Um Reino de Monstros Vol. 1 escrita por Caliel Alves


Capítulo 14
Capítulo 3: Treinamento árduo - Parte 4




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Saindo do bosque, Tell encontrou um pequeno rio de águas cristalinas. Os peixes, vez ou outra, mergulhavam na superfície para capturar as libélulas.

— Droga!

Index estava pousado na cabeça de Tell como se fosse um enfeite. As águas do rio formavam pequenas ondas pela areia fofa da margem. Ele sentou-se.

— Snif-snif, eu não mereço o livro. Eu sou fraco, snif-snif, eu avô sabia disso...

— Se ele confiou essa missão a você, Tell, é porque ele acreditava em ti.

O garoto enxugou as lágrimas e virou-se para trás. Dumas estava de pé. Os braços estavam cruzados na altura do peito, mas ostentava um sorriso feliz. Ele caminhou na direção dos dois e tomou uma pedrinha em sua mão.

— Nossos sentimentos não são diferentes dessa pedrinha...

Jogou-a formando pequenas ondas na superfície. No entanto, o lançamento foi para o alto. A pedrinha caiu pesada na água, afundando em poucos segundos.

— Se seus pensamentos forem negativos, provavelmente você afundará.

Ele tomou outra pedra do chão sob os olhares curiosos de Tell e Index.

— Agora veja, se seus sentimentos forem positivos, você chegará ao seu objetivo.

Mais uma vez a pedra foi jogada, mas dessa vez, ela foi quicando na água e chegou até o outro lado. Dumas sentou-se ao lado dos dois. Retirou as botas e pôs os pés na água. Pequenos peixinhos mordiscaram a sola dos seus pés.

— Tente também, Tell, é muito relaxante.

Tell retirou os seus sapatos e deixou que os peixinhos fizessem o seu trabalho. Index também tentou fazer o mesmo que os dois rapazes, só que um peixe maior viu suas patinhas na água e o confundiu com uma presa. Numa única mordida, o peixe o engoliu. Dumas e Tell se puseram a sorrir compulsivamente.

Enquanto Index se debatia com o peixe na água, o jovem nobre pôs a mão no ombro do garoto e disse:

— Entendo tudo que sente, mas se quiser reencontrar o seu avô Taala, deverá se tornar forte. Você já encontrou alguns dos Generais Atrozes, eles são perigosos, muito perigosos!

Enxugando as lágrimas do seu rosto, o garoto retirou a mão do seu ombro.

— Tell, me tire daqui! Esse peixe vai me... Glub-glub-glub.

Dumas relaxou os braços e respirou profundamente. Tell continuou com os seus olhos fixos na luta que acontecia na superfície, os peixes mordiscavam Index, quanto mais ele tentava se desvencilhar, mais peixes saltavam da água em seu encalço.

— Eu sei o que você está sentindo, Tell...

— Será que sabe mesmo?

— Sim, eu também perdi os meus pais nessa guerra, assim como você.

— Mas, mais eu poderei purificá-los se estiverem transformados em monstros? Ou se estiverem refém nós poderemos resgatá-los ou...

— Infelizmente, isso não será possível.

Tell virou-se para Dumas com os olhos esbugalhados. O espadachim catou mais uma pedra e a atirou no rio. A pedra quicou até o meio e afundou na água cristalina.

— Eu sinto muito, Dumas, eu não... Desculpe.

— Não precisa se desculpar. Eu sei como é difícil estar sozinho no mundo, sem pai, mãe, nossos amigos se distanciando ou morrendo a cada dia.

Dumas não aguentando mais a pressão em si, revelou a sua triste história a Tell: Jacs e ele estudavam a esgrima como se nada mais lhes restasse nesse mundo. Seu primo, filho de Clapeyron, desde cedo, fora educado para salvaguardar o Baronato de Flande e a família de Dumas, que por sua vez, eram os governantes.

Ambos viviam cercados por responsabilidades e afazeres, o jovem nobre deveria se preocupar em ser um bom aristocrata, embora considerasse essa vida cansativa. Seu primo deveria suceder o pai na liderança da Guarda dos Cavaleiros Flandinos, uma das ordens militares mais prestigiadas do mundo.

Dumas percebia em Jacs um senso de liderança e instinto guerreiro maior que o seu. Clapeyron alertara o seu filho para que não deixasse os seus desejos se sobreporem as suas necessidades. Jacs ironiza a sua preocupação e fazia questão de desconversar quando tocado no assunto. Os dois cresceram inseparáveis ao longo dos anos.

— Ele deveria ser um espadachim incrível, Dumas!

— Com certeza, meu caro Tell.

O jovem nobre continuou a relatar o início de suas desventuras. No dia em que os monstros marcharam para a cidade, o já então cavaleiro flandino Jacs, liderou um grupo de espadachins para lutar contra a Horda, o capitão Nipi confrontou-o sem sucesso.

Os flandinos ficaram confiantes na vitória, mas aos poucos, os conflitos internos minaram as defesas do baronato até não restar nada mais do que intriga e discórdia. Gumercindo traiu Flande e entregou a cidade de bandeja para a Horda.

O Barão de Flande, assim como em todos os lugares de Lashra, eram indicações de Sua Majestade Zarastu e aceitas a revelia do povo. Os cidadãos decidiam no fim quem deveria ocupar a vaga, mas nesse caso, a vontade do povo foi jogada no lixo.

Gumercindo havia matado os seus pais, e não pudera fazer nada a não ser ver a cidade entregue aqueles horríveis e grotescos seres. Um contra-ataque foi formado, mas com a o desaparecimento de Jacs em batalha, a confiança do povo caiu.

O que restou aos flandinos foi se esconder na Cidade Subterrânea de Flande. Lá, ao menos estariam seguros e esperariam uma chance de retomar o que era deles.

Tell se levantou cerrando os punhos, o seu corpo tremia. A sua voz saiu como um rugido:

— Não adianta nada ficar aqui choramingando. Eu tenho que fazer jus a escolha do meu avô. Ele me deixou um legado que ninguém pode me tirar: a esperança.

— Sábias palavras, Tell, do aço?

— Pelo aço!

— Index, venha até aqui, eu precisarei de você!

— TELL, DUMAS, SOCORRO, ME AJUDEM!

Dumas fechou os olhos estalando os lábios, ergueu-se e desembainhou o seu sabre. Com as duas mãos, ele o pôs acima da cabeça e se concentrou o máximo que pôde ainda com os olhos fechados. Tell observou a postura de Dumas.

— Alizé.

Quando desceu a lâmina, as águas se dividiram por alguns instantes, e assim permaneceram até que Index pôde fugir de seus algozes aquáticos.

Alguns peixes ficaram se debatendo no seco, e Dumas pediu para que Index capturasse um deles, assim poderiam almoçar sem ter que voltar à Cidade Subterrânea. Alegremente, Index trouxe a sua presa. Parecia feliz em ser o predador agora.

— Puxa, esse foi um golpe e tanto!

— Você acha mesmo, Tell?

Enquanto Dumas esfregava o nariz, o rio voltou seu fluxo normal e os peixes puderam nadar na correnteza e sua marola ribeirinha.

Eles caminharam de volta à clareira. Tell estava curioso, o espadachim carregava os peixes nos ombros como se fosse um troféu. Index ia flutuando e girando as suas orelhas, descrevendo espirais no ar.

Aquele golpe, mesmo não sendo uma magia, conseguiu causar um efeito bastante destrutivo. Um ataque tão forte quanto o Projétil de Luz, embora ela não fosse uma magia de grande dificuldade, se realizada corretamente, ela poderia causar grandes estragos.

— Dumas?

— Sim, Tell.

— Como um espadachim consegue fazer tudo isso sem fazer uso da energia mágica?

A clareira já podia ser avistada por ambos. Dumas, para aumentar o interesse do garoto sobre o assunto, pediu para que ele esperasse um pouco, prepararia o almoço, e logo conversariam.

Tell e Index juntaram a madeira. O nobre preparou o peixe e acendeu o fogo batendo a lâmina do sabre num pedaço de pederneira.

Flush! A madeira começou a crepitar. Com um espeto, o peixe foi trespassado, já sem as suas vísceras. Um pouco de sal foi jogado em cima. Enquanto ele dourava, Dumas contou ao jovem aprendiz como funcionava a arte da esgrima.

— Diferente dos magos, um espadachim conta exclusivamente com o seu arsenal de golpes e todos os efeitos da sua técnica estão relacionados com esses quatro vetores: força aplicada ao golpe, velocidade de execução do mesmo, inteligência estratégica e habilidades em geral. Por mais que um espadachim seja forte, ele não poderá derrotar um inimigo mais veloz, e mesmo que seja bom em estratégia, jamais conseguirá ferir o adversário se não dispuser de habilidades adequadas para realizá-la. Está entendendo tudo?

Tell balançou a cabeça embasbacado com o nível de dificuldade para assimilar às informações. O nobre continuou a falar:

— Se um espadachim conseguir preencher esses quatro requisitos, ele poderá derrotar qualquer um, seja ele monstro ou humano, mago, conjurador, não importa.

Index, com os olhos esbugalhados, secava o peixe que tentara devorá-lo agora a pouco. Sem as escamas, sua pele azul-rosada era tostada no fogo intenso da fogueira. As orelhas da criatura estavam em pé, como se fosse um cão faminto esperando às sobras. Dumas o pegou pelas orelhas e o colocou no colo de Tell.

— Não, não, amigo, espere um momento, ainda não ficou pronto.

O garoto mordiscou os lábios e fez uma pergunta que aos seus próprios ouvidos soou boba:

— Como posso aprender àquela técnica que usou agora a pouco?

Dumas sorriu, os olhos de Tell brilhavam mais intensos do que o fogo.

Ao menos ele está se esforçando.

— Como dito anteriormente, o espadachim precisa ter controle de suas técnicas. Vejamos, como posso lhe explicar...

— Ah, vai, sem rodeios, Dumas.

— Tudo bem, tudo bem.

O nobre se levantou, pegou o seu sabre o empunhando com só uma das mãos, num leve movimento, gerou uma corrente de ar que descabelou Tell e jogou Index no chão.

— Ei, pare com isso! Que brincadeira mais sem graça.

— Desculpe, Index. Esse inconveniente foi necessário para mostrar uma das minhas técnicas favoritas, a Alizé. Com ela, eu não preciso atacar o adversário diretamente. Com um movimento econômico de uma das minhas mãos, eu posso derrotá-lo sem muito esforço. Diferente do Coup de Foudre no qual eu uso da velocidade executando múltiplos ataques a curta distância, a Alizé exige muito mais da minha força. Eu gero um deslocamento de ar que ultrapassa a velocidade do som.

— Mas isso é rápido demais!

— Ele deve estar contando vantagem, Tell.

— Ela não é muito diferente do meu Projétil de Luz, só que nesse caso, o problema não é a velocidade, é a minha mira que é ruim mesmo.

O garoto mostrou melancolia por alguns segundos, mas quando o peixe foi servido, um sorriso voltou a estampar o seu rosto. Depois do almoço, eles deitaram-se no chão para descansar e fazer uma boa digestão, logo eles recomeçariam o treino.

Dumas deitou-se ao lado de Tell e Index formando um triângulo onde as arestas eram as suas cabeças. O jovem nobre olhou para o céu e perguntou curioso:

— Tell, agora a pouco você disse que a sua magia se parece com a minha técnica, por quê?

O Lisliboux pensou um pouco. Um feixe de sol caiu sobre a sua testa vinda de dentro das copas de araucárias ao redor.

— Bem, ela é uma técnica de longo alcance. Eu a disparo na direção do inimigo, mas só consegui realizá-la uma única vez, e sobre pressão quando eu confrontei Zarastu. Ela exige que o mago concentre uma grande quantidade de energia mágica em um único ponto, quanto maior a concentração de energia, maior a intensidade do golpe e sua velocidade. Infelizmente, eu não consigo controlar o fluxo na hora do disparo e acabo errando o golpe...

— Espere, espere, espere, o que você disse?

— Acabo errando o golpe pelo descontrole de energia?

— Não, antes disso?

Index flutuou sobre Dumas com as suas orelhas-asas batendo velozmente.

— Acho que sei aonde quer chegar, Dumas, seu espertinho.

— O quê, aonde ele quer chegar?

Dumas ficou de pé, tomou a espada bastarda de treinamento, e chamou Tell para o treino. O garoto levantou-se desconfiado, mas como Dumas sorria, relaxou.

O espadachim entregou a espada a Tell e explicou de modo muito prático:

— Sei como torná-lo um grande espadachim em três dias! Talvez até em menos tempo do que mestre Clapeyron estipulou. Você não poderá dominar uma nova técnica em tão pouco tempo, mas com esforço adaptará uma técnica que já conhece.

E narrando passo a passo, Dumas explicou como Tell faria para aperfeiçoar o seu ataque.

— O quê, mas como vou fazer isso se nem consigo concentrar a energia direito?

— A espada servirá como um condutor entre você e a sua energia mágica.

— Ainda não entendi aonde quer chegar.

Puxa, realmente ele ainda não entendeu!

— Veja bem, muitas vezes um elemento precisa de um condutor. Veja a água, ela pode ser encanada por uma série de dutos e ser escoada para uma cidade inteira. A energia mágica também pode ser direcionada. A espada conduzirá a energia na hora do disparo e a chance de erro será mínima.

Dumas colocou a pesada espada na sua mão, a lâmina pendeu balançando de um lado para o outro nas mãos do garoto. Index voava feliz em cima de ambos.

Tell olhou para a espada, soltou um sorriso, e fez um tremendo esforço para erguer a lâmina. Dumas pareceu surpreso com a reação do garoto.

— DO AÇO, PELO AÇO!


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