Um Amor de Natal escrita por Mari Pattinson


Capítulo 2
Lado Esperançoso


Notas iniciais do capítulo

Oi, pessoal!

Voltei com o segundo capítulo!

Queria muito agradecer pelos comentários no capítulo anterior das maravilhosas: MelBlack, Valk, pnsyparkinson, novacullen e ju. Obrigada por todo o incentivo, meninas!

Espero que gostem desse capítulo!

Nos vemos nas notas finais!



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22:20h

─ Chegamos ─ disse o Oficial, estacionando a viatura em frente a uma casa grande e elegante num dos bairros mais nobres de Seattle.

A fachada da casa era linda, alta, toda branca e o jardim da frente estava coberto por uma fina camada de neve, como se tivesse acabado de ser limpo.

─ O Senhor não está passando a perna em nós, está? ─ Não pude conter minha desconfiança.

Era muito estranho que ele tivesse levado quatro pessoas de rua justamente para aquele local. Será que ele pensava que poderia vender a mim e a Alice naquela região? Mesmo que eu estivesse naquele estado deplorável?

─ O que? Não! ─ O Oficial deu uma risada ─ Não precisam ficar com medo, meu pai é o melhor médico da cidade e minha mãe é a melhor companhia que vocês poderiam encontrar.

─ Cara... Não me leve a mal, mas o que eles vão pensar quando virem um bando de sem-teto na casa deles? ─ perguntou Paul, dando voz ao pensamento de nosso grupo todo.

Eles já estão acostumados, não se preocupem. Vou só apresentar vocês rapidamente, porque tenho que voltar para o meu turno ─ respondeu o Oficial, sorrindo para nós.

Se eu o achava ligeiramente esquisito pela sua atitude, não fazia ideia do que esperar dos pais dele.

Nós saímos da viatura e o Oficial Cullen destrancou a porta da frente – o que demonstrava que ele realmente morava ali, ou, pelo menos, tinha permissão para entrar e sair daquela casa quando bem entendesse.

Ele entrou primeiro e segurou a porta para nós. Alice estava na minha frente, ainda bastante protetora em relação a mim, mas devido à sua baixa estatura, consegui enxergar perfeitamente o hall de entrada daquela maravilha que o Oficial Cullen devia chamar de lar.

O piso era de madeira clara e elegante – como tudo naquela casa – e as paredes pintadas num tom de laranja quente e suave tornavam o ambiente mais acolhedor. Ao lado direito da porta, havia uma espécie de “cabideiro de ganchos" grudado à parede, e três casacos apoiados nele. No chão, três botas: duas marrom-escuras que poderiam facilmente pertencer a gigantes, de tão grandes, e outra mais delicada, tanto em tamanho, quanto em modelo.

Perguntei-me se alguns daqueles pertences eram do policial, ou se mais alguém além dos pais dele morava naquela casa, já que as botas que ele usava eram idênticas às que estavam sob o “cabideiro", e eu achava meio estranho que uma pessoa tivesse dois itens de vestimenta iguais, apesar de saber que gente rica geralmente fazia tudo o que dava na telha, afinal, não precisavam economizar em absolutamente nada.

Do lado esquerdo, havia um móvel de madeira na altura de minha cintura, com uma única gaveta, e de tom mais escuro que o piso. Acima dele, um espelho com uma moldura da mesma cor e, de relance, vi que minha aparência estava péssima. Ainda na mesma parede, alguns metros mais para frente, percebi uma escada de madeira – com corrimão do mesmo material – que levava até o andar de cima.

O Oficial foi nos conduzindo por um pequeno corredor até chegarmos a um ambiente bastante amplo.

De meu lado esquerdo, a “sala de estar", composta por um sofá marrom em “L", que ficava apoiado na parede oeste, cheíssimo de almofadas estampadas em padrões de folhas; um tapete felpudo e branco; uma mesinha de centro quadrada, de madeira clara, com tampo de vidro; além do móvel da televisão – que, para mim, poderia facilmente ser confundida com uma tela de cinema – com alguns livros e porta-retratos.

Tais porta-retratos registravam, nas mais variadas configurações, quatro pessoas, sendo três homens – um deles o Oficial – e uma mulher, o que batia certinho com o número de botas e casacos no hall de entrada. Por causa da distância, não consegui ver com detalhes a aparência das outras pessoas na foto, mas algo me dizia que eu não demoraria muito para conhecê-las.

Do outro lado, uma mesa retangular de oito lugares, o tampo também de vidro, com cadeiras acolchoadas num tom de marfim, compondo uma sala de jantar elegante e que combinava perfeitamente com o ambiente composto.

Na parede de fundo, que unia as duas salas, três janelas em arco que iam do chão ao teto – e demorei um pouco para perceber que a do meio, na verdade era uma porta que levava a algum ambiente externo. Havia cortinas cor de creme da mesma altura; elas estavam abertas, mas a escuridão da noite me impedia de enxergar com clareza o que tinha do outro lado.

Ao final da sala de jantar, à leste, havia uma outra parede, com uma grande abertura, mas as luzes apagadas do outro cômodo me deixavam sem ideia sobre o que ele seria... Uma cozinha, talvez?

O Oficial Cullen nos deixou “à vontade” e foi chamar os pais no andar de cima. Nós estávamos cansados, mas não seríamos loucos de sujarmos qualquer um daqueles móveis perfeitos, então nos ativemos a permanecermos quietos. Não sabíamos se podíamos realmente confiar naquelas pessoas e a última coisa que queríamos era mais encrenca – ainda mais pelo fato de que havia um policial em cena!

Falando nele, o Oficial não demorou a voltar e, junto dele, estava um casal: seus pais, os donos daquilo tudo e que, contrariando minhas expectativas – e as de meus amigos – não estavam bravos ou enojados de nos terem na sala de sua casa. O Senhor e a Senhora Cullen eram um casal de meia-idade, muito gentis, que não se abalaram em nada ao verem quatro jovens tremendo – de frio e de medo de estarem entrando numa emboscada, afinal, as histórias a respeito corriam soltas nas ruas –, famintos e uma delas – eu – com a cara toda arrebentada.

O Senhor/Doutor Cullen era um cinquentão bem alegre e despojado, de cabelos grisalhos e olhos azuis brilhantes e gentis. Ele era alto e, segundo o próprio, estava no auge de sua forma física – e realmente, o homem não perdia em nada para garotões exibicionistas e idiotas. Ele havia se aposentado recentemente de seu trabalho no hospital e estava dando cursos livres – e gratuitos – de primeiros socorros a torto e a direito, para quem quisesse.

A Senhora Cullen, ou Dona Esme, como aparentemente era chamada, era dona dos olhos mais verdes e mais acolhedores que eu já havia visto. Ela tinha a minha estatura e os cabelos na altura dos ombros eram de um tom bem claro de ruivo, como se estivessem perdendo a intensidade conforme envelhecia. Seu físico era levemente mais arredondado que o do marido, mas aquilo não a tornava menos bonita – ou elegante. Ela era uma professora de história aposentada, mas continuava dando aulas gratuitas para... Assim como o Sr. Cullen, quem quisesse tê-las.

Os dois tinham uma ONG para... Pessoas como nós. Era perceptível – como num eufemismo – que os dois eram bastante abastados economicamente, e usavam o tempo livre – praticamente as 24 horas do dia, depois que se aposentaram – para ajudar os mais necessitados a “encontrarem a si mesmos” através de atividades educacionais e profissionalizantes – eles também davam aulas lá –, de maneira que, no futuro, pessoas como nós também pudessem contribuir com a sociedade.

O meu lado mais esperançoso acreditou de imediato. Ele estava sempre pronto e tinha fé em todos, mas o meu lado desconfiado, que desabrochou ainda mais depois do meu período nas ruas, me alertava de que pessoas boas, naquele nível, não existiam.

Para esse meu lado, pessoas ricas nunca se importariam; nós éramos, afinal, invisíveis aos olhos de quem não era como nós, então por que, uma família como aquela faria tanto por uma gente que não tinha nada a oferecer, que não poderia retribuir à mesma altura?

─ Eu sei que devem ter mais perguntas do que respostas, mas venham comigo. Quando Bella estiver melhor, vamos levá-los para conhecer a ONG ─ disse Dona Esme, com sua voz suave e gentil, enquanto nos guiava até o andar de cima de sua casa e instalava eu e Alice numa suíte, e Paul e Tyler noutra.

Já estava quase zonza de ver tantas portas naquele segundo andar e percebi, chocada, uma outra escadinha que levava a mais um!

Não tive tempo de pensar muito, porque, logo, Dona Esme nos deu toalhas felpudas e macias e roupas limpas e confortáveis – eu estava surpresa que ela nos confiasse itens de tamanha qualidade –, e disse que assim que terminássemos, poderíamos descer para comer alguma coisa e o Doutor Cullen faria um curativo em mim.

Observei o quarto espaçoso com duas camas de solteiro. Fazia tanto tempo que eu não entrava numa casa, que eu não via uma cama!

As paredes do quarto eram de um tom suave de creme e as camas, uma recostada à parede oeste e a outra à leste, estavam forradas com jogos de lençol idênticos e florais. Também havia uma cômoda larga de madeira clara do lado direito da porta e uma penteadeira da mesma cor, do lado esquerdo, com uma cadeira cor-de-rosa super acolchoada. Um lustre elegante adornava o centro do teto branco, enquanto o piso era de madeira alguns tons mais escura que a cômoda, e havia uma porta em arco entre as camas – bastante parecida com a das salas – que dava para uma varanda espaçosa – e por maior que fosse a minha curiosidade em checar a vista, sabia que estava frio demais para fazê-lo naquela hora.

─ Tome seu banho primeiro, Bella, pra desinfetar logo esse rosto ─ Alice falou, gesticulando para a porta do banheiro.

E, se eu já estava embasbacada com a beleza daquela casa antes, quase desmaiei ao entrar no banheiro. Era impossível não compará-lo ao de minha antiga vida.

Ele era tão espaçoso quanto o quarto, tinha dois chuveiros com banheira e duas pias de granito unidas por um móvel de madeira com duas gavetas de cada lado, do mesmo tom da cômoda. O vaso sanitário era igualmente chique e branco, assim como os azulejos do piso e do box de vidro – exceto que, na parte central, eles eram pequenas pastilhas quadradas em diferentes tons de laranja.

Sobre a pia – eu não sabia se me referia a ela no plural ou no singular –, havia todo o material de higiene de que precisávamos: duas escovas de dentes, um tubo de pasta de menta e fio dental; dois tubos de sabonete – um para o corpo e outro para as partes íntimas, shampoo e condicionador de coco, e um conjunto de creme, pente e escova para pentear os cabelos.

Também havia um grande espelho e levei alguns minutos para me aproximar dele. Não gostava muito de ver a minha própria imagem e saber que minha cara estava praticamente destruída me desanimava ainda mais.

Meus cabelos estavam sujos e molhados pela neve já derretida, os fios completamente embolados um no outro. A pele de meu rosto, outrora pálida, estava coberta de manchas arroxeadas, principalmente ao redor de meu olho direito e nas bochechas; por falar nelas, o tal corte sobre o lado esquerdo ainda sangrava e eu começava a sentir um pouco de dor. Para finalizar, meus lábios estavam inchados e roxos, como se eu os tivesse esfregado contra uma placa de gelo.

Não era uma pessoa exatamente vaidosa – nunca pôde me dar ao luxo – mas estar machucada daquela forma trazia uma sensação horrível, eu realmente parecia um monstrinho, alguém totalmente diferente, por dentro e por fora, daquela garota que, no mesmo dia em que completou 18 anos, também havia preferido as ruas a ter que se submeter a um homem feito Jacob Black.

Essa mesma garota não estava mais nas ruas e embora não confiasse completamente no Sr. e na Sra. Cullen, sabia que, se não fosse por eles, talvez morresse congelada nas próximas horas.

─ Alice! ─ Coloquei minha cabeça para dentro do quarto, vendo minha melhor amiga barra irmã me encarando curiosamente ─ Tem chuveiro suficiente para nós duas! ─ comentei, ganhando uma risada gostosa (e rara) daquele serzinho tão protetor e que eu aprendi, tão rápido, a amar.

Ela entrou no banheiro, tão maravilhada quanto eu, e após observar o cômodo, decidimos que não seria nada demais nos banharmos juntas. Já havíamos enfrentado tanto nas ruas que, vermos uma a outra nua parecia ínfimo diante de tudo o que já tinha acontecido conosco.

─ Você gostou do policial, não gostou? ─ provoquei-a, enquanto testava a temperatura da água.

Quentinha. Perfeita!

Alice soltou um palavrão enquanto eu ria e começava a me despir.

─ E você tem uma bunda gigante, você sabia disso? ─ ela resmungou, dando um tapinha em minha pele.

─ O fato de você não responder a minha pergunta significa que você gostou dele mesmo e só está tentando me enrolar? ─ provoquei-a mais uma vez, ganhando mais um palavrão como resposta.

Entrei no box para fugir de mais um tapinha e gemi ao sentir a água gostosa percorrendo cada centímetro da minha pele. Banhos eram raros. Banhos quentes, mais ainda, e eu agradeci a Deus – ou quem quer que estivesse lá em cima –, por colocar aquele policial nas nossas vidas.

─ Bella, fala sério, ele pode ter nos ajudado, mas ainda assim é um policial! ─ Alice falou calmamente, como se tentasse ensinar algo a uma criança (no caso, eu).

Ela também entrou no box e começou a se banhar.

─ Meu pai era policial ─ murmurei, vendo-a arregalar os olhos. Eu ainda não tinha contado aquele detalhe para ela ─ Ele morreu numa emboscada quando eu era um bebê. Me pergunto o que teria acontecido se ele ainda estivesse vivo...

Suspirei, sentindo meus olhos marejarem. Talvez eu jamais tivesse ido parar nas ruas, mas também nunca teria conhecido Alice, Tyler e Paul. Eles eram a família que eu já tinha perdido as esperanças de ter. E tê-los comigo, era melhor do que ficar sozinha.

─ Eu sinto muito por seu pai, Bella, de verdade ─ Alice murmurou, pegando minha mão e acariciando-a num alento ─ Mas isso não muda o fato de que a maioria deles são grandes filhos da...

Eu ri, concordando com a cabeça já prevendo o seu xingamento e eu mesma soltei um palavrão quando a água entrou em contato com meu rosto dolorido.

─ Já pensou, Bella? Que se os Cullen realmente nos ajudarem a gente nunca mais vai precisar mendigar, furtar, ou nos vender por um pacote de biscoitos? ─ perguntou Alice, me encarando com uma expressão verdadeiramente sonhadora.

Eu nunca havia visto tal expressão em seu rosto, muito porque nós não nos permitíamos (ou não nos incomodávamos em) sonhar. Qual era o sentido, estando nas ruas? Quando a única certeza que tínhamos era que nunca podíamos baixar a guarda por nada nesse mundo?!

─ Quem sabe, né? ─ falei, encarando seus olhinhos azuis ─ E, Alice... Obrigada por tudo, por ter me protegido nesses dois meses e... Me desculpe por não conseguir fazer... Você sabe o que, e deixar tudo nas suas costas.

Algumas lágrimas escaparam de meus olhos; eu não costumava me mostrar tão vulnerável nas ruas, porque não era seguro, mas era Alice quem sempre estivera comigo e eu confiava nela mais do que em qualquer outra pessoa. Pensar que ela, muito mais experiente, poderia ter me “abandonado" ou me forçado a me vender em troca de proteção – o que não era incomum, eu já tinha ouvido histórias a respeito –, mas ao contrário, havia estendido a mão para mim sabendo que eu não tinha nada para oferecer em troca, me emocionava ainda mais.

Alice era boa de verdade, apesar de toda a pose e marra; aquilo era só uma fachada para não se expor em demasiado e se machucar de verdade.

─ Bella, eu já estou nas ruas há mais de cinco anos, sei como as coisas funcionam mais do que você pode imaginar ─ disse ela, a voz um pouco trêmula demonstrava que estava contendo a própria emoção ─ Tem coisas que realmente leva tempo até a gente pegar o jeito. Ou você acha que eu troquei meu corpo por um pacote de biscoitos logo na primeira semana?

“Não, isso leva tempo. Leva tempo até cair a ficha da nossa nova realidade; até a gente perceber em quem podemos ou não confiar” continuou Alice, fitando-me carinhosamente “Quando te vi pela primeira vez, eu só quis te proteger. Não queria que se tornasse isso". Ela gesticulou para o próprio corpo e fez uma careta.

─ Só me traria orgulho, me tornar isso ─ enfatizei e ela ergueu os olhos surpresos para mim, como se eu tivesse acabado de dizer algo extraordinário ─ Você é a mulher mais forte que eu conheço, não se diminua pelo que você teve que enfrentar! ─ completei, apertando sua mão suavemente, que ainda segurava a minha.

Alice me esboçou um sorriso e soltou minha mão rapidamente antes de se virar de costas para mim e eu ouvir algumas fungadas baixinhas.

─ Obrigada, Bella ─ sussurrou com a voz embargada, ainda sem me encarar.

Ela era realmente durona!

─ Eu quem agradeço ─ sussurrei de volta, observando o corpinho de Alice em contato com a água e decidi parar de enrolar e tomar meu banho logo.


23:00h

─ Eu acho que vou ter que cortar ─ Alice gemeu, tentando, pela milésima vez, desfazer o gigante nó que era o meu cabelo. Ela já havia gastado mais da metade do tubo de creme e, ainda assim, não tinha conseguido amolecê-lo o suficiente.

─ Ai! Está doendo, desse jeito você vai arrancar todos os meus fios! ─ choraminguei quando senti mais um puxão em meus cabelos ─ Prefiro cortar a ficar careca! ─ resmunguei.

Alice soltou um palavrão e virou mais um pouco do creme em suas pequenas mãos. Ela ainda o espalhava pelo que outrora havia sido o meu cabelo, quando uma batida na porta nos sobressaltou.

Já vestida, Alice foi atender a porta enquanto eu me escondia no banheiro, ainda enrolada na toalha lilás e macia.

─ Minha mãe quer saber se vocês já querem comer alguma coisa ─ disse uma voz masculina; ainda que abafada, ela conseguiu me arrepiar dos pés à cabeça e uma sensação esquisita de calmaria me invadiu, como se tudo estivesse se encaixando em seu devido lugar.

─ Hum... Nós queremos sim, mas... ─ Alice suspirou ─ Bella está tendo uma pequena emergência capilar, estou tentando resolvê-la, mas está bem embaraçado ─ ela explicou.

─ Oh! Eu vou pedir que minha mãe venha ajudá-las, então ─ a voz tornou a dizer e eu tentava identificá-la. Era diferente da voz do Doutor e do Oficial Cullen, e duvidava que esse já tivesse voltado de seu turno; será que era o “quarto elemento” das fotos?

─ Por favor, faça isso ─ falou Alice, agradecendo-o em seguida. Ela não demorou muito para fechar a porta e voltar ao banheiro, os olhos esbugalhados como se tivesse visto a assombração mais horrenda do mundo.

─ O que foi? ─ perguntei, preocupada que o rapaz tivesse dito ou feito algo inadequado que pudesse ter passado despercebido por mim.

─ Isabella! ─ Ela me segurou pelos ombros, encarando meus olhos profundamente ─ Que gostoso! Você precisava vê-lo, meu Deus do céu!

Eu ri de seu jeito safadinho, ao mesmo tempo em que sentia minhas bochechas corarem. Sabia ser meio ridículo me sentir envergonhada diante de certos assuntos, depois de tudo, mas não conseguia evitar.

─ Mais gostoso do que o policial? ─ brinquei em tom baixo, ganhando uma carranca em resposta.

─ A sua sorte, é que são dois filhos, um para mim e o outro para você. Por que não pode ficar com o policial? ─ Alice arqueou uma sobrancelha e dei de ombros.

─ Achei que tivesse gostado dele, você foi na frente com ele e tudo mais... ─ falei e ela percebeu minha sinceridade quando não retrucou; podia até não ser verdade, mas foi a impressão que ela mesma havia deixado ─ Quer saber? Você pode ficar até com os dois, se quiser, eu não quero me envolver com ninguém.

“Se estivermos mesmo na mão de pessoas boas, e não precisarmos nos vender por um pedaço de comida, a última coisa que vou pensar é nisso aí” completei.

Alice suspirou, ainda me encarando profundamente.

─ Bella... Eu sei como é ter medo disso ─ murmurou, passando suas mãos pelos meus braços delicadamente ─ Mas, sabe... Nem todas as vezes que dormi com alguém foi em troca de comida. E foram nessas vezes que eu percebi que sexo não é algo ruim, são as pessoas que o tornam assim. O que o filho de uma “pê” do meu padrasto e o Jacob fizeram conosco não deve definir como o resto de nossas vidas sexuais serão, você entende?

─ Eu já te contei, não já? Eu vomitei no Jacob e vomitei naquele velho, talvez isso seja um reflexo, algum tipo de reação normal minha... ─ Não sabia muito bem como havia chegado àquela conclusão, mas era a única que fazia sentido em minha cabeça. Eu tinha sim medo de me aproximar de qualquer rapaz, porque tinha medo de avançar na questão física e acabar repetindo tal “reação”, como num ciclo.

─ É claro que é uma reação! ─ Alice exclamou, sorrindo-me levemente ─ Nas duas vezes, você estava sendo invadida de uma forma que não queria, como esperava reagir de uma maneira diferente?!

─ Então, não vai ser assim sempre? ─ perguntei, sentindo uma pontada de esperança crescer dentro de mim, quando Alice negou.

Eu não estava exatamente ansiosa, porque arranjar um relacionamento não era prioridade minha, mas, ao mesmo tempo, era bom saber que, no momento certo e com a pessoa certa, estaria confortável o suficiente para não mais reagir daquela maneira pouco higiênica (e agradável).

Uma nova batida na porta nos chamou a atenção. Alice novamente foi atendê-la e uma Dona Esme sorridente logo nos acompanhava no banheiro. Havia levado, para lá, mais alguns produtos: um creme de hidratação potente – que, de acordo com ela, resolveria o embaraço em mais alguns minutos –, e alguns óleos capilares para ajudar.

Nós fomos para o quarto e sentei-me sobre a cadeira da escrivaninha, de costas para ela, que após aplicar o tal creme em minhas mechas, tentava desembaraçá-las. Engoli o bolo que se formou em minha garganta quando me lembrei que, meses antes, minha mãe fizera o mesmo comigo antes de tentar me vender para Jacob.

Respirei fundo e fechei os olhos, tentando dissipar aquelas lembranças, mas foi difícil me controlar ao sentir os dedos gentis da Senhora Cullen acompanhando a escova. Era terrível admitir para mim mesma que, apesar de tudo, eu morria de saudades de Renée, de sua voz, de seu cheiro, dos abraços, das nossas discussões e até mesmo do pão que ela sempre queimava quando tentava fazê-lo de torrada.

─ Bella, está tudo bem? ─ Alice me perguntou, cutucando meu ombro, o que me fez abrir os olhos imediatamente. Ela me encarava com o cenho franzido, preocupada comigo, como sempre.

─ Sim ─ murmurei, desviando o olhar para as minhas próprias mãos em meu colo. Não queria falar sobre aquele assunto na frente de Dona Esme; não queria que ela achasse que eu a associava à Renée, de maneira alguma, mesmo que eu não a conhecesse o suficiente para dizer o contrário.

─ Okay ─ Alice assentiu, percebendo que eu não estava me sentindo à vontade para dar muito mais detalhes.

─ Está doendo, Bella? Podemos tentar outro creme ─ disse Dona Esme, aflorando ainda mais a sua gentileza e provavelmente achando que minha conversa quase em códigos com Alice era sobre meu cabelo.

─ Não, Dona Esme ─ falei ─ Pode continuar, por favor.

─ Está bem, se ficar muito desconfortável você me avise, sim?

─ Okay ─ concordei ─ E obrigada.

─ Não há de quê, minha querida ─ Nossos olhares se cruzaram através do espelho e minhas bochechas coraram quando percebi que ela havia entendido as entrelinhas: Dona Esme sabia que não estávamos falando sobre ela ou sobre meu cabelo, mas estava grata por não ter me pressionado a contar a verdade.

Ela seguiu desembaraçando minhas madeixas; ainda sentia um puxão ou outro, mas das duas uma: ou a mão de Alice era tão pesada quanto um elefante, enquanto a de Dona Esme, como uma pena; ou o creme realmente estava ajudando naquele processo todo.

─ Dona Esme, qual é o nome do seu filho, mesmo? ─ Alice perguntou recostada à parede de modo que ficava de frente para nós e, ao mesmo tempo em que eu a agradecia por mudar de assunto, também lhe sorria maliciosa porque eu estava certa. Minha amiga, porém, me ignorou completamente.

─ O que trouxe vocês para cá? Aquele é o Jasper, acabou de entrar para a polícia ─ respondeu; eu podia sentir todo o orgulho de Dona Esme ao falar sobre o filho e acompanhei quando ela sorriu largo.

─ Ah, então por isso ele foi gentil conosco ─ Alice sussurrou, mas seu tom não foi baixo o suficiente para que eu e Dona Esme não a escutássemos.

─ Meu filho ganharia uns bons tabefes se não tivesse sido gentil com vocês ─ Dona Esme falou, seu tom meio que indignado, como se qualquer possibilidade do filho ser menos do que cortês lhe trouxesse muito desgosto ─ Olha, eu posso imaginar o que aconteceu na vida de vocês... ─ continuou, a voz mais suave, e surpreendi-me com o nível de compreensão que vi em seus olhos, acerca de nossa situação; parecia ir muito além de empatia e me perguntei o que poderia ter acontecido na vida dela também ─ Mas quero que saiba que estão seguras aqui, vocês e os meninos.

Seu reflexo encarou o meu da maneira mais doce e acolhedora, e o meu lado esperançoso se revirou dentro de mim, implorando para que eu acreditasse nela, para que eu espantasse todas as minhas desconfianças e me permitisse receber um pouco de carinho e cuidado, nem que fosse apenas por aquela noite.

E eu me agarrei àquele lado com todas as minhas forças, porque, se não fosse por ele, talvez eu tivesse desistido de lutar... Talvez, eu tivesse sucumbido às ideias de Renée e aceitado que Jacob me fizesse dele na noite de meu aniversário. Se eu ainda estava ali, mais endurecida e machucada, mas viva, era porque aquele lado já tinha vencido há muito tempo, só tinha demorado um pouco para perceber.


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Notas finais do capítulo

E então, o que acharam desse capítulo?

A vida dos meninos está começando a se encaminhar, o que vocês acham que vai acontecer em seguida? Deixem nos comentários que vou adorar saber!

Vou tentar terminar o próximo capítulo ainda hoje para postá-lo amanhã!

Beijos,
Mari.