Um Reino de Monstros Vol. 1 escrita por Caliel Alves
Dentro das carroças de quatro rodas dispostas pela praça e ruas, os rebeldes esperaram a deixa para agir. Dentro de uma das telegas carregada com palha, estava Tell e Dumas. O disfarce, embora incômodo, possibilitou a infiltração dos rebeldes.
Index tivera uma crise de espirros devido à palha, e fora devolvido ao Monstronomicom. Clapeyron fez um pedido aos rebeldes: que esperassem até a ordem de execução. Tell ficara preocupado, a sua técnica recém aprendida, se errada, custava-lhe caro.
— Dumas, eu... Estou bastante nervoso.
— Com o quê, se permite saber?
Puxa! Será que pra ele é assim tão fácil combater a Horda?
— Eu só, eu só não queria ter tanta responsabilidade...
— O que determina a diferença de um homem e um monstro é justamente ela.
Tell ficou sem palavras por alguns instantes. Realmente, ele não esperava ser responsável por tantas vidas. Seus lábios estavam secos e as pernas bastante bambas. Mas agora não havia tempo para pensar sobre isso, os flandinos precisavam dele.
Pelo buraco aberto no monte de palha, ele vislumbrava à cena. Dezenas de flandinos assistiam à execução na praça principal. Os monstros digladiavam com os cidadãos para que estes não atrapalhassem, nem furassem o bloqueio.
Dumas viu Gumercindo assistindo a morte dos cavaleiros de camarote, como o odiou.
— Não existe limite para a ousadia de Gumercindo. Ele está lá, cara a cara com as pessoas que ele traiu, e ainda assim ostenta um sorriso.
— Dumas, veja, tem algo flutuando sobre a cabeça de Nipi!
O espadachim estreitou as vistas e deu um longo assovio, era um observador.
— Um observador?
— Sim, um monstro capaz de transmitir imagem e som, não muito diferente dos telemagos. Eles também são usados para espionar, podem estar em qualquer lugar sob quaisquer formas transmitindo para Zarastu. Quando você atacar, é bom destruí-lo também.
— Mas, Dumas! Ele é uma pessoa que pode ser purificado e voltar a ser humano.
— Nós sabíamos que seria assim, Tell. Qualquer um desses monstros pode muito bem ser o meu primo Jacs, sabia? Nem por isso eu vou deixar esse sentimento interferir no meu julgamento. Sabe quantas pessoas salvaremos hoje com a destruição de um simples observador, Tell? Inúmeras, centenas, talvez milhares. Mas o mais importante é, qual o seu nível de envolvimento com essa causa? Se o seu avô te deu o livro, é porque confiou em você. Faça essa confiança valer à pena.
Tell mordiscou os lábios, apertou os punhos e respirou fundo. Apesar do utilitarismo de Dumas, ele sabia que essa luta traria mais sacrifícios do que estava disposto a fazer.
Nesse momento, Nipi soltou a sua condição para não executar os seus prisioneiros. Os flandinos nem sequer o deixaram terminar de falar. Em pouco tempo a única coisa que se ouvia era “Do aço, pelo aço!”. Quando o mapinguari mandou o carrasco baixar o alçapão, Dumas bateu nos ombros do garoto e sussurrou no ouvido dele:
— Vai lá, essa é a sua deixa.
Ele expirou o ar mais uma vez e tomou o seu novo sabre em suas mãos. Num rápido movimento de desembainhe, Tell revolveu a palha.
Slash, o raio prateado foi cortando tudo em seu caminho, era como se fosse um raio a fender às montanhas. As cordas foram cortadas, e o observador virou uma pasta de muco flutuando no ar. O muco caiu na armadura de Nipi.
Antes que ele pudesse vislumbrar de onde tinha vindo o ataque, os rebeldes saltaram das telegas empunhando armas e fazendo algazarra. Muitos gritavam o lema dos cavaleiros flandinos. Outros distribuíam armas entre a população, retiradas de barris. Os cidadãos logo empunharam as suas lâminas e partiram em ataque contra os monstros.
— Malditos rebeldes! Ataquem, suas caveiras inúteis.
Os monstros deixaram os prisioneiros de lado e investiram num contra-ataque contra os rebeldes. Homens e mulheres ergueram as suas armas contra o inimigo.
O choque entre as duas facções foi tremendo, a onda de violência que vinha do lado rebelde, de certa forma sufocou o fôlego dos monstros. As caveiras só confiavam na numerologia, mas, mesmo Nipi sabia que isso não era suficiente.
— Usem as suas magias divinas mais poderosas. Mostrem do que a Horda é capaz.
Todos os monstros tinham a vantagem de usar a magia divina, e não precisar invocar ao seu deus Enug, todos os efeitos eram automáticos.
Entretanto, as habilidades de esgrimas dos cavaleiros flandinos não podiam ser subestimadas, e os rebeldes contavam com mais dois integrantes cujos poderes eram desconhecidos. Podiam ser infelizes surpresas na batalha que se desenrolava.
Nipi olhou a sua volta, em meio ao caos, localizou Tell. E com os olhos cheios de ódio, trotou de modo furioso concentrando a sua magia na palma esquerda.
Tell e Dumas combatiam algumas caveiras quando Nipi apareceu de modo selvagem.
— Poaçú.
Tell e Nipi nem pareciam preocupados, isso assustou o mapinguari que descia do céu como um meteoro.
Splanz, antes que a sua palma acertasse os jovens espadachins, uma lâmina cruzou o ar e defendeu o garoto da palma do simiesco.
— Você é meu, capitão Nipi. Agora nós vamos ver quem é mais poderoso, o mestre de armas da Ordem dos Cavaleiros Flandinos ou o capitão da Guarda Municipal de Monstros.
— É tolice me desafiar
— Eu não concordo com isso, mas prove que eu estou errado.
Assim como haviam aparecido, eles desapareceram deixando um vestígio de poeira na atmosfera. Tell ficou impressionado com o nível épico daquela luta.
— Ele me tirou o direito de lutar, vingar a minha família. Mas no fundo, eu também sei que não posso derrotar Nipi, não sozinho, e mesmo meu pai terá dificuldades...
— Nipi é tão poderoso assim? Dumas, você chamou Clapeyron de pai!
O aristocrata apenas sorriu, e virou-se para os seus companheiros de batalha dizendo:
— Flandinos, não matem os monstros. Apenas os deixem desacordados, assim nós poderemos mostrar a vocês o magnífico poder que agora possuímos.
— Espero que não seja mais uma daquelas suas enganações.
Dumas conhecia aquela voz. Para a sua surpresa, ele não havia mudado nada, apenas uma barba falhada e um bigode haviam modificado um pouco a sua face. O cabelo curto e ralo continuava o mesmo, já revelando uma calvície nas têmporas.
— Arnaldo!
— Você demorou tanto para me salvar que eu nem esperei mais.
— Não diga isso, somos irmãos da mesma ordem, somos cavaleiros flandinos.
— Está bem, está bem, agora me dê um sabre. Eu quero descontar a minha frustração em alguém.
O mago-espadachim ficou abismado com o clima de humor na situação. Realmente, os seus concidadãos eram bastante exóticos, para não dizer o contrário!
— Tell, purifique as caveiras que já estão caídas.
— Está bem. Eu vos purifico.
O garoto abriu o livro, e de lá saíram Index e os feixes de luzes multicoloridos. As luzes iridescentes penetraram em cada monstro no campo de batalha que havia na praça principal. E quando elas fizeram o movimento de retorno, pareciam negras e foscas como a escuridão de um poço. Arnaldo ficara estupefato.
Mas que tipo de magia é essa que transforma monstros em humanos?
A luta continuou. Os rebeldes continuavam atacando os monstros, as caveiras revidavam na mesma medida. A antiga praça se tornara um palco de guerra.
Entre gritos de fúria e juras de vingança, outra oração deixava a todos perplexos, era o “Eu vos purifico” de Tell. Pouco a pouco o número de caveiras diminuía e o de humanos aumentava.
— Veja, Gumercindo, os monstros serão derrotados, faça alguma coisa!
— Deixe-me pensar, deixe-me pensar, sua matraca.
O barão arguto como sempre, pensou na possibilidade remota de se aliar aos humanos, o que ele logo descartou. Lutar ele também não podia, seria morto rapidamente.
Pense, Gumercindo, você é mais esperto do que isso...
Só lhe restou à única coisa que pessoas como ele fazem: fugir. Gumercindo e sua família aproveitaram a confusão e se refugiaram, de modo que nem os monstros e os flandinos soubessem onde estavam.
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