It's never too late for love escrita por Lipe


Capítulo 3
Festas infantis e acidentes acontecem.




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Ah, droga… Por que justo ele tinha que aparecer?

— Tá tudo bem contigo?

Fazendo movimentos rápidos, ele aproximou-se de mim. Eu não consegui ter outra reação senão sentir um arrepio gelado subir pelas minhas costas quando sua mão encostou em meu ombro. Por mais que quisesse ter desviado daquele toque, eu simplesmente não conseguia me mover. Meu coração ainda estava ridiculamente agitado… Eu sabia que aquela sensação ruim ainda persistiria por mais alguns instantes.

Enquanto me recuperava, tudo que eu conseguia era ficar me perguntando “o que diabos meu ex-namorado estava fazendo ali, em frente à casa dos meus pais, sem ter sido convidado?”

Endireitei o corpo novamente assim que senti o coração dar uma desacelerada. Era Henry seu nome. Fazia um bom tempo que eu não o via apesar das várias tentativas que ele tinha feito de manter contato depois do término, e por isso eu demorei algum tempo a reconhecer seus novos... “detalhes”. Ele estava diferente, de certa forma. Sua barba, morena, tinha crescido a ponto de esconder toda a superfície do seu maxilar, o que era bem estranho porque ele costumava dizer que ela incomodava a pele do seu rosto. Seu cabelo também tinha mudado, mas estava um pouco mais curto que de costume, com a franja alcançando no máximo suas sobrancelhas (apesar de eu não ter tanta certeza por estar penteada para trás) e as laterais bem mais aparadas que antes. Fora isso, claro, continuava a mesma pessoa de 5 meses atrás, quando paramos de nos ver. A mesma voz, o mesmo estilo de roupa, os mesmos olhos verdes arrependidos de sempre.

Arrependidos? Talvez não seja a melhor palavra para descrever aquele olhar. Estavam mais pra… Manipuladores.

— O que você veio fazer aqui? — respondi, rispidamente, ignorando sua tentativa de me ajudar e as pessoas que podiam estar às minhas costas, ouvindo a minha arrogância.

Ele pareceu menos surpreso com a rigidez das minhas palavras do que eu achei que ficaria. Apoiando uma das mãos na cintura, esticou a outra na minha direção, segurando uma sacola com estampas de alguma loja do shopping com um embrulho de presente em formato de caixa de sapato dentro. Obviamente, era destinado à aniversariante.

— Resolvi passar aqui pra entregar isso à Karen. Sei que hoje é o aniversário dela, sempre fui bom com datas e você sabe disso. E eu deixei algumas mensagens no seu celular pra avisar mas, pelo visto, você as ignorou.

Talvez ele não soubesse que eu me lembrava muito bem da época de quando namoramos e que, na verdade, ele nunca tinha realmente se importado com minhas irmãs desde que as conheceu. Ele nunca dera muita importância à aparecer em almoços de família ou qualquer outro evento que as envolvesse, então eu sabia que aquele não era o principal motivo dele ter aparecido. Sabia que ele pretendia ser convidado para entrar e ninguém recusaria se ele estivesse ali com a desculpa do aniversário, e ele sabia tão bem quanto eu que a pessoa que apareceria ali para colocá-lo para dentro seria minha mãe. Ela não sabia esconder a simpatia, fosse quem fosse.

Foi exatamente ela que apareceu ao meu lado, perguntando se eu estava bem porque tinha me visto correr para fora sem nenhuma explicação… E ela viu Henry. Pareceu um tanto surpresa na verdade. Mas com certeza mais surpresa ainda quando ele recusou seu convite.

— Muito obrigado, Sr.ª Lilian, mas não posso aceitar. Não quero incomodar e sei que Kasey não quer que eu entre.

Mamãe virou para mim com olhos questionadores. Parecia assumir que a errada da história fosse eu, mas eu sabia que ela não desconfiaria de mim dessa maneira, mesmo não sabendo de tudo o que aconteceu entre nós dois. Eu só fiz bufar, revirando os olhos em desgosto.

Henry continuou inventando desculpas até decidir sair, momento no qual ele me encarou uma última vez, levando um sorriso aberto à boca — parecendo debochar de mim com seu ar de superioridade — e se despediu com um “até outro dia, Kasey”. Felizmente, eu sabia que não devia levar a sério suas provocações, eu o conhecia muito bem para saber que ele sempre foi assim e já tinha aprendido a lidar com ele nessas situações.

A história com ele na verdade é um pouco complexa demais pra uma explicação muito detalhada. Resumidamente, o fato é que ele era uma pessoa extremamente possessiva que queria controlar toda minha vida. A todo momento queria saber onde eu estava, minhas companhias, etc, forçando nossa relação à um nível insuportável. Na época que namorávamos, eu costumava dizer a mim mesma que podíamos aguentar a situação e que as pessoas mudavam. Tentava me convencer de que ele também mudaria… Mas, infelizmente, foi engano meu. As vezes que ele tentou me privar de fazer o que queria eram tantas que eu decidi dar um basta antes que saísse do meu controle. Comecei a perceber que ele não ia mudar fácil assim, e eu, com toda a necessidade de independência que um ser humano tem, não podia me prender a alguém que se acha dono de outra pessoa.

No final, como já era de se esperar, nós brigamos. Diferente dos outros dias que ele chegava pela noite em casa, ele chegou pela tarde naquele dia, por motivos que eu posso suspeitar quais sejam, por volta das quatro da tarde. Eu já estava fazendo as malas quando ele entrou pela porta do quarto, e ficou desarrumando-as enquanto tentava inutilmente me convencer a não ir, enquanto eu o chamava de infantil, imaturo e outros insultos por estar fazendo aquilo. Eventualmente eu cansei e fui embora de mãos vazias. Como não tinha outro lugar para ficar, voltei para casa dos meus pais, e minha família me recebeu de braços abertos como era de se esperar.

Ainda assim, mesmo com toda a hospitalidade, eu não queria ficar ocupando por muito tempo um espaço que não era para ser meu e dois meses depois eu já estava empregada. No mesmo momento eu aluguei o apartamento onde moro sozinha atualmente, eu e meus armários vazios, e parti para tentar mudar minha vida. Sobre minhas roupas? Minha mãe foi buscá-las dias depois do término. Ele, do jeito que era, não tinha como recusar isso, deixando-a pegá-las sem nenhuma resistência.

Contudo, agora que ele já tinha ido embora eu não precisava e nem queria mais me preocupar com isso.

Na verdade, a única coisa com a qual eu deveria me preocupar era a casa cheia de gente atrás de mim, a qual eu não conseguiria entrar nem que me pagassem para isso. Compreensiva, minha mãe veio até mim para ter certeza de que estava tudo bem, e depois da resposta afirmativa suspirou, dizendo que eu não precisava entrar em casa se não quisesse ou não conseguisse. Ela me deu duas opções: eu podia dar a volta na casa e ficar no gramado dos fundos se achasse melhor, ou que podia ir embora, garantindo que Karen não se importaria se eu fizesse isso. Depois das palavras, deixou-me a vontade para fazer minha escolha, voltando para dentro de casa, chamando alguns dos convidados que bisbilhotaram toda a conversa anterior para entrar com ela.

Eu não queria nem cogitar a segunda opção, não podia ir embora sem receber mais um daqueles abraços de Karen, que apertava e unia minhas pernas, nem sem dar um cheiro em Kyrie como eu sempre fazia, sentindo aquele perfume adocicado que ela tanto adorava e sempre usava. Muito menos sem dar um beijo em Kate, que o limparia logo em seguida por odiar beijos no rosto porque eles a marcavam de vermelho por algum tipo de alergia à saliva.

Optei pela outra alternativa. Seguindo pelo lado direito, passei por um jardinzinho de rosas vermelhas muito florido que minha mãe cultivava sob uma das janelas laterais de casa — ela adorava jardinagem, não era difícil de notar observando o quintal da casa. No fim do pequeno corredor adjacente, encontrei a cadeira onde papai estava sentado algum tempo atrás, imaginando que não teria problema se eu sentasse nela durante algum tempo já que ele estava dentro de casa agora e só sairia de lá novamente quando as estrelas estivessem no céu. Ele adorava observá-las e fazia isso todas as noites, ou quase todas, pelo menos. É até um pouco nostálgico falar disso porque, em todas as casas onde moramos, sempre deitávamos no quintal para observar o céu noturno, mesmo nas casas onde não existia nada senão cimento no chão do lado de fora. Na época, éramos apenas eu e Kate… Realmente, o tempo passa muito rápido.

De qualquer maneira, sentada ali, eu podia ouvir todas as conversas atrás de mim. Não estava tão distante das janelas da cozinha quanto gostaria de estar. A todo momento, as vozes ligeiramente irritantes de minhas primas adolescentes, com as quais eu não conseguia mais me enturmar, aproximavam-se das mesas para comer, falando sobre garotos, escola e até mesmo sexo, mesmo que ainda que não o fizessem. Algo normal pra gente da idade delas, creio eu. Outra pessoa que sempre se aproximava dos salgados era minha tia Nancy, sempre abarrotando as mãos dos filhos para que eles parassem de “encher o saco” como ela mesma dizia.

Hora ou outra, também ouvia a voz de meu pai, que rolava a cadeira de rodas até a cozinha e gritava para mim, perguntando se eu estava bem e se estava precisando de alguma coisa. A resposta era sempre negativa; o que eu queria, que era mover aquela cadeira um pouco mais para longe, ele não podia me dar. Digo porque, se pudesse, eu mesma o faria, mas achei melhor não cogitar essa ideia para não acabar esquecendo de colocá-la de volta depois e atrapalhar ainda mais a vida dele, que já tinha problemas demais sem a minha ajuda. Era uma cadeira bem pesada, devo dizer.

Contudo, a festa não demorou muito a terminar porque, enfim, se tratava de uma festa infantil. Com o tempo, poucos carros sobraram na calçada em frente a casa. Um deles, inclusive, era o meu, que estava visivelmente precisando de um banho por conta da poeira acumulada. Karen sair pela porta de entrada a todo momento, sempre acompanhada por nossa mãe, despedindo-se das visitas uma a uma e voltando logo em seguida para dentro. O vestidinho preto de bolas brancas que eu lhe comprara chacoalhava para cima e para baixo a cada movimento, fazendo-a parecer um coelhinho de um metro e trinta pulando pelo quintal em direção à porta.

Quando percebi que a casa esvaziou, decidi que o melhor a fazer era entrar novamente, já que o vento começava a soprar frio por conta da noite que se aproximava. O vestido de seda que eu usava não seria o suficiente para me manter aquecida se continuasse sentada ali, do lado de fora. Me direcionei à porta dos fundos, porque estava mais perto e me economizaria de dar outra volta na casa pra alcançar a porta da frente, e dessa forma tive de passar primeiramente pela cozinha onde minha mãe conversava com alguns parentes. Andei em silêncio por ter decidido não atrapalhá-la nisso, apesar de saber que, inevitavelmente, eu seria constrangida a responder comentários como “Kasey, como você cresceu!” e variantes que todo parente que te viu quando criança repete quando te vê depois de adulto — não importando a quantidade de vezes que ele faça isso vir à tona.

Seguindo para a sala, encontrei novamente minhas irmãs, mas dessa vez estavam acompanhadas de quatro de nossos primos, filhos daquelas pessoas que estavam no outro cômodo: a primeira delas era bem novinha, de uns 3 ou 4 anos no máximo, e chamava-se Marissa. Tinha cabelos loirinhos e curtos e sentava-se quietinha no sofá assistindo à TV, com certeza a mais silenciosa de todos eles. Dois deles eram um casal de gêmeos chamados Anthony e Lucy, idênticos e, portanto, de uma mesma idade que eu não tinha muita ideia de qual era. Sentavam-se no chão montando casinhas de Lego, disputando as peças como todo irmão faz quando é pequeno. Por último tínhamos Mike, apelido tido por consenso por toda a família. Um menino da mesma idade de Karen e que era o mais arteiro de todos, sempre quebrando vasos e luminárias pela casa. Apesar da fama, entretanto, ele estava quieto dessa vez, sentado com a cabeça apoiada no braço em um dos cantos do sofá, com certeza bem incomodado com o desenho que passava na televisão, talvez cansado demais para sair quebrando coisas por aí.

Eu andei até a frente do sofá na ponta dos pés, porque queria pegar Karen de surpresa e abraçá-la por trás. E eu teria de ser rápida, pois Kyrian estava logo à frente dela e certamente deletaria minha aproximação. Da melhor maneira que pude, acelerei o passo até ela, que já começava a se virar quando foi alcançada. O movimento que fez jogou seu cabelo contra meu rosto, inundando meu nariz com o agradável cheiro de seu shampoo de maçã mas ao mesmo tempo fazendo eu querer me afastar dela pela coceira.

— Que saudades que eu tava de te abraçar! — disse, enquanto ela gargalhava. — Você não me deu um beijo hoje o dia inteiro, sabia?

Libertando-se do abraço, ela virou-se pro meu rosto e apertou seus lábios contra minha bochecha, segurando o lado oposto para poder fazer mais força. Quando soltou, fez um som engraçado no fim.

Eu sentei ao lado delas, apoiando as costas na parte debaixo do sofá entre as pernas de Kate. O que não durou muito, infelizmente, pois um estridente si bemol dos bem agudos ressoou por todos os cômodos da casa até alcançar a sala. Kate levantou-se irritada e apressada, quase acertando meu rosto com o movimento de suas pernas, gritando um “fiquem longe do meu piano!!!” bem alto para o andar de cima. Era fácil deduzir: nossas primas mais velhas tinham entrado no quarto de cima sem serem convidadas e estavam mexendo no que não deviam.

Karen e Kyrie olharam para mim com expressões de dúvida, mas tudo que fiz foi dar de ombros, rindo.

De qualquer maneira, eu ainda estava recostada sobre o sofá e não sairia dali por enquanto, então resolvi puxar assunto com as outras irmãs. Uma vez que não seria legal com Kyrian perguntar sobre seus livros em um ambiente onde mais gente poderia ouvir sobre eles, resolvi perguntar para Karen como estavam indo as aulas de balé e se Kate estava sendo uma boa professor de piano pra ela.

— Kate é chata, não sabe ensinar nada… — enfadou-se. Eu já esperava por isso, na verdade. Todos sabem que Kate é a menos paciente entre nós 4. — Mas as aulas de balé são boas de verdade. Eu conversei com nossa mãe sobre fazer aulas de um outro tipo de dança chamado street dance, mas não acho que ela vá querer que eu faça. Ainda mais com as notas que ela viu na última reunião de pais e mestres da escola…

Assim como Kateryn nunca fora a filha mais paciente, Karen também não mostrava ser a mais aplicada. Eu nunca fui de gostar muito dos estudos, eu admito, mas costumava ir minimamente bem nas matérias para passar, e com Kate e Kyrie a história era a mesma. Nossa irmã mais nova parecia ser a única a ter problemas mais sérios com notas, e o desânimo no fim de suas palavras me fez entender suas reais intenções.

— Tudo bem, Karen. — falei, suspirando. — Prometo que vou conversar com ela sobre isso, mas você terá de me prometer que vai se esforçar na escola. Não posso pôr minha mão no fogo por você sem que mamãe veja que está tendo algo em retorno.

Ela não pareceu tão feliz com a ideia quanto eu achei que ficaria. Parecia que dava mais importância à tentar tirar a pressão das notas de si do que à fazer algo que gosta, mas não havia outro jeito. A única circunstância seria essa, era isso que nossa mãe queria que acontecesse.

De súbito, todas as vozes na sala se silenciaram para ouvir a voz de Kate, que começava a aumentar novamente conforme ela descia as escadas. Dava para notar que ela estava enfurecida, pois era nítido o som de seus pés acertando a madeira dos degraus, descendo rapidamente.

O problema é que o som cessou, bem como a voz. Foram apenas alguns quartos de segundo que alarmaram meu subconsciente e eu levantei-me do sofá, assustada. O silêncio foi seguido de um baque muito alto vindo do corredor, seguido de um grito nitidamente disparado do alto da escada.

Eu não tive outra reação, apenas corri. Corri como nunca na vida, e mesmo assim foi o caminho mais longo que já percorri naquela casa durante a minha vida inteira. Quando finalmente alcancei a origem do som, Kate estava lá, caída no chão ao pé da escada, com o corpo semi-apoiado na parede, uma marca vermelha de sangue que começava a aparecer em sua testa… e desacordada.


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