Alvie & Artie escrita por Lyubi


Capítulo 5
Boa Noite Vizinho




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Alvie teve um sobressalto na cadeira de balanço. Alguém havia batido a porta de um carro com força desnecessária.

Alvie afastou uma fresta da cortina escura, mas não teve tempo de ver nada... Quando olhou a cadeira de rodas já era um vulto para dentro da casa vizinha. Uma mulher empurrava a cadeira, devia ser a nora, e um homem alto e muito branco com certeza era um dos filhos.

Sentiu-se muito desperto, uma perna pulando impaciente. Franziu os lábios, ponderando. Demorava-se na dúvida, mas o universo lhe respondeu com um tapa na cara! Um mutirão (de seis ou sete) desciam a rua com travessas cobertas com papel alumínio e jarros e garrafas térmicas. Alvie nunca se sentiu tão desrespeitado! Embora as visitas nada tivessem a ver com ele... Ora, Artie mal acabou de sair do hospital e os abutres já vinham lhe aporrinhar! Sem falar na grande falta, a maior ofensa, que era ter lhe deixado inibido de fazer aquela maldita visita. Inferno!

Pulou da cadeira, bochechas queimando e o peito cheio de ódio. O tempo passava, caminhava de um lado ao outro, braços cruzados, uma mão cobrindo a boca enquanto ruminava. Por Deus! Tinha setenta e quatro! De onde vinha aquela vergonha toda?

Artie ficou duas semanas no hospital. Nina explicou que não era grave, mas devido ao quadro de diabetes, o médico pediu que ele ficasse em observação e fizesse mais exames. Durante esse tempo, Alvie evitou sair de casa (não que fosse grande sacrifício). Tinha a terrível certeza de que seria atacado pela velharada “bem intencionada” que perguntaria sobre o vizinho sem cessar e comentaria eternamente sobre ele e a festa duplamente surpresa e sobre problemas de saúde e sobre toda a sorte de coisas que não tinha o menor interesse em falar (não com aquelas pessoas patéticas, pelo menos).

Mas por duas vezes conseguiu escapulir. Numa estava atraso e tinha hora marcada, ia tomar um café com a ex-esposa (o que era apenas meia-mentira: realmente tomou o café, se não com a ex, com o contador que vinha lhe apresentar nota dos gastos absurdos da coitada). Ainda ficou um bom tempo à toa no café; meditando, olhando o movimento, reparando nas moças e rapazes e na cidade que mudava. Coincidentemente, o café era próximo ao hospital onde Artie estava. Não que ele tivesse pedido o endereço ou coisa do tipo, mas Nina deixou um bilhete sobre seu livro e saiu sem dizer palavra...

Em fim, Alvie ruminou tanto na ideia que quando chegou à recepção do hospital nem chegou a falar o nome do paciente e a recepcionista lhe deu um balde de água fria. O horário de visitas já tinha terminado.

“Ah, claro. Tudo bem. Bom trabalho.” Diria se tivesse um gênio menos raivoso. E não reproduziremos o significado dos “rawzasawszasw” que Alvie cantou até chegar em casa.

A segunda vez foi uma sacada brilhante e verdadeira: iria ao barbeiro de costume que não ficava próximo ao hospital, mas que mal havia num passeio?

Dessa vez chegou mais cedo. Fazia um sol desgraçado e suava na casaca de sempre.

Alvie pensou uma, duas vezes, desistiu da ideia e então voltou atrás. Um ramalhete de girassóis. Que significavam? Não sabia, mas que fosse “melhoras vizinho”. Apenas isso. Não era cafona, era? E daí se fosse? Visitava um amigo acamado. Levava-lhe flores. Talvez fosse alérgico... E se fosse alérgico?

Por fim, Alvie mandou a si mesmo que fosse chupar um prego!

Outra recepcionista. Perguntou sobre o horário de visitas. Deu-lhe o nome do enfermo e quando ela estava prestes a colocar a pulseira de identificação no seu pulso: senhor, flores não são permitidas no ambiente hospitalar. Oh, como não? Como assim? Então as pessoas só tinham direito a flores quando mortas? E o circo estava montado. Tinha um quê pelo drama. Gritou. Fez feiura. A moça até se levantou da cadeira no calor da discussão.

Velho bobo que há contigo?

Saiu sufocado. Raivoso. Talvez não quisesse ver Artie de verdade. Talvez quisesse demais. Não sabia como fazê-lo. Não sabia nem tratar bem uma moça que não tinha nada a ver com seu sofrimento de levar flor a um ex-inimigo. Percebeu-se estático na calçada, o ramalhete esgarçado na mão. Tacou-o num caixote com lixo no chão.

Um serzinho surgiu da basura de jornais e cascas de fruta. Latiu para o estranho como se fosse dez vezes maior do que era. Alvie gostou dele. Abaixou-se e acariciou o filhote enfezado que ameaçava lhe morder.

A chuva começou com pingos grossos. O calorão, afinal, tinha sido manha do verão.

Alvie ergueu a lapela do casaco e colocou as mãos nos bolsos caminhando contra o vento. Escondeu-se debaixo do beiral de uma loja. O cachorro veio atrás.

O nome Pluto veio junto com a imagem do cartoon já que ele tinha longas e caídas orelhas pretas enquanto o resto do corpo era amarelo-mostarda. O cachorro espiava o velho ao passo que o velho espiava o cão.

Achando uma boa ideia distrair a cabeça, Alvie levou o cachorro num pet shop. Perto havia uma clínica veterinária também. Divertiu-se vendo o filhote fazer caras e bocas no desespero da higiene canina. Mas no final, após ter comido petiscos gostosos (para cães), Pluto estava quase alegre e derretia-se em seus braços.

Levou-o para casa às escondidas. Marrie o odiou pelo novo morador, mas a gata sobreviveria (embora fosse tão rancorosa quanto seu dono).

Acariciava o filhote peralta que já tinha destruído seu par de chinelos e um livro da coleção de Balzac (ainda era doloroso lembrar...). E olhava pela fresta da cortina acompanhando com glória a saída dos enxeridos. Tinha arrastado a cadeira para aquele canto (do outro lado da sala) apenas para acompanhar a chegada de Artie. Estava puto pela demora. Por que não deixavam logo a casa?

A ideia de que o filho e a nora passariam a noite veio tardiamente e murchou seu espírito. Mas acalmou-se ao ouvi-los bater a porta do carro e ao vê-los partir. Finalmente.

Alvie pulou da cadeira uma segunda vez, Pluto latindo no processo, e pôs-se a vestir apressado sua roupa de sair. Dessa vez não ia perder a coragem!

Quase se esqueceu de pentear os cabelos! Deu um tapa no casaco para não parecer tão amarrotado, catou o cachorro, o pôs debaixo do braço. A gata olhava em espanto. Alvie botou o chapéu e abriu a porta!

Os olhos azuis estavam tão arregalados de susto quanto os seus marrons deviam estar. Houve um estranho momento de silêncio e então falaram ao mesmo tempo... E caíram no estranhamento de novo.

— Laralaw.

Artie pediu desculpas pelo incomodo, não sabia que Alvie estava de saída. Alvie retrucou que estava indo vê-lo (o choque fazendo com que fosse sincero).

O cadeirante corou e sorriu brevemente. Explicou numa voz enrolada e fraca que estava ali para se desculpar por ter arruinado o aniversário.

Tardiamente, Alvie notou que ventava e Artie ainda estava na soleira de sua porta. Danou com ele dizendo que ele não devia nem ter ido até ali sozinho. Enquanto falava foi puxando a cadeira para dentro e fechou a porta. Deixou o cãozinho no chão e ele logo se pôs a cheirar o visitante.

— Rawawza!

Não desculpava! Já que tinha sido o aniversário mais memorável que teve desde os anos oitenta...

Artie ficou feliz pela declaração sincera, mas não parecia ele mesmo. Talvez ainda estivesse abalado pela doença.

Alvie o conduziu para o lugar de costume e sentou no sofá já que tinha tirado a cadeira de balanço do lugar. Perguntou como estava sua saúde, comentou sobre o filho que o tinha trazido de volta e reclamou dos enxeridos da comunidade do condomínio.

Em dois minutos Pluto já estava no colo de Artie quase lhe lambendo a boca enquanto o velhor ria pelo ataque.

Alvie buscou seu café e o copo de água da visita. Quando voltou os novos amigos estavam mais calmos. Artie conversava com o cão e afagava sua cabeça enquanto o animal o olhava cheio de amor.

— La... rawlarawaa.

De repente Alvie percebeu a melancolia do amigo. Se ele o achava exagerado? Por que a pergunta?

Então Artie lhe explicou como se sentia. Sobre sua ansiedade por se aproximar do vizinho, por querer agradá-lo. Perguntou se o sufocava, se era muito atrevimento, se Alvie achava que podia gostar dele um dia...

A cabeça pragmática de Alvie começou a ruminar toda a declaração que tinha ouvido, mas se cortou na raiz perguntando-se quando tinha se tornado um homem tão covarde e retraído. Respirou fundo e falou em alto e bom som (embora olhasse para o quintal através da vidraça):

— Rwazawssasaa. Sawraa?

Artie arregalou os olhos enquanto corava num avermelhado forte. O sorriso veio depois num crescendo até tornar-se o maior sorriso que Alvie já o tinha visto dar.

— Larawara... — Respondeu suave.

Alvie finalmente sentiu seu próprio rosto esquentar e deixaram-se ficar em silêncio.

Tempos depois, Alvie despertou! O cachorro era para Artie. Se quisesse claro. Marrie estava a ponto de assassiná-lo à noite de ciúmes. E Alvie podia ficar responsável da limpeza até que Artie se recuperasse... Claro que adoraria. Pluto parecia mesmo já ter escolhido seu próprio dono.

Conversaram um pouco mais e então Alvie levou Artie para casa. Pluto ainda ficaria uma última noite sob a mira de Marrie.

Olharam-se longamente antes que o cadeirante fechasse a porta. Então Alvie respirou fundo o ar da noite e permitiu-se sorrir.


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Notas finais do capítulo

O meu amigo secreto... faz aniversário em Abril (que nem eu!!!)... tem um nome engraçado e chique... segundo o Google, essa pessoa curte umas paradas lgbt+ e já fez umas arte de capa gatiliciosas ♥

E O MEU AMIGO SECRETO É... ~tandandandaaaann~ Lenka (Juni) K. Wetmann ♥

Juni, eu espero que você aprove, rs. Você pediu uma história leve com uma pitadinha de drama e me deu taaanta liberdade para escrever sobre mais um monte de coisas que eu também gosto muito ♥ Obrigada por me fazer tirar esses velhinhos da minha cabeça.

Obs.: eu tinha postado o primeiro capítulo como se fosse toda a história, mas sabia que podia expandi-la mais então aqui está o resultado.

Obrigada a todos que lerem ♥ Até o/



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