O azar de Furihata Kouki escrita por Lyubi


Capítulo 6
Jantar




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Uma espécie de mordomo me recebeu e me levou através do quarto, que mais parecia um apartamento de tão grande, até o exterior da sacada onde uma mesa á luz de velas estava à espera.

Akashi-san estava num canto da sacada olhando a grande Tóquio cheia de luzes na noite. Ele tinha uma taça em mãos. Não se virou quando fui anunciado então aproveitei para beber um copo d'água antes de me aproximar.

— Akashi-san?

Ele virou apenas metade do rosto ao meu chamado. Estava bravo?

Cheguei mais perto da fera e estendi as flores. Achei que ficaria muito mais envergonhado, mas agora que estávamos cara a cara eu tinha me acalmado.

— Elas estão um pouco amassadas, acho que estraguei o papel aqui embaixo, mas elas continuam muito lindas. Você tem muito bom gosto — desandei a falar.

Contrastando minha agitação, Akashi-san virou-se para mim devagar e me analisou de baixo para cima antes de pegar as flores com a mão livre.

— São mesmo lindas.

Nos encaramos por um momento. Ele era pouco mais alto que eu, mas quase ficávamos cara a cara.

— Então… Vamos jantar?

Ele assentiu e fez um gesto para que eu fosse à frente. Engoli em seco enquanto caminhava até a mesa. Um dos empregados já tinha reposto a água em meu copo. E um deles puxou minha cadeira para que eu me acomodasse.

— Seja sincero se não gostar de algum prato.

Ele falou alguns nomes italianos que eu não identifiquei, mas concordei com a cabeça no automático. Eu comeria até terra no nervoso que estava.

— Ah... Eu não bebo vinho. Me dá dor de cabeça — avisei antes que fossemos servidos.

Akashi-san assentiu e fez um gesto para o empregado principal. Observei ao redor enquanto os dois conversavam. O parapeito da sacada era de vidro e havia detalhes em madeira escura no corrimão, no chão e na porta dupla. Tradicional e luxuoso como esperado de Akashi-san. Os serviçais eram muito graciosos e discretos; além do mordomo principal havia mais dois se movimentando com bandejas em algum ponto dentro do apartamento.

— Ele recomendou um suave chá gelado para não interferir no paladar. Acho que você vai gostar. — Concordei com a cabeça. — Você está muito lindo.

Beberiquei a água tentando disfarçar o rubor.

— Akita-san me ajudou nas compras. — Percebi que não tinha reparado em suas roupas até o momento. Akashi-san usava um conjunto parecido com o meu, mas em um tom profundo de azul escuro. Algo nele fazia o traje parecer mais natural. — Que bom que eu acertei em escolher algo formal. Mas acho que esse estilo fica perfeito em você, Akashi-kun. Você também está... Muito... Lindo.

O olhar vermelho do outro lado da mesa era desconcertante. Eu queria poder ler o que se passava naquela cabeça enquanto ele me fixava de modo tão arguto.

O empregado voltou com a bebida e Akashi-san esperou que eu aprovasse para só então mandar nos servir. A aparência das massas era boa apesar dos nomes indecifráveis. O gosto era melhor ainda e mesmo ainda desconcertado com toda a situação, percebi que estava com fome. Por alguns minutos tudo o que se ouviu foi o som dos talheres e de uma música instrumental suave ao fundo.

— Kouki-kun?

— Hm?

— Está gostoso?

Fiz que sim a cabeça, ainda terminando de mastigar. Ele sorriu antes de se voltar para o seu próprio prato.

Quando terminamos, eu suspirei satisfeito. O tal chá pareceu arrematar tudo no final, como se limpasse o paladar do tempero e refrescasse.

— Antes que eles venham com a sobremesa... — Akashi me estendeu o guardanapo e limpou meu queixo. Algo na minha expressão o fez rir.

— Por que não me falou antes, Akashi-kun?! — briguei baixinho.

— Você estava com fome. O jeito como você comeu foi o melhor elogio que eu poderia ter recebido. Se o chef estivesse aqui, ele ficaria orgulhoso de si mesmo.

— Akashi-san! Pare de brincar. Saiu tudo?

Ele assentiu chamando pela sobremesa e eu bufei indignado. Pelo menos, o clima estranho pareceu se esvair ao vento.

A sobremesa de morango estava simplesmente divina. Antes que eu me traísse e começasse a dançar na cadeira de satisfação, olhei feio para o outro lado da mesa para comprovar que Akashi-kun me espiava. Ele sorriu quando percebeu minha desconfiança.

— Pedi um a mais para você levar. Fiz mal?

— Não! Esse tipo doce com azedo é o meu preferido. Isso está perfeito.

— Você me disse — ele pontuou deitando a cabeça de lado e escorando o rosto na mão.

Meu olhar passeou pelo espaço da sacada até o céu estrelado e se concentrou no doce de novo.

— Obrigado — murmurei.

Akashi se levantou quando eu terminei a sobremesa. Eu o segui até o canto da sacada sem entender.

— O que...

— Aqui.

Me aproximei para ver o que ele queria mostrar, mas não consegui ver nada.

— Não estou vendo Akashi-san.

Ele apontou lá embaixo. Àquela altura tudo parecia miniatura.

— Viu?

— Não...

Mas ainda estava procurando quando senti o sopro em minha orelha. Dei um passo atrás tapando o ouvido.

— Quantos anos você tem? — ralhei.

Akashi-san riu e voltou a encostar-se ao parapeito olhando a cidade ao longe. O imitei e ficamos em silêncio um instante. Estávamos lado a lado, tão perto que eu sentia o calor do seu braço chegar ao meu.

— Furihata-kun?

— Hm?

— Não sei como fazer isso.

— Fazer o quê?

Ele apontou nós dois.

— Não é tão diferente do tradicional — comentei.

— Já te contei sobre minha experiência com o "tradicional".

Fiz que sim com a cabeça.

— Você tem experiência — apontou.

— Eu te falei sobre a "incompatibilidade de gênios", ne? Era um cara. — Senti o olhar de Akashi-san sobre o meu rosto, mas não retribuí. — Foi o melhor relacionamento que eu já tive. Mas eu era "a outra".

— Ele era casado — afirmou.

— Namorada. Ele não queria assumir sua sexualidade "não convencional". E não é que eu queira carregar um letreiro no pescoço; não gosto que invadam a minha vida pessoal... Mas ele queria me esconder dentro de um armário como se eu fosse uma coisa e não uma pessoa.

— Não consigo imaginar como deve ser isso, Kouki-kun. Sinto muito.

— O pior é que eu não tenho dúvidas que ele tenha me amado, sabe? Mas sentimentos são voláteis… sem determinação, compromisso, um relacionamento está fadado a terminar.

Ele ficou em silêncio processando tudo que eu tinha contado.

— Você disse que sentia que eu era superior a você quando nós eramos mais novos. Espero que você não pense mais assim, Furihata-kun. — Ele se ajeitou para ficar de frente para mim e eu retribuí com relutância. — Quanto mais eu te conheço, mas percebo a minha ignorância. Quero que você me ensine tudo que eu não sei.

— Akashi-san, o que eu teria para te oferecer? — Neguei baixando a cabeça.

Ele ergueu meu queixo e segurei sua mão. Olhos mergulhados nos olhos pelo que pareceu uma eternidade. Por que eu nunca notava que tinhamos nos aproximado tanto até estar a centímetros dele?

Quando falou, sua voz era baixa e carregada de sentimento.

— Nunca me sinto tão livre como eu sou quando estou com você, quando falo com você. Nunca, nunca mesmo, contei para ninguém as bobagens que passam pela minha cabeça e você arranca isso de mim sem nem fazer nada. Você... “Abre e entra” como se eu não tivesse mil e um cadeados e placas de aviso. — Sentia sua mão tremer junto a minha e ele falava tão rápido agora que quase ofegava. — Quero ficar com você. Quero que você fique comigo. Eu não sei muito sobre relacionamentos, muito menos sobre relacionamentos homoafetivos, mas... a minha criação já me fez desistir de pensar por mim mesmo muitas vezes, não vou deixar isso me atrapalhar agora. Quando eu reencontrei você naquele aeroporto foi como se água tivesse brotado sobre uma terra há muito tempo seca. Me senti abençoado. Troquei de lugar com Hideo-san. O meu assento era na primeira classe, não na executiva, Furihata-kun. Mas eu queria falar com você de novo. Conhecer a nova pessoa que você se tornou. Acho que eu nunca deixei de estar apaixonado...

Eu tapei sua boca com minhas duas mãos. As lágrimas pesadas caíram no chão. Suas palavras pareciam adagas perfurando meu corpo e alma.

Ele rodeou meus braços sobre seus ombros e abraçou minha cintura. Encaixou seu rosto em meu pescoço. O perfume dele tinha algo de cítrico e doce que acalmou meu choro.

— Peço perdão se eu te magoei de alguma forma — ele murmurou abafado em meu ombro.

Fiz que não com a cabeça.

— Eu... — pigarreei antes de continuar. — Fiquei muito feliz... Estou com medo — confessei. — Esse sentimento parece tão grande que vai me engolir.

Ele se afastou para me olhar nos olhos.

— Estou sendo muito intenso...? Eu despejei as coisas em cima de você, não foi?

Eu ri.

— Pode se despejar quantas vezes quiser, Akashi-kun. O sentimento que me dá medo… Não é o que você sente por mim, mas o que eu sinto por você.

Ele me olhou por um momento, sua expressão mudando lentamente para pura alegria conforme processava o significado das minhas palavras. Seu olhar ameno junto ao pequeno sorriso contente me fez pensar em anjos. Ele voltou me apertar num abraço afável.


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