Assassin's Creed: Elementary escrita por BadWolf


Capítulo 20
Conhecimento É Poder


Notas iniciais do capítulo

Capítulo grande, porém necessário. Muita coisa ficará esclarecida nele.
Espero que gostem!
Boa leitura!



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            Chá, torrada e biscoitos com geléia de framboesa. Evie comia avidamente aquele café da manhã. Estava com muita fome, em especial depois de toda a agitação da noite passada. Havia terminado de finalizar uma carta a Duleep Sigh, mas imaginava que o Marajá, assim como toda Londres, havia amanhecido com a notícia do assassinato de Charles Augustus Milverton a estampar todos os jornais. Assim como Sigh, muitas pessoas em Londres agora poderiam dormir aliviadas, pois o ciclo de chantagens daquele desgraçado havia terminado. Ninguém seria mais extorquido por seus segredos.

            -Vejo que adorou a geleia, Miss Frye! – alegrou-se Agnes, enquanto recolhia os talheres e pratos da mesa.

            -Estava deliciosa.

            -Foi o Mr. Green quem a comprou. Uma pena que ele tenha saído tão cedo, a ponto de ter dispensado o café da manhã.

            -Ele comentou onde esteve? – perguntou Evie, curiosa.

            -Não, Miss Frye. Mas ele estava carregando alguns livros. Talvez tenha ido à Biblioteca devolvê-los, penso eu.

            -Tem razão. – disse Evie. Enquanto limpava seus lábios com um guardanapo, a Assassina ouviu risadas. Homem e mulher. Risadas que ela conhecia muito bem...

            -E eu disse a ele “é melhor você correr, moleque!”

            -Que maldoso, Jacob!

            Evie piscou nervosamente. Era isso mesmo que ela estava vendo diante de seus olhos? Violet e Jacob, tão próximos assim, agora conversando e rindo... Juntos?! A qualquer um que observasse a cena, poderia dizer que eles eram grandes amigos. Ou talvez até mais íntimos que isso...

            Jacob Frye ainda trazia um sorriso jovial no rosto. Cheirava a cerveja e os olhos estavam levemente escurecidos, sinal de que passara a noite em claro. E a julgar pela semelhança com Violet, estava em companhia dela. Evie não pôde deixar de se perguntar o que ela havia perdido. Estava passando tanto tempo afastada assim na companhia de Holmes, a ponto de não ter percebido que a implicância entre Violet e Jacob havia se convertido em camaradagem?

            Talvez Henry estivesse certo, pensou.

            -Tomando café sozinha, Evie?

            -Agora não mais, querido irmão. Se soubesse que o encontraria por aqui, teria que deixar um pouco de biscoito para vocês. Aliás Jacob, nós precisamos conversar...

            -Mais tarde, Evie. Mais tarde. Adeus, Violet.

            Um beijo na bochecha! Evie jamais vira seu irmão sendo tão carinhoso assim com uma mulher que não estivesse sendo paga para receber seus carinhos! O que estava acontecendo ali? Ficara tão estarrecida com o que vira que sequer conseguiu impedir Jacob de sair do trem. Teria de deixar a conversa sobre a Peça do Éden para outro momento.

            Caberia, então, a uma ruborizada Violet a lhe dizer.

            -Eu não posso acreditar, Violet. De verdade. Com tantas pessoas em Londres, você e meu irmão...

            -Não aconteceu nada entre nós dois, Evie. Nós apenas saímos para nos divertir um pouco, só isso. Jacob me levou até a sede dos Rooks em Devil’s Acre, fomos a um pub e a um clube de luta... Senti-me mais como um colega de copo do que uma dama a ser cortejada, se é o que deseja saber.

            Evie não pôde deixar de rir. Jacob nunca foi lá o mais romântico dos homens.

            -Isso é bem típico do meu irmão, tratar o que desconhece da forma como pensa que conhece. Nunca teve namorada ou algo do tipo, por isso é tão desajeitado com as mulheres.

            -Ou talvez ele só queira ser meu amigo.

            -Duvido muito. – comentou Evie, tentando evitar dizer a Violet sobre o olhar predador que vira em Jacob desde o momento em que pôs os olhos nela. Pigarreou para mudar de assunto.

            -Você sabe para onde Henry foi?

            -Não sei. Ele ainda estava aqui quando partiu. Agora, se me dá licença, vou descansar um pouco. Não estou acostumada a passar a noite em claro como Jacob.

            -Ele é um farrista incorrigível, diferente de você. Bom descanso.

            Violet Fitzgerald fechou a porta do compartimento, deixando Evie sozinha, ainda sentada à mesa onde minutos atrás estava seu café da manhã. A Assassina estava decidida a tentar coletar informações sobre o misterioso professor Moriarty na universidade onde lecionava quando acabou por ser impedida por passos apressados no vagão.

            -Miss Frye!

            Era Clara O’Dea, surpreendeu-se a Assassina. Com seus olhos verdes arregalados, Evie se esperançou. Sentia que ela era portadora de boas notícias.

            -Mr. Holmes pediu para entregar essa carta.

            Lendo rapidamente o conteúdo, Evie sorriu. Acharam o esconderijo de Sebastian Moran, onde possivelmente o arqueólogo Salvatti estava sendo mantido em cativeiro. Agora que sabia da existência da Peça do Éden a circular por Londres, Evie não conseguia deixar de sentir que o italiano estava de alguma forma envolvido com ela. Só esperava que os associados de Sebastian Moran já não tivessem desaparecido com ele.

            -A propósito... – começou Evie. – Fiquei surpresa em saber que você também é uma associada de Mr. Holmes. Surpresa e decepcionada. Pensei que trabalhasse apenas para os Rooks.

            -Não entenda mal, eu realmente gosto de você e seu irmão, mas conheço Mr. Holmes há mais tempo que vocês. Devo muito a ele.

            Evie sabia que não poderia julgá-la. Clara O’Dea, assim como seus demais associados, não eram envolvidos com os Assassinos e tinham seus próprios interesses, sendo os Rooks nada mais que um meio para se atingir a um fim. Ainda assim, havia na menina órfã um lampejo de lealdade com as pessoas que ela se importava. Talvez, um dia, poderia se tornar uma Assassina. Era inteligente e habilidosa o bastante para isso.

            -Pois muito bem, Clara. Para Whitechapel.

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A porta foi abaixo após o terceiro chute do policial. Era a última porta daquele corredor, por sinal o também o último corredor do edifício. Edifício este que, na verdade, consistia em um cortiço no coração de Whitechapel. Não foi difícil achar relatos de moradores que foram subitamente despejados dali. Alguns deles ainda moravam nos arredores do prédio desocupado, incapazes de encontrar outro lugar razoável para viver e ainda agarrados àquela rotina de sua moradia. De acordo com a documentação do local, o edifício havia sido recentemente comprado por Sebastian Moran, por uma quantia incompatível até mesmo para seu soldo de coronel. Vizinhos relataram sons de picareta à noite toda desde que o prédio foi esvaziado, mas ouviam sempre a mesma desculpa dos homens mal-encarados que entravam e saíam da casa. Estavam arrumando o encanamento. Pareciam estar ocupados com uma obra grande, mas ela não era encontrada em nenhum canto da casa. Entretanto, não escutaram mais qualquer barulho nos últimos dois dias. Chegaram a pensar que a obra havia sido concluída, mas a chegada da polícia os fez concluir outra coisa.

—Nenhum sinal, chefe. – respondeu um dos guardas. Abberline bufou, cansado.

—Este era o cômodo vazio que restava, Miss Frye. Temo que já limparam o prédio.

—Mas os vizinhos disseram que ninguém aparece aqui há dias.

—Ninguém vigia essa casa o tempo todo, Miss Frye. Podem ter deixado algo passar despercebido. Só gostaria que Holmes estivesse aqui, para ver o erro grotesco de força policial empregada inutilmente por aqui. Tudo bem, o valor comprado por esse prédio de três andares era exorbitante demais para um militar como Moran, mas quem não garante que ele ganhou dinheiro ilegalmente na Índia e que a compra desse prédio foi só mais uma compra para investimento?

—Reparei que havia muita terra nos cômodos. – comentou Evie, enquanto descia as escadas como Abberline e os outros policiais. – muita terra e nenhuma obra. Há algo que estamos deixando escapar despercebido... Espere! Parem!

Ao comando inesperado de Evie, todos os policiais pararam de se movimentar.

—O que foi, Miss Frye?

—Vejo marcas de mãos naquele canto...

—Marcas de mãos? Mas ora, eu não vejo absolutamente nada ali e... Por Júpiter!

A Assassina arrastou seus dedos sobre o assoalho, deixando nítido que havia ali a existência de um alçapão. Algo que teria passado despercebido por todos da força policial, se não fosse a Visão de Águia dela.

—Bruce, arranje um pé-de-cabra para Miss Frye!

O policial procurou por alguns minutos, até encontrar um que estava caído sobre o chão. Com a ajuda de outro policial, forçou o alçapão até abri-lo, revelando um túnel.

—Parece ser bastante profundo.

—Só há um jeito de descobrir. – disse Frye, descendo a escada de madeira apoiada sobre uma das bordas. Estava na mais completa escuridão. Ouvia som de goteiras. Ao chegar no chão, esbarrou em algo metálico. Percebeu ser um lampião.

Ao acende-lo, Evie horrorizou-se. Havia ali um buraco enorme, que só levava a uma dura rocha, e nada mais. Mas recostada àquela dura rocha, estava um homem, sentado à cadeira, com as mãos amarradas para trás. Sua cabeça estava caída sobre o peito. Evie correu em sua direção. Tocou em seu pescoço, para sentir seu pulso. Pulsava, mas fraco. Não sabia há quanto tempo estava ali, mas sabia que precisava retirá-lo dali imediatamente, pois era complicado respirar naquele ambiente sufocante.

Percebeu, entretanto, que não conseguia subir as escadas carregando o sujeito. Pediu a Abberline uma corda e o içou. Estava ainda inconsciente quando saiu daquele buraco, onde era mantido refém. Evie tentou reanima-lo. Recebeu um pouco de brandy das mãos de Abberline, e com a bebida quente, molhou os lábios do sujeito. Só assim ele acordou, com um suspiro ofegante de quem havia despertado do Mundo dos Mortos.

Dio Santo!

As palavras em italiano do prisioneiro não deixaram dúvidas à Evie.

—Está tudo bem agora, Mr. Salvatti. O senhor está a salvo.

—Beba mais um pouco, senhor. Essa bebida irá te reanimar os ânimos.

Ainda ofegante, o homem bebeu mais da bebida. Parecia estar com muita sede. Sua face, ainda que suja de terra e poeira, começava a passar de um tom pálido e cadavérico para ruborizado, graças ao brandy.

—Como sabe o meu nome, signorina?

—Não se assuste, Mr. Salvatti. Estou com a polícia. Sabemos que o senhor foi sequestrado quando embarcava em Londres por um grupo de franceses...

—Evie... – pediu Abberline, apreensivo. – Esse homem está muito debilitado e não parece estar em condições de responder às suas perguntas agora. Talvez seja melhor que...

Nessun problema, signore. Eu já estou melhor, e na verdade, tenho mais desejo de ver os bastardi que fizeram isso comigo do que até mesmo comer! E além disso, não há como negar qualquer cosa a uma ragazza tão bellissima...

Evie pigarreou. Conhecendo a história de Ezio Auditore, sempre viu os italianos como homens galanteadores e mulherengos, e Salvatti parecia não fugir à regra. Por que eles eram assim o tempo todo?

—Como o senhor não se importa com minhas perguntas, Mr. Salvatti, poderia me contar desde o início tudo que aconteceu desde o seu sequestro?

Si, si. Estava em um navio para Londres. Tinha uma exposição para atender aqui. Estava sozinho e acabei conhecendo uma bela ragazza no convés. Chamava-se Josephine. Francesa e extremamente bonita, ainda que séria. Mas para minha surpresa, bastante interessada em Arqueologia. Eu, quão stupido que sou, resolvi usar meu trabalho como arma para conquista-la. Vejam bem, não é a primeira vez que uso minhas descobertas como arqueólogo para levar uma mulher para a cama...

—Mr. Salvatti, por favor...

—Eu não me importo, Abberline. Deixe que ele continue. – pediu Evie ao policial, claramente incomodado com a franqueza do arqueólogo.

—Eu decidi usar minha cartada final. Contei a quella ragazza de uma descoberta minha, recente. Um estudo que tinha em andamento, a respeito de uma expedição romana perdida. Esse estudo era patrocinado por um anônimo que pediu segredo, mas eu não resisti aos encantos de Josephine e contei tudo para ela. Achava que não haveria o menor problema, afinal ela não era do ramo da Arqueologia, apenas uma amadora entusiasta. Meu patrocinador jamais imaginaria que eu contei a ela, pensei. Pois mostrei a ela meus escritos e meus desenhos, e ela pareceu contentissima. Naquela noite, ela apareceu em meu quarto e...

—Mr. Salvatti, sem mais detalhes...

—Bem que eu queria ter uma história indecente para contar, signore policial. Bem que eu queria! Mas a estupidez que eu fiz não serviu nem mesmo para arrancar um bacio que fosse daquela francesinha. Estava dormindo quando fui acordado por vários homens, franceses como minha Josephine, e me perguntavam naquela língua enrolada deles se eu era um assassino!

—Primeiro Miss Frye, agora o senhor... Outra vez alguém sendo chamado aleatoriamente de assassino? – perguntou-se Abberline, abismado.

—Falei para eles que não, que nunca havia matado ninguém na minha vida, mas acabaram por não acreditar no que disse e me espancaram como um bastardo. Só passaram a desconfiar de que eu estava dizendo a verdade depois de revistar as minhas coisas. Josephine, para meu grande asco, mostrou a eles os meus estudos. Os mesmos que eu havia mostrado a ela. Ficaram tão maravilhados como ela e começaram a me perguntar sobre a expedição romana perdida. E eu contei a eles tudo o que sabia.

—E o que você sabia? – perguntou Evie.

—Que essa expedição romana foi enviada à Britânia para procurar por um poço sagrado dos druidas. Eles chamavam de a Fonte do Esquecimento! Eu consegui encontrar uma entrada para essa Fonte, mas para minha surpresa, estava lacrada! Não esperava por isso, não mesmo! Muito menos que alguém havia descoberto antes de mim, pois encontrei no meio dos escombros uma moeda do século XVIII.

—Edward Kenway! – exclamou Evie, maravilhada.

—Quem?

—Ninguém importante. Pode continuar. – pediu a Assassina, ainda assombrada. Sem dúvida, foi o Assassino pirata quem encontrara a Fonte e também a lacrara, tal como estava em seus escritos. Do outro lado de todas aquelas pedras, estava também sua lendária Armadura Maia! Evie mal poderia acreditar nisso!

—De todo modo, meu patrocinador não pareceu muito contente com isso. Disse que iria encontrar uma maneira de desobstruir o túnel, mas não imagino como conseguirá fazer isso sem que esse túnel desaba sobre sua cabeça. Como disse, é um túnel do século passado e muito frágil para mais escavações.

—E porque ele te deixou aqui embaixo?

—Ele disse que era o melhor a se fazer, pois temia que eu fosse sequestrado novamente. Dizia que muitas pessoas estavam querendo o mesmo que ele, o que me tornava um alvo fácil. “Você será recompensado por todo esse transtorno, acredite em mim”. E eu acreditei nisso por um bom tempo, pois todo dia um homem descia e me entregava comida e bebida. Mas já tem umas boas horas que ele não aparece.

—Na verdade, dois dias. O homem que te alimentava está preso agora. Ele se chama Sebastian Moran.

—Ele nunca se apresentou, pois dizia que era melhor que fosse assim, sem nomes. Foi ele quem me resgatou dos franceses, por isso achava que ele fosse um amigo, apesar do jeito muito intimidade dele. Tudo que eu queria era que tudo acabasse logo e eu voltasse para mia casa.

—E esse seu patrocinador misterioso, você chegou a vê-lo?

—Não, nunca. Mas o dinheiro sempre aparecia na minha conta, como ele prometia. Ele sempre fez questão de se ocultar. Eu sempre estava de costas para ele quando ele aparecia por aqui. Tudo que conseguia era ouvir sua voz e ver sua sombra. Sua enorme sombra, por sinal.

Evie arregalou seus olhos verdes. Certamente era o professor Mortiarty, o mesmo que matara Charles Augustus Milverton e agora estava com uma Peça do Éden em mãos.

—Diga-me, Salvatti. Essa tal entrada para a “Fonte”... Mesmo obstruída com todas essas pedras, havia algum tipo de “porta” que precisasse de uma Chave?

O italiano parecia genuinamente surpreso.

Si, signorina. Ficava em possessão dos druidas, que separavam essa chave em duas partes e as escondiam em aldeias diferentes. Assim, quando os romanos atacassem uma aldeia para recuperar uma chave, a outra era escondida em outro lugar. Mas essa legião romana conseguiu a façanha de atacar as duas aldeias simultaneamente e recuperar os dois fragmentos de chave. Expliquei isso ao meu patrocinador, que nada adiantaria encontrar a entrada da Fonte porque ela estava trancada com essa chave. Mas ele disse que esse era um pormenor que ele resolveria sozinho.

—Você se recorda do que ele disse da última vez em que vocês se encontraram?

Si, foi no dia que chegamos à entrada. Ele estava furioso ao perceber que a entrada estava lacrada por tantas pedras, mas sabia uma forma de contornar isso. Isso já tem um tempo, mas eu não sei precisar quanto, pois lá embaixo eu era incapaz de ver a luz do dia. Mais alguma pergunta?

—Por hora, não. E quanto a você, Miss Frye? – perguntou Abberline.

—Também não, inspetor. Quanto ao senhor, Mr. Salvatti, suas palavras foram bastante elucidativas. Espero que o senhor possa concluir o seu trabalho em condições mais favoráveis do que essa, além de conseguir justiça por tamanhos transtornos.

Si, é o que desejo. – disse o homem, levantando-se. Claramente estava fraco e debilitado pelos dias passados naquela escuridão, sem bebida ou água. Foi conduzido até uma diligência, onde prestaria o depoimento na delegacia e certamente faria o reconhecimento do Coronel Moran. Sem dúvida o sequestro do italiano renderia em mais uns bons anos na pena do militar.

Com os policiais da Scotland Yard fora dali, Evie decidiu observar o cativeiro de Salvatti mais atentamente. Tinha esperança de encontrar mais alguma pista. Desceu as escadas de madeira e percorreu pelo lugar à procura de mais evidências. Pisou em algo, percebeu. Uma caixa, repleta de papéis. Aproximando o lampião, percebeu que havia ali mapas de Londres, instrumentos arqueológicos e rabiscos. Nada de muito interessante, à exceção de um pequeno caderno, provavelmente de Mr. Salvatti. Talvez as anotações do arqueólogo pudessem elucida-la, mostrar uma direção para qual a Assassina pudesse ir e explorar. Mas logo ao folheá-lo, surpreendeu-se ao perceber que esse caderno era antigo demais para pertencer ao arqueólogo. Suas folhas eram amareladas e o próprio caderno já estava fragilizado pela ação do tempo, ao ponto de literalmente se desmanchar quando a Assassina o abriu sem cuidado.

Isso parece ter pelo menos uns cem anos, constatou Evie. Se não quisesse destruí-lo, precisava manuseá-lo com calma. Soprou forte sobre sua capa, e percebeu um nome bordado.

Alexander North.

Mas as páginas estavam em branco. Todas elas. A Assassina as abriu diante do lampião. Percebeu, então, algo no relevo. Perpassou o seu dedo pela superfície da folha.

Não. Não estavam em branco. Focou sua Visão de Águia, e lentamente, as palavras começaram a aparecer. Apenas um Assassino muito habilidoso poderia ter feito isso, concluiu enquanto lia aquelas poucas páginas escritas.

Meu nome é Alexander North. À esta altura, a Humanidade desconhece quem eu sou. Já fui um pesquisador renomado, mas agora, nada mais sou do que uma página em branco na História. Em minha própria história. Eu não gostaria de ter me tornado guardião desta Chave Precursora, pois agora tudo que remete à Primeira Civilização me traz dor. Mas os Assassinos e Templários não podem chegar a Fonte do Esquecimento. Ninguém tem direito a usar tamanho poder. Tive de cortar na minha própria carne para saber. Cometi a ousadia de beber da Fonte, tomado por meu ímpeto de saber mais da Primeira Civilização. E agora, precisei abandonar a minha vida.

            Kenway é o único que se recorda de mim. Eu estava com ele e o observei deixar na Fonte sua estimada Armadura Maia. Ele me alertou para que eu não bebesse daquelas águas, mas minha curiosidade foi maior. Na verdade, ele não me impediu porque sabia de todas as minhas perdas. Sabia da dor de ter perdido minha esposa e filhos para a cólera. Sabia que eu não suportava mais essa vida, que buscava refúgio no meu trabalho e era covarde demais para o suicídio. Por isso, não me deteve de beber da Fonte. Sabia que eu precisava disso. Esquecer. Talvez ele também desejasse esquecer algo, pois o tempo todo ele parecia reconhecer a minha dor em si mesmo, embora eu jamais tenha perguntado muito sobre sua própria vida antes da Irmandade.

            Foi Kenway quem me ajudou a criar uma nova identidade, quando percebeu que o efeito de beber daquelas águas não saiu como planejávamos, e ao invés de minhas memórias se apagarem, eu fui literalmente varrido da História. Que eu simplesmente deixei de existir. Que todo meu trabalho de arqueólogo se converteu em pó. Nem mesmo a Irmandade sabia quem eu era agora, com exceção de Kenway, que estranhamente foi o único não afetado pelo meu ato. Nada mais havia restado senão aquilo que mais desejava apagar: minhas memórias de dor e culpa. Penalizado por minha situação, ele me deu dinheiro o suficiente para recomeçar minha vida e me ajudou com um emprego em uma de suas companhias. Foi ele quem também escolheu meu nome: Alexander Milverton. E é assim que devo permanecer. Incógnito. E com essa Chave Precursora em minha proteção, até o findar de meus dias.

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—Eu nunca ouvi falar desse tal Alexander North. – concluiu Evie, fechando o pequeno diário que encontrou em meio aos papéis de Salvatti.

Henry a escutava com atenção. Diferentemente das demais ocasiões, o casal estava mais avesso às brigas, talvez pelo teor das descobertas recentes, perturbadoras demais para fazê-los se recordar de desavenças medíocres pertos de acontecimentos de tamanha complexidade.

—Pela explicação dele, a Fonte do Esquecimento é a razão para não o conhecermos.

—Também nunca ouvi falar dessa Fonte do Esquecimento em termos sobre os Precursores. Até onde eu sei, não passa de uma lenda antiga.

—Sim. – concordou Henry, retirando um livro repleto de marcações. – Tudo que sei da Fonte do Esquecimento possui um cunho mitológico. Grego, para ser mais específico. Na Mitologia Grega, há um rio no Hades, o que conhecemos como “mundo dos mortos”, chamado Lates. Quem bebesse de suas águas, ou até mesmo tocasse nelas, provava o completo esquecimento.

—O esquecimento... – analisava Evie. – Mas que eu saiba, as pessoas esqueciam suas vidas, Henry. E com esse homem o oposto aconteceu. Ele não se esqueceu de coisa alguma. As pessoas ao seu redor, estas sim, se esqueceram dele. Mesmo a Irmandade.

—É uma possibilidade que explica o porquê de alguns escritos da Irmandade daquela época estarem com lacunas em branco. – recordou-se Henry.

—Céus... – exclamou Evie. – Se isso for verdade... Então, esse Assassino foi literalmente varrido da História! Por isso, nada sabemos nele, além das informações contidas nesse diário e escritas por ele mesmo. Droga!

Recostado à parede, Henry observava o semblante consternado de Evie. Por mais que a Assassina tivesse lhe dado sérios motivos para enfurece-lo, o Assassino se sentia incapaz de nutrir qualquer sentimento ruim por ela. Estava agora tão enredado pelo teor das descobertas quanto ela.

—North mudou seu sobrenome para Milverton. Talvez tenha sido um antepassado daquele chantagista.

—Sim, é o que penso. Isso explica por que aquele desprezível do Milverton tinha em sua possessão um Artefato do Éden. Deveria estar em sua família por gerações. Pobre Alexander. Decerto jamais imaginou que um dos seus cometeria tamanho desatino. Vender uma relíquia de família... Quão baixo pode ir o ser humano...

—Bom, ao menos nós sabemos onde está a entrada da Fonte, e ela está lacrada. Agora, tudo que precisamos fazer é garantir que ela permaneça assim. E para isso, precisamos deter esse tal patrocinador de Salvatti. Tenho quase certeza de que se trata do professor Moriarty. – concluiu Evie.

—O mesmo que matou Milverton?

—Sim, ele mesmo. Ele chamava o artefato de Chave. E Salvatti mencionou a altura dele. De fato, preciso concordar que ele era muito alto. Deveria ter quase dois metros de altura. São muitas coincidências, Henry. Muitas. Não dá para ignorá-las.

Levantando-se de sua cadeira, a Assassina pôs-se a andar de um lado a outro.

—Saber que ele se chama James Moriarty e leciona na Universidade de Londres é um ótimo começo, mas hoje é domingo e a Universidade ainda não abriu as portas. Poderá facilmente obter informações dele fazendo perguntas por lá.

—Sim, é o que penso. Mas isso me deixa de mãos atadas até amanhã.

            Henry riu. – Então, sugiro que vá descansar. Um cochilo de algumas horas. O que acha?

            Evie sorriu. Henry era muito atencioso, sempre preocupado com ela. Nem mais se recordava de que há poucas horas estavam discutindo. No fim, tudo acabava bem entre eles, talvez porque amassem e se importassem as mesmas coisas. E talvez ele estivesse certo. Ela estava muito distante da Irmandade. Precisava se afastar de Holmes. Com o fim do caso de Milverton, não mais precisava recorrer ao detetive, embora precisasse admitir que a ajuda dele foi fundamental para resgatar Salvatti com vida. Mais um dia naquele buraco e o pobre italiano não teria resistido, ela sabia.

            -Contanto que me faça companhia.  

            ЛЛЛЛЛ

            Violet assistia mais uma vez à sua caneca ser preenchida por cerveja. Era sua terceira rodada. Jacob, um verdadeiro veterano de copo, já deveria estar em sua quinta ou sexta caneca de cerveja escura. A Assassina teria mais certeza se estivesse contando, coisa que o álcool em seu sangue parecia não permitir. Sentia tudo ao seu redor flutuar e dançar. Dentro de si, um alerta de que ela já estava em seu limite. Queria agora rir de tudo e de todos, mesmo que sem motivo. Por isso, Violet limitou-se a agora não mais do que bebericar de sua cerveja, prometendo a si mesma que aquela caneca ainda meio cheia seria sua última dose da noite.

             O balconista finalmente colocou diante dos dois um prato de bife malpassado com cebola frita. A carne, sangrenta de tão crua, era a preferida de Jacob, enquanto Violet havia confessado sua opção pelo vegetarianismo, algo que fez o Assassino rir e quase se engasgar com cerveja. Apesar das diferenças aparentes entre ambos, a noite estava ocorrendo muito bem e o “King’s Head” tinha se mostrado um lugar divertido. Um violinista tocava e rimava poesias sobre os últimos acontecimentos de Londres, de toda a natureza possível, fazendo inclusive algumas brincadeiras com os fregueses mais descontraídos em forma de poesia cantada junto ao seu violino. O ringue, entretanto, estava vazio. A luta só aconteceria à partir da meia-noite, como Jacob havia comentado.

            Enquanto bebiam, alheios à cantoria do violinista, os dois conversavam. Jacob parecia curioso sobre a América, enchendo Violet de perguntas. Perguntou sobre o clima, as mulheres, os hábitos e costumes, e Violet o encheu de informações. Algumas bastante engraçadas, o que fez os dois rirem, alheios às coisas que lhes acontecia ao redor, como os gritos de dor dos boxeadores e os palavrões dos apostadores.

            -Então, como vocês, americanos, chamam os pubs lá?

            -Bar. – explicou Violet. – Mas no fim das contas, só a forma de chamar é diferente. Do pouco que vi dos bares... Digo, pubs ingleses, estou achando bastante parecido. A comida, a bebida, as apostas, as músicas... Até mesmo as lutas.

            A Assassina voltou sua atenção ao ringue, onde um homem ensanguentado era sumariamente derrotado por outro quase que o dobro do seu tamanho, até receber a intervenção do juiz. A visão do boxeador derrotado coberto de sangue subitamente a embrulhou o estômago, algo que não passou despercebido por Jacob.

            -Bem, parece que ao menos as lutas não são lá tão parecidas assim... Mas me diga, em qual cidade da América você nasceu?

            -New Jersey. É bem perto de New York. Não se sei já ouviu falar.

            -Geografia nunca foi bem o meu forte.

            -Realmente? E o que seria o seu “forte”, Jacob?

            A resposta foi escutada por Violet por meio de um sussurro em seu ouvido.

            -Eu tenho minhas dúvidas quanto a isso, Jacob Frye.

            O Assassino sorriu, maliciosamente.

            -Quer que eu prove?

            Dedilhando seus dedos sobre a caneca, a Assassina sorriu, permitindo que os lábios do Frye recostassem aos seus. Neste exato momento, o juiz declarou vitória ao grandalhão e aplausos extasiados dos apostadores preencheram o pub. Não que os Assassinos se importassem com o resultado da luta, ou de qualquer outra que porventura fosse acontecer ainda naquela noite. Encerraram a conta rapidamente, pois claramente aquele pub estava pequeno demais para seus planos.


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Notas finais do capítulo

Parece que os irmãos Frye passarão essa noite bem acompanhados... #HojeTem

Até o próximo capítulo!



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