Alvie & Artie escrita por Lyubi


Capítulo 4
Dentaduras, Drogas e Rock’n roll




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O estranho relacionamento continuou sem grandes mudanças, mas Artie estava feliz por depois de tantos anos finalmente ter conseguido invadir, digo, entrar na vida de Alvie. Houve alguma resistência, mas nada que ele não conseguisse esmagar sobre as rodas da sua cadeira – pensava malevolamente. O vizinho tinha se resignado às visitas constantes dos dois conhecidos e era perceptível que já não se incomodava com a presença deles em sua casa; podia passar horas concentrado em sua leitura ou olhando para o nada como se eles não estivessem ali, o que significava muito. Nina rapidamente tornou-se uma amiga preciosa e deixou um pouco da paixonite de lado. Artie jamais esqueceria que foi ela a precursora da aproximação entre os dois vizinhos.

Era uma quarta-feira habitual, ou seria, se todos os hábitos não estivessem fora de ordem. Artie acordou tão eufórico que sentia seu peito pesado, mal acordou e já estava sem fôlego. Comeu muito pouco do café da manhã e praticamente não saiu da cozinha durante toda a manhã. Tinha passado a tarde do dia anterior preparando as massas dos salgadinhos da festa e deixou o bolo montado descansar na geladeira. Hoje terminaria os assados e decoraria o bolo.

Nina chegou por volta das dez com outras senhoras para preparar a decoração. Artie viu sua casa ser invadida por aves ferozes e muito ruidosas. Sentia-se preso numa gaiola com passarinhos agitados; aquilo estava lhe dando nos nervos. Porém apenas por volta da uma da tarde, seu neto Alan estacionou a van na frente da casa. Artie foi recebê-lo e sentiu seu coração reclamar pelo susto. O menino de quase dezessete era a imagem de um astro do rock. Foi com incrível autocontrole que ele assistiu seu menino e os amigos dele tirarem do automóvel caixas de som, guitarras e um pesado conjunto de bateria.

Artie se lembrava de que o neto fez aulas de canto desde pequeno e tinha até apresentado várias vezes com um coral. Questionou Alan sobre isso.

— La... ralala?

— Beksilauasile — explicou olhando com algo mais que carinho para a garota ruiva que ia em direção à casa do senhor de idade. Nanda era seu nome e aparentemente ela era também o motivo da descoberta musical do neto de Artie.

Artie mentalizou que tudo daria certo (mesmo com a maquiagem preta no rosto do neto e do amigo grandalhão dele cheio de tatuagem), mas ao virar-se para voltar a sua cozinha deu de cara com o rosto cadavérico de Alvie observando a movimentação pela janela. Congelou de nervoso por um milissegundo antes de erguer a mão num cumprimento que foi ignorado pelo vizinho que fechou a cortina com raiva. Ótimo.

Pouco tempo depois, os outros convidados começaram a chegar com os demais elementos do cardápio. Artie tentou se acalmar, mas sentia um aperto no peito pensando se tudo daria certo ou não.

A casa estava cheia e só faltavam alguns ajustes quando de repente todos ficaram em silêncio. O alívio pela paz em seus ouvidos durou menos que um segundo. Artie virou a cadeira para a porta de entrada e lá estava: altivo e raivoso em seu habitual costume de sair, a razão de tudo aquilo.

Alvie olhava diretamente para o dono da casa e seu olhar falava mais que qualquer palavra o quanto estava magoado e traído por não ter sido convidado para a "festinha" que ali estava sendo organizada.

A guitarra gritou os primeiros acordes de “Sweet child o’mine” do Guns n'roses e todos os flagrados sorriram envergonhados, despertando do susto. Ainda agradeceria aquele grandão tatuado pela presteza. Nina correu para socorrer o novo visitante estourando um dos cones de confete sobre sua cabeça enquanto outros senhores e senhoras sobravam apitos e línguas de sogra. O coro de "surpresa" foi bem fraco e espaçado já que fugia totalmente do planejado.

O suspense talvez tenha durado menos de meio minuto, mas Artie permaneceu imóvel, em choque. Uma dor de cabeça repentina martelando na têmpora direita. Quando o mau estar passou, ele pôde olhar novamente ao redor e perceber que toda a raiva de Alvie deu lugar a um embaraço enquanto ele era atacado de todos os lados por felicitações de aniversário e era obrigado aos abraços e beijinhos e carinhos sem ter fim...

A banda diminuiu o volume e tocou seus rocks num som ambiente e até agradável permeando o burburinho de conversas dos convidados.

Artie se acomodou num canto da mesa de comidas e ficou a observar a todos. Não estava com fome mesmo não tendo se alimentado tão bem como sempre. Tinha estado tão ansioso e agora não se sentia assim tão bem. Pensava se não tinha sido uma ideia estúpida tentar esconder algo tão grande de uma pessoa tão próxima. E se Alvie acabasse cortando de vez todos os laços por conta do seu exagero. Tinha exagerado?

Alvie, mesmo sendo pego desprevenido e ainda meio estático pela surpresa, não demorou muito para que ficasse enfezado com aquela aglomeração de pessoas ao seu redor. Logo dispensou a todos rudemente e saiu sisudo á caça do patife-mor.

— Rwazawa!

Acusou apontando o dedo. Artie quase deu um pulo na cadeira e corou.

— Lara...

Desculpou-se abaixando a cabeça, mas se surpreendeu ao ouvir Alvie gargalhando e viu-o se ajoelhar a sua frente para arrumar o pé de sapato que vivia querendo fugir do seu pé.

O sorriso, por mais contido que fosse, não combinava muito com o rosto comumente ranzinza, mas Artur se viu hipnotizado pelos montes rosados na pele de papiro velho. O vizinho ergueu os olhos percebendo a observação e por um breve e estranho momento os dois se encararam intimamente.

Desviaram o olhar, talvez ao mesmo tempo.

O resto da tarde foi passado aos comes e bebes e conversas e brincadeiras. Alvie foi apresentado (ao neto) e aos integrantes da banda. O velho parecia cada vez mais jovem enquanto se animava a tocar alguns riffs de guitarra e conversava com a curiosa mocinha que estava muito interessada em todas as histórias antigas que o velho tinha a contar. A comida estava boa e Artie tinha feito tanto que poderia sobrar para semanas. Alvie pediu que não o fizessem passar pelo ridículo dos parabéns mais pediu para que todos cantassem juntos "Highway to hell" do ACDC. Alguns ficaram horrorizados, mas de modo geral já conheciam o humor ácido do velho mal-humorado.

Artie conversou pouco, mas ficou feliz em observar o sucesso da sua festa e do bom (e raro) humor de Alvie.

Ao fim da tarde, Nina anunciou que tiraria uma selfie com todo mundo. Como sempre acontece a organização foi demorada; as senhoras tirando os óculos, arrumando o cabelo e fazendo a melhor pose, os senhores tentando se ajeitar sem saber bem o que fazer com as mãos e sorrindo sem-graça, alguns fazendo gracinha, chifrinhos nos amigos ou mostrando a língua como o velho Einstein. Por fim, Nina pediu para que todos sorrissem e bateu várias e várias fotos.

Enquanto a turba se dispersava alguns pediram para ver as fotos. Foi uma das senhoras que notou primeiro e comentou com a outra e então várias se reuniram preocupadas...

Artie estava no meio do grupo e à frente e quando sorria apenas um dos lados do rosto subia.

Chamaram uma ambulância enquanto conversavam com o anfitrião. Sim, ele não estava se sentindo muito bem, mas pensou que fosse apenas o cansaço e a idade. Sim, ele estava sem apetite. Sim, o braço esquerdo estava incomodando um pouco. Tentou sorrir para acalmá-los, mas quando sorria ficava óbvio demais e os deixou mais preocupados. A banda desmontou tudo e levaram os instrumentos para a van.

Os convidados sem ter o que fazer ajudavam na limpeza e na organização das sobras.

Com o crepúsculo de fundo, Artie foi levado pelos socorristas para dentro da ambulância. O neto o acompanhou e Nina ficou responsável de cuidar da casa. Alvie tinha o cenho franzido de preocupação. Artie sentia-se mil vezes massacrado de vergonha.


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