It's never too late for love escrita por Lipe


Capítulo 4
Nem tudo é o que parece (ou "o médico bonito").




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O corredor que dava no quarto de Kate não era nada parecido com o que normalmente se espera de um hospital. Pensar nesses lugares sempre me dava a visão de um lugar movimentado, repleto de médicos e enfermeiros correndo de um lado ao outro, tentando dar atenção à todos os pacientes que esperam ansiosamente por sua vez de serem atendidos. Dessa vez, entretanto, a situação era bem diferente: o corredor estava completamente vazio e o máximo de movimento que se via era o de umas poucas enfermeiras que vez ou outra entravam e saíam dos quartos com suas bandejas cheias de potinhos descartáveis, comunicando-se com todo mundo apenas com acenos de cabeça — provavelmente por serem instruídas a manter o silêncio e responder apenas quando lhe direcionassem a palavra ou coisa parecida.

O quarto que eu procurava era o terceiro do lado esquerdo. Eu bati à porta, ouvindo as vozes do lado de dentro cessarem com as pancadinhas. Mamãe foi a pessoa que permitiu a minha entrada.

— Kasey, você sabe que não precisa bater para entrar, não sabe?

Ela disse, assim que me viu. Eu sabia que não precisava mas, por algum motivo, o fiz mesmo assim. Quando aproximei-me da cama sem lhe dar nenhuma resposta, ela levantou o olhar em minha direção, balançando a cabeça em desaprovação.

Todos estavam no quarto naquele momento. Karen, apesar da idade, estava no colo da mãe, e parecia bem entediada de não poder sair dali. Papai estava logo ao seu lado, sentado em sua cadeira de rodas, e Kyrian estava em uma confortável poltrona colorida no canto do quarto, quase pegando no sono. Kate, que obviamente era a paciente, estava deitada na cama, descoberta, o colchão levantado por volta de 45 graus para mantê-la sentada enquanto uma enfermeira afofava seu travesseiro. Estava com um curativo enorme na testa que escondia o hematoma, o qual eu tinha certeza estar roxo por conta da força da pancada do dia anterior. Não eram preciso palavras; era nítido que ela já não via sentido em estar ali e parecia ainda mais enfadada por não poder usar seu celular que, segundo ela, não tinha sinal para acessar a internet dentro do quarto.

Sentei no canto da cama logo ao lado de seus pés e ela os encolheu mesmo sabendo que eu tinha espaço o suficiente para mim sem que o fizesse.

— E aí, como está? Consegue desgrudar esse curativo um pouco pra eu dar uma olhadinha?

Ela o fez. O machucado estava sem sangue agora, mas ainda era possível ver o inchaço no local que, em verdade, parecia já ter diminuído bastante em comparação ao dia anterior. E, como eu já esperava, estava um roxo escuro, um pouco esverdeado em alguns pontos.

— Hm… Você não me parece bem, acho que vai desmaiar… — caçoei, e ela escondeu o galo novamente. Em seguida, inclinei um pouco o corpo, de forma a alcançar sua testa e apoiar a mão, fingindo sentir sua temperatura. — Tem certeza que tá pronta pra ir pra casa já?

Ela sabia que era uma brincadeira e deu-me um chutinho na perna, franzindo as sobrancelhas. Eu gemi, mesmo que não tenha doído.

— Nem brinca com isso. — respondeu. — Já estou cansada desse lugar. Tudo que preciso é da minha cama, meu piano e meu celular de volta, não de mais um dia internada nesse hospital.

Olhando de soslaio para minha mãe, percebi que ela pareceu a ponto de abrir a boca para responder por mim. Eu sabia bem o motivo; Kate estava agindo irritadamente de novo. Era como se o sermão da noite anterior, quando estávamos apenas nós três no quarto — uma vez que, por conta da pressa de trazê-la para o hospital, somente eu e mamãe entramos na ambulância — não tivesse sido suficiente. Ela queria que Kate parasse de agir impulsiva e explosivamente com tudo como sempre fazia, e foi apenas depois desse acidente que ela resolveu se manifestar, apesar de eu saber que isso já a irritava há muito tempo depois de umas conversas que tivemos.

Ela, contudo, resolveu não dizer nada, apenas contraiu os lábios, incomodada.

— Bem, isso não cabe a nós responder. — expliquei, por fim.

Alguns minutos depois disso, um médico, de barba cheia, cabelo alisado e muito bonito, entrou no quarto, trazendo consigo um daqueles instrumentos de audição em torno do pescoço e algumas canetas no bolso esquerdo do jaleco. Ignorando todos os presentes, direcionou-se para a cama, anotou algo em sua prancheta e encostou a mão no ombro de Kateryn.

— Acho que você já está pronta para ir, mocinha. Seu ferimento está diminuindo bem rapidamente e, segundo os exames, não houve nenhuma fratura para se preocupar. Você teve muita sorte, viu?

Acho que Kate sabia bem da sorte que tinha, mesmo que demonstrasse não ter aprendido nada com isso. Seu cérebro podia ter se danificado de alguma forma, e não era necessário ser médico para saber daquilo; felizmente, todos os exames pareciam ter saído normais, nada mais sério aconteceu. Ela mesma disse que caiu ao fim da escada, então era mais que normal que estivesse tudo bem.

— Vocês podem pedir um atestado de comparecimento no balcão de entrada caso desejem, ela já está dispensada.

Ele pegou uma de suas canetas e escreveu mais algo no papel preso à sua prancheta, para só então virar-se para sair, ainda com a cabeça abaixada, focado em suas anotações. Porém, no momento em que girava o corpo em direção à porta, lentamente, interrompeu-se alguns instantes, olhando-me nos olhos. Ele deu um sorriso lindo em seguida, que certamente fez meu rosto avermelhar-se todo.

Eu tinha certeza que estava horrível naquela manhã. Eu me sentia horrível com aquele rabo de cavalo mal feito e quase nada de maquiagem no rosto. Como eu poderia imaginar que aquilo me iria acontecer?

De qualquer maneira, não pude evitar responder-lhe com outro sorriso. E depois que ele saiu da sala, eu sabia que todos tinham percebido a troca de olhares, apesar de Kate ser a única a encarar-me maliciosamente, como sempre. Tudo que consegui fazer foi abaixar e girar ligeiramente o rosto para poder olhá-la como quem diz um “pode parar” mentalmente. Ela riu, enquanto levantava-se da cama, e todos fizeram o mesmo. Finalmente, podíamos ir juntos para casa.

Quando saímos do quarto, mamãe levou meu pai até o balcão para pegar o atestado que o médico dissera anteriormente. Inclusive, o tal médico estava também ali no hall, mas encostado em um outro balcão vazio do lado oposto ao que minha mãe tinha se direcionado. Nesse momento, meu cérebro começou a se perguntar se eu devia tentar ser a pessoa que toma a atitude uma única vez na vida, mesmo que eu fosse um tanto quanto tímida e não soubesse bem o que falar para ele.

Foi mesmo por conta da timidez que eu comecei a inventar desculpas para não fazê-lo: primeiro, como já disse, pensei no assunto que não teria para puxar, mas eu sabia que podia dizer qualquer coisa que ele iria aceitar bem, se também estivesse interessado. Depois, pensei nas minhas irmãs, porque estavam todas ao meu redor e eu não as podia deixá-las sozinhas, sendo a irmã irresponsável que eu não gostaria de ser. Porém, elas logo seguiram para os bancos e, contanto ficassem onde estavam, eu não tinha porque me preocupar.

Durante a terceira desculpa que meu cérebro começou a inventar, ele girou o corpo em minha direção, e minha mente ficou em branco por conta disso. Não que ele tivesse virado para mim propositalmente, mas ele estava usando seu celular e virou-se daquela maneira porque a posição que estava anteriormente talvez estivesse um pouco mais desconfortável do que ele queria. O problema foi que, quando virou, ele olhou novamente para mim e sorriu, e... Bom, eu tenho uma pequena queda por sorrisos bonitos. Foram poucos segundos, mas o suficiente para fazer com que eu desistisse de criar motivos e fosse logo falar com ele.

Que mal teria? Eu poderia correr riscos às vezes.

— Então… — disse, subindo uma escala de uns 2 tons na voz sem uma real intenção de fazê-lo. — Você tem um sorriso muito bonito, sabia disso?

Ele riu.

— Obrigado, não é sempre que me dizem isso.

Eu estava apoiada com os antebraços sobre o balcão e virada para o lado oposto ao dele, tentando manter o olhar concentrado em seu rosto o máximo de tempo que eu pudesse. De alguma forma desengonçada, eu estava tentando ser sensual, e apesar de saber que minha silhueta não era das piores — muito por conta de minha altura —, eu não tinha tanta certeza se estava sendo bem sucedida.

— Eu tento ser ousada sempre que posso. — afirmei, virando o corpo em sua direção. Como eu conseguia não sentir vergonha de mim mesma dizendo aquilo? Era uma palavra difícil demais para um flerte.

E a verdade é que... ele também notou.

— Ousada? — repetiu, com um certo deboche na voz. — Você é a primeira pessoa que eu vejo usar essa palavra. — E depois, parou por alguns segundos para desencostar-se do balcão. Em seguida, pegou novamente sua prancheta, que segurava mais folhas que da última vez quando saiu do quarto, e emendou, com um riso natural na voz: — Desculpe, eu fico lisonjeado com a sua cortesia, mas eu sou casado. — E saiu por outro corredor aberto atrás de suas costas.

Eu me sentia aturdida. Como assim casado? Por um momento, senti nojo dele. Eu tinha certeza que aqueles sorrisos eram flertes, e ele estava fazendo isso tendo assumido um compromisso sério com outra pessoa. Fiquei me perguntando, mentalmente, como alguém poderia ser assim? Que babaca.

Voltei para perto de minhas irmãs e sentei perto de Kyrian, tentando evitar os comentários maldosos que Kate certamente faria se eu sentasse ao seu lado. Isso não a impediu, claro, pois ela mudou de cadeira logo que percebeu que eu a estava evitando.

— E então, o que ele disse?

Eu apoiei o cotovelo no encosto da cadeira para formar um pedestal com meu braço, e suportei a bochecha com ele. Era óbvio que eu não estava afim de responder àquela pergunta.

— Se eu quisesse dizer, teria sentado do teu lado.

Ela arqueou uma das sobrancelhas, sem compreender a minha resposta. Abriu ligeiramente a boca também, impressionada. Assim como não era sempre que eu tomava a frente de falar com as pessoas pelas quais sinto atração, também não era sempre que eu falava rudemente com ela.

— Ele recusou…? — Insistiu ela, mais uma vez, mas retoricamente. — Desculpe ser intrometida, eu não queria te ofender.

Eu sabia que ela não tinha intenções ruins com a pergunta. Também sabia que nós duas sempre fomos tão próximas que confiávamos muito uma na outra para falar sobre qualquer coisa, mas eu já estava me sentindo um pouco mal há horas e aquilo não estava ajudando nem um pouco a levantar meu astral. Sua intromissão também não era nada do que eu esperava quando sentei a duas cadeiras de distância dela… Eu simplesmente não queria falar sobre o assunto.

Entretanto… Quando a vi acomodar-se novamente em seu lugar e pegar o celular na mão, desolada, o arrependimento começou a tomar conta de mim. Por um momento, imaginei que talvez fosse melhor deixar as coisas do jeito que estavam e que Kate precisava aprender a ter modos e não ser tão extremada em tudo que faz; por outro lado, eu não gostava de fazê-la se sentir daquela maneira. A verdade é que ela não tinha culpa de nada e eu sabia que suas desculpas eram sinceras. Kate sempre fora uma pessoa muito sincera com suas palavras, independente de qualquer coisa.

— Sim, ele recusou… — sussurrei, mas alto o suficiente para que ela me ouvisse.

Mesmo assim, ela não moveu um músculo sequer, mantendo suas sobrancelhas franzidas enquanto digitava algo na tela do celular. Eu sabia, entretanto, qual parte da resposta ia chamar sua atenção.

— Ele era casado…

Ela endireitou-se rapidamente e virou na minha direção, fazendo o celular que segurava na mão direita golpear o braço da cadeira com alguma força.

— Ele era o quê?!

Ela quase gritou essas últimas palavras, mas eu já esperava por essa reação e rapidamente usei as mãos para tampar sua boca, evitando que ela gritasse para todo mundo sobre minha decepção anterior. Em seguida, após soltar seu rosto, apoiei o indicador sobre os lábios e meneei a cabeça lentamente, confirmando. Ela ficou em silêncio por alguns instantes e continuou:

— Que idiota…

— É, não foi uma boa ideia. Acho que eu devia ter seguido a anjinha Kasey que apareceu no meu ombro direito quando ela disse que era melhor não fazer aquilo.

A conversa acabou por aí quando mamãe veio até nós com o atestado em mãos. Com exceção dela, que havia ficado com Kate no hospital mas que tinha conseguido licença no trabalho devido à gentileza de sua chefe, todos tinham conseguido seguir normalmente com suas rotinas. Eu, inclusive, tinha chegado ali logo depois do trabalho, e ainda teria de ir para a faculdade no final do dia. Era um único papel, destinado à escola de Kate, pois ninguém além dela mesma precisaria comprovar a presença no hospital.

Quando saímos dali, nós nos separamos, pois eu tinha que voltar ao meu apartamento para comer alguma coisa e me preparar para a aula. Mamãe disse que eu deveria aparecer lá no fim de semana, pois tia Lúcia, que não tinha conseguido vir para o aniversário de minha irmã, queria me ver. Eu confirmei com ela que apareceria porque já tinha um bom tempo que não participava de almoços em família em casa e seria bom para mim poder interagir um pouco mais com eles, já que eu tinha feito isso poucas vezes nos últimos meses.

De qualquer forma, depois das despedidas, esperei até que todos saíssem em direção à avenida lateral e segui para meu carro, que estava estacionado não mais que 6 metros de onde eu estava. Um outro carro estava parado logo à frente dele, e o motorista começava a fazer a curva para estacionar na vaga ao lado, mas eu não dei muita atenção à isso porque esperava que ele estacionasse tranquilamente como qualquer um faria. Entretanto, quando ele começou a dar a ré, não houve maneiras de ignorá-lo: um som rasgado ressoou por todo o ambiente e eu, desesperada, comecei a apertar o passo em direção a ele.

— Meu carro! — gritei, vendo seu rosto por trás do vidro virar-se, assustado, para o meu.

Ele acelerou novamente o carro, repetindo o ruído, e parou na posição anterior, saindo logo em seguida para olhar o local da batida enquanto eu me aproximava. Só podia ser brincadeira… Não era possível que tanta coisa ruim iria acontecer comigo em tão pouco tempo. Primeiro Henry, depois Kate, agora isso…

Definitivamente, aquela não estava sendo a minha semana.

Quando consegui olhar o estrago, percebi que era ainda maior do que eu esperava: boa parte da tinta do lado esquerdo tinha sido arrancada, deixando visível apenas a lataria prateada da lateral do carro. Parecia que algum monstro de garras de titânio tinha passado por ali e resolvido acabar com meu dia pelo puro prazer de me ver irritada. Eu fiquei alguns segundos encarando-o, perplexa, a testa franzida para demonstrar meu descontentamento. Como alguém era capaz de fazer aquilo apenas estacionando o carro?

— Me desculpar não vai ajudar, né? — Seu rosto parecia dizer “essa foi a maior besteira que já fiz na minha vida” com aqueles olhos arrependidos e aquele sorriso grande de boca fechada que ele mostrava.

O problema é que eu estava irritada demais para perceber seu arrependimento.

— Você duvida?! Eu juro que já vi muita gente péssima no volante mas, porra, você foi de longe o pior deles!

Ele desviou o olhar para os arranhões e passou a mão neles mais uma vez.

— Tudo bem… — atestou, andando até seu próprio carro para abrir a porta e pegar algumas folhas no porta-luvas. Ele rasgou um pedacinho de uma e, com uma caneta, anotou alguma coisa. — Eu não tenho muito tempo agora, mas aqui está meu número. — E me entregou o papel, com a mão bem firme. — Pode conferir se quiser, é meu mesmo, você pode me cobrar pelo conserto. Pode me passar o seu também se achar melhor, acho que fica mais fácil para você se comunicar comigo se nós dois tivermos o número um do outro.

Peguei o papel da mão dele um tanto quanto rudemente. Eu estava realmente zangada, e toda aquela tranquilidade em sua voz não estava ajudando em nada. Anotei rapidamente meu número, fiz o rasgo no papel e o entreguei, não me importando se o que eu escrevera estava legível ou não. Ele agradeceu pelo papel, terminou de estacionar o carro e saiu, indo em direção ao hospital.

Eu também saí, entrando no carro, seguindo para minha casa. Não podia me dar ao luxo de ter mais contratempos.


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