Prisão de Gato escrita por Ana e Sabrina


Capítulo 27
Grand Line, Toca dos casacos e novas pilantragens (Wintery)


Notas iniciais do capítulo

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“Bando Mother Justice, desaparecido há seis anos, é executado.”

Quando levantara da cama naquele dia, Bertruska não imaginava de forma alguma que o simples ato de pegar o jornal fosse destruí-la por completo. Isto é, não estava especialmente de bom humor — afinal, desde que encontrara, escondido bem no fundo dos baús do porão da Carniça, os pôsteres de procurados de quem há anos estava buscando, não conseguira mais sorrir —, contudo, havia conseguido desejar um “bom dia” ao cozinheiro e preparar uma generosa xícara de café para si mesma antes de sentir a pressão em seu peito se intensificar. Após colocar os olhos na manchete de destaque do dia, teve completa certeza que mais nada teria qualquer sabor. Puxou as folhas, afoita, e não perdeu tempo antes de observar cada palavra dita naquela maldita notícia, sentindo o estômago embrulhar no momento em que terminou de reler as últimas palavras: o ciclo havia acabado.

“Após anos desaparecidos, já não se imaginava que outras notícias relacionadas ao bando Mother Justice pudessem surgir, entretanto, após tanto tempo, na tarde de terça-feira fomos acometidos com boas novas: os oficiais da marinha, com o auxílio do caçador de recompensas Hanzo, que os localizou, enfrentaram o bando e saíram vitoriosos, trazendo ao povo a justiça que por tanto era aguardada.”

A imagem do líder no corpo da matéria fez sua mandíbula trincar. A memória do ocorrido era infantil e, talvez como uma mecanismo de segurança, por vezes falhava em lembrar-se dos exatos trejeitos daquele homem que tanto lhe fizera mal, no entanto não havia dúvidas de que o demônio de seus pesadelos e o rosto da fotografia eram a mesma pessoa: o maxilar proeminente, nariz pontudo e os olhos vazios da recompensa não se deixavam enganar. Era ele, sem dúvidas. E agora estava morto. Bertruska mal podia acreditar. 

Durante os cinco anos em que atuou como marinheira, jamais teve a oportunidade de ver sequer a recompensa de quem tanto buscou. E, veja bem, não foi por falta de procura. Por anos lhe disseram que todo material relacionado fora perdido a muito e não podiam fazer nada para ajudá-la senão traquear novas notícias, se é que essas iriam aparecer em algum momento. Lhe disseram, com outras palavras, que sua obsessão era banal, e que deveria crescer se tivesse o objetivo de subir na carreira, mas no fim das contas tudo o que havia aprendido sobre o caso até então se provava mentira deslavada. Justiça é uma ova!, repetiu para si mesma, mesmo sem dizer uma palavra e ainda por cima apertando os lábios um contra o outro. Aquilo tudo só podia significar que eles, da Marinha, sabiam desde o princípio onde o bando estava escondido e, acima disso, que chegaram a tempo de finalizar o serviço antes que um relê caçador de recompensas levasse toda o crédito. Havia sido negligenciada por todo esse tempo; seu caso não era importante até que um maldito mercenário chegasse para reivindicar a recompensa por conta e, por consequência, ele levou para longe toda e qualquer chance que tinha de pagar com a mesma moeda.

Não havia mais pelo que lutar. Não mais. 

A vingança pela qual  sonhou e a motivou a viver por todos esses anos havia acabado de escapar por seus dedos. 

Nesse momento, Bertruska se sentiu absolutamente sozinha. Sua vingança era resumida ao dinheiro que estava no bolso de Hanzo, um caçador de recompensas que certamente não tinha uma fração de sua motivação e mesmo assim roubara sua liberdade. Ele, mais do que a Marinha, era quem mais a irritava. Por que diabos ele tinha de se meter onde não era chamado?, A mulher se perguntava, enquanto, sem pensar, colocava mais e mais colheres de açúcar na xícara de café, assistindo-o se dissolver sem pressa no vasto preto do líquido borbulhante. O que esse assunto tinha a ver com sua ganância? E, mais do que isso, o que ele faria com a recompensa de todo bando? Ela, com certeza, não faria absolutamente nada. O dinheiro não importava; isto é, não quanto a vida de seus pais. Se quando nova fora capaz de viver por anos somente com o mínimo e ainda assim podia se considerar feliz do que agora, por que diabos as pessoas ao seu entorno tinham de ser tão gananciosas?

O café, já denso, respingou para a toalha de mesa. Flint, que nesse momento havia acabado de se aproximar com um prato de ovos mexidos, parou ao notar nela uma aura estranha, embora não soubesse precisamente o porquê. Ficou atento a partir dali, observando-a hiperventilar. 

Com os olhos fixos no reflexo obscuro da xícara, Bertruska imaginava a si mesma com o homem que roubou sua vingança em suas mãos e o afogando no líquido quente, assistindo com deleite sua pele inchar, fazer bolhas e, por fim, descolar dos músculos. Raiva não faltava. Mas, no fim das contas, queria torná-lo seu próximo alvo para dispor o ódio acumulado ao bando a alguém ou então apenas para não deixar-se afundar na escuridão de seu próprio coração? Isso… isso não importava. Não mais. Por causa dele, seus pais jamais seriam vingados e seu sacrifício não servira para nada — morreram para que pudesse viver, entretanto, contra suas expectativas, ela não conseguira passar sequer um dia de sua vida sem pensar no rancor de vê-los partir e, sem que pudesse controlar, chegara aos vinte sem conquistar nada. Não era mais marinheira, tampouco pescadora como seus progenitores e seus esforços em busca de justiça acabaram trazendo-a para a vida que mais desprezara: a pirataria. Desamparada, não construiu quaisquer laços, estava longe de formar família e, se fosse perguntada naquele momento, não saberia dizer o que espera do futuro, uma vez que jamais imaginou como seria a vida após sua vingança. Diferente do que fizeram com seus pais, que agora purgavam na mais profunda escuridão, a vida lhe poupou seus olhos, mas ela não os soube aproveitar; não os usou de maneira sábia e em vez disso seguiu sem rumo, como se a virtude de enxergar seu caminho fosse um mero acaso da sorte.

Concluiu, sem mais delongas, que agora não serviam mais.

Embriagada aos próprios termos, Bertruska largou a colher sobre a toalha de mesa sem se importar em sujá-la ainda mais, e então fechou seus olhos por um segundo, respirando fundo antes de voltar-se à prataria trazida pelo cozinheiro. Ele, já muito atento pelo comportamento anormal de antes, quase teve o ímpeto de pegá-la pelo pulso e impedi-la de fazer o que quer que planejasse, todavia, como não fazia ideia do que ela pretendia, preferiu não fazer arriscar um movimento em falso, em vez disso assistindo complacente o momento em que ela tomou o garfo e, numa intensa velocidade, estocou o próprio olho direito. Flint segurou a indignação com um engolir em seco. O ínfimo véu que mantinha a realidade em seus eixos se rompeu e, ao passo que a dor lancinante perfurou sua cabeça, ela se sentiu ainda mais sozinha, agora com um dos lados perdido num funesto breu escarlate. Nenhum dos dois gritou, ou sequer gemeu; mas o homem permitiu que sua mandíbula caísse por alguns milímetros. A sua frente, a ex-marinheira continuava dura feito uma rocha, inexpressiva, como se ela e o talher coexistissem desde sempre: o olho que lhe restara umedecia-se arregalado, e com a maior calma do mundo, ela o olhou com ele de soslaio, deixando escapar um mínimo riso nasalado. 

Flint sentiu o estômago embrulhar. Já sem palavras, ele só teve tempo de posicionar sua mão no antebraço da mulher e segurou-o com força, impedindo-a de finalizar o processo de extração. Não era do seu feitio impedir alguém de fazer o que desejasse (independente do que fosse, ele era apenas um cozinheiro e se meter demais onde não era chamado sempre acabava respingando em sua dólmã), mas por mais desequilibrada que a mulher fosse, ele sabia que aquilo não lhe cabia e que não poderia permitir que fosse mais longe. Quer dizer, Morgan já teria problemas o suficiente para lidar com um olho furado; dar-lhe uma ferida exposta para tratar em um consultório improvisado beirava a insanidade! Isto posto, o cozinheiro continuou apertando firme o braço de Bertruska, amparando-a enquanto ganhava tempo para pensar sobre o que fazer: deitava-a no sofá e chamaria o médico para o andar de cima ou então a levava para o andar de baixo? Estava consternado, não tanto quanto ela, é claro, contudo sua cabeça não parecia funcionar por ora e, por mais que soubesse muito bem que não poderia deixá-la sozinha, Flint só conseguia pensar em uma coisa: se ele descesse com ela agora, sabia em quem a responsabilidade cairia. Nele. 

≈≈≈

— Acho que vai chover — disse Belka, olhando o céu pela escotilha do quarto das mulheres, bastante apreensiva, enquanto lixava as unhas da mão e sentia Poyo massagear suas patas traseiras (ela estava lhe pagando um favor, pois na noite anterior havia quebrado sua taça de martini favorita). 

Merin, que permanecia sentada ao chão na divisão entre os cômodos, perto o suficiente das mulheres para que pudesse participar das conversas, mas não longe o suficiente de seu morceguinho para que Fionnula ousasse deixar sua posição na mesa e ressonasse no colo do médico, assentiu cabisbaixa, pronta para dizer o que pensava sobre retomar a viagem a beira de uma tempestade, quando, de súpeto, ouviram a porta do quarto se escancarar. Bertruska adentrou o cômodo sendo escoltada pelo cozinheiro, irredutível como se nada estivesse acontecendo, ao mesmo tempo que seu rosto estava pálido como uma folha de papel.

— Mas que diabos! — Belka exclamou, tão fino e agudo quanto um miado, pulando no lugar onde estava.

Poyo titubeou em soltar uma arfada de empolgação, mas fora impedida por uma chicotada felina em sua panturrilha e, como se não bastasse, um encarar feio de Merin, que, ao beneficiar-se da posição no quarto, não demorou mais de um segundo para marchar firme ao consultório e imediatamente voltar com Morgan ao seu lado. O médico travou por um momento: não estava verdadeiramente habituado a tratar de pacientes vivos, além de que boa parte de sua base era fundamentalmente teórica, mas arriscaria dizer que, mesmo se estivesse acostumado com atendimento, a cena não deixaria de parecer estranha. Por sua vez, Bertruska coçou a garganta, chamando a atenção para si e, com uma mão apontando para o talher, explicou, ríspida: 

— Eu caí.

O silêncio se instalou no barco. Ninguém a questionou; ou melhor dizendo, ninguém teve coragem de questioná-la, embora os olhos arregalados e bocas semiabertas naquele momento denunciassem o que pensavam bem mais do que palavras. Instintivamente, todos voltaram-se à Flint, a única testemunha da cena e que permanecia sério em seu lugar, evitando contato com qualquer um, sobretudo com a suposta vítima. Analisando a situação por fora, decerto não seria uma surpresa se o culpado de tal queda fosse o cozinheiro, mas qual era a probabilidade de Bertruska aceitar um ataque de bom grado? E, acima disso, por que ela mentiria sobre o culpado? Algo parecia intrinsecamente errado naquela situação — e esse problema ia além do olho perfurado. 

— Morgan, faça seu trabalho! — ditou Belka, sentindo as patinhas tremerem de estresse: tudo que desejava era um dia de paz, mas até isso parecia distante de acontecer. Então, com os olhos tiritando e as sobrancelhas franzidas, a imediata encarou os demais companheiros e, sem dizer mais nenhuma palavra, ordenou com o focinho para que todos deixassem o cômodo calados, guiando-os em direção a antessala do navio com Poyo em seu encalço. 

Não hesitaram em segui-la. Logo, estavam os quatro, Poyo, Belka, Merin e Flint, em frente ao sofá da antessala do segundo pavimento, ao mesmo passo que não podiam prestar atenção nela porque só tinham olhos para a porta do quarto das mulheres que, agora fechada, significava que uma nuvem de mau presságio havia acabado de se instalar e tardaria a ir embora — no fim das contas, sempre estiveram correndo perigo, mas quando se tratava de Bertruska ou Flint, os mais fortes da tripulação, acidentados, a situação escalava para outro patamar de risco. Certamente estariam fodidos em uma emergência.  

— Você fez isso? — perguntou Belka, em um sussurro esganiçado e apontando uma das patas em direção ao cozinheiro. Não usou meias palavras, ainda que houvesse poucas dúvidas quanto à inocência de Flint, a gata não estava com paciência para rodeios.

— Não vamos falar sobre isso aqui. É melhor descermos — disse Flint. 

— Por quê? Vai dizer algo que não deveria? — a gata inquiriu com uma sobrancelha arqueada. O cozinheiro encarou-a com os olhos apertados em algum nível de cólera, mas apenas suspirou, indo ao alçapão que os levaria ao porão e o abrindo sem pensar duas vezes: era melhor agir do que explicar.

O porão da Carniça era um buraco que quase ninguém frequentava. Desde o roubo do navio, Flint e Belka tinham dado um jeito de esconder tudo que não queriam ter de lidar lá embaixo, e mesmo quando se tratava das reservas, eles optavam por deixá-las em lugares arejados, longe da umidade do oceano, dos ratos e, mais importante que isso, do espírito do Dorminhoco que ainda assombrava sua velha mobília. Sob os dois andares, a escuridão do oceano os contemplava, eram iluminados apenas por pequenos lampiões à gás pendurados ao teto, balançando junto do movimento das ondas, bem como os pequenos feixes de luz que escapavam lá no fundo; logo abaixo do quarto e consultório. Ali todos os sons pareciam ecoar pelas paredes, desde os grunhidos de Morgan, até mesmo o ricochetear das velas, que indicavam uma tempestade vindoura.

— Então… — inicia Poyo, olhando para os subordinados, especialmente para Flint, à meia luz com um um brilho lúgubre. Merin mordeu os lábios ao ouvir, do andar de cima, um baixíssimo grunhido da ex-marinheira. 

— Eu não fiz aquilo — o cozinheiro pontua, bastante sério — Se o fizesse, certamente não tentaria fugir da culpa, muito pelo contrário. E, mesmo que desejem saber, eu também não tenho ideia do que exatamente aconteceu, muito menos do porquê. 

— Mas você era o único lá — interferiu Merin, olhando-o com incerteza. 

Ela não queria duvidar dele, afinal, por mais que tivessem tido suas desavenças quando se conheceram, muito havia se passado depois disso e Flint até se dispôs a ajudá-la a cozinhar e confeitar, deixando de vez os problemas para trás, no entanto, se ela precisasse colocar seus companheiros em uma balança, certamente o cozinheiro era quem menos lhe passava segurança naquele bando, então não era de todo errado assumi-lo como um possível culpado... certo?

— Ao entrar na cozinha, me desejou bom-dia e sentou a mesa, servi a ela o café da manhã e voltei ao meu trabalho — explicou, paciente, afinal já era certo que seria um suspeito — Quando a olhei novamente, o serviço já estava feito; apenas tive tempo de segurar seu braço, já que Morgan não teria como tratar um ferimento exposto com urgência.

— Ela apenas... fez? — Belka perguntou, ainda confusa. 

— Isso. Não sou exatamente um apreciador da companhia de Bertruska, mas se tivesse visto antes não deixaria que ela arrancasse o próprio olho — explicou, dessa vez olhando diretamente para a navegadora, que mordia o lábio — Eu não deixaria que nenhum de vocês fizesse uma cagada dessas. Mesmo que quisessem muito. 

— Isso quer dizer que ela… — Poyo parou a fala na metade, colocando uma das mãos sobre a boca como se fosse cochichar, enquanto a outra girava o indicador apontado a orelha — endoideceu

— Poyo, vá lá para cima, você não precisa estar aqui — diz Belka, cansada e com as patas nas têmporas.

— Muito pelo contrário! — ela se exalta, inchando o peito como um baiacu.  — Se ela pirou na batatinha, eu sou a primeira que tem que saber! Eu sou a porra da capitã desse bando, oras! Os erros dela refletem em mim!

O mar deu um solavanco na embarcação; Ele estava começando a se agitar.

— Certo, certo! Faça o que quiser! — a imediata aumenta o tom, balançando a pata para pedir que ela se calasse: a voz irritante de Poyo era a última coisa que queria ouvir naquele momento, ainda estava de ressaca — De volta o assunto, nós precisamos de remédios decentes para a Bertruska, é um fato. Além disso, nossos suprimentos já estão pela metade. 

— A tempestade… — Merin inicia, mas é interrompida pela gata: 

— Que se foda a tempestade! — Belka gritou, mais alto que as ondas. — Ela vai morrer se essa merda infeccionar. Pior do que isso, se não controlarmos essa “questão”, ela pode tentar de novo, o que quer que seja “isso”

— Se pararmos, quem ficará responsável por ela? — pergunta o cozinheiro, contudo, mesmo antes que pudesse receber uma resposta, os olhares das mulheres o fizeram suspirar pesado. — Eu… não sei se sou capaz de segurá-la a esse ponto. Ela não parece disposta a me ouvir, também...

— Ora, inferno! Quem mandou não estar atento antes? Agora segura essa pica– 

— Se ela resolver se entregar à Marinha, me levará junto — sua voz se tornou mais profunda de súpeto. Belka, até então irritada, se calou totalmente, engolindo em seco: se sem Bertruska já estariam em maus lençóis, imagine sem ambos?

— Ela não vai se entregar — Poyo dá de ombros. 

— Quem garante? — indaga Flint — Ela estava lendo o jornal, da última vez que a vi. Não sei qual era a manchete do dia, no entanto, depois de tudo que passamos, não me parece infundável pensar que ela mudaria da água para o vinho caso algo mexesse diretamente com seus princípios.

— Vamos ficar aqui, então! — a menininha falou, aumentando um pouco o tom de voz. Merin cruzou os braços, e até ia debochar, mas recebeu um encarar tão feio da capitãzinha que decidiu se manter quieta —  Quero dizer, se ficarmos por aqui, ela não terá coragem de me abandonar… É como se eu me fizesse de refém, só que ela é a refém!

Outra vez, o mar ricocheteou o casco e o vento gélido invadiu pelas frestas e tomou todo o interior do navio; uma brisa tão gelada que parecia adentrar a pele e arder as juntas, longe de tudo que experienciaram na Grand Line e possivelmente em toda sua vida. A fraca luz que os iluminava começou a ceder e, mesmo no porão, isolados pelo oceano e madeira, foi inevitável não se arrepiar, instintivamente apertando o círculo em que estavam para barrar o frio. Naquele longo segundo, eles eram os reféns. Reféns do silêncio; de Poyo, e, principalmente, do barulho das tábuas do andar de cima, que se estralavam pela mudança de temperatura e passos de Morgan. 

Era hora de subir: já haviam os deixado sozinhos por tempo demais.

— Uma última coisa — Belka chama a atenção para si — Agora que a maioria de nós tem sua recompensa, é de suma importância que não nos encontremos em um conjunto. 

Nesse momento, Flint pensou em dizer algo, mas Poyo já havia mudado o jogo e agora, mesmo que quisesse, não tinha mais argumentos para sustentar a própria fuga. A imediata não esperou meio segundo antes de continuar. 

— Deixá-la junto de Flint era contra o que deveríamos fazer, eu sei. Mas como o plano é mantê-la na embarcação até voltarmos, não há com o que nos preocuparmos — olhou diretamente para o cozinheiro, compadecida de sua insegurança, que dessa vez ia muito além do já superado medo de mulheres, todavia não podia apagar o pequeno sorriso de satisfação que surgia em seus lábios: estava ciente de que a batalha estava ganha —  Ademais, você é o único que tem chances de segurá-la; já que Morgan dispensa comentários. 

Merin encheu as bochechas  — Ele está sozinho com ela agora… — ela murmura. 

— Além disso — Belka enfatiza — Se ela entregar nossa localização, você também é o único de nós com experiência em fugas; não terá dificuldade em nos encontrar.

Flint levantou as sobrancelhas e soltou um sôfrego suspiro; a imediata mesmo em seus piores dias era sempre irritantemente astuta — e a pontada de estresse em seus ombros simbolizava a vindoura morte. De que adiantaria argumentar, se não havia como estar certo naquela discussão?, ele praguejou. Era certo que, passados infinitos dias e infinitas noites, nada mudaria. O trabalho sempre acabaria em suas mãos.

— Que se foda, vamos subir — findou, cansado. 

Seguiram.

≈≈≈

Quando o horizonte infinito de mar deu espaço às redondezas da próxima ilha da Grand Line, o clima estava bem distante do que imaginavam; um vento cortante irrompia do leste como a linha de frente de uma tempestade e, o sol, que costumava esquentar as madeiras do deque durante a manhã e secar a roupa estendida no varal por Flint, havia simplesmente desaparecido em meio as densas nuvens de inverno, restando apenas um pontinho de iluminação fosca que teimava em dar as caras, mesmo que de nada servisse para os aquecer. A verdade era que a metade dos piratas naquela embarcação sequer imaginaram que poderiam conhecer a neve algum dia; quer dizer, presenciaram invernos rigorosos em suas costas mais de uma vez, mas o clima tropical das ilhas dos Blues na maior parte das vezes impedia que as temperaturas chegassem ao extremo de nevar. Isto posto, salvo por Merin e Morgan, que já conheciam esse fenômeno e não pareciam nada surpresos e tampouco preocupados — em especial a moça, visto que sobrevivera como uma selvagem por anos —, os demais tripulantes estavam tremendo os ossos, encolhidos em si mesmos à medida que futilmente buscavam forças para deixar o convés.

Foram alguns minutos dentro do castelo de proa, observando uma pequena camada de gelo sujar o chão do navio. Flint vigiava Bertruska repousar em sua cama e Poyo, muito desgostosa, lamentava sonoramente não poder seguir Merin, Belka e Morgan em sua expedição atrás de roupas novas — neste ponto, mesmo provar casacões de inverno era melhor do que continuar no clima de enterro daquele barco, parecendo esquecer completamente sua posição de refém. Eles, no entanto, disseram a ela que não demorariam a voltar e então não perderam tempo com conversas: desembarcaram, sem fazer drama ou choramingar pelo frio, caminhando rumo a cidade da ilha. 

Em comparação as ilhas de Pulvereta, Wintery, como diziam as placas nos arcos de pedra e viscos, era um vilarejo bastante curioso, de arquitetura aconchegante, formada principalmente por cabanas de madeira de tetos arredondados e, as que não eram dessa maneira, tinham telhado compridos e pontiagudos. Todas, sem exceção, continham chaminés acesas e soltando um pequeno rastro de fumaça. Era um local acolhedor, sem sombra de dúvidas, e a imediata não pôde sentir um alívio maior por estar distante da ilha vulcânica e suas comidas suspeitas; aquele local lhe parecia cheirar a licor de chocolate e brioches quentinhos, tudo que precisava para relaxar suas patinhas — se não fosse pelo frio insuportável que as queimava naquele momento. A cada passo que dava, Belka mal conseguia segurar os palavrões e xingamentos: como não poderia usar nada de pano nos pés (a lama as contaminaria para toda a eternidade), a única solução cabível que lhe restou foi andar descalça sobre a neve, mas quem disse que ela tinha que gostar dessa solução? Todas as reclamações do mundo vinham até sua boca; do ódio ao frio, até a navegadora, que como toda boa piranha, caminhava de chinelos e saia sem tremer, todavia, ela decidiu engolir o amargo para si, pois, quanto mais irritada ficasse, mais assuntos teria para tratar com o Doutor Consumismo. 

— V-Vamos perguntar para alguém onde podemos encontrar uma loja de casacos, estou congelando — Morgan foi o primeiro a quebrar o silêncio e, enquanto abraçava o próprio corpo, sentia os dentes baterem.

— Deixe-me te esquentar, morceguinho! — a navegadora respondeu de prontidão, pulando sobre o homem e o envolvendo em seus braços, entretanto Morgan não levou mais do que alguns segundos para fugir do aperto, logo reclamando: 

— Cacete! Que mão gelada, parece um defun... 

E então, sua voz morreu em meio a frase, talvez porque um lapso de bom senso tenha o atingido na cabeça. Será que Merin se ofenderia ao ser chamada de morta?, se perguntou. No fim das contas, era, de fato, uma mulher azul e, por mais que fosse pacífica na maior parte do tempo (especialmente com ele), não saberia até que ponto os assuntos envolvendo suas condições físicas poderiam ser sensíveis para ela, sobretudo quando vinham dele. Engoliu seco; não estava disposto a tomar uma facada. Belka, por sua vez, sorriu debochada em direção ao médico, quando achava que Morgan havia se mostrado frouxo o suficiente, ele sempre a surpreendia. Era magnífico

— Sinto muito interrompê-los — disse uma voz alheia à conversa, pertencente a um senhorzinho sentado em uma cadeira de balanço numa das varandas das lojas — Vocês devem estar congelando, crianças! Suponho que sejam forasteiros, peço que se agasalhem o quanto antes, logo irá cair uma nevasca daquelas!

— O senhor poderia nos indicar algum lugar com boas roupas? — a gata tomou a frente — Não estávamos esperando por um frio desses. Na realidade, viemos de uma ilha vulcânica.

— Vulcões ainda existem? — o senhorzinho arregalou os olhos, divagando por alguns segundos, antes de retornar a encarar a gatuna — O mundo nunca deixa de me surpreender! Bem, sigam esse velho falastrão, os levarei em uma boa loja e pedirei para que a dona prepare uma boa xícara de chá de gengibre a todos.

O homem ficou de pé em um único solavanco e, muito diferente do que sua altura parecia indicar — deveria ter trinta centímetros a mais do que Belka, no máximo —, suas pernas não haviam parado de funcionar com a idade. Por debaixo do grande casacão de pelos, ele trotava rapidinho pela estrada, reconhecendo os montes de neve antes mesmo de chegar perto deles e, sobretudo,  ele tinha um jeitinho peculiar de puxar assunto, dando brechas para respostas que não realmente existiam e sempre puxando ganchos para as mais diversas histórias de sua vida: do folclore da cidade, até sua longínqua juventude. Quando se deram por conta, os três piratas estavam sendo guiados para longe do centro da cidade, adentrando em uma área residencial mais chique, com casebres de mais de um andar e, ao fundo, um palacete de madeira escura se tornava cada vez mais evidente, chamando seus olhos de volta não importava para onde olhassem. Aquele era o destino final de sua breve viagem: um casarão com jeito de castelo, onde no topo da porta havia somente uma pequena placa de cobre com arabescos bem trabalhados e a palavra “boutique” desenhada nela. Belka imeditamente pensou no quão esperto era aquele velho em levá-los para um lugar caríssimo e, no exato momento em que tocou o carpete macio com suas patas traseiras, deixou-se ronronar, porque era exatamente o que queria.

Dentro do palacete, as paredes eram forradas com um painel de madeira e papel de parede cheio de rococós, ambos igualmente escuros e que ressaltavam uma finesse que desde Goa Kingdom não encontravam. Morgan, em especial, sentia-se em casa; quando ele era mais novo, vivera com sua mãe em um módulo bastante similar, com a exceção de que sua casa não tinha um mezanino, ou um segundo andar… Enfim. No final do um longo tapete bordô, por fim, havia um longo balcão de madeira de ébano, cuja cadeira forrada com jacquard estava vazia, até que, ao soar da sineta de novos clientes, uma garotinha de olhos vermelhos, óculos e cabelos brancos de repente saltou, ficando de pé sobre o móvel para alcançar seus olhos.

— Olá, olá! Fiquem à vontade, meus queridos! — disse ela, contente. Era, realmente, muito baixa e se não fosse sua maneira de falar, certamente acreditariam ser mais jovem que a capitãzinha. Suas roupas também não ajudavam. — O bizô irá buscar alguns biscoitos e chá, é uma cortesia da casa! 

— O estabelecimento é da família de vocês? — perguntou o médico, observando o brasão entalhado no balcão da loja. Casas assim lhe traziam uma nostalgia boa, ao mesmo tempo que bastante dolorosa. 

— Mais ou menos, a loja pertence somente a mim, mas todo o resto foi feito por algum de nós! — a garota respondeu, retirando os trapos das vestes e escondendo-as em meio aos papéis na parte interna do balcão e logo retornando ao encalço dos clientes — Os quadros foram pintados pela minha avó e os móveis foram feitos pelo meu pai; já o brasão, esse foi feito pelo bizô! Somos uma família de artistas, por assim dizer. 

— Você não é meio nova para ter uma loja? — dessa vez, foi Merin quem perguntou, um pouco ressabiada pelo jeito afetuoso da mocinha, já que não era de seu costume ser bem tratada em lojas (estava acostumada com olhares estranhos, especialmente). 

Ao lado, a lojista puxava uma fita métrica da manga de seu blusão cor creme, passando a tirar as medidas dos futuros clientes; não se surpreendeu com a pergunta, afinal, já estava acostumada com essa reação dos clientes trazidos por seu bisavô — mal sabiam eles que poderia ser considerada alta, se comparada a maioria das mulheres da região. 

— Não exatamente — ela disse, dando um risinho frouxo. Estava medindo a cintura de Merin agora — Aqui, nós trabalhamos cedo. Eu mesma comecei a vender minhas peças aos doze!

— E quantos anos você tem agora, treze? — perguntou Morgan, em tom cínico.

— Vinte e cinco, na realidade! — respondeu, enquanto avidamente anotava as medidas da mulher-azul em um pequeno caderninho que tinha guardado em seu bolso, logo dirigindo-se ao homem, para repetir o mesmo processo — Podem me chamar de Yutu. Vocês buscam algum estilo de roupas específico? 

— Roupas elegantes — Morgan tomou a frente e a imediata concordou com a cabeça alguns metros atrás, sentada em um puff enquanto aproveitava uma xícara de chá quente ao lado da lareira (preferiria um shot de vodca, contudo estava satisfeita com a cortesia). 

— Serão apenas para os três? — indagou Yutu, caminhando sobre a mesa enquanto finalizava as medidas do médico. 

— Não, — Belka responde de pronto, enquanto sorve um gole do líquido — Tem mais uma garota um pouco mais alta que você, um homem mais alto que Morgan e bem mais forte também — nesse momento, a gata recebeu uma encarada severa do médico, mas ignorou e tornou a falar: — E, por último, tem outra mulher.

A menina sorriu largo, fechando os olhos ao ponto de franzir acima das bochechas e expondo os dentes tortos. — Será que eu posso medi-los? — perguntou. 

Nesse instante, os três gatos se encararam com uma mútua nebulosidade, lembrando-se da marinheira que deixaram no convés, dopada depois de ter seu olho direito extraído pelo médico. Não disseram, a princípio, o porquê de parecerem tão fúnebres de repente, mas como Yutu era bastante esperta, ela logo percebeu que, se quisesse manter a venda, deveria deixar aquele assunto de lado, e portanto foi logo se corrigindo: 

— Se não puderem, basta me dizerem as medidas aproximadamente — explicou, agora caminhando em direção a imediata, que não perdeu tempo em se levantar e deixar a costureira iniciar o trabalho — De toda forma, tenho duas opções a vocês: roupas criadas para o cliente e as que guardo em meu acervo. 

— Eu não acho que a segunda opção seja viável, visto que elas servirão somente à Belka — o médico, apesar de um pouco atordoado, não deixou de alfinetar, voltando a postura arrogante de sempre. Ele nunca perdia a oportunidade de provocar a gata. 

Merin fechou os punhos, relembrando os momentos de perseguição que protagonizaram em Pulvereta. Gatuna vagabunda, amaldiçoou mentalmente, trincando seu maxilar. 

— Temos clientes variados, então garanto que para as mulheres nós teremos roupas, com toda certeza! — a costureira parou para pensar por um momento, colocando a mão em seu queixo — Quanto a altura do outro homem, quão mais alto?

— Flint deve ter uns dois metros — o médico respondeu, sem precisar pensar, mas ao sentir o olhar cortante de Belka e Merin, que franziram o cenho em uma censura silenciosa, adicionou à frase um “Provavelmente”, quase sussurrado. Yutu, por sua vez, quase deixou o queixo cair ao ouvir a altura estimada. Nunca tivera contato com alguém tão alto, embora a Grand Line estivesse cheia de sujeitos estranhos.

— Hum… os casacos devem servir, porém as calças certamente não! Precisarei costurá-las — respondeu, enquanto fazia uma última anotação em seu caderninho e após avisar aos clientes, correr em direção ao estoque. 

Merin, Belka e Morgan continuaram na sala, encarando-se. Decerto havia se instaurado um clima estranho depois da navegadora se enciumar, contudo, a ideia de ficarem por tempo o suficiente para que aquela garota lhes costurasse roupas era assustadora o bastante para que o médico simplesmente não notasse a animosidade entre as duas mulheres e ir, mesmo assim, sussurrar ao pé do ouvido da gata: 

— Você acha que conseguimos encontrar algum lugar mais rápido? — perguntou, evidentemente medroso, olhando-a sério. 

— Podemos procurar, mas não acho que vamos achar roupas para o Flint nessa ilha de anões… — murmura em resposta, mas antes que pudesse continuar a dizer qualquer coisa, Yutu abriu a porta com uma pilha de roupas em suas mãos: 

— Aqui estão alguns modelinhos! — ela saltitou. 

Por fim, puxou um carrinho de bronze, onde depositou sua pilha ao lado de outras três: no canto esquerdo estavam as masculinas; em sua maioria roupas de tom escuro e majoritariamente sociais, com golas bem costuradas e abotoaduras elegantes, enquanto nas demais continham os modelos femininos, desde vestidos cheio de babados, até modelos mais maduros e de cores mais frias. Depois, ainda uma arara foi puxada e nela haviam exemplos de casacos e sobretudos, todos feitos de lãs de carneiro e com uma aparência aconchegante. 

— Céus! Você não era azul? — Yutu arregalou os olhos, assustada, no exato momento em que vislumbrou Merin, parada em meio a sala com seus punhos cerrados e a pele em um tom estranhamente arroxeado; algo que nem mesmo o frio intenso conseguira causar. Ela encarava Morgan e Belka intensamente, e não deixou de secá-los para responder: 

— Eu… tô bem... — soltou, num fio finíssimo de voz que, se estivesse aqui, Poyo certamente definiria como “prestes a se cagar”. Yutu torceu o lábio, incomodada com a cliente constipada

No que diz respeito a Merin, não havia como descrevê-la com outra palavra senão indignada. Desde o momento em que pusera os pés na ilha, havia vislumbrado os incríveis lugares em que poderia flertar descaradamente com seu amado morceguinho, os climas gelados eram perfeitos para casais, não eram? Lembrava-se de passear invisível por Goa Kingdom — isto é, antes de conhecer Morgan e gastar seu tempo observando-o — e os batimentos cardíacos soavam mais agradáveis nessa época do ano, em especial quando os casais conversavam ao pé do ouvido, bem vestidos e aproveitando com farturas das especiarias da temporada. Era o único tipo de batimento acelerado que ela gostava: o do amor. A verdade é que, de maneira geral, nunca havia compreendido os sentimentos, mas já que tanto se falava dele, o almejava, a paixão sempre pareceu saborosa demais para que pudesse ser ignorada e, destarte, desejou por anos que pudesse sentir-se pulsar daquele jeito; entrelaçando-se em uma só batida, como se fossem parte de um só corpo. Agora, tudo havia ido pelo ralo. Na melhor chance que tinha de seduzi-lo, ou melhor dizendo, na melhor chance que tinha de aproveitar o amor  como uma humana de verdade, seus desejos eram trucidados pela presença da gata oportunista, que, sem pestanejar, balançava o rabo enquanto segredava com o homem de outra mulher! 

Merin sentiu a pálpebra latejar. Piscava descomedida e aos poucos, a coloração de sua pele tornava-se mais opaca, assim como sua mão descia sutilmente em direção a coxa, buscando pela foice que ali descansava, porém sua cor retornou ao corpo no momento em que uma peça de roupa voou em sua face.

— Vista isso! — a gatuna mandou, observando-a, pasma e com o vestido de veludo preto em mãos. Yutu não perdeu tempo antes de lançar-lhe um cachecol da mesma cor e algumas outras roupas que havia separado, sabendo aproveitar uma boa oportunidade de venda — O Morgan vai gostar — completa Belka. 

Que gata atrevida!, pensou a navegadora, mas não perdeu tempo em rumar ao provador. Faria de tudo pelo seu homem. 

— E você, já escolheu algo? Irei embalar para vocês! — A vendedora se aproximou do médico. Ainda sentia-se confusa ao observar aqueles estranhos que perambulavam pela loja, é verdade; estava acostumada a receber alguns excêntricos de vez em quando, mas jamais havia visto algo parecido. Entretanto, por algum motivo sentia neles determinada confiança; o suficiente para usar de suas melhores técnicas de persuasão e vender uma quantidade obscena em roupas da temporada passada.

— Essas camisas, por gentileza — Morgan apontou para sua direita, onde jazia uma grande pilha de camisas de algodão, na maior parte escuras e de padrões discretos — E, para mim, vou querer…

— Como assim, para você? — a gata eriçou os pelos, erguendo o tom de voz. — Essas não são para você? 

— Não, são para o Flint — retrucou, de prontidão. — Como eu ia dizendo, para mim, eu vou que…

— Nem fodendo! É muita coisa! — Belka ralhou, tão alto que Merin deixou sair um feroz grunhido do provador (ela não gostava de barulhos altos, ainda mais quando pertencentes à gata-oferecida). 

— Ah, e você quer que ele viva por quanto tempo só com a roupa do corpo? — Morgan olhou-a debochado  — Não sei se você percebeu, mas ele tem usado aquela calça xadrez horrorosa e regata manchada desde que saímos do East Blue! Isso sem contar os remendos brancos que ele chama de dólmã, que estão com ele desde a execução!

Yutu deu um pulinho no local, tomando um pequeno susto com o que aquela palavra implicava. Não obstante, o simples fato deles estarem em uma execução não foi o bastante para derrubá-la; afinal, não se deve julgar as pessoas sem conhecê-las, certoPrincipalmente quando elas estão prestes a renovar o guarda-roupa em sua loja! Posto isto, a vendedora viu naquele tal de “Flint” um gordo porquinho; tão grande que deixava bélis caírem por onde quer que passasse. Tão perto de fazer uma fortuna, pensou consigo mesma. Restava estender sua mão e agarrar aquela chance!

— Isso não pode ficar assim, não — disse, cruzando os braços e forçando as sobrancelhas em preocupação  — Nossas noites são ainda mais frias que o dia! Ele irá congelar até a morte, se continuar com apenas uma regata. Vocês vão precisar de casacos para hoje!

— Bom, sim, — inicia Morgan — mas você não disse que teria de costurá-los?

A garota saiu da sala por alguns segundos, antes de retornar com uma peça que enchia suas mãos: — Esse é o maior suéter que vou ter na loja, acredito que possa ficar um pouco curto em seu amigo, mas há de servir enquanto as novas não ficam prontas. Por que você não prova e fazemos o ajuste baseado em você? — e então, sem mais nem menos, ela começou a tirar a casaca de Morgan, mas antes que pudesse finalizar, sentiu a mão gelada de Merin segurar seu pequeno pulso: 

— A propósito — a navegadora diz, sorrindo simpática enquanto expulsava a Yutu como se fosse uma mosca em seu prato de comida. — Quanto tempo para regular o Log pose aqui? Não podemos atrasar nossa viagem, não é, morceguinho?

Merin olhou para o médico, esperando a resposta correta para um príncipe encantado, mas nem em seus mais doces sonhos poderia imaginar algo tão mágico quanto o que aconteceu: desde que saíra do provador, Morgan não tirou os olhos de si, vidrado em suas roupas e, principalmente, no longo sobretudo cor vinho que vestia e no cachecol que Belka e Yutu haviam indicado. Um sorriso orgulhoso estampou seus lábios: havia o conquistado (mesmo que com a ajuda da biscate). De nariz empinado, ela se aproveitou da oportunidade para se aproximar, saltitando até seu braço para abraçá-lo e encostando sua cabeça em seu ombro. Ele deixou, sem pestanejar: estava mesmerizado, atado a energia nostálgica que as roupas traziam para si. 

Não importava. O que Morgan realmente pensava, não importava. Ali, a navegadora o viu como seu, e isso era o suficiente para ela. 

— Quanto tempo? — indaga Belka a Merin, interrompendo-os em seus segundos de paz (não sem receber três olhares severos penetrantes). 

— Sim, quanto tempo — Merin confirma, um pouco grossa — Flint disse que os Log poses são regulados por ilha, e por isso o tempo pode variar de uma para a outra. Em Pulvereta, tivemos sorte de conseguir um que já estava definido, e por isso não tivemos de esperar nada. Por isso pergunto, Yutu: quanto tempo? 

Por um instante, enquanto a garota pensava com seus botões para dar-lhe uma resposta, Belka e Merin se encararam, como se estivessem se analisando. A princípio, veio a gata a clara dúvida de “quando” e “por que” ela e o cozinheiro estavam conversando, mas puxando de sua memória, até que pareceu bastante plausível o que ela falava — sobre o Log pose, é claro, não a relação saudável com o cozinheiro. Quando era mais nova e ainda tinha sonhos, estudou a Grand Line e, bem no fundinho, sabia que era verdade: não poderiam sair daquela ilha sem que tivessem a próxima regulagem. Isso veio como um soco no estômago. Não era seguro parar por muito tempo, ou ao menos não depois de deixarem um rastro de destruição que logo seria descoberto nos oceanos; nos últimos dias, além de dois navios menores que saquearam, fizeram um ataque em grande escala a um navio da marinha durante o aniversário de Morgan e, ainda que a bebida não permitisse muitas lembranças, a marca do gato no braço do capitão queimava tão forte em suas memórias quanto faria se fosse uma cicatriz em seus próprios corpos. Coçou as orelhas com força, tentando encontrar alguma saída em meio a esse cenário; não haviam visto qualquer marinheiro no pouco tempo que caminharam pela ilha, mas poderiam ter alguma garantia de que não seriam encontrados? Seu olhar navegou pela sala, havia empilhado as roupas para Poyo e Bertruska em uma mesinha de centro (um traje para cada uma, afinal não estavam jogando dinheiro fora), junto de um bom e confortável casaco; ali também havia sua xícara de chá, que certamente já se encontrava completamente gelada, porém a atenção fora destinada para algo esquecido e que por pouco centímetros não caía ao chão: um jornal. A primeira página destacava em letras garrafais um nome, “Hanzo”. Um idiota qualquer, graças aos deuses, a gatuna sorriu, sentindo um pequeno lapso de alegria em saber que os peixes grandes continuavam brilhando em frente aos holofotes enquanto eles, meros ratos, se escondiam nas sombras.

Era melhor assim. Decerto não fazia bem para seu ego caminhar sobre a sujeira, vivendo fugitiva ao passo que outros escreviam seus nomes na história do mundo, mas sua vida era mais importante que a merda de um sobrenome — e, aliás, do dela já havia abdicado há muito tempo. Ouvindo ao longe a conversa de Yutu com Merin, que discutiam sobre o período que teriam de esperar, Belka foi devagar até o jornal, dando uma olhada na manchete com mais atenção. A princípio, ela estava em busca de notícias de seu próprio caso, no entanto, a manchete pareceu saltar em seus olhos quando lembrou-se do depoimento de Flint mais cedo naquele mesmo dia, quando ele disse que, depois de ler o jornal, Bertruska mudou da água para o vinho, como se algo tivesse a atingido.

Engoliu em seco. Havia algo bem pior para lidar naquilo, certamente, mas não agora. 

— Podemos ficar no barco até que as roupas e o Log Pose fiquem prontos — pontua Belka, olhando para a costureira. 

— Certo! Se precisarem de algo, podem nos procurar! — a garota embalava as roupas, anotando cada valor em um bloco ao lado do caixa, parecendo não se importar muito com a negativa de Belka; estava radiante — Quanto às demais roupas, mandarei um castor no horário da noite, peço que anotem as medidas e mandem a mim. Por gentileza. 

 O que diabos é um castor?, pensou a gata, porém não questionou e apenas aguardou que a vendedora entregasse as sacolas para pagar o que devia. Contudo, antes que tomasse o caminho da saída, Belka se lembrou que havia algo a ser comprado ainda e perguntou: — Poderia nos indicar uma loja de medicamentos?

 Yutu assentiu simpática, abrindo seu caderninho uma segunda vez para desenhar um rudimentar mapa da cidade com sua loja e drogaria marcadas; por fim, ela arrancou a folha e deu à Belka, aproveitando para indicar-lhes a direção do restaurante de seu tio, que, segundo ela, fazia uma excelente sopa de batatas e couve — quem não arrisca, não petisca, e dinheiro de turistas para sua família nunca era demais. Os piratas então a agradeceram pela hospitalidade e saíram, carregando várias sacolas e com muito menos dinheiro do que chegavam, mas devidamente satisfeitos com os itens que haviam adquirido e, sobretudo, com a proposta de uma boa refeição para os esquentar. 

≈≈≈

O tempo em que os gatos saíram para as demais compras foi o bastante para que o chão da carniça fosse pintado por uma fina e congelante camada branca. Ainda nevava do lado de fora, e Flint, exausto física e mentalmente, depois de esfregar a mesa de jantar e colocar garfo de prata para ser esterilizado em uma bacia de água quente, estava sentado em uma das banquetas do bar, coberto com a manta do sofá e olhando o além pela janela embaçada, ao mesmo tempo que ouvia o leite borbulhar no fogão e Poyo, do lado de fora, cacarejar junto de Fionnula enquanto as duas brincavam na neve. Bertruska ainda dormia quieta no andar debaixo, e era isso que mais o preocupava.

Não era de seu feitio tomar as dores dos outros porque, diferente de quem estava ao seus arredores, ele sempre tinha algo para se preocupar por conta, fosse uma nova queimadura ocasionada por sua mãe ou um osso quebrado na Montanha Reversa. Por muito tempo convivendo consigo mesmo, ele sabia que a melhor forma de apagar a dor era ocupando a cabeça com outras coisas, e dessa forma seguiu por anos, sem nunca surtar. Mas aparentemente seu método não era efetivo para todos, destarte, agora estava preso com uma tragédia no andar de baixo.

No momento em que Belka saiu para as compras, deixando-o sozinho com Poyo e a ex-marinheira desacordada, sua primeira atitude foi tirar todos os objetos que poderiam ser perigosos do andar debaixo e trancar o consultório de Morgan, pois nem ele tinha ideia do que poderia ser encontrado por lá. Decerto havia deixado algumas coisas para trás — ele bem sabia que tudo poderia ser usado como arma, desde que fosse manuseado pela pessoa certa, ou com o tom de raiva e loucura certos —, mas algo em seu peito lhe dizia que o pior já havia passado; e que não era com aquilo que ele deveria se preocupar. Desse modo, como não haveria nada a ser feito senão ficar de butuca na cozinha, ouvindo atentamente o andar debaixo para que, no momento em que ela se movesse, estar lá, Flint decidiu preparar algumas xícaras de chocolate quente para os três, afim de levantar os ânimos, no entanto, o corpo inerte no andar debaixo não o deixava relaxar e mesmo o cheiro doce do chocolate não parecia muito apetitoso. Bertruska estava quieta como uma múmia há mais de uma hora, sem mover-se na cama ou roncar, como costumava a fazer quando dormia pesado. Ele chegou a pensar que os medicamentos de Morgan foram muito pesados, mas quando iria checá-la, a voz arrastada da mulher soou pela cozinha: 

— O que está fazendo? — perguntou, parecendo não se dar conta do susto que havia causado no cozinheiro. 

Flint apagou o fogo e deixou um suspiro pesado escapar por sua boca, só então permitindo-se virar. Foi quando percebeu o quão acabada a ex-marinheira estava. Sua aparência não havia mudado do dia para a noite; por dias, sem que percebessem, Bertruska estava se deteriorando em noites mal dormidas, choramingos no porão e exercitando-se sem parar; falava sozinha e às vezes era pega olhando os papéis que Poyo esnobara, mas nada disso parecia dica o bastante até que o pior acontecesse. Agora, ela se sentava na banqueta do bar com um único olho baixo, indiferente a bandagem que cobria o orifício onde o outro deveria estar. Não estava nem perto da mulher que antes temeu. 

— Estou fazendo chocolate quente — respondeu o cozinheiro, com a voz pesando na garganta. — Está muito frio, você deveria aproveitar para descansar; seu corpo precisa de descanso. 

— Eu não consigo dormir.

— Está doendo? 

— Não está — ela dá um suspiro sôfrego. — Você já ouviu falar da síndrome do membro fantasma

O cozinheiro ergueu uma sobrancelha, deixando em frente a moça um caneco e juntando-se a ela nas banquetas, na espera de que ela continuasse a dizer por conta própria. 

— Toda vez que eu fecho meus olhos, eu ainda vejo — ela diz. — Mas não está aqui. Já tem dez anos que não está. 

Bertruska parou por mais um instante, olhando-o de soslaio com o olho que restara. Flint a ouvia atentamente e em silêncio, respeitando sua fala mesmo que por tanto tempo ela o tratasse mal, mas, diferente do habitual para ele — fazia suas refeições somente após todos se alimentarem e bebia apenas em festas —, dava eventuais goles em sua própria caneca de chocolate, como se quisesse mostrar segurança, ou provar que eram iguais. Ele diz:

— Fechar os olhos não é o suficiente quando seu inimigo é invisível; ele se alimenta do ócio e o arrependimento nos consome. Nossa única salvação é manter a mente ocupada — deu um novo gole e, dessa vez, a mulher o acompanhou, sorvendo com gosto o doce, embora não sentisse nada dele — Nossos caminhos são... distintos, eu sei, tal como nossos fantasmas, mas a conclusão quanto a isto continua a mesma: nós não podemos voltar atrás; ter como maior inimigo o tempo é a verdadeira derrocada de um indivíduo. 

A marinheira o olhou atentamente, o único olho arregalado num estalo quase úmido — não estava esperando por uma réplica ao seu monólogo e, dessarte, estava desprevenida para o rumo que Flint estava levando aquela conversa. Continuou:

— Vingança, perdão e, mesmo a honra, todos são empecilhos. Só existe um único caminho para os desafortunados: a esperança de um amanhã vindouro. Por isso cozinho, limpo e passo sem reclamar. É o que me resta; tarefas simples de uma vida cotidiana.

Sua sentença a atingiu feito uma bola de canhão, direto no peito, onde já achava que não sentiria mais nada. Em que momento havia se tornado tão patética?, Bertruska se perguntou. Tentou consolar-se com o chocolate-quente, porém nenhum doce seria capaz de tirar o amargor que sentia em seu âmago; tencionava o maxilar e engolia a seco, tentando limpar o sabor de sua língua e palato, mas, naquele ponto de sua jornada, se sentia tão baixo do que já fora, que nada no mundo a consolaria melhor do que as palavras de um homem. Flint era um imundo, um criminoso desde os primeiros anos e, pelo que sabia, havia abandonado sua família por bel prazer, enquanto ela, que já não tinha fé em nenhuma das deusas que outrora acreditava, ainda assim juntava as mãos todas as noites para implorar aos céus por mais um dia perto dos pais. Estavam distantes em seus objetivos, no entanto, enclausurados na mesma tripulação e perdidos no vasto mar, sentia-se tão pequena que, por ora, tudo que ele dizia lhe fazia total sentido e, acima disso, era exatamente o que precisava ouvir naquele momento. Sim, as palavras de um homem — e o mero pensamento nesse absurdo lhe trazia de volta uma vontade sórdida, que já há tempos não tinha, de simplesmente jogar os braços para trás e começar a gargalhar, alto e sem pudor, da mesma forma que fazia quando ouvia as piadas tolas de seu pai, ou sonhava alto com o dia em que sairia para conquistar os cinco mares.

A porra de um absurdo sem fundamento. 

Em meio ao próprio lamento, questionou-se inúmeras vezes e em todas desejou ter tentado mais, porém a verdade sempre esteve escancarada em sua face desde que saíra da marinha para um bando pirata, e ela só não queria ver: jamais teria conseguido sua vingança, sozinha ou junto deles, porque nunca sequer chegou perto de consegui-la e, mesmo se tivesse engolido seu ego e aceitado de cabeça baixa sua miséria como marinheira, teria observado a queda de Mother Justice da mesma maneira, como uma mera espectadora, enquanto um relês caçador de recompensas recebia todo o suporte do sistema. Foi ensinada a odiar os piratas e colocaram em sua mente que eles eram a praga do mundo, porém foi silenciada ao questionar a razão do governo associar-se a aqueles que desprezavam. Eram incoerentes. Pagavam fortunas a caçadores, mas jamais recompensavam os recrutas que retornavam de batalhas perdidas; às vezes vinham sem braços e, em outras, apenas seus corpos desfalecidos retornavam… Seu estômago embrulhou. Quantos bons colegas havia perdido nos anos em que serviu ao quartel? Todo o sistema cheirava à podridão, e embora cada um dos rostos que viu perecer, seus pais inclusos, voltassem a sua cabeça quando pensava nos nomes, as vozes não voltavam e, quando pensava de fato em cada um deles, não poderia dizer que sentia sua falta porque nunca havia se importado de verdade. Seu encalço — a vingança — sempre falara mais alto que os laços. 

Bertruska disse a si mesma que, depois, resgataria a boneca de trapos do passado, seu eu que abandonara para ser mais forte, mas a verdade é que ela, também, jazia no barco com os pais, sem nunca poder voltar. O que restou era pobre de espírito e, mesmo agora, o desejo de infligir sua dor aos outros não parecia se apagar. A única coisa que a mantinha em pé era a destruição. Seu inimigo não era mais o mesmo, isto é, o que seria dela sem um para combater? Contudo, sorriu ligeiramente, deixando este pensamento para outra hora. 

— Não posso chorar, ordens médicas — afirmou a si mesma, em meio a um riso quebrado, por pouco falso. Sentiu sua cabeça girar e as mãos tremeram um pouco, estava realmente prestes a rir? — Que diabos, arrancar um olho não deveria dar direito a algumas lágrimas?

As palavras de Bertruska o fizeram engasgar. Extasiado, Flint a encarou por um milésimo de segundo, assistindo-a conter o riso mórbido até que seus próprios lábios começaram a trair a mente e um sopro de risada ameaçou sair, jamais imaginaria que mulher teria um humor tão mórbido, contudo não era algo que poderia realmente reclamar; ela não tardou a soltar um riso descabido. A situação definitivamente não abria espaço para as gargalhadas, mas quem ligava? Acompanhou-a num tom um pouco mais baixo, afinal, não havia nada a ser feito além disso.

Por fim, foi só quando, da porta do castelo de proa, Poyo adentrou com Fionnula em seu colo, que eles conseguiram se acalmar, olhando-a de canto para ouvir o que tinha a dizer. 

— Do que vocês estão rindo? — ela perguntou, esfregando o olho, sonolenta; certamente havia cochilado do lado de fora enquanto brincava e acordara com a gritaria dos dois. — EI! COMO OUSAM RIR SEM SUA CAPITÃ? 

Bertruska tremeu o lábio e Flint, ainda sem fôlego, afundou a cabeça nos próprios braços, tentando conter o próprio riso. Não conseguiam parar para respondê-la; e talvez não conseguissem parar para qualquer coisa. De repente, toda a dor que tinham pareceu se esvair, da mesma forma que a necessidade de respirar e a tristeza que, por anos, nunca ia embora. 

A efemeridade do tempo batia-lhes a porta, mas por hora, manter-se-iam alheios à realidade, aproveitando a leveza da vida cotidiana.


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