Pokémon: Jardim Jirachi escrita por Maya


Capítulo 5
Quebra-cabeças




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O retorno dos sete prodígios de Kalos seria celebrado com uma festa em Shalour City, dentro dos muros da Tower of Mastery, onde ficava também o Jardim Jirachi. O horário de chegada de cada um fora totalmente diferente do divulgado para a mídia para evitar muita pressão dos repórteres, mas no fim, não evitou as câmeras se aglomerando ao redor do local da festa tentando capturar algo. Apenas os poucos profissionais convidados para estarem lá dentro conseguiriam registrar os acontecimentos da noite. 

A pedido de Serena, Hideki não tinha encontrado ninguém desde que chegara à Torre, e agora que descera para a festa olhava atônito para tudo aquilo. Tudo parecia distante, como se ele estivesse ocupando o lugar de alguém ou fosse um convidado qualquer; não se sentia como parte daquilo. 

— Com licença! Será que posso tirar uma foto do prodígio de Hoenn? 

— Ah, sim... Tio Trevor? 

Trevor, assim como Tierno, costumava ser uma visita recorrente no Jardim, convidado por Calem e Serena. Não tinha mudado quase nada do que Hideki se lembrava: um homem de estatura baixa, cabelo ruivo com muito volume — agora com cachos nas pontas —, sempre de roupa social e um sorriso sereno, o mesmo que mostrava agora. 

— Oi Hideki! Estava com medo de que não se lembrasse de mim. 

— Como? Você nos ensinou tanto sobre as espécies de Pokémon, eu adorava quando vinha nos visitar. 

— Fico feliz em ouvir isso. Mas tanta coisa acontece em cinco anos e vocês devem ter tido tantos mentores novos que estava com receio de que os velhos aqui fossem esquecidos. 

Hideki assentiu levemente, pensando que se sentia assim também. Olhando ao redor ainda via os convidados, os membros da Torre, os repórteres, mas nada de seus irmãos de criação ainda; talvez estivessem atrasados, talvez ele é que tivesse descido cedo demais, talvez só não quisesse ver ninguém mesmo. 

— Ei, Hideki. Você está bem? 

— Hum? 

— Desculpe perguntar assim tão de repente. É que soube de seu sumiço nos concursos e estava preocupado que algo tivesse acontecido. 

— Está tudo bem, tio Trevor. 

— Mesmo? 

Hideki olhava para o gelo dançando dentro do seu copo de refrigerante. Não queria continuar naquele assunto. Não queria sair dele também, pois talvez fosse bom falar com alguém. Estava cansado desse conflito toda a vez que pensava nesse assunto. 

— Tio Trevor... Alguma vez, quando voltava para casa depois de uma viagem, você ficou com medo de que as coisas tivessem mudado muito? 

— Claro. Na minha primeira viagem de longa duração, fiquei dois anos e meio fora. Tremia viagem de volta inteira! Fiquei me perguntando: o que será que meus amigos estiveram fazendo? Será que ainda vou conseguir conversar normalmente com eles? E minha irmã? Mesmo que tivesse mantido certo contato com eles, a questão da distância me deixou super ansioso. 

— E como foi quando chegou em casa? 

— Percebi na hora que estava sendo um tolo em me preocupar: tinham feito uma festa surpresa pra mim. Tierno, Shauna, Serena, Calem, minha irmã, até o Professor Sycamore estava lá. Algumas conexões são fortes demais para sumirem por coisas tão bobas assim, sabe? 

Hideki ficou feliz em ouvir aquilo, mesmo sabendo que não seria a mesma coisa para ele.  

— Ei! — Levantando o rosto, percebeu que Trevor olhava para algo atrás dele agora. — Olhe só ali. 

Respirou fundo. 

 

— HIDEKI! 

— Kenji, cuidado! 

Então aquele que acabava de pular em cima de suas costas e quase o derrubava no chão era Kenji?  

— Há quanto tempo, bro! Bom te ver!  

Na infância ele sempre fora mesmo o mais animado dos sete, então era até estranho ser cumprimentado como se ainda fossem crianças, ao mesmo tempo em que era muito reconfortante. 

Kenji ainda tinha o mesmo sorriso de garoto, e a camisa com os últimos botões abertos e sem gravata por baixo do blazer era o que podia esperar dele mesmo. Reparou que usava uma gargantilha com um pingente agora, e o Pichu em seu ombro vestia um cachecol vermelho. 

Mal se recuperou do susto e um Togekiss já veio voando de encontro ao seu peito. 

— Não é justo falar com ele antes de mim, hein? 

— Mei? 

Mei ainda era baixinha, ainda sorria com as sobrancelhas meio franzidas de um jeito que a fazia parecer corajosa, ainda o abraçava com tanta força quanto carinho.  

— Senti saudades! Ei, você ficou mais alto, não é justo. 

Tão sem reação, mal a abraçou de volta. 

— Ih, acho que ele travou, Mei. Será que tem uma Enfermeira Joy por aqui? TIO TREVOR É VOCÊ?! 

— Acho que Kenji tomou um energético antes de descer — Mei comentou baixinho em meio a risadas, porque agora ele quase derrubava o coitado do Trevor também. — Como você tá, Hideki? 

— Eu tô bem. Também estava com saudades. 

— Você não respondeu minhas últimas cartas, estava preocupada já. 

— Nossa, desculpa... Não queria te preocupar. 

— Tudo bem! Depois da festa, vamos conversar a sós, que tal? Assim colocamos o papo em dia. 

— Claro! 

Seria ótimo, ainda mais se a ideia não o deixasse ansioso, se soubesse o que falar para não cair em silêncios embaraçosos, e se conseguisse falar sobre as coisas que aconteceram nos últimos tempos. Talvez se saísse melhor deixando que só Mei falasse para ele ficar apenas ouvindo atenciosamente em silêncio. 

— Olha, as meninas também chegaram! — Kenji apontou para um grupinho mais a frente, onde estavam Akemi e Alissa conversavam com dois convidados e Sheena, ainda meio escondida dentro da própria jaqueta, limitava as respostas a alguns acenos de cabeça. Os Pokémon iniciais das três estavam lá como fiéis escudeiros: Darmanitan, Gallade e Luxray. Tão grandes, tão imponentes, tão fortes. A mão de Hideki foi sem querer até o bolso e apertou de leve a Pokébola minimizada ali. — Ei, meninas! Ei! 

Não só elas ouviram, como os convidados com quem conversavam também; logo que viraram de costas Hideki finalmente reconheceu Calem e Drasna.  

— Olha, Kenji, continua cheio de energia, né? 

— Vovó Drasna! 

Calem foi andando rápido par dar um tapa na cabeça de Kenji.  

— Não a chame de vovó, é falta de educação. Você não cresceu nada? 

— Deixe, eu não me importo. Estava com saudades do barulho dessas crianças! Kenji, Mei, Hideki, como vocês estão? 

Drasna não era tão mais velha assim, mas era verdade que agia como uma avó para os sete. Hideki adorava as tortas que trazia toda a vez que vinha ao Jardim, fosse para apenas visitar ou para uma lição especial sobre o tipo Dragão. Vê-la de novo lhe dava vontade de ir pedir um abraço. 

— Oi, Hideki. Como você está? 

Mas Alissa lhe trouxe de volta ao presente. Já conhecia o tom daquela pergunta: queria dizer "onde esteve nesses últimos meses?", "por que você sumiu?", "o que aconteceu de verdade?", várias perguntas que não queria responder. Ainda que o olhar de Alissa fosse diferente da maioria que perguntava isso — havia mais empatia ali —, mesmo que quisesse, ele nem saberia por onde começar. 

— Oi! Eu tô bem. E você? 

— Ah, que bom! — Ela forçou um sorriso. — Estou bem também.  

Conhecia aquele tom também. Ela não estava. 

— Hideki, você ficou mesmo alto! — Akemi vinha logo atrás, ainda bem. — Ei, já que estamos todos aqui, o que acham de irmos dar uma volta para relembrar o lugar. 

— Ainda falta o Satoru. 

— Falta, nada. Olha ele ali! 

Satoru estava na mesa do buffet comendo um quitute ao lado daquele Gabite enorme e intimidador que um dia fora um Gible fofo. Hideki até sentiu um nó na garganta e um calor no peito só de ver aquele cabelo azul tão familiar. Ele, Mei e Satoru formavam um trio insperável na infância, o trio com a promessa de se reencontrar na árvore de sempre quando voltassem para casa. Se Mei ainda era a mesma, tinha certeza de que Satoru também. Por isso, não pensou duas vezes antes de chamar o amigo cheio de animação: 

— SATORU!! 

 Deveria ter pelo menos reparado nas expressões dos outros antes de fazer isso, porque talvez teria se preparado melhor para a reação do velho amigo: ele olhou, sem sorriso nenhum, acenou brevemente como se fossem estranhos, se virou e continuou andando. 

Estar de volta a Kalos era uma sensação tal qual estar diante de um quebra-cabeça e conseguir ver a imagem pronta antes mesmo de montar. Por um momento pareceu que seria fácil encaixar as peças, por mais desorganizadas que estivessem. Porém, de nada adiantaria tentar montar tudo de novo se houvessem peças faltando. 

... 

Kenji já tinha ouvido falar no Campeão arrogante de Alola: não perdia nenhum desafio, não oferecia nenhuma palavra de incentiva aos treinadores derrotados, não dava nenhum crédito a sua Elite 4, e só era visto ou treinando ou sozinho. Diziam as más línguas que ele agia como um rei. Todos os boatos sobre Satoru eram negativos e iam contra o tal "espírito de Alola" de que sempre falavam. 

Por isso, queria ter sido mais rápido em alertar Hideki antes do amigo tentar chamá-lo daquele jeito. A reação fria do Campeão fez o rapaz murchar, logo quando começava a parecer mais animado. 

— Nossa — Akemi suspirou. — Bom, o que acham de irmos só nós mesmos? 

Kenji ainda olhava para Hideki, lembrando de quando o viu em Lavender Town alguns meses atrás.  

— Olha, vai ver que ele nem nos reconheceu por causa da iluminação! Eu vou lá falar com ele, tá bom?  

— Kenji, não precisa... 

— Relaxa, Mei. Eu já volto, podem ir na frente! 

Acabaram indo, Mei puxando o braço de Hideki. 

Kenji foi a passos rápidos atrás de Satoru. O encontrou sentado em um banquinho, sozinho, com o rosto fechado, só olhando para o restante da festa, e sinceramente não queria saber se aquela expressão era de um arrogante, de um solitário ou de um entediado, porque seu próprio sentimento era tal qual as ondas elétricas que saíam das bochechas de Pichu agora. 

— Aquele era o Hideki, sabia? 

— Eu sei. 

— Poderia ter dado um oi, então. 

— Eu dei. 

— Achei que vocês fossem melhores amigos. 

— Sim, cinco anos atrás. — Satoru olhou para ele como se fosse um estranho invadindo seu espaço pessoal, o que talvez fosse mesmo. — O que você quer? 

— Cara... Você realmente é o "Campeão arrogante de Alola". 

Satoru não respondeu. 

— Sabe, conheci um cara que nem você em Kanto. Ele era o mais forte, um exemplo até, mas escolheu viver sozinho e rejeitando todo mundo. Não era um sujeito feliz. 

— Você tá me comparando ao Red? 

— Hã, sim. Eu não quero que te ver igual a ele era. 

— E por que tá preocupado? 

— Ué... A gente é irmão, lembra? 

Satoru continuou calado olhando para frente. Não lembrava nem um pouco o menino agitado, carinhoso e sorridente com o qual Kenji cresceu. 

Então, ele ficou de pé, virou de costas e, antes de sair andando de novo, só disse: 

— Você não devia ficar confundindo o passado com o presente. 

As coisas que ainda queria dizer sobre estar com saudades e o quanto o admirava quando eram crianças não significariam nada para Satoru naquele momento, ou pior, teriam significado errado, e Kenji sabia disso. Pelo menos queria acreditar que não tinha chegado tarde demais.  


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