Ad Redemptio escrita por Glasya


Capítulo 10
Veni Sancte Spiritus


Notas iniciais do capítulo

Atenção! O capítulo contém cenas explícitas após os "~~~"



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Frollo abriu os olhos e já estava amanhecendo novamente. Estava milagrosamente sem dor, não havia tido pesadelos e sua febre também parecia ter ido embora.

 

Um arrepio percorreu sua espinha ao notar que a bruxa dormia tranquilamente ao seu lado na cama. De início tentou se levantar, mas a tontura o segurou onde estava. Então, se encolheu para o canto oposto, tentando manter a máxima distância o possível entre eles.

 

Como sempre, não conseguia tirar os olhos dela; observava sua silhueta subir e descer sob os lençóis, ritmada por sua respiração. Uma de suas mãos repousava no travesseiro próxima à sua cabeça, em meio ao volume de seu cabelo negro que ocupava quase todo o travesseiro, alastrando seu perfume pelas roupas de cama.

 

Frollo estendeu uma de suas mãos em direção à dela. Aquelas mãos que o incendiaram com seu toque macio como o mais caro veludo²… Como queria tê-las em seu corpo novamente… Se interrompeu no meio do movimento. Isto era real? Seria certo? Já esteve no purgatório por cobiçar uma mulher antes, e agora repetia o mesmo erro ao invés de se focar em sua salvação. 

 

— Bom dia. — A voz doce da bruxa chegou aos seus ouvidos, fazendo-o recolher sua mão para baixo das cobertas. — Como se sente?

 

Ela se virou na cama, apoiando-se sobre os próprios cotovelos, o encarando de cima com seus olhos verdes brilhantes. A mulher levou uma mão à sua testa e sorriu.

 

— Sem febre, finalmente! — Ela se esticou por cima dele para pegar sua cesta na cômoda próxima à cama, e Frollo virou o rosto para evitar encarar os seios macios que se aproximavam de seu rosto. — Hora de trocar esses curativos, vamos lá… 

 

Três fortes batidas em sua porta desviaram a atenção de ambos.

 

— Claude? Está aí? — A voz rouca do arquidiácono Henri d'Melle³ podia ser ouvida do outro lado da porta.

 

"O quê? Esse velho ainda está vivo!?"

 

Em uma sequência tão rápida que pareceu único movimento, Gothel pulou por cima de Frollo, apanhou seu vestido do cabideiro, chutou sua cesta para baixo da cama e enfiou-se no vão entre o guarda-roupas e a parede, usando uma das venezianas da janela aberta para se ocultar ainda mais.

 

Frollo piscou, perplexo com a agilidade da mulher. De fato era uma cria de satanás, e poderia tê-lo matado muito facilmente em seu momento de fragilidade; não fazia ideia de quanto tempo ficou inconsciente, mas sem dúvidas havia sido mais do que o suficiente para assassiná-lo. Então por que ela não o fez? Talvez como uma fera selvagem preferisse a emoção da caçada ao invés de um alvo fácil…

 

— Claude? Posso entrar? — O arquidiácono insistiu.

 

— Argh… O que você quer!? — Retrucou o juiz, ouvindo o barulho das chaves de Henri girarem sua tranca. 

 

"Como esse velho tolo tem a chave!?" — O pensamento atingiu sua mente como uma flecha. Mas isso era algo com o que se preocuparia mais tarde.

 

— Recebi a notícia de que você estava de volta à cidade, mas ainda não compareceu à nenhuma missa… E agora vejo o por quê. — Apontou para os curativos do ministro. — Vim ver se precisava de algo, e eu estava certo. Você sempre foi longe demais em seu flagelo, caro amigo… Saiba que eu estou aqui caso queira se confessar, assim podemos evitar este tipo de extremos. Além disso, achei que gostaria de conversar com um velho amigo.

 

Frollo soltou uma breve risada de escárnio. Aquele velho tolo estava tão longe de ser um "amigo" quanto ele estava de ser salvo.

 

— Quasímodo abriu uma marcenaria na cidade, você deveria ir vê-lo qualquer dia… — Continuou o velho — O rapaz tem um coração tão puro que perdoou você prontamente.

 

"Me perdoou!? PERDOOU!? Por não tê-lo afogado quando bebê? Por ensiná-lo a ler e a escrever? Por dar-lhe uma profissão? Por garantir que ele tivesse um teto e alimento? Ele deveria ser grato!" — A raiva queimava no interior de Frollo, e ele lutava para contê-la.

 

— O que ele faz com a vidinha miserável dele não me apetece. — Respondeu, mantendo seu tom austero e impessoal. Ele não merecia saber de seus pensamentos.

 

— Bem… Se mudar de ideia, fale comigo. — Henri se encolheu, esfregando os próprios braços — Santo Deus, nem parece que a primavera chegou, está congelando aqui!

 

O Arquidiácono se dirigiu à janela, perigosamente perto de onde Gothel se escondia. Uma onda de pânico percorreu a espinha do ministro; se o velho a encontrasse, o que faria? Uma mulher cigana nos aposentos do ministro da justiça? Seria um escândalo!

 

— Vou fechar essa janela, não quero que pegue uma pneumonia…

 

— NÃO! — Esbravejou, fazendo o Arquidiácono se interromper no meio do movimento. — Digo… O ar fresco da manhã está me ajudando na recuperação. 

 

— Bem, o ar dessa manhã está bem mais que fresco, caro amigo.

 

— Não importa! Saia de perto dessa janela! 

 

— Como queira… — Henri se afastou da janela, erguendo as mãos defensivamente. — Voltarei após a missa para te trazer-

 

— Eu não preciso de nada! — Frollo não o deixou terminar de falar. Não queria nada do que ele teria a oferecer. — Aliás, preciso! Preciso que me deixe em paz! 

 

— Eu esperava que uma peregrinação aplacasse sua cólera… — O Arquidiácono suspirou. — O orgulho sempre foi o seu maior pecado. Enquanto você não aprender a-

 

— Se eu quisesse um sermão seu, eu iria à sua missa, Arquidiácono. Falho em compreender a dificuldade que você tem de entender que sua ajuda não é bem-vinda, e tampouco é a sua presença aqui.

 

O Arquidiácono finalmente se calou e com um aceno de cabeça se dirigiu à porta. Tirou o terço de seu próprio pescoço e pendurou-o na maçaneta antes de deixar o quarto, e só quando ouviu o girar da chave Frollo respirou aliviado.

 

Mas seu alívio durou pouco; a bruxa ainda estava ali, e agora saía de seu esconderijo. Queria mandá-la embora como fez com o Arquidiácono, mas não podia arriscar perdê-la de sua vista junto com a pedra filosofal. Pensou em ordenar que seus guardas a prendessem imediatamente, mas astuta e ardilosa como ela era, poderia escapar ou simplesmente não ceder a nenhum interrogatório… Tinha que ser mais sutil. Tinha que mantê-la por perto, pelo menos até ter sua pedra filosofal. Sua salvação dependia disso.

 

***

 

Gothel ouviu o esbravejar de Frollo, e pouco tempo depois a porta se trancando por fora. Era hora de sair de seu esconderijo.

 

— Que velho inconveniente! Tem gente que não se toca, não é mesmo? — A mulher vestiu-se e pegou de volta sua cesta debaixo da cama. — Agora, os curativos…

 

Estendeu a mão em direção ao rosto do ministro, mas ele a interceptou agarrando-a pelo pulso. Para quem estava quase morto a dois dias atrás, ele havia recuperado as forças bem rápido.

 

— Qual é o seu plano? Que tipo de veneno você tem preparado para mim, serpente?

 

"Ha! Tolinho... Se eu quisesse, já estaria morto!" — Pensou, erguendo uma sobrancelha.

 

— Oh, em que tipo de mundo vivemos onde não se pode mais ser genuinamente altruísta? — Levou uma das mãos ao peito, teatralmente ofendida. — Vá em frente, me chame de serpente, bruxa, meretriz! Eu apenas suturei suas feridas, mediquei sua febre, segurei sua mão enquanto delirava… 

 

Puxou a mão de seus dedos ossudos e a jogou contra a própria testa, simulando um princípio de desmaio.

 

— Sim, eu mereço! É isso que ganho por tentar andar no caminho correto! Vá, retribua minha compaixão com a fogueira ou o cadafalso! Tranque-me em uma cela escura e me deixe lá para apodrecer! 

 

— Chega, chega! — O juiz bufou, massageando a têmpora não ferida — Está me dando dor de cabeça… Não sou ingrato. Você poupou minha vida, eu pouparei a sua. Mas ainda é suspeita de bruxaria, portanto ficará sob minha custódia até segunda ordem.

 

Gothel sorriu. Aquilo havia saído melhor que a encomenda. Não precisaria fazer esforço absolutamente nenhum para se manter perto do ministro, e teria acesso às suas câmaras pessoais. Mais fácil que roubar princesas de castelos.

 

— Como queira, vossa excelência… — Se inclinou sobre ele na cama e sussurrou ao seu ouvido — Estou em suas mãos… 

 

Aproveitou a proximidade para retirar as ataduras que cobriram a têmpora do homem, verificando seus pontos; graças a seus cuidados, não havia nenhum sinal de infecção. Limpou novamente com cuidado a pele lesionada, e quando colocava novas ataduras notou que Frollo a encarava.

 

— O que foi?

 

— N-nada. — Ele desviou os olhos, visivelmente nervoso. Gothel achou que teria paz e silêncio, mas ele voltou a falar não muito tempo depois. — Uma cigana que sabe ler… Aí está algo que eu nunca havia visto antes (4).

 

“Seu babaca, o quão estúpida você acha que eu sou?” — Pensou, olhando na direção para qual Frollo olhava. Ela havia esquecido o livro que estava lendo sobre a cômoda, um descuido idiota. Não podia se dar ao luxo de revelar muito mais sobre si, especialmente o que sabia ou não fazer.

 

Livre des Merveilles du Monde (5)... Imaginei que esse tipo de história interessaria a uma cigana, mas ainda estou curioso para saber onde aprendeu a ler. E onde aprendeu medicina, também.

 

— Oh, monseigneur, quando se viaja tanto quanto eu já viajei, acaba por aprender muita coisa… 

 

— Estou te dando uma chance de se livrar da acusação de bruxaria. Quanto mais me contar, melhor para você.

 

“E você acha que está em posição de me chantagear? Pobre coitado!” — Gothel o ajudou a se sentar, e retirava agora as bandagens de seu torso. Ele era tão magricela quanto imaginava que seria quando o viu, muito além dos níveis saudáveis. Ela sabia reconhecer quando a magreza era proveniente da forma natural do corpo e quando vinha da subnutrição… Claramente o último era o caso do juiz. Não a surpreendia que alguém que foi capaz de abrir sulcos tão profundos na própria pele também fosse capaz de se submeter à fome. Tudo isso por culpa? Para alcançar um estado espiritual mais elevado? Como se tal coisa fosse possível… Gothel quase tinha pena dele. Quase.

 

— Meu primeiro amor me ensinou a ler. — Não era mentira, mas não entraria em detalhes. — E a medicina aprendi com minha mãe.

 

— E onde sua mãe aprendeu medicina?

 

“Ora essa! Onde você quer chegar, seu tolo? Quer saber o nome do meu primeiro bichinho de estimação também? Quer saber quando tive minha primeira menarca(6)?” — Gothel se apressou em limpar os pontos do juiz e refazer seus curativos.

 

— Ora, com a natureza, monseigneur.

 

— Não me venha com essas histórias estapafúrdias. Ela era uma bruxa, então? Sua medicina vem de feitiçaria?

 

“Mas que homem insuportável!” — Já estava cansada daquela porcaria. Era hora de fazer o ministro mudar de assunto. 

 

~~~

 

Frollo tentava manter sua mente no lugar, mas cada movimento da bruxa o embriagava ainda mais. Parou para observá-la enquanto ela retirava cuidadosamente as bandagens de sua cabeça; ela estava tão perto, tocando-o com tanta delicadeza que quase não sentia seus pontos. Era quase milagrosa. Por alguns breves instantes, se recusou a acreditar que um ser capaz de tanto cuidado para com um estranho fosse de fato um ser das trevas… Mas ele havia visto sua força. Ela havia entrado pela janela de seu quarto como uma sombra, sinal de que havia feito seu caminho escalando os muros do Palácio. Uma mulher comum não seria capaz desse tipo de proeza. Ela era uma feiticeira, isso se não fosse um demônio. 

 

Não poderia baixar a guarda, o que era uma tarefa dificílima com ela estando tão próxima. Tal qual um moleque, sua virilidade ameaçava erguer-se sob os lençóis, e não podia se permitir tamanha humilhação novamente. Distraiu-se com indagações sobre as origens das habilidades da bruxa, mas não obteve sucesso.

 

“Já fui melhor nisso…” — Pensou, frustrado, ao perceber que nenhuma de suas perguntas recebia uma resposta satisfatória. Mas a culpa era inteiramente sua, não estava sendo enfático o suficiente, e nem conseguiria ser. O encanto da súcubo era forte demais. Sim, ela o tentava, ela o enfeitiçou. — “Não é a mim a quem culpar…”

 

— A natureza possui mais mistérios do que imagina, vossa excelência… E ela sempre está disposta a ensiná-los para quem está disposto a ouvir. — A voz dela soou baixa, quase como um sussurro. Frollo ergueu os olhos e a viu se aproximar; quis perguntar-lhe o que aquilo significava, mas seus pensamentos se perderam nos olhos verdes hipnotizantes que agora estavam fixos nos seus.

 

Quando se deu conta, estavam se beijando novamente. Seus dedos se fecharam firmemente entre os lençóis, mas ela os puxou para longe, desnudando-o por completo. Os lábios da mulher percorreram seu pescoço enquanto uma de suas mãos massageava seu membro, desta vez sem as camadas de tecido para se interpor entre seu toque.

 

De olhos fechados, sentiu quando ela passou uma das pernas sobre as suas, posicionando-se em seu colo. Quando abriu os olhos, ela estava se despindo. Aquilo o paralisou completamente; era muito jovem da última vez que viu uma mulher nua, e ainda assim havia sido um acidente. Agora havia uma mulher se desnudando na sua frente, e ela o estava fazendo de propósito. 

 

Ele não sabia para onde olhar. Não sabia o que fazer com as mãos. Mal conseguia respirar. E se fosse incômodo? E se fizesse algo errado? E se ela apenas detestasse? Ou o ridicularizasse? Ou só desaparecesse no dia seguinte sem deixar rastros? E se o estivesse enganando e isso não passasse de um pretexto para humilhá-lo? Sequer sabia por que estava preocupado com a aprovação de uma cigana, mas os pensamentos apenas vinham à sua mente e ele não conseguia controlar. Mesmo não admitindo, desde sempre ansiou por esse momento, havia sonhado com isso várias vezes ao longo de sua vida, chegou a queimar boa parte da cidade por isso uma vez, e agora que finalmente acontecia se acovarda como um garoto assustado. Queria morrer.

 

Um gemido longo escapou de seus lábios ao sentir que a penetrava. Não conseguiria descrever com palavras a sensação maravilhosa que era tê-la em seu colo, subindo e descendo em sincronia com sua respiração acelerada, os dedos que puxavam os cabelos de sua nuca, a língua que percorria seu pescoço e sua orelha, os seios maduros que balançavam livremente ao ritmo de seus movimentos, os gemidos de sua voz doce que o excitavam ainda mais… Segurou-a pela cintura e deslizou as mãos pelo quadril que agora batia vigorosamente contra sua virilha; apertou-o firmemente, acompanhando os movimentos da mulher.

 

Ela diminuiu o ritmo, deitando-o na cama com um beijo. Seus cachos macios formaram uma cortina negra ao redor de seus rostos, afogando Frollo em seu perfume. Observou o corpo de Gothel se erguer imponente sobre o dele, a mover-se também para frente e para trás. O juiz sentia seu corpo se mover praticamente sozinho, incitado por um instinto que por anos tentou soterrar em castidade e auto-flagelo. Queria ir mais fundo, sentir mais prazer, ouvir mais gemidos… 

 

O prazer lhe veio como uma onda, violentamente quebrando sobre sua virilha e espalhando-se por todo seu corpo. Sentiu seu membro pulsar com uma força inédita, observando a mulher deslizar as unhas por sua barriga e seu peito. Sentia-se cansado, mas também vivo como nunca. Se aquilo não era o paraíso, não sabia o que mais seria.


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Notas finais do capítulo

¹Veni Sancte Spiritus: A sequência de Pentecostes data do século XI, publicada e difundida amplamente pela doutrina católica após o Concílio de Trento, no século XV.

²Não se sabe ao certo quando surgiu o veludo, mas sabe-se que começou a ser amplamente comercializado na Europa a partir do século XIV. Era feito em teares manuais a partir do fio de seda, e se tornou moda entre as realezas de várias partes do mundo, especialmente as que tinham invernos mais rigorosos.

³O Arquidiácono da Disney NÃO POSSUI UM NOME (acredite, eu procurei, e procurei MUITO) então tirei esse nome completamente do cu e coloquei nele.

(4)Até o século XX, apenas uma pequena parte da população era alfabetizada.

(5)"Livro das Maravilhas do Mundo", mais comumente chamado de "As Viagens de Marco Polo". Escrito por Rusticiano de Pisa no século XIII, onde descreve as viagens de Marco Polo pela Ásia e sua vivência na corte de Kublai Khan (neto de Gengis Khan).

(6)Menstruação.



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