A Contenda Divina escrita por Annonnimous J


Capítulo 22
Sombras Bruxuleantes




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Quase como se flutuassem no ar, os dois gatos ziguezagueavam entre si com um sorriso alargado e curvado no rosto, seus olhos brilhavam em um branco suave que formavam linhas enquanto se moviam em alta velocidade como faróis em uma auto estrada. Atrás deles, uma vestimenta conhecida que cintilava em tons bruxuleantes escondia uma pele branca escurecida pelo sol e em suas mãos hábeis, leques de uma cor marcante roxa cortavam e movimentavam o ar ao redor da oponente. Esta, por sua vez, se esforçava para desviar de todos os ataques com muita habilidade, mas com um olhar confuso. Ela realmente parecia uma estátua que acabara de ganhar vida.

Com uma sincronia impressionante, as duas Eyrias revezavam seus golpes. Enquanto uma atacava por cima, a outra estava atacando a gigante por baixo, tentando a desestabilizar para que fossem abertas brechas em sua defesa. Os braços e roupas da mulher, ou o que poderia se chamar de roupas, estavam lentamente ficando em frangalhos com os consecutivos golpes das bordas afiadas das armas, mas mesmo ferida e lutando contra dois oponentes, a mulher conseguia desviar de todos os golpes que causariam um dano maior a ela, para a frustração das semideusas gêmeas que aumentavam a velocidade dos ataques.

Mariah assistia a tudo atônita, as perguntas latejavam em sua cabeça tanto quanto o corte em seu braço que começava a verter sangue. Onde estava? O que estava acontecendo? E o mais importante, por quê duas Eyrias dançavam um balé belo e perigoso logo a sua frente?

Tentando não transformar o seu cérebro em gelatina pensando nestas questões, Mariah resolve focar em seu ferimento. Correndo para trás de um dos pilares jônicos, ela observa o ferimento com cautela, enquanto se mantém concentrada no som da batalha. O corte não parecia profundo e apensar de dolorido, não era uma dor paralisante, o que era crucial para uma situação como aquela. Seu nariz também parara de sangrar e a dor se tornara suportável, mais um ponto positivo. Mas apesar de tudo, ser positiva nessa situação não era o suficiente, tinha que agir de alguma forma.

Lembrando-se do que Eyria fizera em sua barriga alguns dias atrás e de algumas passagens interessantes de Rambo I, Mariah dá adeus à barra de sua camisa favorita, que já estava maltrapilha, e com a ajuda dos dentes, arranca uma parte considerável de tecido de sua base, a deixando mais curta. Com a tira em mãos e se utilizando de sua dentição mais uma vez, ela dá duas voltas completas sobre o ferimento que ainda sangrava e aperta um nó apenas o necessário para estancar o sangramento. Se sentia a própria Lara Croft agora

Espiando pela coluna, ela observa a luta que se seguia. Ambas as Eyrias alternavam incansavelmente entre seus ataques, enquanto a gigante, parecendo mais lenta, se defendia como podia, com os braços e costas lavados em sangue. Tudo parecia seguir bem e logo a luta terminaria.

Porém, uma coisa chama a atenção da garota: as atacantes também pareciam mais lentas. Apesar de ainda atacarem ferozmente Ah-Kum Huo, seus movimentos não eram tão precisos e tão rápidos quanto antes, o que levava a uma leve dessincronização e a golpes que passavam ao largo do alvo por centímetros. Um desses bastou.

Em um ataque fulminante, uma das Eyrias, mirando nas pernas da oponente, girou um de seus leques na horizontal um pouco cedo, apenas arranhando a pele da mulher sob a calça que também se partia.  A segunda, girando no próprio eixo e afastando os braços na altura do peito, fez aos leques formarem uma serra e desce impiedosamente sobre Huo, que abaixando o tronco para trás, se desvencilha do ataque com uma facilidade impressionante para seu tamanho, sobrando para a adversária pousar no chão ainda parando a inércia do giro.

Se utilizando desse tempo que a segunda adversária levaria para parar, Huo desaba de costas como uma pedra sob a primeira Eyria, que sem esperar por esse movimento não convencional, é esmagada por seu peso. Girando para o lado no momento em que a Eyria que girava já se recompunha, a semideusa se coloca em uma posição abaixada logo a baixo dela, rotacionando a perna esticada em sua direção. O movimento todo fora tão rápido, que Mariah apenas registrou passagens: Eyria um girava e errava o golpe, Eyria dois era esmagada e então a primeira semideusa girava no ar meio de lado com o ataque da gigante em suas pernas, que as levantam a noventa graus do chão em uma velocidade descomunal.

Sem perder o pique, Ah-Kum Huo se vira para trás e se colocando de pé em uma posição precisa de pugilista, atinge a outra Eyria, que já tinha se recuperado e atacava sorrateiramente as suas costas. O estrondo no queixo de Eyria é aterrorizantemente metálico. O gancho lança a semideusa pelos ares por um pouco mais de um segundo, que passava em câmera lenta na cabeça e Mariah. Praticamente inconsciente, Eyria larga os leques ainda no ar e, depois de passar por cima da estrutura suspensa do arco de mármore, desaba em um baque sobre a pedra no centro da espécie de altar onde estivera a estátua, elevando partículas de mármore branco com farinha.

Mariah perde o ar vendo a semideusa inerte em uma posição estranha sobre a pedra e seus olhos instintivamente se voltam para Huo. Ela, calmamente, se coloca ereta e leva a mão esquerda à direita, como se acariciasse seu punho, mas logo uma linha de tecido machado se destaca sob a mão da semideusa. Sem a mínima pressa, ela desata suas ataduras com a segunda Eyria rolando de dor e cansaço a seus pés logo atrás, um arrepio percorre o corpo de Mariah.

Tentando se manter calma e pensar, só vem a sua cabeça se aproximar o mais rápido possível do clone inconsciente perto de si para reanimá-lo, porém, Huo olhava diretamente para lá enquanto terminava de desenrolar sua atadura na mão. Em seu rosto, um meio sorriso de satisfação.

“Vamos, pense em algo” rugia a garota em seus pensamentos. Sua respiração rápida fazia seu peito subir e descer sob a blusa de frio aberta, seus olhos, rolando de um lado para outro, buscava opções, mas elas não vinham. Enquanto tentava pensar, ela vê de soslaio a Eyria, que caída atrás de Hou, parecia se recuperar, rolando para o lado e se apoiando em seus cotovelos e joelhos, tentando se levantar.

A jovem se anima por um instante e algo salta em sua mente. Se ela esperasse o suficiente, a semideusa que estava próxima a oponente serviria de distração e ela poderia usar esse tempo para reanimar a outra, que estava prostrada e imóvel perto dela sem perigo de ser descoberta.

Com o coração palpitando e a adrenalina correndo em suas veias, ela espera cheia de expectativa. A garota aproveita e desliza sorrateiramente para uma coluna mais atrás dela, onde Huo ficaria oculta pela coluna da frente, na esperança de que o inverso também ocorresse.

O ataque vem como ela esperava, Eyria se levanta com alguma dificuldade e alcança um de seus leques, olhando fixamente para a nuca da mulher. Em um salto silencioso e inesperada mente gracioso, Eyria parece flutuar por alguns milésimos de segundos com o leque aberto, no intuito de usar a ponta de cada haste interior como um punhal. Mariah, aproveitando que isso seria o suficiente para que a oponente se virasse, corre na direção da mulher desfalecida, não dando mais do que três passos para tanto.

— Eyria! – Chama ela, sacudindo o tronco da mulher pelos ombros enquanto tentava manter a voz baixa. – Eyria, acorda, sou eu, a Mariah.

O gato faz menção de mudar sua expressão limpa de antes, mas não faz mais do que brilhar em uma cor fraca diferente.

— Vamos, levante-se, temos que sair daqui!

— Pirralha? – Eyria abre os olhos, o gato parece ganhar vida novamente – ai.

— Eu sei – fala a garota em meio a um suspiro – vamos, é nossa chance.

— Não! – Grita Eyria, mas não a que estava a sua frente, que arregala os olhos tanto quanto ela.

Olhando para o lado, Mariah sente seu espírito sair de seu corpo, suas pernas bambeiam e ela cai ao lado da pedra, a usando como um apoio. A Eyria que estava deitada, tenta olhar para o que acontecia logo a frente, ignorando a dor ao tensionar os músculos do abdômen.

A frente das duas, Ah-Kum Huo segurava a outra Eyria no ar pelo rosto com a mão direita enquanto imobilizava a mão armada com o outro braço. A semideusa se debatia em desespero, tentando arranhar o punho que segurava sua cabeça ao mesmo tempo que chutava com ambas as pernas sua adversária, nesse momento ela descobre o porquê das mãos da mulher estarem ocultas e serem maiores que a de uma pessoa, ela usava manoplas de um ouro muito dourado que corriam em placas até um pouco a cima de seu punho, onde suas bandagens a ocultavam completamente. As placas eram finas e quase grudadas à pele, mas de longe já podia se perceber a sua resistência.

— Ela tem duas armas... – balbucia a garota com uma expressão de derrotada e os ombros muito caídos. Seu corpo formigava e a imagem de seu irmão aparece como um flash em sua mente.

Com uma calma advinda da psicopatia, Huo ignora o debater de Eyria e começa a girar seu punho que segurava o braço da mulher estendido, torcendo-o no meio do antebraço.  Eyria cerrava seus dentes com a dor e se debatia cada vez mais, mas sem sucesso. Em um estalo seco, o leque da mulher pende e cai no chão, enquanto seu braço gira em uma posição estranha.

A semideusa grita de dor e chuta a mulher agora com mais força sistematicamente na barriga e peito, suas unhas arranham o ouro da manopla emitindo um ruído estridente, mas Huo mal se move, como se estivesse curtindo cada momento.  Se virando para o centro do círculo de colunas de mármore, a mulher olha diretamente para as duas outras que a observavam sem reação. Mariah observava o braço quebrado de Eyria pendido após a semideusa o soltar e o quanto ela se debatia em sua mão, tentando se livrar do aperto. A semideusa ainda caída, por outro lado, olhava diretamente para os olhos da adversária, que as fitava com um prazer sombrio no rosto.

— Temos que sair daqui Mariah – ela fala em tom baixo.

— Sim... – responde a garota com a voz saindo como um sussurro sem vida, já pálida de medo.

O som de madeira se rompendo devagar começa a chamar a preencher a planície que agora estava silenciosa. O debater desesperado da cativa se intensifica e após um estalo estrondoso cessa. Sua máscara tinha se rompido sob a mão de Ah-Kum Huo, que agora gargalhava em um timbre grave, com uma voz que não era a dela. Os braços e pernas da mulher agora pendulavam no ar, inertes.

— Merda – Eyria fala e se levanta em um solavanco, esticando os braços para frente.

Novamente a paisagem muda, o mundo tremula ao redor de Mariah e em um piscar de olhos elas estão novamente na floresta. Mas em uma floresta que parecia vir de uma visão em meio a um sonho ou memória. As visões periféricas da garota estavam embraçadas de branco e tudo que ela olhava parecia estar imerso em uma água arroxeada. Ao seu lado, Eyria que descia de cima da pequena cachoeira era a única coisa que parecia não tremular. As duas se juntam, abaixadas ao lado da queda d’água para recuperar o fôlego.

— Eyria, eu...

— Droga, desculpe garota – ela fala, sem tirar os olhos de Huo, que tinha os olhos virados e uma posição paralisada como se ela ainda segurasse o corpo de sua adversária morta. – você estava dentro do raio de uma das minhas ilusões, não dava tempo de te colocar em uma posição segura.

— I... ilusões? – Pergunta a garota, confusa.

— Sim, meu trunfo é a ilusão. Consigo criar uma ilusão baseada em algo que eu queira, ou que a pessoa conheça, fazendo assim ela sentir o que eu quiser. Costuma ser mais útil.

— Nossa – exclama Mariah admirada. – Mas você foi...

— Espancada na minha própria visão? Essa é a parte que saiu mal.

— Não, você foi morta lá, eu vi o seu corpo na mão dela.

— Bom, essa parte também saiu mal – a semideusa fala, ainda um pouco sem graça. –, mas o que você viu foi um clone, eu consigo materializar um dentro da visão. Ele não causa um efeito físico real, mas eu consigo fazer ela sentir como se fosse. Porém...

O olhar de fascinação que tomava a garota se desfaz por um momento.

— Porém, essa não vai cair no mano a mano, né? – Pergunta a garota. A mulher assente.

— Mas eu ainda tenho uma carta na manga. Se prepara.

A mulher se levanta e seu corpo começa a voltar a brilhar, como se ela fosse se transformar em fumaça ali na frente da garota.

— Eyria! – ela a chama, puxando seu braço pouco antes dela materializar o leque – eu.. quero ajudar.

Eyria pondera por um instante, o olhar determinado e amedrontado de Mariah parecia decidido a ajudar. Mesmo sabendo que era perigoso, ela encontra um meio termo nas palavras.

— Tudo bem pirralha, fique de olhos abertos.


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