Prisão de Gato escrita por Ana e Sabrina


Capítulo 12
Diário de Bordo dos Pierrôs (Loguetown)




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Nono dia em alto mar.  

Como primeiro imediato, não posso dizer que estou cumprindo minha tarefa de relatar cada vírgula de nossa viagem corretamente. Não sei dizer onde estamos, e muito menos que horas são — já não subimos para ver o céu desde que minha capitã, Pieri, decidiu que sua próxima parada seria Loguetown. Não outra ilha mais próxima ou um lugar onde pudéssemos reabastecer; Loguetown e ponto, sem a menor chance de objetar. Nossos suprimentos estão cada vez mais escassos, mas isso não parece motivo o bastante para mudar a rota e ir para um destino mais fácil. Arrisco dizer que, mesmo se essa ilha fosse em outro mar, ainda assim não teríamos a permissão de desembarcar em outro lugar senão lá. 

De certa maneira não posso reclamar do destino. Diferente de meus companheiros de viagem, eu não sinto a necessidade de me alimentar, e embora goste mais de ter minhas pernas firmes no chão, por causa da escolha mirabolante de rota ganhei uma generosa aposta. O dinheiro já não me traz tanto prazer quanto traria a um humano, mas observar o sorriso presunçoso do macaco, que mal chegou e acredita comandar, despencar ao chão vale por todas as sensações que já não posso ter. São momentos como esse, de completa vitória, que me dão mais vontade de levantar e existir, em vez de deitar-me nas redes e dormir até estar novamente em terra firme.  

O pós morte (ou semi-vida) poderia ser melhor? Sem dúvidas sim. Nunca desejei viajar em um submarino e muito menos esteve em meus planos subordinar-me a uma adolescente com cara de palhaço, contudo a vida prega constantes peças a sujeitos de pouca sorte como eu; e graças a isso me contento com o que tenho. Dane-se a sorte em vida, não há ar ou sangue o suficiente em mim para me importar com tamanha banalidade. Por outro lado, a sorte em jogo é real, e vos asseguro que é mais leal do que pensam. Foi persistente e sozinha venceu a morte, vindo novamente para mim mesmo que não respire mais — se todos fossem assim, longe de preconceitos… Pois bem, se é assim que querem, eu aceito a aposta. A carregarei até o vindouro fim de minha jornada, e continuarei para sempre buscando uma nova forma de me provar. 

Quanto minha tarefa de relator, não posso deixar essa página menos entediante. Se meus devaneios quase loucos pela submersão não são o bastante para entretê-lo, paciência, pois não irei me esforçar mais. Estamos a tantos dias perdidos que, se não fosse por esse caderno, não poderia dizer quanto tempo faz que vimos o sol pela última vez — dez dias, um só ou foram apenas algumas horas? O que quer que seja, na presença do circo de horrores que chamo de tripulação só tende a durar mais do que realmente é. Segundo Pieri, iremos atracar amanhã. Isso multiplicado por cada tripulante daqui equivale a sensação de vinte dias sem dormir ou comer. Temo que não tenho controle emocional o bastante para me manter longe dos conflitos até lá, como sempre gosto de fazer. 

Sinto-me preguiçoso hoje — isto é, mais que o de costume.

Cordialmente, um Kristian a cada dia mais cansado (e louco).” 

O imediato fechou o tinteiro, guardando-o dentro da gaveta na lateral da mesa e segurou o livro aberto em mãos, esperando o tempo necessário para fechá-lo sem borrar as demais páginas — se destruísse aquele, não tinha certeza do quanto demoraria para conseguir outro igual, se é que teria algum dia. Após guardar o estimado objeto, esticou-se na cadeira, soltando um demorado bocejo e torcendo (bizarramente) a coluna para trás, a ponto de ouvir o alto estalo das juntas. Moveu o pescoço e observou os peixes passarem pela escotilha, se perguntando: “Que horas são agora?”, embora não tivesse a menor forma de responder aquilo. O tempo se perdia entre as léguas submarinas, uma vez que o sol não era forte o bastante para alcançá-los lá embaixo (bem lá embaixo). 

Era exatamente assim que sua capitã gostava. No silêncio absoluto do oceano, apenas sua voz se destacava — e ela era a estrela daquele show, sem dúvida alguma. Pobres animais marítimos… Tentou fechar os olhos por um momento; o lado bom de estar no fundo do mar era nunca se importar com a hora certa de se deitar. A escuridão lhe instigou ao sono, contudo as costumeiras vozes o atingiram antes de descansar completamente; gritos, guinchos animados e um solavanco horroroso, balançando o submarino inteiro. 

Deu um pulo na cadeira, desorientado. Reunião, jantar ou apenas uma sessão de bebedeira?… Se tivesse sorte, não se tratava dos três ao mesmo tempo (da última vez que beberam sem freios, tivera seu braço arrancado pelo macaco). Levantou-se exasperado, poderia até perder alguns membros no caminho, mas tinha que ver o que estava acontecendo. 

Os úmidos corredores do Diabo-Negro pareciam se mexer bem mais do que deveriam, e o som de risadas histéricas iam se intensificando a cada passo que dava. Ao se aproximar do berço daquela barulheira, sentiu o chão tremer e hesitou em abrir a porta — estava um pouco tenso, afinal. Não poderia resolver o problema se este fosse um buraco no meio ao submarino. Fechou os olhos e tomou coragem de pegar o trinco. Um, dois e...Três! 

Quando abriu a porta, sentiu uma pressão em suas pernas e quase foi ao chão. Estavam voltando a superfície. Por quê? 

— HYA-HYA-HYA! — a temível risada de sua capitã ecoava, esganiçada e oscilante — QUANDO NINGUÉM ESPERAVA, O DIABO-NEGRO EMERGE DOS MARES, HYA! Que surpresa! JÁ PENSOU? — olhou diretamente para seu imediato, apoiado na porta para não ser esmagado pelo mar. — O público em polvorosa. APLAUSOS, APLAUSOS

Kristian não soube o que dizer, muito menos quando o médico da tripulação, sentado nu sobre o sofá da sala de comando, começa a bater palmas, como se fosse o óbvio a se fazer naquela situação. Em sua mente, tinha uma única dúvida: “por quanto tempo havia dormido?”

— Capitão, já soltamos todas as válvulas! — disse Apollo, um homem gigantesco em todos os sentidos, careca e com um bigode curvo tão grande quanto ele próprio. Era o cozinheiro da tripulação. 

— E você quer o que, uma estrelinha? VOLTE PARA SEU POSTO — a capitã gritou, sem se importar com os olhos do brutamontes ungindo. “Ia abrir o berreiro de novo”, pensou, mas antes que o fizesse, uma mulher lhe segurou o braço forte, o amparando gentilmente:

— Não se preocupe, Polly — ela diz, suave o bastante para acalmar um urso. Era simples assim: um pouco de carinho e... Pronto! Estava tudo resolvido; o suficiente para acalmar aquele coração tão frágil. Mesmo assim, ninguém dali era tão gentil quanto Yolanda, a mulher, e portanto ela era a melhor opção para o fazê-lo sempre.

— Sorriam, parceiros! — o homem nu levantou, mostrando a todos sua vergonha (ou a falta dela). — Mal posso esperar, vamos nos apresentar!

— Estamos quase no nível do mar! — gritou Nicholas, o encarregado de vigiar o periscópio enquanto Pieri comemorava finalmente poder sair daquela lata-velha subaquática. Se virou cento e oitenta graus para olhar os companheiros, mas completou os trezentos e sessenta quando percebeu que estava ao lado de um homem nu. Preferia não ter visto aquilo; de volta ao mar. 

— Oba! — Yolanda comemorou, erguendo seus quatro braços (dois de carne e os outros de bigode) para o ar. Sentia falta de tomar um sol e sentir o vento em seus cabelos, mal podia esperar para fazer compras junto de Apollo. 

Em um piscar de olhos deixaram a escuridão do fundo do mar. Animados, abriram a escotilha e para a infelicidade da capitã, o som circense não tocava naquele momento sublime: ah, a maldita política de reclusão! Tudo que queria é que a vissem quando chegasse na cidade: era seu dever mostrar a que veio! Contudo, não poderia colocar toda a tripulação em risco só pelo capricho de atiçar seus fãs. Empurrou o peladão para o chão, que com ousadia tomava sua dianteira na escada, e então subiu para o sol com a mesma velocidade que se nada para buscar ar. Sentiu-se viva ao observar a cidade ao longe, mal podia esperar para encher sua barriga com alguma comida tragável e preparar-se para enfim dar início a sua jornada pirata — e que melhor lugar do que a cidade do fim e do começo? Todo pirata que se preze começou por ali (muitos que não valiam de nada também, principalmente comparados a sua grandeza, mas, no geral, todos eram fracos comparados a ela). 

Mais uma vez pulou para dentro do submarino, dando espaço aos demais que almejavam uma espiadela pela claraboia e indo em direção aos controles da máquina. Adorava atracar seu peixão nos portos, era gratificante ver os olhares indignados de outros piratas, que não compreendiam como ela, uma moleca qualquer, tinha um submarino tão esplendoroso (enquanto eles, de recompensas significativas e uma boa fama, não tinham mais do que caravelas arrebentadas). Não era da conta de ninguém. Suspirou aliviada enquanto parava o trambolho. Estavam livres, finalmente. 

≈≈≈

Já fora do submarino — que ficaria sob a tutela de Shari, o símio como pouco apreciador de aglomerações ficava satisfeito em fazer reparos, sozinho e sem interrupção de nenhum trombadinha — o bando esperava as ordens de Pieri, que pensava com uma das mãos no queixo em como dividir seus subordinados. Duplas eram sempre a melhor opção, poderiam trabalhar com eficiência e, já que o macaco ficaria de fora, poderiam dividir o trabalho igualmente e sem chamar muita atenção.  A questão era: como iria selecioná-los? Sorriu cínica, puxando o zumbi para seu time e olhando os restantes. 

— Ficaremos em duplas. Kristoviski irá comigo, hya.  — olhou ao imediato, que apenas maneou a cabeça, já acostumado com os apelidos e sem muitas opções de escolha (se fosse perguntado, diria que preferia ficar lagarteando no topo do submarino com o macaco). — Vocês se decidam aí. Uma dupla busca alimentos e a outra os suprimentos restantes. Nós iremos analisar o perímetro.

Ordenou aos demais, que se olharam um tanto apreensivos. Yolanda sem pensar duas vezes segurou o braço de Apollo e levantou uma das mãos, pedindo a atenção para si: 

— Nós nos responsabilizamos pelos alimentos e arrumaremos algumas roupas novas. Pelo que sei da Grand Line, o clima não é confiável e precisaremos de um pouco de tudo se quisermos aguentar cada ilha de lá. — sorriu doce e puxou com força o homem para longe dali, envolvendo-o pelas costas com a parte direita de seu bigode, enquanto a esquerda acenava para os companheiros à medida que iam sumindo. Esperta, não permitiria que roubassem seu cabide. 

Para Nicholas, sobrou o médico, que sequer ouviu uma palavra dita, preocupado demais em vestir seu tuxedo e colocando suas parafernálias na cartola com ajuda de Shari. Era um médico sim, mas acima de tudo um excelente mágico — e uma cidade nova implorava por um show. Ele diz:

— Vamos, meu caro. — ajeitou o cabelo para trás e vestiu a cartola, ajeitando o lenço em seu bolso. Estava imerso em seu mundo particular o suficiente para não perceber a expressão horrorizada de Nicholas. — Hoje faremos um grande show e você será o meu assistente. — abraçou-o pelos ombros e passou o outro braço por diante dos olhos, como se o horizonte se abrisse em sua frente. Ouviu um assobio vindo da capitã, os chamando para caminhar. 

— HYA-HYA-HYA! Façam o que quiserem, contanto que voltem com os suprimentos. — avisou enquanto andava com ambos os braços atrás das costas. — É o melhor a ser feito, pela saúde de vocês, é claro, hya. — e deu as costas aos infelizes, também seguindo sua jornada.

O porto de Loguetown era exatamente igual a todos os outros que tiveram a honra de suportar seus grandiosos pés: uma concentração infindável de navios de velas brancas amarrados a madeira; crianças correndo de um lado para o outro; e um ou outro barco que tinha a ousadia de manter uma bandeira preta no topo da gávea, como afronta aos marinheiros — em seu ponto de vista, eram um bando de imbecis: precaução nunca é demais, ainda mais numa cidade tão famosa e vigiada. A única diferença realmente significativa eram os vendedores ambulantes, que pareciam sair dos bueiros para vender bugigangas sobre a execução de Gold Roger e outras quinquilharias piratas que ninguém no mundo iria precisar. 

Estava cansada de andar próxima aos abutres. Detestava os olhos pidões e as facetas miseráveis, estrategicamente colocadas para causar dó nos otários (conhecia cada uma dessas estratégias, afinal, um dia esteve no lugar dos coitados). Vendendo o velho por novo, inventando lorotas, saqueando carteiras dos transeuntes distraídos que a olhavam com curiosidade, encostando em sua pele e questionando sobre suas marcas sem a menor decência. “Onde está o picadeiro?”, “Retorne para as lonas de circopivete”. Relembrava desgostosa; esqueceria de todo o passado se não fosse este que a levasse em frente. 

Sentiu o estômago reclamar. 

— Que fome desgraçada, hya! — exclamou alto, percebendo que passara algum tempo perdida em seus próprios pensamentos. Nem o Nudista e nem o Lorde os acompanhavam e seu querido Zumbi caminhava lentamente alguns metros atrás de si. Correu até ele, abraçando-o pelos ombros e impulsionando-o para frente, não tinham tempo para corpo mole. — A comida de merda do Apollo vai me matar, escolhemos um péssimo cozinheiro!

O imediato riu, uma deixa para que a capitã tornasse a falar. Ela continua: 

— Bem foi dito, não devia escolher meus tripulantes na queda de braço. Se soubesse que era cozinheiro, jamais teria o deixado entrar! — resmungou bem alto, talvez querendo chamar atenção das pessoas a sua volta (vivia para ser o centro das atenções). 

— Não é tão ruim assim. — zombou o homem, piscando um dos olhos em seguida. — Garanto que comer vermes e terra é pior.  

— Vai tomar no meio do seu cu. — Pieri fechou a cara, estava faminta demais para tolerar as anedotas de morto-vivo (já se passaram meses e o infeliz continuava a insistir nelas, temia que nunca acabassem). O papo furado acabou ali mesmo. 

Já era para lá de meio dia quando desembarcaram e não comera nada desde o dia anterior. Quem iria aguentar caminhar desse jeito? Seguiu por mais alguns metros, até que um maravilhoso cheiro veio para lhe dar tapas na cara: cheiro de comida, e de qualidade. Um banquete, talvez? A procedência não importava. Tinha que ver do que se tratava. 

Ao se aproximar da barreira de contenção, uma onda de satisfação passou por todo seu corpo, carnes subiam e desciam, acompanhadas do doce som dos legumes refogados na manteiga; comeria todos, com a panela e tudo. Como um coiote, permanecia observando o baile alimentício lhe enfeitiçar, babando só de imaginar a explosão de sabores e prontamente ignorando o imediato com sua face tensa — pensava em como sair dali sem chamar atenção, se é que era possível quando se tratava de sua capitã. 

Entretanto, sua alegria não demorou muito para acabar, porque, afastado do homem loiro de sobrancelhas espiraladas que fazia a comida que lhe dava água na boca (certamente o tipo de maluco que gostaria de recrutar), uma risada lhe despertou do transe e, ao virar sua cabeça, um pouco a esquerda encontrou algo que lhe fazia subir o sangue. A cozinheira da competição… Era ruiva. 

Como em um presságio de que algo ruim estava para acontecer, o céu começou aos poucos dar sinal de chuva. Seu nariz imediatamente se pintou de vermelho ao relembrar de seu maior juramento: acabar com a existência de todos os ruivos do mundo. Todos. Não poderia deixar um alimento delicioso lhe impedir de seguir suas convicções. Dirigiu um olhar para o zumbi, que inutilmente tentou convencê-la de que o cabelo da mulher era rosado, tamanha ousadia. Era ruivo e ponto final, logo precisava destruí-la e pegar seu alimento; estava somente seguindo as leis — ainda que estas fossem criadas por si mesma. Enfim soltou o braço gélido, avisando ao imediato que voltaria antes que sentisse sua falta; precisava resolver algo. 

≈≈≈

Havia uma grande vantagem em ser forjada nos palcos: sabia exatamente como entrar em um camarim, mesmo que não fosse o seu show. Atrás do palanque onde os cozinheiros faziam sua magia cheirosa, fora montada uma pequena estrutura para que descansassem enquanto não chegava sua vez de competir. Pretendia fazer seu grand finale lá mesmo, em frente ao público, sem que aquela vadia ruiva pudesse posar para a plateia outra vez. Calculista, observava minuciosamente o lugar onde ocorreria seu espetáculo, lendo seus movimentos e reconhecendo o território, ao mesmo tempo que coçava o revólver no cinto, somente na espera do momento certo para atirar. 

Seria uma bagunça, sem dúvidas. Vermelho para todos os lados. Mal podia esperar para que os gritos de torcida de ambos os times se tornassem um grito uníssono de horror, e o pânico, ah, reinasse. Isso tudo, que espetáculo, hya-hya-hya, por sua causa.  

Entretanto, seu pensamento fora interrompido por um empurrão em suas costas. Mal pensou duas vezes antes de puxar sua arma do cinto, pronta para estourar os miolos de quem ousara atrapalhar sua preparação, mas nem conseguiu engatilhar; como num passe de mágica, o revólver fora tomado de sua mão. 

— Que irado! — uma vozinha diz. Pieri olha para frente, deparando-se com uma menina de pele bronzeada que batia na altura de seus ombros. Em suas pequenas mãos, segurava o revólver (roubado), olhando-o encantada. — Meu deus, você tem um chapéu INCRÍVEL! — cruzam os olhos, finalmente.  
 

Era uma pirralha de (quase) um metro e meio, com o cabelo bagunçado num coque mal feito e roupas para lá de amassadas. Deveria se tratar de uma ladrazinha qualquer, querendo roubar dos fundos enquanto todos estavam distraídos com a apresentação. Não seria alguém para se preocupar em situações normais, mas não deixava de ser uma testemunha do seu crime

— Devolve essa merda, hya. — Pieri arranca a arma das mãos ligeiras, em seguida ajeitando seu chapéu na cabeça, um pouco sem jeito; não conseguiria matar quem tem bom gosto... — Vê se some da minha frente, pirralha. Vai roubar outro lugar — pontua, engatilhando a arma e procurando a mulher “ruiva” (de cabelos róseos) para eliminar o quanto antes. 

— Não posso permitir que outro elimine a cópia! — a garotinha revidou com um empurrão em seu braço, que quase resultou em um tiro em vão — O falso Flint é meu, desista! — apontou um dedo para o homem loiro que estava no palco e, com a outra mão, tocou diretamente no nariz avermelhado, sem tremer ou pestanejar. Estava completamente decidida. 

Pieri perdeu a compostura por um momento. Estava acostumada a lidar com gente idiota, mas a burrice de muito se difere da inconsequência. Consternada, meteu-lhe um tapa na bochecha sem pensar muito, não esperando que, de todas as reações que aquela criança (há pouco cheia de confiança) poderia ter, começaria a chorar. 

Não, somente isso não era o bastante para definir aquele berreiro. 

De repente, a cadelinha começou a uivar em desespero e debulhar-se em lágrimas, como se tivesse levado uma facada no estômago em vez de um mísero tapinha. “Frouxa do cacete”, Pieri pensou, pigarreando e levantando a mão para dar outro tapa e fazê-la calar a boca. Contudo, não poderia arriscar ainda mais sua posição, já ouvindo algumas vozes ao fundo, curiosas quanto ao choro infantil. Em um lapso de bom senso, segurou uma das mãos da desconhecida e correu ao local de onde não deveria ter saído: Kristian precisaria saber como resolver essa merda

— De onde veio, criança-hya? — perguntou, após se afastar do “camarim” enquanto buscava o imediato em meio a multidão. Não desejava puxar assunto, apenas queria distrair a garota de seu choro incansável antes que atraísse mais curiosos. 

— Do meu barco, oras... — deu de ombros, enxugando o nariz na barra da camiseta. — Eu sou uma capitã, sabia? Não me trate como uma qualquer, puxando pelo braço e arrastando como um porco! Só falta estar envolvida com o tal Sanji, o copiador do Flint, agora… Caso esteja, precisarei te eliminar agora mesmo... 

A pirralha tagarelava sem respirar, jogando as informações na face da outra sem se preocupar com o peso que teriam. Seu tom manhoso era inundado por alguns soluços involuntários além do notável despeito. Pieri não sabia o que fazer com aquilo. Queria enfiá-la embaixo da terra, abafar o barulho de algum jeito, porém, não importava o que fizesse, sempre chamaria mais atenção do que gostaria (o preço de escolher sua moda). Em uma última esperança, notou com a visão periférica um beco que levava direto a praça principal. Melhor que isso, devido as construções nos arredores, o beco parecia esconder tudo, com a exceção de sua salvação: o cadafalso. Que melhor forma de perder uma ladrazinha fã de piratas do que jogá-la no meio da multidão, enquanto se distraia com o último lugar que seu maior ídolo fora visto? Sumiria sem deixar qualquer rastro de sua existência, e voltaria para o plano principal. Sorriu de orelha a orelha, maquiavélica.

— HYA-HYA-HYA! Você sabe que lugar é aquele ali, garotinha? — apontou para o cadafalso, desejando terminar de uma vez por todas os abomináveis sons infantis. Quase comemorou ao receber um olhar curioso e a confirmação para que continuasse a história. — O maior pirata que já viveu, depois de mim, é claro, —  murmurou a última parte, voltando ao tom habitual em seguida: — foi executado ali! Tcharam! — sacudiu as duas mãos abertas, dando emoção a sua fala. 

As lágrimas da menina (Poyo, aliás. Ouviu entre as lamúrias que era esse seu nome e que seria famosa no mundo todo) secaram na mesma hora, sendo substituídos por um enorme brilho, seguido de um guincho alegre. Ela diz: — Você só pode estar brincando! MEU DEUS, EU QUERO SUBIR LÁ!

— Vai. Só vai. — Pieri diz, incentivando para que sumisse de sua frente. Poyo aceitou o conselho de bom grado e não tardou em sair correndo, rumo a praça. Uma vez que saiu de sua vida, a outra capitã decidiu dar as costas e retornar para sua missão e procurar o infeliz do imediato. 

Andou por algumas quadras, caminhando com tranquilidade em direção às barracas, decerto teria perdido a plateia para eliminar seu alvo, mas não poderia deixar o inacabado. Cantarolava a comum melodia, sem a menor preocupação e somente reavivando as partes de seu plano: encontrar, cortar e sumir de mansinho. Perdida em devaneios, a capitã não se deu conta da comoção que ocorria em sua volta, diversas pessoas gritando e o céu se acinzentando a cada segundo, como se a cidade todo estivesse entrando em um sinfônico estado de alerta. Ainda ignorando a movimentação estranha, sentiu algo bater em suas costas. “Não poderia ser isso novamente...”, pensou e ao olhar o pesadelo estava concretizado. 

— O que quer, pirralha-hya? — perguntou, incrédula e se forçando (muito) para não esganiçar a voz com a raiva. 

— Cadafalso… Mulher bonita… o guarda... muito legal… — Poyo falava enquanto recuperava sua respiração, havia perdido o ar devido a corrida desesperada. — Tem um moleque em cima do cadafalso e um montão de guardas, além de uns piratas esquisitos berrando, parece um palha... — fora interrompida por uma gigantesca explosão, neste momento os olhos de Pieri quase saltaram para fora, “O que diabos está acontecendo?”

— O que disse? 

— Um palhaço berrando. Parecido contigo, na verdade. Vamos correr, deve estar acontecendo uma porradaria! — a menininha não espera uma resposta para agarrar sua mão e sair arrastando-a para o meio da confusão. 

— … VOCÊ DEVERIA SE SENTIR HONRADO, CHAPÉU DE PALHA! MORRER NO MESMO LUGAR QUE O REI DOS PIRATAS, GYA-RÁ-RÁ-RÁ!

Ambas as garotas soltaram sons de surpresas; estavam tão próximas e observando a loucura com seus próprios olhos, era bom demais para ser real.

Os trovões se intensificavam com a vinda da tempestade e a plateia estava alvoroçada. Poyo, ainda que não conhecesse ninguém, agora tinha plena certeza que era ali o lugar onde desejava morrer: em frente a plateia, com gritos e explosões. Não havia uma morte mais legal que aquela. 

Em meio a toda aquela gente, sentiam pelas vibrações no chão que estavam vivenciando um momento importante. Onde já se viu, um pirata executando outro? Em cima do cadafalso, havia um garoto preso a berlinda sem apresentar temor algum, conversando com seu carrasco de nariz de palhaço como se estivessem em um encontro casual. Os olhos de Poyo brilhavam, tudo a hipnotizava e o mundo exterior fora completamente esquecido: finalmente, existia somente aquela construção gigantesca, bem maior que o dobro de sua altura; maior do que dois Flints empilhados e talvez maior do que qualquer coisa que pudesse imaginar… Era esse, o cadafalso. O mesmo que executou o rei dos piratas, e que agora era a comprovação do que, bem no fundo, já sabia. Só existiam ele e ela naquele momento sublime. Morreria assim, com certeza

Entretanto, logo ao lado, a garota de nariz vermelho não parecia tão encantada assim (por mais que devesse estar, já que, a poucos metros de si estava sua inspiração para a pirataria, indiretamente seu maior mentor). Sentia as mãos suarem de preocupação, após lembrar da seguinte situação: estava com armamento leve e não conseguia proteger a pirralha caso as coisas ficassem sérias (agora que aceitava a menina não poderia deixá-la morrer). Engoliu seco ao notar a bagunça entre a multidão; sons de tiro, música circense. O rapaz de chapéu de palha agora se rebatia em sua prisão. Só ia piorar, mordeu os lábios, tão ansiosa quanto ele e buscando com os olhos alguma forma de sair daquele lugar. Não estavam seguras ali. Estava pronta para arrancar Poyo dali, até que...

— EU SEREI O REI DOS PIRATAS! — gritou o Chapéu de Palha, em alto e bom tom, impedindo qualquer movimento que poderiam ter. O filho da puta sorria tão radiante que Pieri sentiu vontade de tacar sua bota na face do desgraçado e parecia ser a única a ter essa reação, visto que todos ao seu redor, a menininha inclusa, pararam até de respirar para ouvir o ecoar das palavras.

— Vamos sair daqui! — Pieri sussurrou no ouvido da menina, no momento em que o loiro sobrancelhudo de antes e um homem de cabelos verdes chegaram com intenção de acabar com o evento. Não ficaria parada ali, esperando que a merda respingasse nelas. Olhou ao redor procurando um abrigo decente e que permitisse assistir o final de toda a loucura, até que, ao longe, percebeu o desgraçado zumbi, seu imediato, ressonando sobre uma mesa embaixo das marquises, inerte a tudo que ocorria. Bingo. Era para lá que iriam. 

Ouviu o prisioneiro gritar alguns nomes e Poyo despertar de seu transe, olhando para si indignada: — É o desgraçado do falso-Flint! — rugiu, ameaçando correr em sua direção, enquanto o loiro de sobrancelhas estranhas e o outro de cabelo verde avançavam feito um furação, abatendo quem quer que estivesse no caminho. Pieri não esperou para ver o que iria acontecer; segurou a menina pela gola da blusa, correndo para seu porto seguro sem nem se importar com o bracejar enraivecido, pronto para ir lutar. 

— Resolve isso depois, sua imbecil! Tem piratas de verdade lutando ali! — brigou, sem parar de correr. 

— Eu também sou de verdade! — Poyo exprimiu, antes de baixar os olhos e sussurrar: — apenas não sou forte o suficiente, ainda. 

— Então torne-se forte antes de fazer cagada-hya! — sua voz oscilou o bastante para que seu imediato notasse uma aproximação estranha. 

— Pieri? — ele levantou em um pulo, quase caindo da cadeira enquanto procurava de onde vinha aquele grito. — Uau, acho que perdi uma festinha, hein? — riu de sua própria piada, soltando um bocejo. Sua capitã queria matá-lo, mas como era recíproco (por ter saído para matar falsos-ruivos), não disseram nada um para o outro.

— Vamos sair daqui, já é hora de encontrar todos no Diabo-Negro. — Pieri suspira. Não teria como voltar para assistir aquela bagunça.

— Quem é essa aí, do seu lado? — indagou a capitã, que apenas deu de ombros. Recebeu um “Poyo” como resposta, antes da desconhecida escalar a mesa para ver melhor. Ela desejava saber o fim daquilo. 

Ainda conseguia enxergar um pouco do tumulto e ouvia com clareza os gritos. A risada esganiçada do palhaço carrasco lhe ardia os ouvidos, ressoando pelos ares com as gotas de chuva que começavam a cair sobre suas cabeças. Pessoas desabavam desacordadas no chão. Enfim, o menino de chapéu de palha vocifera: 

— Zoro, Sanji, Usopp e Nami, foi mal — outro trovão. Ele abre um imenso sorriso, mostrando todos seus dentes e nenhum arrependimento — Eu ‘tô morto.

O céu se ilumina numa fração de segundo, seguido por um estrondo ensurdecedor e uma labareda de fogo ao topo da construção; o cadafalso bambeia. Poyo e Pieri; o imediato; os piratas que brigavam entre si; Belka e Bertruska, que se aproximavam do trio; todos. Todos ao redor ficaram estarrecidos.  

Um raio, e aquele insubstituível monumento histórico vai ao chão, enquanto o vento trazia flutuando bem devagarinho, sem a mínima consideração pelo choque dos presentes, o chapéu de palha, até que caísse aos pés do condenado. 

Ele ri: — Afinal, eu sobrevivi! Agora ‘tá tudo ok

Subitamente, o tronco de Poyo pareceu ter sido trocado por uma réplica de chumbo e suas perninhas não puderam mais aguentar o próprio peso. Caiu de joelhos na mesa, molenga e de boca escancarada, sem conseguir mover um músculo sequer. Pieri e Kristian também não conseguiram reagir ao ver a menina despencar; estavam igualmente desacreditados com a cena que viram na praça. 

— Poyo! O que você está fazendo aqui? — Belka chegou correndo, saltando para a mesa e chacoalhando a capitãzinha pelos ombros. — Acorda! Acorda!

Bertruska veio estalando os dedos: — E vocês dois, quem são? — perguntou categórica, olhando para os outros piratas. 

Kristian ia se preparar para batalhar, mas Pieri o impediu, colocando a mão em sua frente:

— Vocês são do bando dela? — sua voz nunca saiu tão séria.

Ao perceber que não estavam sozinhas, a gata deu um alto suspiro e pulou da mesa, indo séria em direção dos desconhecidos: — Olha só, eu não sei o que a Poyo disse para vocês, mas não estamos aceitando novos membros. Agradeço por cuidarem dela e pelo interesse, mas vão ter que achar outra capitã, sim? Agora, xô, xô! — balançou as patinhas. 

— Eu sou capitã do meu próprio bando, hya. — Pieri a olha de cima, arrogante. Belka engoliu seco ao ver seus olhos frios e nariz vermelho. — Você é a verdadeira capitã, gato-monstro

— Não é. — Bertruska tomou frente ao notar a hesitação da gata. — Quanto a isso, ela não deve ter mentido: a menina é, de fato, nossa capitã. 

A outra capitã abriu um sorriso frouxo, segurando seu riso; acreditava fielmente que toda a história de “tripulação” não passava dos delírios infantis de uma garotinha sonhadora, mas no fim disso tudo era ela quem estava errada em duvidar da capacidade de alguém que conseguira lhe desarmar. Além disso, se conseguiu juntar um ou outro gato pingado para a seguir, então a pirralha certamente tinha lá seu carisma, seja lá qual fosse seu objetivo. Surgiu assim um inexplicável interesse sobre ela: fora fisgada. 

— Avise a capitã quando acordar que a inestimável Pieri, sua aliada, mandou um “até breve”, HYA-HYA-HYA. — exprimiu sorrindo as desconhecidas, recebendo um olhar incrédulo do imediato, que fora prontamente ignorado. — Os Pierrôs lutarão ao lado de vocês, gatos vira-latas-hya. 

A gatuna lhe mandou um olhar desconfiado, porém retribuiu o aceno de cabeça com uma pequena reverência. Não houve uma despedida oficial (eram completos desconhecidos, no fim das contas) ou qualquer gracejo, apenas mostraram respeito mútuo: um contrato silencioso, de capitã para Imediata, fora rubricado. Isto fora mais do que necessário.  
 

≈≈≈

Tornaram ao submarino sem esperar que a tempestade findasse. Ao chegar novamente ao porto, a capitã agradeceu aos céus por já ver Yolanda, Apollo e Nicholas sobre o Diabo-Negro, uma vez que, se estivessem perdidos nessa chuva toda, teriam de ser resgatados pela cidade — e ela não estava afim de prolongar sua estadia por nem mais um minuto sequer. Aquela cidade era caótica (o suficiente para esquecer a maldita ruiva) e apresentava perigos que ainda não estava disposta a correr: adoraria ser capaz de encará-los de frente e destruir a todos que ousassem cruzar seu caminho, mas não era uma suicida, compreendia suas limitações e por isso treinava todos os dias, a fim de atear fogo ao mundo. 

Não chegou a pedir para que embarcassem, logo que chegou, todos notaram por sua feição fúnebre que não estava para brincadeira e sem pestanejar assumiram seus postos. Shari começou a fechar as escotilhas do barco enquanto Kristian se juntava a Apollo e Nicholas para guardar as caixas de roupas e comida fresca na despensa. A capitã, sentada em sua sala, dentro da boca do peixe, abriu uma das suas gavetas e dela retirou algo que a muito não usava, seu antigo chicote. Segurou-o em mãos e andou lentamente pelos corredores, algo ali faltava. Subiu a escada, sentando na carcaça do submarino, observando atentamente o porto: logo ele apareceria. 

E assim o fez.

Somente de cartola e com borrões de tinta cobrindo poucas partes de seu corpo, o médico corria em direção a capitã, com um gigantesco saco nas costas. A cada passo que dava, derrubava alguma tralha no chão, de colares de pérola a rolos de gaze, dando olhadelas para trás, como se estivesse escapando de alguém ou calculando se valia ou não a pena voltar para buscar o que se perdeu. Ao chegar a capitã abaixou a cabeça, pensando se largava o saco e tentava cobrir suas partes sensíveis da sova ou se aceitava a punição e preservava os pertences (roubados). Optou pelos pertences, o trabalho lhe custou o magnífico show que poderia ter feito. Vislumbrando o som do chicote estalando em sua pele, fechou os olhos e esperou, mas nada o atingiu. Quando os abriu, deu de cara com as costas da capitã: havia sido poupado. 

Pieri respeitava seu esforço (principalmente por ter conseguido trazer o que lhe fora pedido) e dessa vez daria uma colher de chá ao mágico — não era um dia comum. Melancólica, esperou que o garoto descesse para novamente sentar no metal gélido e agora observava o mar e a escuridão que tentava tomar espaço no entardecer. Não sabia dizer quanto tempo iria ficar sem sentir o vento em seus cabelos e o cheiro da maresia, ouvir os bêbados gritarem em meio ao cais e encontrar um ruivo novo para abater. Amava o oceano, mas às vezes sentia falta das emoções que vivia somente em terra. 

Pegou sua luneta e aproximou-a do olho direito, observando os mares até que, a diversos nós de distância, algo lhe capta a atenção: a figura de um gato, balançando com o vento e debochando com um só olho e daqueles que dirigiam-no o olhar. Como aquela face lhe deixou emputecida. Desmontou a luneta, a enfiando na bota em seguida; estava farta daquele dia. Fechou a escotilha, caminhando a sala de controle e gritando em bom tom a todos: 

— HYA-HYA-HYA! LIGUEM A MALDITA MÚSICA, LACAIOS! SUMIMOS COM A NOITE, DEPOIS DE UM ESPETÁCULO. É HORA DE SUBMERGIR! 

≈≈≈

1º dia em Loguetown; retornamos ao mar. 

Que os deuses (e o imediato) me perdoem por ter roubado o diário de bordo. Mas é de suma necessidade expor minha indignação, nem que seja apenas por hoje. Senhores, anuncio que vivi o inferno esta tarde. Sei que não sou digno — nunca rejeitei minhas penitências e jamais o faria, entretanto a vida neste submarino me suga cada gota de energia, e nem para treinar sinto que sirvo mais. Sou fraco, nunca neguei isso para ninguém. Adoraria assumir que tenho plena capacidade de lutar contra os mais fortes e realizar a vingança em nome de minha família, mas não posso. Não sozinho, ao menos. A cada dia que passa me sinto mais inútil e incapaz de me soltar dessa tripulação por mera covardia. Seria este o único lugar onde serei aceito? Bem dizem que sonhos grandes demais não podem ser realizados por aqueles que não tem poder, mas como posso crescer se estou preso aos porcos? 

Não sou o tipo de homem que cultiva preconceitos pelo diferente, mas suponho que a educação e higiene devam ser respeitadas independente de onde estivermos. A selvageria dos meus companheiros me aterroriza. Sou um frouxo por desejar que mantenham o respeito durante a refeição? Por favor, um homem nu não deveria ser aceito a mesa! Tampouco um macaco, céus!

Minha capitã não parece estar em plenas faculdades mentais, contudo não posso dizer que é ela quem eu mais detesto. Todos daqui são loucos, sem objetivos ou completamente irresponsáveis. Não me encaixo em nenhuma das categorias e alguns aqui contemplam todas. Passar uma tarde junto ao nudista — uma vingança de Pieri — me fez alcançar um novo nível em relação a resiliência. O médico imbecil (não compreendo como um imbecil poderia compreender a ciência da cura e o pior, ignorar este dom para seguir o desejo do ilusionismo) me tocou com suas patas pintadas, enfiou meus dedos em uma cartola cheia de bosta de coelho e questionou minha sexualidade vezes o suficiente para sentir-me abusado. Não me arrependo de fugir, entretanto, se voltasse no tempo, iria me isolar junto do macaco — a companhia menos tenebrosa desta tarde. Recorrer a Yolanda foi pior que imaginei. 

Pensei que fosse o mais sensato a se fazer, tendo em vista que nunca tive problemas com a mulher, muito pelo contrário, a considero deveras agradável, salvo o fato de me tratar como uma criança vez ou outra — mas isso posso tolerar. No entanto, ao encontrá-la nas lojas esta tarde, não poderia ficar mais surpreso: estava caída no chão, com o nariz sangrando e segurando os punho cerrados de Apollo com a força de seu bigode, mandando que ele lutasse para valer. 

Eu não pude acreditar no que vi. 

O resultado? Separei uma briga entre aliados. Eu nunca vi tamanha falta de companheirismo, e ainda por cima para cima de uma mulher. Foi covarde e desonroso. Foi nesse momento, depois de apartar aquele absurdo e enquanto carregava as sacolas de Yolanda para o barco, que percebi estar no lugar errado e que nunca conseguiria me encaixar aqui. É por isso que escrevo esta noite. 

Diferente de todos daqui, eu sou um homem de palavra, e não trairei minha capitã. Ainda assim, não posso deixar meus objetivos de lado e, acima de tudo, devo parar de me acovardar diante da autoridade. Servirei os Pierrôs enquanto minha espada for requisitada, mas não o farei por me sentir parte deles e sim porque não tenho outra escolha — eu já não partilho dos mesmos ideais. Assim findo meu lamento. De boca calada e a ponto de enlouquecer, mas ainda rumo à Grand Line. Em prol de um objetivo maior, eu darei pérolas aos porcos.

Assinado, Nicholas Nikelaus.”


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