Dê-me a sua mão escrita por Mary


Capítulo 2
2. Letícia


Notas iniciais do capítulo

Lety na área.
Dedico o capítulo ao super Gabriel Campos, meu amigão de longas datas e com certeza um dos melhores, senão o melhor autor do Nyah.



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 Você vê meu álbum do Instagram e pode ter várias reações: a) ser uma homoafetiva dentro do armário e curtir meu estilo, se inspirar nas minhas postagens e se sentir abraçada, b) ser homofóbica e me condenar ao inferno, dizer que me exponho sem necessidade, ter nojo do meu jeito de amar e/ou ser uma das inúmeras filhas da puta com quem estudei na escola, responsável pela pior época da minha vida, c) ser uma curiosa a se questionar se não temo ataques vindos de haters e de onde vem a minha coragem. Não importa. Em uma das três alternativas você se encaixa.

Eu não sou a moça das fotos. Sim, sou, mas por trás desse clique e de alguns ajustes na saturação, no contraste e no balanço, ainda existe aquela menina que se escondia no banheiro para chorar quando as outras meninas — cujo gaydar apitava ao me ver — me aporrinhavam a ponto de eu não suportar, que passava os recreios sozinha e nunca entendia aquela aversão doente, aquele preconceito concebido sem embasamento porque quando eu era criança não tinha sexualidade e eu poderia perder uns bons parágrafos a quebrar estereótipos estúpidos. Eu amava brincar de boneca, colecionei várias Barbies, sempre apreciei o universo feminino, além de ser vaidosa. Entretanto, teremos mais oportunidades para destrinchar melhor essa pauta. No momento oportuno, presumo.

Do outro lado da tela há alguém que não tem outra opção senão ser forte e todo dia quando eu acordo sei que a luta continua, não importa se meu cabelo não está legal, se eu gostaria de me espreguiçar e desativar o despertador do celular, se meu humor não está dos melhores, nunca cessa. E eu não posso vacilar.

Aquela Letícia de sorrisos largos e em poses privilegiadas é um recorte da realidade. Não estou sempre na praia bebendo coco-verde e tomando banho de mar, tampouco turistando na Europa como se Paris fosse a cozinha do meu apartamento, nem todos os dias de trabalho são incríveis e, acredite, eu sou aquela que aproveita o horário de rush, o vidro fumê do carro (o anonimato garantido) e chora enquanto o sinal segue vermelho.

No imaginário geral eu sou cheia dos contatinhos, mas já recusei rolês para ficar debaixo do cobertor assistindo filmes, séries e lendo algum livro interessante e reconheço que sei distinguir muito bem colegas de amigos e com minúcias também os aproveitadores, aqueles que se apropriam de mesuras em troca de aproximação, com o objetivo de conhecer meus pontos fracos e puxar meu tapete.

Agora mesmo, por exemplo, estou na cama, vestindo um pijama com estampas infantis, escutando músicas de "gosto duvidoso", olhando para as fotos dela e desejando mais do que nunca que essa pandemia chegue ao fim para que possamos nos abraçar porque a distância me destrói todo dia um pouco. Estamos todos engolidos pelo medo do amanhã. Demo-nos conta da nossa impotência, da nossa condição humana, da pequenez diante de um vírus que menor ainda, é capaz de refazer a realidade da forma como a víamos antes de tudo acontecer.

Quando nossa empresa aderiu a um sistema diferenciado de trabalho, em meados de março, ela recebeu permissão para trabalhar em casa e eu segui na redação, porém tive contato com um amigo que testou positivo para a Covid-19 e fui afastada das minhas funções por precaução. Passei pelo período mais caótico da quarentena no quarto, evitando ao máximo me deslocar para outros cômodos, recebendo comida do lado de fora da porta e me medicando como prescreveu o médico. Ainda assim, não foi fácil. Felizmente não evoluí para as etapas mais graves da doença, contudo temi e ainda temo por todas as pessoas que amo, inclusive já chorei a perda de algumas e quero ter a esperança de que nós sobreviveremos a tudo isso e um dia nos lembraremos desse período tão turbulento como pesadelos de uma era distante.

Com a finalidade de aliviar a saudade, minha amada e eu decidimos partilhar nossa história. Estou mais animada para ver o progresso dela em relação ao medo de publicar seus escritos porque tenho uma convicção muito grande de que quebrar o silêncio será libertador e muitas catarses virão porque enxergo além das linhas, penso que do outro lado da tela existe alguém necessitando dessa representatividade, que a meu ver vai além de forçar estereótipos, é ir fundo lá naqueles sentimentos que fazem muitas pessoas se sentirem abraçadas por saberem que não foram e nem serão as únicas a enfrentarem certos dramas. Também me sinto no dever de dividir um pouco de mim com os outros, até para desconstruir esse mito de que minha vida foi fácil e eu nunca passei por sofrimentos.

Eu aprendi com meus odiadores a ser tão cínica quanto eles.

— Lety


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Notas finais do capítulo

Gente do babadooooo, isso é só o começo. Vai ter mais! ♥
Lógico, preparem-se porque tem horas que você vai querer entrar na fic pra descer o sarrafo nas quengas que infernizaram as vidas da Lety e da Babs, mas também vai ter muita diversão e nostalgia... espero que gostem! =)



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