Um Reino de Monstros Vol. 1 escrita por Caliel Alves


Capítulo 13
Capítulo 3: Treinamento árduo - Parte 3




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O guarda deixou a mansão do Barão de Flande, e com certo esforço venceu, os vigias. As caveiras não tinham fama de serem muito prestativas. O guarda da mansão se dirigiu até uma boca de lobo, após se lançar sobre a abertura do bueiro, sumiu dentro da escuridão. O cheiro logo se fez sentir, acre e azedo à boca.

Seus olhos lacrimejaram por um instante. Depois ele acendeu um lampião e seguiu rumo a um dos bunkers. Como os espadachins não conheciam da magia, os encontros tinham que ser feitos pessoalmente, isso colocava em risco as identidades dos espiões.

Nipi, seu desgraçado, você já tirou tudo de nós. Agora quer tirar a vida de quem amamos! Isso é imperdoável.

O guarda seguiu pelos corredores de pedra homogêneos até que viu uma resta de luz. Apagou o seu lampião. Em redor de uma fogueira, uma dúzia de anciões deliberava sobre o futuro das ações da guerra em Flande.

Clapeyron tomou conhecimento da chegada sorrateira do guarda e pediu para que este se sentasse. O guarda encostou-se em uma cadeira e tomou uma caneca com hidromel. Um dos anciões sorveu a sua bebida e disse com determinação:

— Mestre Clapeyron, nós estamos acovardados há muito tempo. Nossas reservas diminuem a cada dia, bem como as nossas forças. Eu peço uma votação para que decidamos de uma vez por todas a derrocada dos monstros.

— Caro Javier, nós ainda não podemos decidir se nosso informante ainda nem sequer teve direito à palavra. Por favor, diga-nos aquilo que precisamos saber.

Com os olhos esbugalhados e rosto pálido, o guarda tomou uma segunda caneca de hidromel. Limpou o bigode cheio de espuma e falou com voz aterradora:

— Nipi... daqui a mais três dias matará todos os rebeldes presos em praça pública.

A única reação de Clapeyron foi cair sentado em seu assento. Ele já planejava atacar Nipi, mas não de súbito, esperava estudar mais o Monstronomicom de Tell e assim montar uma estratégia adequada.

Algo havia motivado o mapinguari a tomar àquela decisão, isso significava que havia algum conflito entre os monstros e o barão Gumercindo.

— Nipi não é tão burro ao ponto de inflamar a revolta na população, sabe muito bem que o impasse para uma revolta ainda maior contra o governo dos monstros é que os prisioneiros de guerra ainda estão vivos. Uma promessa feita pelo próprio Gumercindo ao povo. Acredito que há conflito entre as duas forças em Flande, o que acham?

Todos começaram a falar ao mesmo tempo, o som foi ecoando como sussurros fantasmagóricos pelas paredes frias.

— ORDEM, IRMÃOS, ORDEM.

Todos se voltaram para Clapeyron que aparentava uma seriedade nunca antes vista. Alisando sua barba lanosa, o velho espadachim chamou seus colegas à razão.

— Vejam como nós estamos, os monstros fazem o seu movimento e ao invés de tomarmos nossas decisões para impedir que percamos ainda mais vidas inocentes, ficamos aqui a dar volteios sobre como podemos fazer aquilo que temos de fazer. Só há uma coisa a se fazer. Vocês podem não acreditar, mas a solução dos nossos problemas passa pelo jovem Tell de Lisliboux...

— Como poderemos dar crédito a essas palavras se há dez anos Taala não dá notícias? O próprio já morreu, quem dera o seu neto.

Clapeyron se virou para o ancião que acabara de falar e retrucou:

— Não podemos dizer que ele está morto, só desaparecido. Eu tenho o testemunho de cerca de sessenta homens e mulheres de que Tell é sim um Lisliboux...

— Mesmo que ele saiba operar o Monstronomicom, ainda deve ser fraco e ingênuo.

— Como dizia antes de ser interrompido, o garoto purificou sessenta monstros que se tornaram novamente humanos saudáveis aos olhos de todos, inclusive, muitos eram cidadãos flandinos. Chegamos à conclusão de que, primeiro, o Monstronomicom funciona; segundo, o seu operador é Tell de Lisliboux; e por último, ele é o nosso trunfo. Taala nos afirmou de que os monstros que surgiram nesta guerra são nada mais nada menos do que pessoas capturadas por Zarastu e transformadas nessas aberrações. A única maneira eficiente de derrotá-lo seria diminuir o seu exército potencialmente, e assim, garantir uma virada de mesa.

Os anciões começaram a debater acaloradamente, de novo. Clapeyron tomou nova caneca de hidromel e esperou que os homens terminassem de discutir.

Nos olhos de alguns, se via esperança, em outros, se via estampado a melancolia.

Clapeyron não havia citado quantos humanos transformados em monstros tinham que morrer para que outros pudessem ser purificados da magia divina de Enug, e nem precisou, ninguém queria admitir arriscar perder alguém. Entretanto, vê-lo transformado em monstro não diminuía a aflição de ninguém.

— Qual a sua posição, Clapeyron, sobre o assunto?

Javier tinha os olhos fitos no mestre de armas. Clapeyron pôs a caneca de lado e disse:

— Esperamos tempo demais, está na hora de realizar o nosso intento. A partir de amanhã, vamos treinar Tell de Lisliboux na arte da esgrima. Ao que me consta, ele recebeu certo treinamento em artes mágicas. Poderá nos ser útil contra os monstros, além de ser o único com nível para operar o Monstronomicom. Ele estará na linha de frente custe o que custar. Deixarei Dumas cuidando de seu treino, e, enquanto isso, eu e Saragat, colega de Tell, vamos cuidar dos preparativos para a deposição de Nipi.

— Isso não é arriscado demais, mestre Clapeyron?

— Três dias é tempo insuficiente para treinar alguém em esgrima flandina.

— Como alguém tão jovem pode ter tantas responsabilidades?

Um a um os conselheiros flandinos falavam. Muitos com pesar na voz, outros com pessimismo. O guarda levantou-se bruscamente e falou quase a gritar:

— Eu sei o que estão pensando, “nossas chances são pequenas e estão nas mãos de outras pessoas”, pois, eu digo que uma pequena chance é melhor do que nenhuma. E se eu tiver que sacrificar a minha vida para que os meus filhos não tenham que viver abaixo do céu junto com os monstros, então eu o farei. Eu estou com Clapeyron.

Um burburinho começou ao redor do círculo de anciões, todos agora demonstravam uma coragem desenfreada. Clapeyron fez um gesto com a cabeça para o guarda. Todos gritaram em uníssono:

— VAMOS ACABAR COM OS MONTROS!

Criaram um plano atendendo as exigências da difícil missão. Em meio à praça pública da cidade, em frente ao palácio de Gumercindo, eles criariam uma distração. Os presos estariam lá, e ajudariam após libertos na luta contra os monstros. Os presos não conheciam o Monstronomicom. O efeito surpresa seria a garantia de vitória. Nipi, com certeza estaria lá para assistir junto com os aristocratas.

Clapeyron decidiu quais seriam os próximos passos da empreitada. Após tudo acertado, todos saíram do recinto, só ele ficou admirando o lume do fogo.

É, Clapeyron, você tinha tudo. Era o mestre de armas mais famoso de Lashra. Era o comandante da ordem militar mais poderosa da região. Possuía uma linda família snif-snif, agora está aqui, embaixo da terra como se fosse um rato, snif.

As lágrimas rolavam pelo rosto e caíam na sua caneca. Dezenas de cenas desagradáveis vinham a sua mente num turbilhão de memórias. O rosto de Jacs surgia a sua mente o todo tempo. Sentia-se culpado de ter perdido o filho para a Horda. Ele não conseguiu fazer nada perante os monstros que o levaram.

Jogou a caneca na escuridão tentando afastar as memórias. O passado como um fantasma vinha todas as noites e o assombrava. O que o invocava era o hidromel e o vinho.

Clapeyron, com passos trôpegos, caminhou na escuridão do bunker, apagou a fogueira e seguiu rumo à sua tenda. A dor aguda no abdômen voltara a corroer sua saúde. Ele precisava se recompor, pois, pela manhã, ele prepararia uma revolução.


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