Dê-me a sua mão escrita por Mary


Capítulo 8
8. Letícia


Notas iniciais do capítulo

Oi gente, sobrevivi a junho e ao ciclone bomba. Dedico este capítulo a Randy, obrigada pela leitura. =)



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Tenho uma grande família, no sentido literal e figurado, entretanto, grandes são as pessoas que me ajudaram a chegar até aqui. A princípio, agradeço à minha mãe biológica por não ter desistido de mim e me entregar para uma família que gostaria de ter uma criança como eu porque foi seu único gesto altruísta para comigo. Ao meu pai de consideração, Odair e à melhor madrasta do mundo, Lana. Ela é a minha mãezinha de coração.

Minha mãe biológica era diarista e tinha outros dez filhos, então quando soube que eu estava a caminho, pensou em tirar, já havia feito isso antes. Teve o primeiro filho aos 14 e ainda hoje, enquanto é avó, também engravida.

Foi nessa época que no intento de salvar o casamento, meu pai se prontificou de proporcionar uma gestação tranquila para a empregada, que em troca daria a criança, tal como aconteceu. Presumo que meus olhos esverdeados sejam herança desse homem cujo rosto nunca conhecerei porque meus demais traços e o tom bronzeado da pele indicam a minha origem.

Minha chegada não salvou o casamento. A antiga esposa queria ser mãe de uma menina e Odair era estéril. Mesmo com os exames provando a verdade, ela me rejeitava, acusando o marido de ter um caso com a empregada, entretanto, da pior forma, meu pai descobriu que era traído.

Para Odair foi um golpe muito duro descobrir que a mulher que ele amava mantinha um relacionamento de anos com o melhor amigo dele. Os dois estão juntos até hoje, mas na época foi uma humilhação sem fim.

Quem acabou cuidando de mim foi minha mãe biológica, na condição de babá e sem demonstrar apego, executando as tarefas para as quais era designada, pois meu pai passou por um momento bastante turbulento e precisou de apoio psicológico para se reerguer.

Foi dessa forma que ele conheceu a Lana.

Se vocês estiverem pensando que rolou pegação no consultório dela, esqueçam.

Odair frequentava semanalmente as sessões de uma amiga de Lana e numa noite em que saiu com os amigos depois de anos, por acaso encontrou a futura esposa, também entre amigas quando não estava no palco. Da parte dele, foi amor à primeira vista. Ela era vocalista de uma banda que tocava covers num barzinho voltado para o pessoal que curtia rock das antigas.

Naquela noite ela estava cantando Leave me now, do grupo Black Russian e aquele visual despojado, repleto de personalidade e intensidade foi o cartão de visitas para algo mais.

Já no final da noite, quando meu pai, o único sóbrio, se encaminhava para ir embora, trombou com Lana, parecia até clichê romântico: a motocicleta dela enguiçou e ela estava sem dinheiro para chamar um táxi e também com medo de ter o veículo roubado, passando frio, sem saber o que fazer. Ele, gentil, se ofereceu para ajudá-la, aproveitando a oportunidade para saber se aquela moça bonita que chamou sua atenção correspondia às suas expectativas ou se tudo não passou de uma ilusão.

Lana e Odair tinham muito mais afinidades do que poderiam imaginar, apesar da diferença de idade e de viverem em mundos opostos porque enquanto ele já criava uma menina de três anos, ela ainda estava curtindo os vinte e poucos anos, aproveitando a época em que as amigas estavam solteiras para curtirem, beijarem, pois chegaria a época em que cada uma iria para o seu canto.

Papai chamou-a para sair.

Conta ela que no início pretendia dizer que ainda amava o ex-namorado, cujo relacionamento era parecido com o mencionado na música que encantou Odair. As amigas lhe pressionavam para conhecer outros caras, mas meu pai demonstrou uma serenidade ímpar e soube conduzir o encontro de forma que a própria Lana se deu conta de que havia chegado a hora de abrir o coração para amar e se deixar ser amada também.

Papai nunca omitiu minha existência e temia que eu rejeitasse a namorada dele, porém os amigos e conhecidos da família sempre relatam que fui uma criança carinhosa, alegre, comunicativa, mas também bastante teimosa. E logo que eu vi Lana pela primeira vez, quando ela aceitou um convite para jantar em nossa casa, senti uma empatia tão grande que foi inevitável não abrir um sorriso quando ela chamou o meu nome. E foi recíproco.

Depois de um bom tempo de namoro, Lana e Odair decidiram se casar. Hoje eu sei que nem tudo decorreu tão perfeitamente assim porque a família dela tentou de tudo para impedir essa união de acontecer, os pais rejeitavam o relacionamento porque meu pai era divorciado, houve quem a acusasse de ser amante dele, o que não faltou foi gente torcendo contra porque as línguas mais maledicentes ainda insistiam naquela conversa furada de que eu era filha biológica dele, fruto de um caso extraconjugal com a empregada.

O amor deles passou por esses entraves todos. E eles, de cabeça erguida, seguiram se amando.

Odair foi batizado na igreja católica, fez primeira comunhão, crisma e entrou na igreja com a primeira esposa. Por mais que Lana nunca tivesse se casado antes, não pôde sonhar com isso. Criticaram-na por usar branco, sob a argumentação de que uma mulher que não era mais virgem deveria ter vergonha de usar véu e grinalda, todavia, se os dois tivessem selado o voto de castidade, não faltariam odiadores colocando em questão a veracidade da promessa.

Papai fez questão de promover uma festa para a amada e se um padre não presidiria os votos, que fosse um amigo em comum, alguém que realmente merecesse estar ali, que convidados fossem todos aqueles que sentiam genuinamente a emoção que os dois partilhavam. E que fossem poucas pessoas, mas sinceras no bem querer. E ela trocou alianças com ele numa linda chácara, usando um vestido adequado para a ocasião, mas nem por isso menos deslumbrante. Se todo casal tem uma música, a deles é Because you loved me, da Celine Dion.

Antes disso, nós três já formávamos uma linda família. Lana veio morar conosco depois que papai apresentou-me à ela. Quando não estava atolada de trabalho ou tocando na noite, brincava comigo de boneca e do que mais eu inventasse. Não à toa eu a chamava de Mama.

Quando Lana decidiu ser mãe, também não faltou gente acusando-a de usar o filho para se garantir com a pensão, ignorando o fato de que ela veio do interior para estudar em Curitiba, passou em Psicologia na Federal e vinha ascendendo no ramo de atuação por méritos próprios, meu pai nunca a obrigou a deixar a profissão de lado.

Foram várias tentativas frustradas de fertilização. Duas delas vingaram por dois meses, a terceira foi a mais dolorosa para mim também porque a criança morreu dentro da barriga dela aos sete meses de gestação.

Seria Beatriz o nome da menina. Eu tinha dez anos e ainda posso me lembrar do quanto essa perda nos machucou. Estávamos todos muito contentes com a chegada de mais um membro da família, eu gostava de encostar o ouvido na barriga da minha madrasta para ouvir o coraçãozinho da Bia bater, aquilo era tão lindo, tão emocionante, que eu logo queria estar com a minha irmã nos braços.

Eu ajudei a decorar o quartinho da Bia, prestava atenção em tudo que ouvia sobre bebês porque queria cuidar muito bem da minha irmã. Queria saber segurar o neném, dar mamadeira, banho, trocar fralda.

Quando Lana passou mal numa madrugada, apesar do susto, eu aguardava ansiosa para o telefone tocar e eu ouvir que Bia estava tão animada para me conhecer que até se antecipou um pouquinho para chegar.

Em vez disso, a bomba.

Todos nós sentimos que Beatriz levou um pedaço de nossos corações. Lana decidiu não insistir mais na ideia, ainda que meu pai cogitasse uma adoção quando a poeira abaixasse, plano que nunca vingou.

Lana pode não ter me aguardado por longos meses em seu ventre, mas me ensinou o significado de amor incondicional ao entrar em nossas vidas porque reacendeu em meu pai a esperança de um "felizes para sempre" e me mostrou o quão forte e poderoso é o amor de mãe.

Não foi Beatriz o motivo pelo qual, anos depois, Lana e Odair se separariam. Nesse intervalo em que voltaram a ser apenas bons amigos, se relacionaram com outras pessoas, porém nada duradouro. O distanciamento social aproximou duas almas que apesar de todos os disfarces para negar o óbvio, sempre quiseram estar unidas.

 

— Lety


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Notas finais do capítulo

Até agora, parece tudo ok na vida da Lety. A Lana é uma madrasta gente boa, tão boa que a Lety a considera sua mãe. O Odair também é legal. Só que é melhor vocês aguardarem uma reviravolta na vida da Lety.



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