Lover. escrita por Jones


Capítulo 6
death by a thousand cuts. - Rose e Scorpius.


Notas iniciais do capítulo

Música: https://www.youtube.com/watch?v=GTEFSuFfgnU



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— Então dessa vez parece o fim. - Ele me disse, com os olhos cheios de lágrimas.

— Ok. Adeus. - Fingi indiferença enquanto batia a porta atrás de mim.

E então saí andando como se não fossem duas e meia da manhã e eu não tivesse medo de ser violentada, roubada ou morta. Era como se eu não me importasse, porque dizer aquele adeus parecia uma morte por mil cortes profundos e violentos vindos de instrumentos diferentes como facas cegas e tesouras com pontas. 

Sentada no bar eu vejo que ficar bêbada não é o suficiente, porque os flashbacks vêm e me acordam todas as vezes que eu penso que eu posso ser feliz novamente. Eu sei que a manhã virá e eu estarei sozinha na cama. 

 - Você está bem? - Me pergunta meu melhor amigo, enquanto me ajeita em seu carro. Eu devo ter ligado em algum momento de embriaguez e desespero. 

— Vou ficar. - Respondo mais para mim mesma que para ele. 

Quando ele me coloca naquela cama gigante da minha casa, eu me pergunto se eu não deveria ter pedido para ser deixada em qualquer outro lugar. Porque por mais que naquela noite ele tenha fechado todas as janelas do nosso relacionamento com ripas e pregos, eu conseguia ver traços do nosso amor através das frestas até o cintilar do lustre que ficava sobre nossa cama. 

Acho que minha cama. 

— Eu não consigo fingir que está tudo bem quando não está. - Encolhi os ombros, no que parecia ser uma fração da força que eu já tive no passado. - Eu me sinto despedaçada em mil pedacinhos impossíveis de se conectar novamente. 

— Vocês estão juntos desde que descobriram que meninos e meninas não são nojentos. - Zombou meu amigo. - Nunca é definitivo quando se trata de vocês. 

— Nós temos problemas. - Murmurei resignada, e ele sabia quais eram. - A única coisa que a gente compartilha ou compartilhava era o interesse mútuo um no outro e essa cidade pequena em que eu pensei que viveríamos pelo resto da vida. 

Ele não podia discutir comigo sobre isso, parecia que era mais simples não estarmos juntos do que estarmos: famílias, empregos, egos, crises e orgulhos eram mais que obstáculos no nosso caso. 

— Não se preocupe comigo Jay. - Sorri, de maneira afetada e fraca. - Você tem outro melhor amigo para consolar. 

Ele me olhou cabisbaixo. 

A única coisa que eu odiava mais que todas aquelas brigas e discussões, era colocar James no meio delas. Ele nos ama de uma maneira que não dá para medir. 

— Vai lá. - O abracei mais uma vez. - Obrigada pelo resgate. O clonazepam vai me fazer dormir até o horário do trabalho. 

Ele esperou que eu tomasse o remédio para ir embora. E eu rolei de um lado para o outro até abraçar meu travesseiro e lembrar que eu não trabalho aos sábados. 

Dormi.

A manhã veio e eu estava sozinha.

Eu me vesti para passar o tempo, dirigi para levar meus vestidos a lavanderia, chorei comendo bolinhos com muito açúcar no carro. Esperei que o semáforo, no caminho mais distante para casa, me desse algum sinal de que as coisas melhorariam.

A cor amarela significa que nem o acaso sabia. 

— Você me disse que esse era um grande amor. - Gritei para a caixa postal enquanto dirigia em voltas por aí. - Um amor para entrar para história. 

Se a história acabou, por que eu ainda estou escrevendo partes dela numa caixa de mensagens sem respostas? 

De longe alguém me grita: 

— Hey Rose! - Cidade pequena, todo mundo se conhece. - Quando você e Scorpius vão buscar a encomenda? 

— Que encomenda, Sra. Houston? - Encostei o carro no acostamento da praça. A senhora negra de cinquenta e tantos anos que insistia em continuar trabalhando no serviço postal da cidade, cruzou os braços.

— Está em seu nome. - Ela falou desconfiada. - Scorpius não lhe disse? 

— Não.

— Vou buscar para você. 

— Não precisa, Miranda. - Sorri, tentei soar o menos triste possível.

— Que isso. Os correios são só do outro lado da praça, e você tá tão palidazinha que eu não quero te cansar. - Ela soltou uma gargalhada. - Espere só um instante. 

Pela primeira vez pensei na minha aparência. Eu deveria estar parecendo um monstro de sardas ruivas e olheiras negras. Pudera, eu estava dando voltas no lugar do mundo que mais me fazia lembrar dele. 

Eu o vejo em todos os lugares: nessa praça se lambuzando de cachorro quente como uma criança. Na lanchonete do Luke ignorando os sinais de não usar o celular, na floricultura de Kennedy dando ideias para expandir o negócio e me trazendo uma Rosa para ser clichê... Esse era o lugar que a gente tinha escolhido para nós. 

— Obrigada, Sra. Houston. - Sorri agradecida. - Vê se aparece para o chá um desses dias. Teremos... Terei o prazer em recebê-la novamente. 

— Pode deixar, querida. - Ela sorriu. - Vê se alimenta direito, você está muito magrinha. 

— Com certeza. 

Algumas coisas não mudavam e isso me trazia conforto. 

Eu vou ficar de boa. São só mil cortes. 

Lá ele estava quando eu pisei em casa com a caixa média dos correios - do tamanho de uma caixa de sapato - em um dos braços, uma garrafa de vinho aberta na outra mão e tentando equilibrar minha caixa de bolinhos no mesmo braço.

O que eu deveria dizer?

— Não estava te esperando. - Resolvi optar pela sinceridade. 

— Você me ligou. 

— Eu desabafei numa caixa de mensagens, não te fiz um convite. - Joguei a encomenda na mão dele e tomei um gole do vinho que já tinha aberto na garagem. - Você não deveria me dar espaço para me curar e crescer e te superar? 

— Como o espaço que você está me dando? - Colocou as mãos nos bolsos. 

— Eu sei que o primeiro passo é apagar o número do ex. Mas eu não tenho culpa de ter uma memória excelente e saber seu número de cabeça. - Girei os olhos. - Se foi por isso que você veio, eu te garanto que eu não te ligarei mais. 

Ele respirou fundo e se jogou na poltrona horrorosa que não combinava em nada com os móveis excelentes que eu escolhi para a nossa casa. 

— Você acha que é fácil para mim? - Cobriu o rosto com uma das mãos. 

— Você que disse que acabou. Então sim. - Disse, sentada do lado oposto... Separados por uma mesa de centro e muito mais que isso. 

— Porque era para onde a conversa estava nos levando. Mais uma vez. - Passou os dedos entre os cabelos, irritado. - Tem uma hora que a gente só tem que parar de tentar. 

Mais mil facadas. 

E raiva. 

— Sabe o que eu fiquei fazendo o dia todo? - Enfiei um bolinho na boca e continuei de boca cheia. - Fiquei rodando por essa cidade tentando ver alguma parte dela que não me lembrava você.

— E você acha que tudo não me lembra você? - Seu tom continuava me enchendo de cortes.

— Meu coração, meus quadris, meu corpo... Todo o meu amor. - Sequei minhas lágrimas com o dorso da mão. - Tenta achar uma parte que você não tocou.

Tentei fazer sentido em mostrar que ele não podia decidir que estava tudo acabado sem entender o que aquilo significava para mim. 

— Meu tempo, meu espírito, minha confiança e agora meu vinho. - Sorri desesperada apontando para a garrafa na mão dele, um pouco insana. - Tenta achar uma parte que você não tomou de mim. 

Ele me encarou com lágrimas nos olhos.

— Você desistiu de mim como se eu fosse tóxica. Não saudável. Como se eu te fizesse mal. - Abracei meus joelhos no sofá. - Todos os meus medos de que como eu sou e de onde venho seriam jogados contra mim se concretizaram. 

— Eu te dei tudo o que eu tinha. - Ele me disse triste. Com os olhos turvos percebi que chorava. - Mas não foi o suficiente. 

Encaramos o teto branco em silêncio, assistindo as sombras do lustre. O que uma vez fora nosso, não era de ninguém mais. 

— Foi mais que o suficiente. - Tentei alcançar a mão dele. - Só me responde uma coisa.

— É claro que eu ainda te amo. - Respondeu a minha pergunta óbvia antes mesmo de eu fazê-la. 

Sorri triste, infelizmente às vezes isso não significa muita coisa. 

— O que tem no pacote? - Perguntei depois de mais quinze minutos de nós bebendo em silêncio. 

— Um jarro de cristal. - Deu de ombros. - Presente de casa nova um ano atrasado dos meus pais para você.

Rimos juntos, se eu tivesse apostado, nunca teria acertado. 

— Hey Scar. 

— Oi, Rosie.

— Você acha que um dia ficaremos bem? 

Como as luzes amarelas de todos os semáforos pelos quais passei hoje, ele me respondeu:

— Eu não sei. 

O jeito que ele me olhava com os ombros encolhidos e um sorriso tímido e contido de quem não tinha todas as respostas me fez pensar que eu não sei era melhor que um não definitivo.

Nós vamos ficar bem, foram só mil cortes.


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