Enquanto sua sombra vem escrita por Natália Kalim


Capítulo 21
Lembrança Número 3




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Mesmo na penumbra, eu vi quando o garoto estendeu a mão para mim e sussurrou meu nome. Jamais consegui captar a palavra que saiu de seus lábios, pois ela se distorceu no ar como se tivesse sido emitida debaixo da água. Assim mesmo eu sabia que tinha sido comigo e por isso me virei.

 

— Você não é aquela garota gótica esquisita? — ele perguntou.

 

Suspirei de modo entediado.

 

— Boa noite para você também.

 

— O que faz aqui uma hora dessas?

 

Levantei para ele a sacolinha branca e meio transparente que eu carregava.

 

— Meu padrasto me mandou comprar cigarro.

 

Ele franziu o cenho.

 

— O Ronaldo vende para você? — seu dedão apontava para o infame bar em suas costas. — Ele não te disse que você é muito nova?

 

— Ele sabe que não é pra mim.

 

O Ronaldo era um velho amigo e estava mais do que habituado aos hábitos nada saudáveis do meu padrasto. Minha mãe mesmo tinha ido muitas vezes naquele bar, apenas para resgatar o homem com que ela tinha se casado das mesas de plástico em que ele normalmente podia ser encontrado quando estava bêbado.

 

— Você acha que poderia comprar um maço para mim?

 

— Não.

 

Dei as costas e comecei a andar. O garoto me puxou pelo braço.

 

— Qual é? Pensei que nós fôssemos amigos.

 

— Eu nunca te vi em toda a minha vida. — cortei.

 

É claro que eu tinha visto.

 

— Nós somos da mesma sala!

 

Lógico que éramos. Eu via aquela fuça todos os dias, bem ao lado do tipo de garoto babaca que não quer nada da vida além de fazer bullying com pessoas com eu. Não que a zoação me afetasse, afinal eu não estava nem aí para o que os outros pensassem de mim. Mas haviam pessoas que se importavam e era justamente por isso que eu não gostava daquele... tipinho.

 

— Para minha infelicidade, já basta estarmos no mesmo planeta. — respondi.

 

— Nossa. — ele disse, afastando-se de mim. — Tá bom, então.

 

Voltei a caminhar, torcendo para que ele me deixasse em paz.

 

— Amanhã, estarei aqui. — ouvi o garoto dizer enquanto me afastava. — E no dia depois dele. E em todos eles, até você comprar um cigarro para mim!

 

Vai sonhando, eu quis dizer.

 

Mas eu não sabia o que ia acontecer depois. Ninguém sabia.

 


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