengo. O Dr Cassandro tinha fama de advogado durão, mas também de bon vivant. Sempre chegava tarde em casa com dois cheiros: de puta e uísque. Contudo sempre arranjava tempo para brincarem e sua mãe nunca cogitou se separar, por se achar velha demais, ranzinza demais, fora o falatório da vizinhança. Ademais, era um profissional competente que auferia um bom dinheiro defendendo malfeitores de alta patente. Sentia falta dele.

 

Descobriu sem querer que uma das suas amantes tinha uma filha. Cândida era uma menina recatada e dedicada aos estudos. Às vezes saía sem Nego Bó e Ramiro só para vê-la sair do colégio e acompanhar o seu trajeto a pé mantendo distância segura. A primeira vez que seus olhares se cruzaram ele achou que o seu sorriso fora retribuído, sem ter certeza se ela o conhecia. Desde então, os vândalos do bairro rival onde ela morava, passaram a ameaçá-lo, depois que descobriram que ele andava seguindo a garota. O pai também soube que se tratava do filho de Dr Cassandro, o homem que lhe enfeitou a cabeça com um par de cornos por um bom tempo, e passou a ir buscar a menina depois das aulas. Tinha decidido vê-la a qualquer custo e se possível conversar.

 

Estava satisfeito com o progresso obtido com as aulas e logo passaria a ser um homem de leitura. Esconderia aquele detalhe da moça. Levou seus capangas consigo para o caso de haver alguma surpresa pelo caminho. Queria ela como sua Maria Bonita. Ficaram observando por detrás de um muro de um terreno baldio o movimento da casa que ficava do outro lado da rua. Era um imóvel grande para os padrões do bairro, o pai tinha uma loja de tecidos. Tinha uma grande fachada, de modo que os quartos ficavam de frente para a rua. Já tinha descoberto que o cômodo dela era a janela do primeiro andar a esquerda.

 

— E agora chefe? - Perguntou Ramiro, coçando a batata da perna que estava roçando numa folha de urtiga.

— Você que é bom de mira, vai jogar uma pedra na janela. Mas tem que calcular bem a força para não quebrar o vidro. Depois corre pra cá outra vez - Ordenou, vendo o rapaz se arrepender de ter aberto o bico.

— Sim, chefe - Aquiesceu, sabendo que o último que tinha desobedecido a ordem de Montila, teve que comer um rato vivo. A ideia lhe embrulhava o estômago.

 

Ramiro se esgueirou por trás do tronco de uma amendoeira, agradecendo o fato de a lua não estar cheia, e protegido pela escuridão se abaixou para pegar uma pedra que julgou ser leve o suficiente apenas para fazer barulho. Não havia luzes acesas no térreo. Se prostrou debaixo do alvo e arremessou. Nervoso, imprimiu mais força que o necessário e o estrondo causado pelo impacto, somado ao fato que a janela já possuía rachaduras antigas, fez com que as migalhas de vidro começassem a cair sobre sua cabeça. O trio saiu em disparada ao longo da rua, antes que as luzes da casa se acendessem, e sem perceber que o pai da menina estava observando toda a movimentação escondido atrás de uma cortina da sala, que estava às escuras.


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