The Worst Date Ever escrita por Little Alice


Capítulo 2
Parte II: Passado


Notas iniciais do capítulo

Este capítulo é inspirado na música “Let It Be Me”, do The Everly Brothers. Se quiserem, vocês podem ouvir pelo link:
https://www.youtube.com/watch?v=e7u1QBgbPiA



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I bless the day I found you
I want to stay around you
And so I beg you
Let it be me

Each time we meet, Love

I find complete love
Without your sweet love
What would life be
(Let It Be Me – The Everly Brothers)

 

— Fique aqui — pediu Scorpius, segurando-me pelos ombros de um jeito firme, mas delicado. Eu parei e o encarei, um pouco confusa. Nós dois havíamos aparatado em um beco próximo há cerca de dez minutos. Como nos velhos tempos, andamos de mãos dadas pelas ruas movimentadas de Londres, desviando de pessoas e observando as luzes da cidade, os carros em constante movimento, o murmurinho dos risos e das conversas, a energia frenética de uma noite de sexta-feira. Londres se assemelhava a um enorme e furioso ser vivo. Eu gostava daquilo. Gostava de como a cidade trouxa se parecia. Era diferente do Beco Diagonal, com suas lojas de poções, varinhas e vassouras. Cada um dos dois mundos — bruxo e trouxa — possuía uma magia completamente diferente e única.

Scorpius e eu estávamos, agora, diante daquele velho cinema. Quase dez anos depois, o local continuava ali, bem como nos lembrávamos: uma construção pequena, praticamente ofuscada entre dois prédios comerciais maiores. Quem poderia notá-lo, caso estivesse passando depressa? Era necessário estar procurando por ele. Uma luz de neon vermelha estampava a palavra Vertigo, cartazes decoravam a fachada negra e uma fila mínima se formava do lado de fora. De algum modo, era surpreendente que aquele lugar sobrevivesse em meio às grandes corporações de cinema, que ocupavam os shoppings e as principais avenidas e engoliam todas as coisas. Era quase revigorante.

Da primeira vez em que estivemos aqui, não sabíamos que se tratava de um cinema independente, com mostras temáticas e mensais. Tivemos, no entanto, o azar de estarmos no mês do filme gore — e quando digo azar, digo de um azar grotesco, uma combinação asquerosa de sangue, tripas e violência gratuita. Sentados na última fileira do cinema, Scorpius e eu simplesmente nos deixamos absorver por aquela experiência nova, porém bizarra; nossos corpos absolutamente congelados à cadeira e nossas expressões um tanto horrorizadas. Não houve toques furtivos, sussurros espirituosos ou qualquer aura romântica. Foi apenas… nojento e assustador. Scorpius saíra levemente esverdeado da sessão, segurando as pipocas que deixamos praticamente intocadas.

Misturado ao espanto, pude ver um quê de decepção em seu rosto. Decepção consigo mesmo. Ele e Albus haviam escolhido aquele lugar, afinal. Scorpius talvez não soubesse, mas eu compreendia aquele sentimento, pois o vivenciava cada vez mais e parecia que qualquer esforço que eu fizesse fosse em vão. Sentia-me decepcionada por estar decepcionando os outros. Por alguma razão, o meu coração se apertou ao vê-lo tão abatido e quis consolá-lo como se consolasse a mim mesma. Tentei fazer uma piada sobre o filme e segurei a mão dele pela primeira vez. Eu jamais poderia imaginar, naquele momento, que estávamos selando uma espécie de pacto de eternidade. A partir daquele dia, nunca mais desejei soltar a mão de Scorpius. E nos momentos mais difíceis e mais bonitos da minha vida, ele segurou a minha de volta.

Chegava a ser engraçado como as coisas entre nós nunca foi muito... normal. O nosso primeiro encontro. O nosso casamento. Tudo começou de um jeito perfeitamente imperfeito. De um jeito completamente nosso. Scorpius e eu nunca planejamos nos casar, mas, ainda assim, nos casamos. Estávamos em uma viagem para a Escócia, conhecendo ruínas, castelos, lendas antigas e paisagens deslumbrantes. E, então, enquanto observávamos a imensidão e a beleza do mundo, aquilo simplesmente nos pareceu certo. A ideia de nos casarmos. Naquela mesma viagem, em um pequeno cartório bruxo e com testemunhas que sequer conhecíamos, Scorpius e eu prometemos que permaneceríamos juntos no agora e no para sempre. Um ato francamente impensado, do qual nunca nos arrependemos. E eu poderia jurar que seria eternamente grata ao dia em que Scorpius entrou na minha vida.

— Eu quero que espere aqui — repetiu, com um sorriso pequeno, e indicou sua câmera analógica, presa ao seu pescoço. — Quero ver você chegar… como naquele dia. É um pouco curioso, porque sempre evitei reviver esse momento na minha mente, mas consigo me lembrar perfeitamente de como me sentia. Eu estava tão nervoso. A cada passo que você dava na minha direção, o meu coração saltava, como se quisesse pular para fora do peito. As minhas mãos suavam e tudo mais. E eu me sentia empolgado também. Você era a garota dos meus sonhos e finalmente estava me dando uma oportunidade. Era uma sensação esquisita, mas boa. Me sinto até um pouco idiota agora por ter reprimido essa lembrança por tanto tempo. Naquele dia, eu só queria que fosse eu, sabe? A pessoa por quem você se apaixonaria. 

— E você foi — retribuí o sorriso. — A minha vida seria uns trinta por cento menos completa sem você, Malfoy. E digo trinta por cento porque é uma margem consideravelmente saudável e acho importante manter certa independência emocional.

— Você e suas teorias. A minha vida seria completamente miserável sem você — ele revirou os olhos. — Quando eu acenar, você vem, ok?

Eu assenti e observei enquanto Scorpius se virava e caminhava em direção à fila do cinema. Ele parou e, então, acenou. Tudo aquilo era um pouco ridículo, mas eu não me importava. Estar apaixonado era um pouco sobre isso: sobre se permitir ser ridículo. Como da primeira vez, gesticulei de volta e abri um sorriso radioso. Se para Scorpius aquele dia significou sua primeira e última chance de estar comigo, para mim, inicialmente, não passara de mais um daqueles momentos confusos e sem sentidos que preenchiam a minha vida de recém-formada. Pensando bem, eu não me sentia mais forte naquela época. Apenas tinha a impressão de que sim. Hoje, eu sabia que havia sido corajosa. Mas não naquele momento. Eu me enxergava como uma pessoa estúpida e amedrontada, que simplesmente não fazia ideia do que estava fazendo. Eu não me via como uma Grifinória cheia de coragem e ousadia, pronta para enfrentar o mundo e os seus desafios. Aos dezoito anos, a vida não era mais fácil do que agora, aos vinte e sete. O passado só parece mais simples quando visto do presente. 

Na realidade, eu não sabia muito bem por que dissera sim quando Scorpius correu atrás de mim pelos corredores semidesertos do castelo, logo após o nosso baile de formatura, com os cabelos jogados para um lado, a gravata verde da Sonserina já desfeita, o rosto vermelho e a respiração acelerada, e me convidou para um encontro fora de Hogwarts. Eu sempre soube que Scorpius gostava de mim. Era impossível não saber: ele sempre gaguejava ou corava de um jeito engraçado quando estávamos perto um do outro. Contudo, o Scorpius era o amigo de Albus. Alguém um tanto invisível. Existia, além disso, um oceano inteiro de diferenças entre nós, um oceano que nunca me dispusera a atravessar. Naquele instante, porém, eu quis. Quis conhecer aquele rapaz que me encarava com uma esperança genuína e quase palpável. Talvez estivesse dizendo sim para o desconhecido. Para o inesperado. Para o que estava fora do meu controle.

Nunca esperei muito daquele encontro. Esperava apenas que não fosse horrível. Ou que não fosse tratada como lixo, como muitos outros garotos antes de Scorpius haviam feito. Eu me sentia cansada de todas aquelas relações vazias e desgastantes. E de algum modo, também esperava ser vista para além do meu sobrenome. Para além da minha mãe, do meu pai ou do meu tio. Uma vez, Scorpius me dissera, enquanto bebíamos cerveja amanteigada no Caldeirão Furado após o expediente: “Para pessoas como nós, um nome nunca é só um nome. É uma sentença”. E assim como ele, eu queria, queria desesperadamente, viver para além dessa sentença. Mas era dolorido fazê-lo. Manter-se dentro do esperado sempre fora mais fácil. E eu o fizera com honras durante toda minha vida pregressa, em Hogwarts e antes de Hogwarts.

Entretanto, naquele verão de 2023 — um verão extenso e angustiante, semelhante ao outono que antecede o inverno —, a vida confortável e certa que eu havia construído desmoronava pouco a pouco. Todos os bruxos da minha idade se preparavam para um futuro considerado promissor. Molly entrara para o Holyhead Harpies, Roxanne conseguira um estágio no St. Mungus e Alice passaria pelo treinamento de Auror. Mas eu, Rose Granger-Weasley, filha dos heróis de guerra, da ministra da Magia e ex-prodígio de Hogwarts, me candidatara a uma vaga de assistente na Sessão de Controle do Mau Uso dos Artefatos Trouxas. Era pouco demais para o meu potencial. Todos, com exceção de mamãe e vovô Arthur, pareciam decepcionados e me olhavam com pena, como se eu estivesse desperdiçando talento e inteligência em uma carreira pouco-remunerada e ainda muito malvista pelos bruxos.

Era doloroso perceber a preocupação nos olhos do meu pai. Parecia difícil para ele aceitar que a filha mais velha, uma bruxa tão estudiosa e dedicada, se candidatasse a um emprego tão desvalorizado. Eu não o culpava, porém. Por mais que meu pai, em nome da própria felicidade, já houvesse trocado uma brilhante e reconhecida carreira como auror para ajudar tio George na Gemialidades Weasley, eu sabia que ele, quando me olhava daquele jeito, estava se lembrando dos tempos financeiramente difíceis pelos quais ele e meus tios tinham passado. Também não ajudava que meu irmão Hugo não desse a mínima para a escola e vivesse recebendo advertências sobre o seu mau-desempenho. Hugo era um artista desajustado, que não conseguia se encaixar e passava os dias desenhando e criando histórias em quadrinhos. Portanto, eu era a sua única esperança. Mas ser a esperança de alguém é um peso grande demais para se carregar. 

E aquilo nem era o mais chocante. O mais chocante era que eu estivesse estudando para entrar em uma universidade trouxa, no curso de Antropologia. Afinal, por que uma bruxa habilidosa se dignaria a estudar sobre os trouxas e, pior ainda, a se misturar com eles? Onde eu estava com a minha cabeça? Se não estivesse tão convicta da minha própria motivação, talvez houvesse desistido daquilo tudo. Eu duvidei de mim, duvidei das minhas escolhas, duvidei do meu futuro. Mas continuei. Continuei porque era necessário. Durante meus sete anos em Hogwarts, nunca havia tido um professor de Estudo dos Trouxas meio-sangue ou que, de fato, conhecesse os trouxas, que tivesse vivenciado algum dia no mundo deles. Era sempre uma visão de fora. Jamais de dentro. Eu queria mudar aquilo. Sentia que devia isso a meus avôs maternos e a todos os nascidos-trouxas, como minha mãe. Não era muito, mas era o bastante para mim. 

Sem desviar os olhos de Scorpius, caminhei lentamente em sua direção. Ele levou sua câmera até os olhos e apertou o botão. Eu balancei a cabeça, um pouco envergonhada, e ri, enquanto Scorpius se divertia tirando fotografias minhas. Quando o encontrei no final da filha, Scorpius segurou as minhas duas mãos e disse, galante: 

— Você está linda hoje. Ainda mais linda do que naquele dia. 

— Você também não está nada mal — constatei. Em comparação ao terno de tweed marrom e à camiseta laranja-neon que Scorpius usara em nosso primeiro encontro, o jeans rasgado e o moletom cinza de agora eram perfeitamente aceitáveis. — Você aprendeu a se misturar muito bem com trouxas.

— Eu tive uma boa professora.

Ri do seu gracejo. Embora Scorpius gostasse de me agradar e fosse capaz de fazer qualquer coisa por mim, nunca quis impor nada a ele. Scorpius não precisava gostar das mesmas coisas que eu. Respeitava a sua individualidade da mesma maneira como ele respeitava a minha, e isso sempre me pareceu uma base sólida para um relacionamento. Mas Scorpius era curioso. Ele quis aprender tudo o que pôde comigo e um pouco mais. Todas aquelas perguntas que ele me fizera nos primeiros meses, os lugares trouxas que desejara conhecer comigo, as comidas que provou, os filmes que assistiu, os livros que leu, tudo aquilo me divertia, mas era importante que partisse dele e não de mim.

Eu me soltei e observei os cartazes com a programação do mês.

— Almodóvar — apontei, com um sorriso cheio de expectativa. — Essa é uma mudança que eu particularmente gosto. Acho que dessa vez a gente pode gostar de verdade desse lugar, Scorpius.

— Está vendo? Mudar não é ruim, Rosie — comentou Scorpius, apertando a minha mão de leve. Às vezes, sentia como se Scorpius pudesse ler a minha mente. Como se pudesse mapear todas as minhas preocupações sem que eu precisasse dizer qualquer palavra a respeito. — A gente também mudou.

— Você acha?

— Somos mais responsáveis e maduros agora — considerou —, e isso é bom, sabe? Estamos vivendo uma das melhores fases da nossa vida. Apesar disso, ainda consigo enxergar em você aquela garota de dezoito anos, cheia de convicções e de coragem. Bom, talvez um pouquinho resistente às mudanças, é verdade, mas corajosa o suficiente para enfrentar todas elas. 

— Corajosa? — Eu queria muito acreditar naquilo.

— Você não é da Grifinória por acaso, Rosie.

Eu quis dizer a Scorpius que não era necessário ser da Grifinória para ser corajoso. Ele, por exemplo, era uma das pessoas mais corajosas que eu conhecia. Alguém que soube enfrentar todo tipo de preconceito na adolescência e que lutou pelo seu lugar no mundo. Naquele verão de 2023, Scorpius havia sido admiravelmente corajoso ao aceitar um estágio no Profeta Diário, porque aceitar aquele cargo significava também aceitar um destino diferente do que todos esperavam. E, talvez, o mais importante, um destino diferente do que o seu avô, Lucius, havia planejado para ele. Scorpius deveria cuidar dos negócios da família e continuar o legado dos Malfoy, mas ele decidira caminhar na contramão. Ele saíra da casa dos pais e se mudara para um apartamento com Albus. Nada daquilo havia sido fácil para ele. Scorpius estava lutando contra suas sentenças. Eu me orgulhava do homem que ele se tornou, independente e seguro, editor-chefe do caderno de cultura e, assim que finalizasse o seu projeto, futuro escritor de romances policiais bruxo. Eu quis dizer tudo aquilo, mas Scorpius me interrompeu antes que o fizesse:

— Ser corajoso não significa não ter medo. É uma dessas coisas que minha mãe sempre me ensinou. Pode parecer piegas, mas eu acredito nisso. Você está com medo de alguma coisa, não é?

Eu o encarei em silêncio. Sim, estava com medo. E odiava me sentir assim. Odiava me sentir fraca e impotente diante das coisas. Contudo, ainda não conseguia admitir aquilo em voz alta. Eu não queria chatear Scorpius ou estragar uma noite que poderia ser sublime com pensamentos pessimistas e egoístas, por isso, apenas neguei com um movimento de cabeça. Talvez, mais tarde, eu conseguisse compartilhar aquelas dúvidas com Scorpius. Ou, quem sabe, eu pudesse lidar com aquilo tudo sozinha. Parecia um bom plano. Lidar com aquilo sozinha. Não seria grande coisa.

Enfim, éramos os primeiros da fila. Scorpius adiantou-se quando a atendente da bilheteria nos chamou e comprou duas entradas para Tudo sobre minha mãe. Ao ver os ingressos em suas mãos, uma sensação pura e revigorante me dominou. Estávamos os dois aqui, no Vertigo, revivendo o nosso primeiro encontro de uma maneira completamente diferente e muito mais formidável. E o mais incrível de tudo era que Scorpius parecia genuinamente feliz. Genuinamente feliz por ter voltado a esse lugar. Ele parou em frente à fila da bomboniere e franziu o rosto.

— Devemos comprar pipocas? — perguntou. — Ou melhor, você acha que é seguro comprar pipocas? 

— É seguro — gargalhei. Como uma criança encantada, eu me aproximei do expositor e analisei as opções disponíveis. — O que acha de pedirmos M&M’s de amendoim? Você gosta de Doritos, não? Podemos comprar também. 

Scorpius concordou. Enquanto esperávamos o filme começar, ele não hesitou em tirar mais fotografias minhas. Em um determinado momento, consegui roubar a câmera analógica dele, e implorei por um sorriso seu. Por uma foto em que ele não fizesse caretas. Mas foi completamente em vão. Meia hora depois, entramos na única sala do cinema, com os braços repletos de doces e salgadinhos, muito mais do que poderíamos comer. A sessão não estava cheia, de modo que conseguimos bons lugares, e, mesmo na semiescuridão, eu podia ver os olhos de Scorpius brilharem. Ele passou os braços ao redor dos meus ombros, me puxando mais para perto, e beijou a minha bochecha de um jeito carinhoso. Eu apertei o seu joelho levemente e sorri. 

Aquela noite já estava sendo magnífica. 


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