Pokémon: Jardim Jirachi escrita por Maya


Capítulo 4
Kanto - Parte I




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Kanto, cinco anos atrás

Kenji respirou fundo antes de bater na porta, mas não bateu. Deu um passo para trás, respirou fundo de novo e foi, mas hesitou mais uma vez. Mais um passo para trás, mais uma tomada de fôlego, e aí sim, conseguiu.

Talvez devesse ter aceitado a oferta de Sabrina para acompanhá-lo até Pallet Town. Estava tão nervoso que conseguia sentir as batidas do coração ressoando em seu corpo inteiro.

Depois do que pareceu uma eternidade, ouviu passos de dentro da casa e a fechadura sendo destrancada, e a porta foi aberta. A dona da casa, uma senhora de cabelos e olhos negros e expressão suave, carregando um sorriso que parecia já estampado ali, o olhou com certa curiosidade.

— Posso ajudá-lo?

— Bom dia! Meu nome é Kenji, vim da região de Kalos e agora estou morando aqui em Kanto! — O menino já foi disparando, praticamente gritando. — Estou aqui porque gostaria de saber mais sobre seu filho, Red!

Ufa! Tinha saído. Estava ofegante.

A senhora — um pouco assustada, diga-se de passagem — o analisou com os olhos. Kenji talvez tivesse sido afoito demais, ela provavelmente recebia milhares de jovens em sua porta para perguntar sobre a lenda viva que era o seu filho, ele com certeza estava incomodando, deveria ter falado de um jeito melhor.

Mas ela assentiu levemente com a cabeça e abriu mais a porta, fazendo um gesto para que o garoto entrasse.

Era uma casa pequena e aconchegante, tal como Pallet Town em si, preenchida por um aroma quente e doce que evidenciavam que algo delicioso estava saindo do forno naquela tarde fresca. A senhora pediu que Kenji se sentasse à mesa e lhe serviu uma xícara de café e uma fatia de bolo frescos.

— Kenji, certo? — O garoto fez que sim com a cabeça, porque já tinha colocado um pedaço do bolo na boca. — Quantos anos você tem?

Engoliu rápido.

— Tenho treze!

— Treze... Idade próxima a que Red tinha quando saiu para sua jornada pela primeira vez. O que te faz querer saber sobre ele, querido?

— Seu filho... Red é uma lenda no Mundo Pokémon! Qualquer treinador sabe quem ele é e o quanto é forte, e muitos têm o desejo de batalhar contra ele!

A mãe bebericou seu próprio café.

— Sim, eu sei disso. E imagino que você também queira batalhar contra ele, não é?

— Ah... Não! Quer dizer, também... — Kenji respirou fundo de novo. — Eu gostaria de conhecer ele de verdade. Perguntar sobre as coisas que ele passou e por que escolheu viver assim, sabe?

— E por que quer saber sobre Red? Você o admira?

Pensou um pouco, e foi sincero:

— Na verdade, não. O que eu quero mesmo é entendê-lo.

Ela levantou ligeiramente as sobrancelhas, surpresa. Será que tinha errado em ser honesto dessa vez? Nossa, o que ela estaria pensando daquela criança que ousava não admirar seu lendário filho?

Mas a senhora sorriu de novo.

— Entendi. Tudo bem. Só não sei se vou conseguir contribuir muito, querido. — Ela tomou mais um gole de café, e Kenji voltou ao seu lanche enquanto ouvia. — Red sempre foi apaixonado pelos Pokémon. Quando recebeu seu primeiro parceiro, o Pikachu, saiu daqui animado para viver ao máximo sua jornada, vencer os Líderes de Ginásio e a Elite, e principalmente conhecer todos os Pokémon que podia. Ele tinha tanto brilho, e tanta força! E conseguiu mesmo ganhar o posto de Campeão na Indigo Plateau. Mas quando voltou depois disso, deu para ver que algo havia mudado dentro dele nessa aventura. É normal, claro, são muitas experiências... Só que alguma coisa me incomodava, confesso. Red parecia mais calado. Ele nunca falou muito sobre isso, mas acredito que tenha a ver com seus encontros com a Equipe Rocket. Meu filho lutou muito contra eles. Então, uma noite, ele desceu do quarto arrumado e disse que estava saindo de novo para cumprir seu objetivo de conhecer mais espécies de Pokémon e que daria notícias. Ele saiu de casa, foi falar com o Professor Carvalho... E não o vi de novo.

Kenji limpou as migalhas do bolo da boca. Até queria pedir mais, só que — além de sem graça — estava mais concentrado nas palavras, tanto as ditas quanto as expressas silenciosamente nos dedos tamborilando na mesa, nos olhos desenhando as paredes onde as fotos do filho eram penduradas. Quase perguntou algo, mas ela acabou respondendo antes:

— Só comecei a ter notícias dele fora os rumores quando Blue o encontrou... Blue é um amigo de infância de Red, é neto do Professor Carvalho e a família é nossa vizinha desde sempre... Enfim, ele me contou que Red estava bem, que estava muito forte, e até estavam trabalhando em um projeto juntos na região de Alola. Coincidência ou não, meu filho até começou a enviar algumas cartas de vez em quando. São esporádicas e não me dão muita novidade além de que ele está comendo bem, está trabalhando e sente saudades... Mas bom, ao menos... Ao menos tenho algo dele, sabe? — Ela tornou a olhar para o garoto. — Não me entenda mal, sou muito orgulhosa de Red, mas morro de saudades dele todos os dias.

— Imagino.

Ela fez mais uma pausa.

— Gostaria de dizer te ajudar a encontrá-lo, mas nem mesmo as cartas que tenho têm qualquer informação útil. Acredite, já analisei cada detalhe delas em busca de algo. Blue contou que já partiu de Alola também. Sinto muito não poder ajudar mais, querido.

— Não, a senhora ajudou muito!

— Se quiser, vá visitar Daisy, a minha vizinha. Ela é mãe de Blue e pode passar o número do telefone dele. De repente ele pode contar algo a mais dos encontros que teve com meu filho.

Kenji agradeceu a sugestão e a recepção e achou melhor partir, pois a mãe parecia prestes a chorar.

Na porta da casa de Red, mal deu um passo na direção da casa vizinha quando ouviu alguém o chamar.

— Ei, garoto.

Olhou na direção: era uma mulher de cabelos compridos com os olhos escondidos pela sombra do chapéu branco ao se posicionar contra a luz do sol.

— Você também está procurando o Red?

. . .

Kanto, três anos atrás

Kenji detestava entrar na Cerulean Cave. Achava o lugar claustrofóbico, pesado, sufocante. Não entrava lá desde a época de sua jornada pelas insígnias, quando se dispôs a esse desafio em prol de pesquisar os Pokémon lá dentro, mas não passara do primeiro andar.

Mas bem, foi Leaf quem pediu sua companhia, e ela sabia ser persuasiva.

Fazia três meses desde que Kenji aceitara voltar a trabalhar com ela e alguns ex-líderes de ginásio em pesquisas de exploração e conservação pelas regiões de Kanto e Johto. Havia deixado a equipe no ano anterior porque queria um tempo para pensar sozinho no que realmente queria fazer, e agora estava de volta tanto por ver que gostava mesmo de trabalhar com pesquisas e pela insistência de Leaf.

Adentrando a Cerulean Cave, tanto Kenji quanto Leaf iluminavam o caminho com as próprias lanternas e tinham seus Pokémon acompanhando a frente: o Kabutops da moça e o recém-evoluído Sandslash do garoto. O Pichu dele também estava ali, como sempre, observando o ambiente de cima do ombro do treinador. Sua Everstone era segura por uma mochilinha em suas costas.

Barulhos ecoavam de vários cantos da caverna com o movimento dos Pokémon que viviam ali. Zulbats e Golbats, em especial, rondavam por todos os lados, de olho nos visitantes.

— Você ainda tem medo daqui?

— Eu não tenho medo, só não gosto de vir aqui.

— Sei... Qual é, Kenji, tem lugares muito mais assustadores por aí.

— Tô falando, eu não tenho... AH!

Pulou de susto ao sentir algo ao empurrando pelas costas, só que quando se virou era só o Gengar de Leaf rindo debochado, do mesmo jeito que sua dona. O Pokémon fantasma foi retornado a Pokébola.

— Há, há, há! Muito engraçado!

— Foi mesmo, devia ter visto sua cara.

Pois bem, Kenji deixou ela passar a frente, liberou seu Dugtrio e sussurrou um comando, e então foi ele quem riu quando Leaf tropeçou no buraco raso feito pelo Pokémon bem abaixo de seus pés.

— Toma essa, bobona!

— Você ouviu isso?

— O que, o som do seu choro?

— Não, Kenji, cala a boca.

O menino percebeu que a expressão de Leaf tinha mudado e entendeu que devia ser sério. Tentou ouvir algo além dos sons naturais dos Pokémon; até que um estrondo distante fez o chão da caverna tremer, o que percebeu ao mesmo tempo em que as orelhas de seu Pichu se levantaram.

— É ele? — Perguntou, mesmo já imaginando a resposta.

— Só pode ser. Vamos!

A dupla correu em direção a escada de descida ao andar inferior da caverna e seguiram o caminho até a próxima, com seus Pokémon quebrando pedras no caminho e afastando os selvagens que tentavam atacá-los por se incomodarem com o barulho. Ao chegar no andar mais baixo, ficou claro do que se tratava: três treinadores usavam seus Pokémon — um Beedrill, um Scyther e um Venomoth — para enfrentar Mewtwo.

Kenji nunca tinha visto o Pokémon lendário pessoalmente, mas pôde sentir sua raiva no brilho que os olhos emitiam e na aura púrpura ao redor de seu corpo.

— EI! — Leaf gritou. — Parem com isso! Kabutops, Rock Slide!

O Pokémon fóssil fincou sua garra no solo e direcionou uma avalancha de rochas bem cima dos três do tipo Inseto, os quais desviaram, mas ao menos tiveram o caminho bloqueado pelas pedras.

— Mewtwo, sou eu, Leaf. Estou com você, tá bem?

Mewtwo se virou para a jovem, e, por um instante, pareceu se acalmar. Porém, no momento em que o Scyther do outro lado rompeu a barreira de pedras junto dos colegas, Mewtwo, por estresse ou por susto, disparou uma onda de poder em direção de Leaf e a derrubou no chão.

— Sandslash!

Apesar de também ter se assustado, a primeira reação de Kenji foi ordenar ao seu Sandslash atacar os oponentes para impedi-los de continuar avançando até o lendário. Kabutops, por sua vez, seguiu o instinto de proteger a dona e avançou em direção a ele com as garras a frente, cruzadas em X, desferindo um X-Scissor.

Mas Leaf gritou e retornou o Pokémon para a Pokebola imediatamente antes mesmo que atingisse Mewtwo. Do outro lado, Sandslash conseguira afastar os adversários, mas acabava de ser derrubado por um golpe do Venomoth.

Kenji passou a mão na cabeça. Que bagunça!

Sentiu o focinho do Pichu tocar sua bochecha. Já tinha até esquecido de que ele estava ali.

— Pi?

— Sim, por favor. Electro Ball.

Pichu prontamente pulou do ombro do treinador, e no meio do ar mesmo movimentou a cauda em uma cambalhota, em cuja ponta uma esfera elétrica se formou. O rato lançou a bola bateando-a com a cauda, em direção a Beedrill que atacava Mewtwo corpo a corpo.

Com os Pokémon tipo Inseto afastados, Sandslash levantou-se e foi para perto do treinador e do colega de time. Leaf também estava pé novamente e lançou para fora seu Snorlax — só que para encarar Mewtwo.

Enquanto o Pokémon sonolento aguentava a fúria do lendário e o mantinha afastado, Leaf soltou sua Vulpix para a batatalha contra os invasores e posicionou-se ao lado de Kenji. Este até deu um passo para trás; nunca tinha visto a amiga com tanta raiva no olhar.

A frente deles, o trio de treinadores também se organizou atrás de suas criaturas.

— Vocês precisam deixar ele em paz.

— Qual é, moça! Qual o problema?

— Não vou deixar que capturem o Mewtwo para satisfazer a ganância de vocês. Se quiser chegar até ele, vão ter que passar por mim primeiro.

Um dos homens, o da esquerda, bufou.

— Cacete, o moleque devia ter contado que teria uma chata no nosso pé aqui. Se o encontrar de novo...

— Do que está falando? Quem contou pra vocês que Mewtwo estava aqui?

Kenji não tinha parado para pensar nisso: no passado a Cerulean Cave costumava ser o lugar conhecido onde os treinadores poderiam achar Mewtwo se fossem até lá no momento certo, porém, já fazia tempo que ele mudava constantemente de lugar e mal parava ali na caverna, graças a proteção da equipe de Leaf. Só eles deveriam saber quando ele estaria por perto ali em Kanto.

O homem, impaciente, ajustou o boné na cabeça, olhou para os companheiros.

— Até quando vamos ficar perdendo tempo com eles?

— Onde conseguiu esse boné? — Leaf tornou a questionar.

Era um boné vermelho com o desenho do contorno de uma Pokébola em preto na parte da frente. Kenji não entendeu o que tinha de mais, além de estar meio surrado, e olhou para Leaf de novo.

Ah. Já tinha visto aquele boné nas fotos.

— Foi o Red?

— Você conhece o pivete? Vou te contar, viu, pra alguém que tem o apelido de lenda e o escambau, é um fracote numa briga de verdade.

— O que fizeram com ele?!

— Só pegamos umas informações, sabe como é.

Kenji viu que a amiga cerrava os punhos àquela altura. Queria fazer alguma coisa para melhorar a situação para ela. Derrubar os oponentes, talvez?

— Pichu, Sandlash...

— Não — ela interrompeu logo. — Espera.

Certo, então era melhor ficar quieto mesmo.

— Onde vocês encontraram o Red?

O cara do meio fez uma expressão irritante.

— O que, é seu amigo e você nem sabe onde ele está?

Kenji prendeu a respiração na hora. Leaf, por sua vez, fechou ainda mais a cara.

— Ninetales...

— Ah, vamos batalhar finalmente? Scyther...

— Inferno.

Não seria uma batalha.

Kenji correu para recolher seus Pokémon de volta a suas Pokébolas e se afastou enquanto Nintetales exalava uma onda de fogo de calor intenso, que não só cobriu os Pokémon adversários como também as rochas da caverna ao redor. Kenji ficou olhando perplexo para Leaf enquanto o fogo consumia tudo ao redor, para o reflexo das chamas que fazia a raiva de seus olhos brilharem.

Ao cessar do fogo, os treinadores já haviam recolhido seus Pokémon e fugiam. As roupas tinham partes queimadas.

— Leaf! Inferno, sério? Como você faz isso de repente assim?

— Agora não, Kenji.

— A gente podia ter pressionado os caras mais pra contarem onde acharam o Red!

— Como se eles fossem colaborar! Esses idiotas bateram no Red e você queria que eu parasse pra conversar? Olha... O Red pode ser uma curiosidade infantil sua, mas pra mim, é um amigo querido que sumiu, entendeu?

Kenji estivera tão focado em suas coisas nos últimos tempos que aquela vontade de encontrar o lendário treinador acabara enfraquecendo muito, só que não tinha parado para pensar em como aquela história afetava Leaf — na real, nem mesmo achava que precisava pensar nisso. Então, quando o assunto surgia, sempre tratava com muita simplicidade sem considerar o que significava para ela. A última coisa que queria no mundo era machucar uma de suas pessoas mais amadas.

Leaf passou a mão no rosto. Não sabia dizer se estava chorando.

— Como Red sabia quando o Mewtwo estaria aqui? — Ele acabou perguntando em voz baixa.

— Sei lá. — Ela respondeu praticamente suspirando. — Preciso cuidar do Mewtwo agora.

Ela se virou e foi até onde Snorlax ainda continha o lendário, acompanhada do Ninetales. Kenji ficou parado olhando, sem saber o que fazer. Passou a mão na cabeça de novo. Realmente não gostava daquela caverna. 

 


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