Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 82
Capítulo 81 - Uma gota de alivio no meu mar de mágoas.




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Natasha desligou o telefone e olhou para os amigos, estava mordendo os lábios:

—Com quem você estava falando? – Perguntou Flavius – Está com uma cara de piranhagem.

—Ahahahaha, cara de piranhagem?

—Sim, é o mesmo boy com quem você saiu para jantar aquele dia?

—Sim – respondeu a garota.

—É o Artur, não é? – disse Michel entrando na sala. – Pode falar, ninguém vai julgar você.

—É.... é sim. Sei lá, ler o diário me fez lembrar dele, deu saudade. O sexo é bom. Sei lá.

—Tá certa, aproveita. Ele era um cara legal. Ele pisou na bola, mas já faz muito tempo. As coisas mudam.

—Não é como se a gente tivesse voltando. Mas, sei lá, tá sendo bom.

—Então aproveita enquanto tá assim. – disse Flavius beijando sua bochecha – A gente merece um pouco de felicidade depois de tudo isso.

...

“-Pode abrir os olhos agora.

Flavius abriu os olhos e ficou olhando para a vista embasbacado:

—Meu deus, isso é lindo! – Ele disse.

—É nosso. Quer dizer, no papel é meu, mas você sabe que é nosso.

— O que? Fip, isso deve ter custado uma fortuna!

—Custou. – Eu disse – Mas olha essa vista, Flavius. Eu odeio a vista daquele apartamento, essa cobertura tem uma vista incrível!

E, de fato, tinha. A sala era imensa, assim como a sacada. As paredes eram de vidro o que dava uma vista fenomenal da cidade:

—Você precisa ver o resto.

—Espera, calma. Fip, isso é sério? Você comprou esse apartamento?

—Sim. Depois que a Natasha se mudou eu não vi muito propósito em continuar naquele apartamento.

—Mas... mas você também tinha comprado aquele outro.

—Sim, Michel vai ficar morando lá. Esse apartamento aqui é para nós dois.

—Fip, você não pode ter tanto dinheiro assim!

—Eu meio que tenho. Ainda mais depois que meu pai morreu. Eu tinha mais herança pra receber.

Muita coisa tinha acontecido nos últimos 5 meses. Natasha tinha se mudado, Michel passou no teste para o conservatório de teatro, meu pai tinha falecido, aparentemente ele já sabia que estava doente quando tentou se reaproximar de mim, não sei.  Fato é que ele estava, há um tempo, lutando contra um câncer, e perdeu. Acabou morrendo poucos meses depois daquela nossa última conversa. Foi um sentimento agridoce. Eu não posso dizer que senti muito. Mas também não posso afirmar que não me bateu nada a morte dele.
       Em verdade eu lamentei mais pelas histórias que não vivemos. O que eu senti não foi saudades, foi remorso. Foi pena... alívio. É horrível sentir isso com a morte do próprio pai. Mas ele era um homem horrível. Não cultivamos nenhum afeto em vida, não vejo porque construí-lo na morte. A parte boa é que com uma parte do que ele havia me deixado eu comprei esse apartamento. Eu e Flavius andamos numa situação tão morna, tão seca, achei que algo do tipo animaria a relação. No fundo é isso, acho justo usar o que ele me deixou para plantar afetos com pessoas que eu gosto, já que nunca pude gostar dele. No fundo é a única coisa justa a se fazer. A empresa, as ações, os imóveis, eu vendi tudo. Tudo que era importante pra ele e para o legado da família eu me desfiz. Está mesmo na hora de essa família acabar:

—Meu deus, esse lugar, é perfeito! – ele disse dando pequenos saltos de alegria.

—Sim, e depois que mobiliarmos ficará melhor ainda. Temos dois meses até eu sair em turnê. É melhor corrermos.

—Quando nos mudamos?

—O quarto, o banheiro e a cozinha já estão instalados, pensei em já passarmos essa noite aqui. Depois buscamos nossas coisas no apartamento do Michel e nos mudamos de vez.

—Apartamento do Michel. É esquisito falar assim da nossa casa.

—Essa é a nossa casa agora, amor.

—Eu adorei! – ele disse com uma empolgação que eu não via a tempos. Sorri.”

 

...

 

—Caralho, seu boy é rico assim? – disse Raique vestindo a camisa.

—Parece que é. Sério, é uma puta cobertura, cabem tipo, sei lá, três do meu apartamento antigo lá dentro. É tudo tão luxuoso, tão rico, eu nem consigo acreditar que seja real.

—Eu queria conhecer.

—O Fip vai sair em turnê por uns meses, você pode passar uns dias lá. – disse o garoto enquanto vestia as calças. – Seria bom transar fora desses motéis baratos do centro.

—Ah, mal se mudou pro apartamento chique e já está ficando exigente?

—Não é isso. – o rapaz riu – É que esses colchões são meio fedidos né?

—Olha, eu não tenho tanto dinheiro quanto seu namorado. É o que eu consigo pagar.

—Gato, relaxa, eu não estou reclamando. Mas lá tem banheira de hidromassagem.

—Você está brincando!

—É sério.

—Puta que pariu, eu quero!

—Então só espera o Fip viajar e acertamos de você ir.

—De acordo.

Se beijaram. Fazia alguns meses que Flavius e Fip haviam optado por abrir o relacionamento. Parecia mais sincero. Fip voltou a ficar com Manuel, Flavius aprofundou sua relação com Raíque. Eventualmente, ele, Fip e Manuel ficavam os três. Estavam dispostos a fazer funcionar. Flavius estava construindo uma vida própria. Tinha arrumado um trabalho numa banca de revistas, passava horas entretido arrumando as publicações a venda. Saia da escola e ia para lá. Era um trabalho de poucas horas, mas que lhe rendia um pouco dinheiro para chamar de seu. Era bom ter algo de seu para gastar sem sentir que estava vivendo as custas de Fip (por mais que estivesse), mas era um passo para, no futuro, não depender de ninguém.

—Eu preciso ir pro trabalho – ele disse num tom orgulhoso. Gostava de dizer que tinha uma ocupação.

—Eu também preciso ir. – Disse Raíque – Marquei com uma amiga no museu. Ela tá de olho num rapaz que trabalha lá.

A menção de uma amiga fez com que Flavius sentisse saudades da Natasha. É certo que ela era mais amiga do Fip que sua, mas eles haviam se aproximado bastante nos últimos meses. Conversavam muito pela internet e Natasha sempre dava dicas pro Flavius de como lidar com o gênio do Fip.

...

“Flavius chegou tarde, como era de seu costume agora que “trabalhava”. Estava, mais uma vez, com cheiro de sabonete do hotel barato onde ia para ficar com o panaquinha que ele fica. O cheiro me enoja, na verdade a situação, como um todo, me enoja. Antes, ao menos, ele fazia alguma questão de disfarçar isso tudo, mas agora, tudo acontece a céu aberto... mas por que isso me incomoda? Não era esse o propósito de abrir a relação? Permitir que tenhamos essa liberdade sem precisar mentir um para o outro? Então por que sinto esse incomodo?

É verdade que também tenho estado com Manuel, e vamos viajar juntos por uns bons meses. É hipocrisia da minha parte sentir esse nojo que sinto. Mas o fato é que sinto e sinto forte. Sinto uma pressão no estômago que me faz praticamente perder os sentidos. Sinto vontade de me desligar dele. Será que era isso que Felipe sentia? Essa vontade repentina de apagar o outro de sua mente? Tenho desejo de me lançar sobre Flavius e arrancar seus olhos. Mas também fico feliz pelo fato de ele, tão sozinho que era, estar conseguindo lidar e estar feliz com outras pessoas. Parece complexa a trama desses sentimentos:

—Que foi? – ele disse parado em frente a porta.

—Nada, querido. – respondi – Estava te olhando entrar.

—Mas você tá com aquela cara de quem quer falar alguma coisa e não fala.

—Nem tudo precisa ser falado. Já jantou?

—Ainda não. Estamos com algum problema?

—Não... não. Estou preocupado com a mudança. Quero deixar você instalado no novo apartamento antes de começar a turnê.

—Sim! Aquele apartamento é incrível. Quero me mudar pra lá logo!

Antes estava reticente, achando tudo muito caro, agora, depois de encontrar aquelezinho, ficou todo empolgado. De certo estava planejando coloca-lo lá dentro... senti uma leve tontura ao pensar isso, mas tentei manter os climas amenos:

—Agora está ansioso? Quando te mostrei o apartamento você não pareceu tão empolgado.

—Ah, Fip, é um apartamento muito chique, né? Eu não estou acostumado com tudo isso, eu as vezes fico com medo de você estar gastando demais... mas é isso, eu não sei quanto dinheiro você realmente tem, né? Eu fico meio inseguro porque, pra mim, de onde eu venho, comprar um apartamento desses, parece uma coisa de outro mundo, quase impossível mesmo, sabe? E você faz parecer tão banal que eu fico até meio sem chão... mas se você garante que está tudo certo.... sei lá, é um puta apartamento, eu vou amar morar nele.

—Eu já disse que está tudo certo. Não tem nada que se preocupar. Dinheiro não vai ser um problema pra gente tão cedo.

Ele sorriu meio desconcertado. Eu sei que ele não gostava desse abismo financeiro que existia entre nós. Sentia-se humilhado ou algo assim. De inicio eu me irritava com essa idéia boba, mas Manuel me fez entender o lado dele. Em verdade, a presença de Manuel fazia muito bem a nossa relação. Ele constantemente me fazia perceber as merdas que estou fazendo e me ajudava a arrumar a bagunça. Parece que ele, com um olhar de fora, conseguia enxergar as engrenagens dessa relação melhor que nós. No fundo talvez se trate disso. Nossas relações paralelas servem para nos fortalecer individualmente e, consequentemente, enquanto casal. Talvez seja só algo que eu deva me acostumar... com o tempo, quem sabe?

Tornei a olhar para ele e senti vontade de sorrir. Agora, estranhamente, parecíamos muito bem:

—Não quer jantar? – perguntei novamente – Estava preparando um estrogonofe.

—Eu quero sim. Comi só uns pão de queijo hoje.

—Aquele menino não te alimenta quando vocês saem juntos?

—Meio que não deu tempo.

—Entendi... e sobrou um pouco dessa “falta de tempo” pra mim, ou não está afim hoje?

—Claro que sobrou – ele disse sorrindo enquanto mordia os lábios – Mas vamos comer antes? Eu estou realmente faminto.

Nos abraçamos e caminhamos até a cozinha...”

...

 

—Alô, Natasha? Pode falar um pouco?

—Claro! Oi, Michel, aconteceu alguma coisa?

—Não, não, só liguei pra jogar conversa fora mesmo, tudo bem?

—Ah, que ótimo, eu tava mesmo pensando em te ligar esses dias, pra saber como vão as coisas. Então, como vão as coisas?

—Então menina, lembra do menino que eu te falei? O do conservatório?

—AAAAAA! Me diz que saiu com ele! Por Favor!

—É! Saí. Ontem a noite.

—AAAAAAAAAAAAAAAA! Sua piranha! E me disse que não tinha acontecido nada! Pode ir contando!

—Poisé. Aconteceu. Tipo, ah sei lá, eu já tinha comentado que tava rolando um clima entre a gente mas que eu não tinha certeza que tava rolando né? Ontem, sabe Deus por que, eu fui acometido por um arroubo de coragem e tipo, chamei ele pra sair, assim do nada mesmo. No fim do ensaio eu só cheguei e chamei ele pra sair e ele aceitou.

—AAAAA, siiim. Eu te disse que ele tava afim! Mas e aí? Onde vocês foram?

—Aqui pra casa.

—Mentira! Assim direto? Nem tomaram um cafezinho pra disfarçar?

—Foi assim mesmo. Ele que propôs. Eu perguntei pra onde ele queria ir e ele respondeu “pro seu quarto”. Viemos.

—AAAAAAAAAAA não. Na lata assim?! Gostei dele! Eu te falei. Eu falei que ele tava muito afim de você. E você de “ah não é só amizade blá blá blá”! Mano, pelas coisas que você tinha dito tava na cara que ele tava afim!

—É... tava mesmo, hahahahaha. Menina foi perfeito.

—Me conta tudo! Qual o nome dele mesmo? Thiago né?

—Isso, Thiago. Então foi assim...


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