Chuva no Deserto escrita por Danilo Alex


Capítulo 3
Castigo de Deus


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Terceira e última parte dessa insanidade em forma de fic. Espero que gostem.

Dedico esse capítulo, ou melhor, essa história ao meu grande amigo/irmão Matheus Braga, talentoso escritor que conheci aqui no Nyah e que tem se mostrado desde sempre o meu maior apoiador. Grande abraço, Matheus!


Músicas para ajudar na imersão durante a leitura:

https://www.youtube.com/watch?v=GcG6xt5-iwQ


https://www.youtube.com/watch?v=B9FzVhw8_bY



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"Eu sou um castigo de Deus, e se você não cometeu grandes pecados, Deus não teria enviado um castigo como eu."

(Gengis Khan)

 

 

Posicionando o corpo, ele se virou e atirou do chão mesmo.

Lenora havia entendido o movimento inimigo e correu o mais rápido que podia, convertendo-se em um borrão. Quando começou a ouvir as primeiras detonações, ela uniu sua rapidez a habilidades acrobáticas, saltando mais de dois metros do chão e girando o corpo em manobras evasivas que impressionariam um artista circense. Sua flexibilidade e destreza desafiavam a gravidade.

Entretanto, nem sua vertiginosa velocidade ou suas manobras acrobáticas puderam salvá-la da fúria de um Renegado. Ele também fez uso de seus poderes sobrenaturais, acurando sua pontaria e triplicando a velocidade ao disparar. A linha de fogo seguiu Lenora implacavelmente pelo saloon. Ela ainda desviou-se do terceiro e quarto tiros, mas o quinto encontrou seu corpo enquanto ela ainda girava no ar. A bala fervente atingiu-a no ombro esquerdo, varando e despedaçando a clavícula, saindo pelas costas em seguida.

Um jato de sangue negro escapou do ferimento. Com um grito angustiado, a vampira caiu.

Colocando-se de pé, comprimindo as costelas fraturadas, o Renegado cambaleou rumo à presa ferida. Sangrando no assoalho, Lenora reuniu as forças que ainda lhe restavam para metamorfosear-se em névoa. Passou pelo pistoleiro e desceu a rua, reassumindo sua forma “humana” para tentar fugir.

Montando seu belo cavalo, o Renegado seguiu os rastros de sangue escurecido. Sabia que ela não iria longe.

No momento em que alcançavam os limites de Gold Fortress e começavam a levar sua perseguição para o deserto, as primeiras grandes gotas de chuva despencaram das nuvens pesadas. Apertando os olhos em meio ao temporal, do alto de seu cavalo, Sean Ridell avistou Lenora à sua esquerda, avançando com dificuldade, fugindo como um puma ferido.

Emparelhando com ela, o Renegado sacou o revólver e lhe explodiu a rótula da perna direita. O trovejar da arma confundiu-se com o das nuvens carregadas em colisão. A vampira tombou como um fardo, gritando, agarrando o ombro e o joelho baleados.

Sean apeou do animal, sabendo que sua caçada estava chegando ao fim. Engatilhou seu Colt místico, aproximando-se da adversária caída. As costelas ardiam como o próprio inferno. A chuva se tornava torrencial.

— Por que está fazendo isso? – gemeu Lenora ensanguentada, encolhendo-se em posição fetal no chão arenoso.

— Porque você chacinou duas cidades inteiras, ceifando vidas inocentes, incluindo a de um dos poucos amigos que me restavam: Carson Wayne, xerife de Horizon.

— Seu amigo era um homem corajoso. – a vampira tremia, batia queixo, talvez pela chuva intensa, talvez pela perda maciça de sangue. Ela não podia se curar tão facilmente, pois a arma de Sean era mística, tinha sido forjada no Inferno, bem como sua munição.

— Ele enfrentou a morte com mais dignidade do que você. – Sean era tão implacável com as palavras quanto com os Colts.

 – Os matei para saciar minha sede. – justificou-se a loira – Tenho apenas duzentos anos, sou uma vampira jovem. Preciso de muito sangue.

— Explique-se ao Diabo. – rosnou ele.

— É dinheiro que você quer? Tenho bastante. Posso pagá-lo.

— Nunca foi pelo dinheiro. Estou aqui porque prometi a um amigo. E sou um homem de palavra.

A chuva os encharcava naquele instante crucial. Sean apontou o Colt para o rosto crispado da morta-viva.

Seu cérebro enviou a ordem assassina aos dedos, para que puxassem o gatilho.

O problema é que seus dedos não obedeceram.

Uma estranha paralisia se apoderou repentinamente de seu corpo. Conseguia mover somente a cabeça, como se seu tronco estivesse congelado.

Então, em um momento de clareza absoluta, a verdade estalou em sua mente.

— Arahmon! – esbravejou o Renegado – Que diabos pensa estar fazendo?

Soltando uma risada sardônica, a criatura mencionada materializou-se ao seu lado.

Arahmon era o ardiloso demônio com o qual, em um instante extremo de aflição, Sean Ridell selara um pacto diabólico, vendendo sua alma em troca de poderes para vingar sua família massacrada por bandidos. A partir do dia em que fizeram seu sombrio acordo, a terrível entidade passou a seguir o Renegado em toda parte, como um guardião sinistro.

Geralmente ele aparecia assumindo a forma de um velho espantalho de lavoura: alto, muito magro, cabelos pretos compridos e anelados, sobretudo franjado e puído de couro, calças escuras, botas, chapéu e lenço no rosto.

Arahmon era um grande adepto de qualquer forma de destrutividade; por isso, Sean não entendia a razão de o demônio intervir justo naquela hora, quando o Renegado estava prestes a liquidar sua presa.

— Já se divertiu muito por hoje, Renegado. Como cavalheiro que sou, não posso permitir que machuque mais essa pobre e bela dama. – zombou o demônio com sua voz assustadoramente cavernosa.

— Seu maldito! – vociferou Sean, ainda sem conseguir se mexer.

O monstro soltou sua risada odiosa. Voltou-se então para a morta-viva no chão. Fazendo uma reverência sarcástica, falou:

— Oh, ilustríssima senhora Lenora Von Born, filha do venerável Marquês Radu Von Born, soberano da Transilvânia! Parecia estar em sérios apuros antes de minha chegada. Onde está sua altivez agora, vampira?

Embora não respondesse, ela o fuzilou com os olhos, expressando o que ainda lhe restava de dignidade.

A chuva e os ventos rugiam ao redor deles.

— Venha. – disse Arahmon, estendendo a mão para ela. – Erga-se. Recomponha-se. Hoje é seu dia de sorte. Ou sua noite de sorte. O que preferir.

O Renegado, indignado e furioso, observava a cena sem poder fazer nada.

Assim que Lenora se levantou, Arahmon estalou os dedos.

Na mesma hora um magnífico cavalo surgiu diante deles. Era jovem e forte, pelo cor de chocolate, patas vigorosas e peludas, garupa larga, olhos refulgentes como fogo. O diferencial eram as duas grandes asas de morcego que se projetavam de seu dorso musculoso. Uma espécie de Pégaso Infernal.

Ajudando Lenora a subir em sua excêntrica montaria, Arahmon disse:

— Seu cavalo voará com você rapidamente até o cais mais próximo. Haverá apenas um navio ancorado ali, que partirá ao amanhecer, com destino à sua terra. Entre nele e se esconda no porão. Logo o dia vai raiar.

— Obrigada por manter seu cão longe de mim. – falou Lenora, indicando Sean – Ele é perigoso fora da coleira.

— Sem problemas, boneca. Só não o deixe vê-la mais nesse continente. Caso ele te encontre novamente e queira terminar o serviço, talvez eu não esteja tão bem humorado para salvar seu lindo pescocinho uma segunda vez.

— Agradeço, Arahmon. Ninguém que ajude um Von Born fica sem retribuição.

— Assim espero, madame. Tenha certeza que, na hora oportuna, vou cobrar o favor. Vá agora.

O diabólico cavalo alado alçou voo, levando Lenora em segurança, livrando-a definitivamente do alcance de Sean Ridell. Ao ter certeza de que a vampira estava bem longe, Arahmon libertou o Renegado do feitiço que usara para imobilizá-lo temporariamente.

Embora seus olhos cintilassem sinistramente, o homem não disse nada. Devolveu seu par de revólveres aos respectivos coldres. Depois, assobiou para chamar sua belíssima montaria. Enquanto subia para o alto da sela, notou satisfeito que as costelas somente latejavam e a dor da fratura se tornara agora suportável. Seu misterioso poder de cura acelerada, obtido no pacto, devia estar agindo. Em breve não sentiria mais nada.

— É inútil tentar segui-la. – declarou Arahmon com gravidade.

— Eu sei. – respondeu Sean de modo calmo, alarmante – Não pretendo ir atrás dela.

A chuva diminuíra de intensidade, mas ainda se fazia presente, regando com suavidade o mortal Deserto de Sonora.

Arahmon sentiu-se apreensivo. Toda aquela tranquilidade não era normal. Preferia que seu protegido estivesse esbravejando. Calmaria era sinal de perigo iminente. Não gostava nada daquilo.

— Eu não podia permitir que você a destruísse. – começou Arahmon cautelosamente, quase em tom de desculpas – Lenora é uma boa garota, me será muito útil ainda no futuro. Talvez por ser uma vampira jovem, é também bastante ingênua: devido a uma tola profecia de sua linhagem, ela cruzou o oceano, certa de que encontraria na América seu prometido, um homem de coração puro e alma incorruptível, que ela converteria em vampiro, desposaria e levaria para a Transilvânia. Em tese, esse seria o escolhido para unificar e governar todos os vampiros. Que piada! Me admira muito haver ainda criaturas das trevas dispostas a acreditar nesses contos de fadas ridículos! Uma coisa, no entanto, eu posso garantir, Renegado: Lenora Von Born jamais massacrará alguém nesses arredores de novo.

— Mas graças a você, ela ainda está livre para matar outras pessoas.

O demônio abaixou a cabeça num gesto falso de arrependimento. Fechando o punho, bateu contra o próprio peito, dizendo:

Mea culpa!  Reconheço. Espero que possa me perdoar algum dia por isso.

Do alto de sua montaria, dirigindo-lhe um olhar indecifrável, Sean Ridell apenas deu de ombros:

— Na verdade, não me importa. Talvez não seja aqui hoje, nem amanhã que Lenora pagará por seus crimes. Pode ser que se passem cem anos, ou até mais, e aconteça em outro lugar. Todavia, o que posso assegurar é que ela encontrará alguém de coração bondoso e forte o bastante para liquidá-la. Quando isso acontecer, o povo de Horizon e Gold Fortress e todas as pessoas por ela assassinadas serão vingadas. Todo o sangue inocente derramado por Lenora clama aos Céus por retribuição, e esse clamor se extinguirá no dia que a vampira for devolvida ao inferno, de onde não devia ter saído. Nesse dia o meu amigo xerife Carson Wayne descansará em paz, e eu finalmente terei cumprido a promessa que fiz. E não haverá nada que você poderá fazer para impedir, Arahmon. Porque a vida é como um ciclo – não se pode fugir das consequências. No momento certo, você, eu e Lenora teremos exatamente aquilo que merecemos.

O Renegado fez uma curta pausa antes de concluir:

— Sabe como eu sei disso tudo? Eu sei, porque a Justiça é como Chuva no Deserto: Pode até ser que demore, mas sempre vem.

Arahmon não teve resposta para aquilo. Tampouco Sean Ridell esperou por uma.

Com um toque suave nas rédeas, o Renegado girou seu belo corcel e afastou-se do sombrio interlocutor. Cavalgando, rumou para o horizonte, que já não era mais tão escuro, porque a aurora o tingia com suas primeiras cores.


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Notas finais do capítulo

E é isso, meus amigos. A você que chegou até aqui, meu muito obrigado. Histórias de faroeste fazem parte de um gênero renegado, fora-da-lei. Então, se você foi rebelde e determinado a ponto de chegar até aqui, merece todos as láureas, com certeza. Muito obrigado, de coração. Se puder deixar um review, ficarei ainda mais grato.
Nos vemos na próxima história!