Amor Cego escrita por Cas Hunt


Capítulo 9
Antiga Banda




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Ryder é minimamente mais alto que eu. Tyson, por outro lado, mal chega a atingir os 1,65, compensando com as botas grossas recebidas de presente do namorado. Yuri consegue chegar na minha altura, os longos cabelos pintados de azul arrumados em uma trança caindo pelo seu ombro. Ignorando todas as leis da física ela não parece sentir minimamente o frio ao seu redor segurando o guarda-chuva transparente acima da cabeça e vestindo uma saia curta laranja com camisa de botões preta aberta até exibir parte de seu sutiã de renda na mesma tonalidade viva da peça em suas pernas.

—Demorou! — ela reclama ao me avistar.

Outra mulher em minha vida a qual quase me obrigou a fazer amizade com ela. Não diria que a considero tão amiga quanto Louis, a vejo mais como uma colega apesar da cumplicidade e o afeto mútuos. Noto primeiramente a nova tatuagem em seu antebraço direito.

—Uau — aponto.

—Mandala — Yuri responde juntando os dois antebraços, equilibrando o guarda-chuva com cuidado — Elas se completam. Vi na internet no final do ano passado e só consegui agora.

—Ficou bonita.

—Eu sei.

Tyson se move da parte mais interna do beco passando por Ryder e se ocupando em me dar um abraço. Correspondo curvando-me minimamente. Um dos fatores mais importantes para ter continuado com essa banda por quase todo o ensino médio foi o fato de serem receptivos e simplesmente não ligarem para como eu prefiro me apresentar, seja na frente com eles, ou na escolha camuflada entre as sombras dando a ilusão de sequer estar lá.

O baixinho toca meu cabelo e assinto. Estou deixando crescer, pela primeira vez. Ele sorri, entendendo sem dizer uma palavra sequer. Dava força para quando eu mudava minha aparência, nem que minimamente. Ele mesmo preferia ficar com o mesmo corte quase careca e a barba por fazer. Os olhos escuros são discretos, tal como toda sua personalidade, totalmente diferente de quando se apresenta no palco.

—Ryder — Yuri resmunga, fuzilando-o e usando o queixo para apontar na minha direção.

O vocalista finalmente me olha. Uma pessoa curiosa. Ryder foi o primeiro a se interessar por mim. Disse que gostava dos meus olhos, mas que eu fugia demais. Antes de dar uma chance a ele exaltei que poderia a qualquer segundo deixa-lo para buscar mais na minha carreira. Nosso término acabou sendo por outro motivo. Ele também está com o cabelo grande. Fios de um loiro-escuro caem em seu ombro, presos no rabo de cavalo na nuca. Olhos delineados, pequenos e nariz torto.

—Elise.

Ergo a mão, cumprimentando-o. Compreendo completamente a razão de estar tão evasivo na minha presença. Também me sinto desconfortável, porém não gostaria de perder a oportunidade de ver os outros dois integrantes.

—Lixo — Yuri resmunga — Louis mandou um oi.

—Consegue falar com ela?

—Enlouqueceria se não conseguisse.

Sorrio. Venho suspeitando bastante sobre a aproximação das duas.

—Então... Onde vai ser?

—Ah. Eu já descobri. Uma boate nova sendo inaugurada hoje. Daqui até o domingo vamos ter que nos apresentar lá.

—Então os negócios vão bem.

Yuri assente. Tyson recosta-se ao lado de Ryder, também quieto. Ainda não entendo a razão dos três gostarem tanto de estacionarem perto de um beco e passarem o tempo deles relaxando em um lugar pequeno e fedorento a fezes.

—Por que não me contou logo que já tinha descoberto onde era? — dou uma olhada no celular, conferindo se ela não mandou outra mensagem.

—Você não viria se não achasse ser importante — Yuri passa o braço ao meu redor — E eu fiquei com saudades.

Sorrio. Me sinto tão cansada emocionalmente. Passo os braços ao redor de Yuri, mesmo ela tendo a noção perfeita de que evito contato com qualquer outro ser humano. Ela se surpreende no primeiro momento, mas me abraça de volta.

—Também estava, é? — brinca.

Assinto, sem responder. Yuri ri baixinho afagando minhas costas.

—Tá tudo bem?

Aperto o abraço. Não quero que ela me note estremecendo. Ryder nota primeiro. Percebo seu olhar desviando na direção da rua e segurando a nuca de Tyson, forçando-o a caminhar para a vã estacionada. Yuri continua segurando o guarda-chuva, nos protegendo do chuvisco baixo conforme continua a passar a mão livre nas minhas costas.

—Quer que eu fique um tempo aqui?

Concordo com a cabeça. Meus olhos estão ardendo, as lágrimas perambulando o canto da pálpebra conforme as prendo no lugar recusando-me a chorar ainda. Preciso antes me acalmar para conseguir falar com ela e parar de sentir vergonha sobre como me expresso na frente de alguém. Qual o meu problema? Queria poder sentir que Yuri é próxima de mim, porém não consigo. Pareço estar abraçando apenas uma conhecida.

—Saudades de casa ou...?

Ainda permaneço em silêncio. Sinto finalmente ter colocado os pensamentos em ordem, mesmo as emoções estando tão embaralhadas. Descanso o rosto em seu ombro como faria com minha mãe e em seguida afasto-a devagar.

—Encontrei o cara da voz.

Yuri arregala os olhos. Vê algo atrás de mim e em seguida pega minha mão.

—O que fez você terminar com o Ryder?

Faço uma careta.

—Não terminei com ele por causa do cara da voz.

—Ok. Acredito em você. Agora, por que você parece tão triste se encontrou quem procurava?

Respiro fundo. Sinto a mão de Yuri no meu ombro, afetuosa.

—Ele... —junto as sobrancelhas, as palavras presas na garganta — Não é a pessoa que eu esperava.

—Ele enxerga?

—O que? Não! Ele só é idiota. Um grande idiota.

Os olhos dela se tornam menores, ameaçadores.

—O que ele fez com você?

Suspiro, passando a mão pela nuca novamente.

—Nada. Só... Eu não sei. Me decepcionei.

—Claro que ia se decepcionar. Sonhou com uma pessoa por anos, acha mesmo que ele atenderia a todas as suas expectativas?

Congelo. Yuri joga o banho de agua fria que necessito para acordar. Olhando para ela, vejo muito da personalidade de Louis, explosiva, segura e confiante. Sem medo algum de me falar verdades doloridas que me machucam para sarar.P

Projetei tanto, sonhei tanto e mesmo me achando minimamente racional como pude deixar essa ideia de que Noah seria perfeito se fundir tanto com o que eu esperava do real? Me sinto uma criancinha apaixonada sonhando com o príncipe encantado. Do meu interior surge a vontade de me dar um tapa por não ser Noah que errou nessa situação e sim eu. Ja escutei tantos outros sendo grosseiros e só com ele acabo me afetando? Precisava acordar. Precisava viver longe de fantasias. E Yuri acaba de me dar uma oportunidade.

—Você tá certa — respondo.

Viro, olhando atrás de mim. A vã continua com a mesma pintura confusa e psicodélica de Ryder. O vocalista está emburrado encarando os sapatos, Tyson atrás de si no volante mexendo no celular. Fugi tanto de responsabilidades e confrontos que imagino ter deixado algumas coisas boas para trás, fingindo que ganharia algo melhor se não ligasse para nada.

Volto-me para Yuri.

—Posso tocar com vocês?

Ela sorri, quase orgulhosa.

—Agora sim. Gosto mais do seu olhar determinado. Vem. Que tal tocar todas as noites essa semana?

Pressiono os lábios.

—Acho que ainda preciso ir pra faculdade.

Yuri solta uma risada.

—Pelo menos três dias, então.

—Hoje e o fim de semana?

—Parece perfeito.

Meneio a cabeça. Perturbada, passo a pensar como me sentiria no lugar de Noah. Se eu fosse quem não enxergasse e soubesse de outra pessoa me encarando, com certeza ficaria infimamente irritada e ofendida. Iria sentir que sou uma atração, entretenimento para o outro. Entendo agora sua irritação, mas ainda não aceito seu comportamento agressivo. Decido por manter uma relação mínima, ou seja, sem contatos a mais a não ser dentro da aula de Russel.

Afinal, eu sempre soube que nunca encontraria o Noah da minha memória. Nada mudou. Continuo presa a alguém do passado que mais criei do que observei, a diferença é que agora sei de sua presença no presente e prefiro ignorá-la a manchar quem me inspirou tanto naquele dia.

—Ryder! — Yuri chama usando o guarda-chuva até entrarmos secas dentro da vã — Elise vai tocar com a gente.

O vocalista desmancha os braços cruzados. De costas, não vejo sua expressão. Me arrependo minimamente de não ter dado a ele uma chance de verdade. Sento na parte de trás da vã no segundo banco. Como Tyson é o motorista e Yuri gosta de ir na frente, acabo encarando Ryder no momento em que ele entra no veículo. Põe o cinto, olhando mais suas mãos do que qualquer outro ponto.

Vendo seu rosto, a expressão parte dolorida e parte inexpressiva sinto ainda mais culpa pelo que disse e fiz. Arrumo as costas no banco, encarando a frente do carro no instante do som da ignição iniciar.


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