Sangue escrita por Salomé Abdala


Capítulo 81
Capítulo 80 – Uma mudança repentina.




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Acordei um pouco mais cedo que o habitual e encontrei Fip sentado na janela olhando para o infinito:
               -Está tudo bem? – perguntei.

—Deveria estar. E contigo? Está tudo bem?

—Claro. – disse com um sorriso torto.

Ele me encarou longamente e disse:

—Ok, agora eu sei como você se sentiu. Sei o quanto dói. Não vou fazer de novo, prometo.

—Do que você está falando?

—Da minha história com o Manuel. Eu vi as marcas no seu pescoço. Tentei não me importar, sabe? Tentei ficar indiferente. Pensar que isso não muda nada, que é so sexo. Mas a verdade é que passei a noite inteira pensando nisso. Tentando descobrir o que há de errado comigo, conosco. Aliás, eu sei o que há de errado, eu sou um cuzão. Eu não te trato como você merecia, então é natural que você queira me dar o troco... quer dizer, não é que eu pense que você tenha ficado com ele... quem quer que ele seja, só pra me dar o troco... não ache que te julgo tão mesquinho. Mas eu penso que... bem, se eu não tivesse pisado na bola contigo... tenho certeza de que você não pisaria comigo...  entende? Meio que acho que eu abri as portas para você se sentir a vontade pra fazer isso, então não tenho qualquer direito de reclamar. Mas a verdade é que dói, não é? Dói pensar que o outro tem uma vida onde você não pode entrar... Mas é meio egoísta pensar assim. Eu gostaria realmente de ficar de boa com isso. Então não quero te pedir para parar. Se você achar que deve seguir em frente com isso, siga. Vou tentar fazer com que isso não atrapalhe nós dois.

Senti meu estomago dar voltas. Eu sabia como era estar no seu lugar. Conhecia os sentimentos que estavam passando dentro dele. E não gostava nem um pouco da ideia de os estar causando. Mas a verdade é que agora eu conhecia também o outro lado. A história com Raíque havia significado pouco, foi uma coisa de momento. Uma coisa minha, para mim. Não implicava em qualquer anulação da minha vida com o Fip, mas de uma valorização de mim mesmo. De qualquer forma, eu não queria que minha auto valorização, que minhas necessidades e minha história machucassem as pessoas que amo. Tentei dizer algo em minha defesa, mas tudo que pude dizer foi:

—Eu sinto muito. Não queria ter feito isso.

—Queria sim. Por isso fez. Se não quisesse não teria feito. Não sejamos hipócritas. Você queria ter feito isso e fez. Assim como eu queria ter feito o que fiz e fiz. É assim que funciona o jogo. O lance é que não queremos abrir mão um do outro e não queremos nos machucar. Então por que não manter assim? Você vive suas histórias, eu vivo as minhas, ambos vivemos a nossa. Tentar tornar isso mais sincero, mais leve. Não sei. Poderíamos experimentar.

—Você está falando de manter uma relação aberta?

—Sim. Na prática já não está acontecendo assim? Já não estamos tendo outras histórias? Então pra que fazer escondido? Não é mais sincero assumir de uma vez?

—Não sei. Isso é muito novo pra mim. Mas me parece honesto. Posso pensar um pouco e te responder depois?

—Claro. Não quero impor nada. Mas me conta, como foi?

—Quer mesmo saber?

—Óbvio. Você sabe que sou curioso!!!!

...

André olhava fixamente a lista pregada na parede como que não acreditando no que via. Saíram os resultados do teste para entrar no conservatório estadual de teatro e seu nome não estava lá. Sabia, desde o começo, que precisava trabalhar com essa possibilidade, mas agora descobrira que não estava realmente preparado para lidar com a derrota. Mas Michel tinha passado, por isso ele tentava esconder sua frustração, para não estragar o momento do amigo... ou já seriam algo mais que isso? Não sabia, mas o fato é que sentia uma pontada de despeito e inveja. Michel fazia teatro há muito menos tempo que ele. Tecnicamente estava muito menos preparado, mas... era mais bonito... isso com certeza havia pesado a seu favor... não! Essa era uma espécie de pensamento muito baixa e André não queria entrar nesse labirinto. Michel havia passado porque havia nele algum futuro, algo bom. Algo que ele ainda não enxergava, mas os professores do conservatório sim.

Michel, por outro lado, tentava esconder a alegria. Sua vontade era pular, gritar, celebrar, mas, como não queria criar um clima desagradável, preferiu fingir que pouco se importava com o resultado, tentando desmerecer o acontecido:

—Bem, pode ser que seja legal. Mas muita gente diz que na verdade as aulas do conservatório são meio antiquadras. Nem sei se vou me matricular. – mentiu.

—É claro que você vai! – disse André – Estar lá dentro vai ser ótimo pra você! Nem ouse pensar em não fazer essa matrícula! Quanta gente daria o braço direito pra entrar lá! Você não pode desperdiçar a chance!

—Ah, sim, mas... sei lá. Não vai ter a memsa graça sem você. Eu nem ia prestar o teste, não me sentia preparado. Prestei mais pra te acompanhar... não sei.

André lançou-lhe um olhar perfurante. Definitivamente não queria ser lembrado daquele fato. Precisava admitir: estava com inveja. Sentia raiva de Michel por ter passado. Não era algo que se orgulhava por estar sentindo, mas a verdade é que o sentia:

—Ano que vem eu estarei lá. – disse forçando um sorriso amargo – Eu meio que sei onde errei. Tentei uma abordagem muito contemporânea. E, como você mesmo disse, as vezes o conservatório é meio antiquadro.

—Com certeza foi isso. – disse Michel aliviado por ter um álibi.

—Mas quer saber? Talvez tenha sido melhor assim. Sei lá. Preciso de um tempo pra pensar no que quero fazer agora.

—Como assim? Você não está pensando em largar o teatro, está?

—Não! Não! Mas é que eu meio que contava muito com a ideia de que ia passar. Eu programei toda minha vida contando que eu estaria lá. Mas agora que não, eu preciso me reorganizar mentalmente, sabe? Refazer os planos, abrir os olhos para outras oportunidades que eu não estou enxergando nesse momento.

—Isso é bom... se quiser ajuda...

—Não. Essa e uma coisa que preciso fazer sozinho, mas agradeço.

—Ok, e você quer fazer alguma coisa hoje? Podiamos jantar em algum lugar, o que acha?

—Desculpe, eu não estou na vibe. Hoje é seu dia de comemoração, eu não quero estragar esse momento.

—Desculpe, eu não queria criar esse desconforto.

—Imagina! Você não tem nada que pedir desculpas, sou eu que tenho que lidar com isso. Mas não se preocupe, vai passar. – beijou seu rosto – Só preciso de um tempo sozinho.

...


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