A Contenda Divina escrita por Annonnimous J


Capítulo 21
A deusa da Ilusão




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Mariah sentia um peso ao respirar, como se seus pulmões fossem feitos de chumbo. Difícil saber se era pelo sangue que a impedia de respirar direito ou por ela não estar vendo nada. Tudo ao seu redor tinha sido tomado pelo breu, Mariah sente frio, mesmo sabendo que ainda estava de manhã ali.

Seja lá onde fosse.

Um pensamento aterrorizante passa por sua cabeça. “Estou cega!”. Sentindo o medo a dominar, ela solta o nariz e fita suas mãos estendidas diante de seus olhos. Lá estavam as mangas surradas de sua blusa de frio, lá estava sua mão esquerda suja, com resquício de esmalte furta cor em algumas das unhas e lá estava sua mão direita, embebida em seu sangue até o punho em linhas irregulares e dançantes sobre sua palma e seu dorso, que se revezavam a medida que a garota girava as mãos. Não estava cega!

— Estou morta? – Ela fala em voz alta, como que para se certificar de que tinha uma boca e lá estava ela, rachada, experimentando o gosto ferroso e quente de sangue, dolorida pelo choque, mas lá estava ela, tão boa quanto podia e com todos os dentes, como sua língua se certificara discretamente. Se sentiu um pouco mais tranquila, o suficiente para brincar em voz baixa – Sem nenhuma voz por aqui, toma essa Asiimov!

Não havia ninguém ali para entender a referência de sua piada totalmente nerd, mas não importava, tinha sido boa. Passando o desespero inicial, Maria se coloca a pensar, dessa vez sem falar nada. “Onde eu estou?” ela pensa “se eu não morri e não estou cega ou deficiente de alguma forma, como posso sentir, onde é aqui?”. Ela observa os seus arredores, não parecia sobre nada em especial, mas seu pé não pendia como se ela estivesse voando. De fato, ela sentia-se sobre uma superfície. Para todo o lugar que ela olha, até onde a vista alcança, tudo estava escuro, tomado pela mais pura das escuridões, mas inexplicavelmente Mariah conseguia se enxergar sem problemas, mesmo sem uma fonte de luz qualquer.

Fonte de luz.

Foram apenas essas palavras dançarem diante de sua mente que algo chamou atenção da garota. Ela esfregara os olhos pelo menos duas vezes e se beliscara pelo menos uma para ter certeza de que não estava sonhando ou vendo coisas. Diante dela, parecendo estar bem distante, mas bem visível na imensidão negra, havia um pequeno ponto, uma fonte de luz. Era pequeno e bruxuleante, mas existia, coisa que não fazia há meio segundo atrás.

— Uma luz no fim do túnel!  - Agradece Mariah em voz alta, aliviada por algo ter tirado ela da escuridão sufocante de antes. Mas então a imagem mudou novamente.

O ponto, antes pequeno e sem forma definida, começou a crescer diante dela, tomando uma forma primeiro arredondada, depois, quase que triangular, mas um triangular de um triângulo feito por uma criança com a mão não dominante. Além do triângulo, ela via o verde de mata, como se ela saísse de um túnel feito pelas rochas de uma caverna. Ela arrisca caminhar e seu corpo se move, para sua surpresa. Com alguns passos cuidadosos e depois acelerados, ela alcança o fim do túnel revelando uma paisagem lindíssima.

Mariah agora se via em um vasto campo florido, com flores multicoloridas em tons alegres e escuros se amontoando quase uniformemente até o fim do grande vale sem nenhuma montanha próxima. Era como se o deserto tivesse florido. Da saída do túnel se estendia uma pequena estrada de pedras muito brancas e brilhantes, que ia até uma construção alguns metros a diante. A construção era a única coisa que se erguia a mais de um metro do chão e era feita de colunas de mármore em estilo grego, formando uma espécie de Stone Range, mas bem cuidado. No centro dele, uma alta estátua também de mármore branco e muito bem esculpida, com um formato estranhamente familiar.

A garota caminha alguns metros com os olhos cravados na estátua, tentando decifrar suas formas. À medida que se aproximava, ela percebia que a estátua ganhava cor, começando pela barra de sua calça verde. Com o canto de um dos olhos, Mariah percebe, ou imagina que percebeu, viu um movimento e se vira, mas apenas as flores coloridas a saldam, balançando com uma calma brisa fresca. Pensando um pouco, ela continua a se aproximar da estátua, dessa vez um pouco mais devagar. Sua cabeça começava a doer e sua face mais ainda enquanto que se aproximava.

***

Shura sentia seu corpo mole, seus membros não respondiam seus comandos e ele escutava sons estranhos ao longe se misturarem com um zumbido agudo e baixo em seus ouvidos. Tentando se manter calmo, resolveu colocar a mente em ordem antes de tentar fazer alguma coisa. Se concentrou em procurar lembrar a coisa mais recente que podia e em sua mente veio a imagem do cabo de madeira marrom mais próximo de sua têmpora do que gostaria e a dor de cabeça o lembra do que viera depois.

Sua mente começa a mostrar que um pouco antes disso sua garganta estava sendo esmagada por uma mão grossa e calejada e depois que ele flutuava, para ser aparado pelo cabo da lança de Huo. Respirando com cuidado, enchendo bem os pulmões e demorando muito para soltar o ar, Shura sente seus membros formigarem um a um, agradecendo por todos estarem ali. Ele não sabia se um deus poderia perder o movimento do corpo por um choque daqueles, mas naquele momento ele odiaria descobrir.

Sentindo finalmente que tinha sensibilidade o bastante para se mover, Shura abre um olho e depois o outro, checando com cuidado tudo que podia ver a seu redor sem sair do lugar. Além da dor de cabeça incrível, suas funções vitais pareciam funcionando bem. Com dificuldade e se sentindo tonto, o semideus se coloca sentado, quase caindo no processo e observa ao seu redor. O zumbido antes baixo aumenta com o esforço, tanto que parecia o ensurdecer, porém logo começa a diminuir deixando com que ele escute o que acontecia.

Ainda duvidando de sua visão, Shura observa o ar ao seu redor tremular em leves tons de lilás como se ele estivesse diante de um grande aquário tingido com menos corante que o necessário. Dentro dele, estava Eyria, estudando Huo, que gritava e se movia como se estivesse sendo atacada por um enxame de abelhas. Logo mais, do seu lado esquerdo, encostada em uma pedra, estava Mariah, com o rosto lavado de sangue, o nariz roxo e um olhar perdido, com as pupilas tomando quase todos os olhos.

Sua primeira vontade é correr atrás dela para oferecer apoio antes de poder ajudar Eyria, mas algo mais chama sua atenção. Com o barulho que a mulher fazia, Shura sente uma segunda presença. Sua audição, mesmo danificada pela confusão era mais aguçada que uma pessoa comum, mesmo sem saber exatamente de onde, ele podia escutar alguém que se aproximava. Somado a isso, seus instintos de semideus, que o ajudavam a sentir tudo que fosse divino gritavam para ele, denunciando que de fato havia alguém por ali.

Se arrastando com todas as forças para a árvore que estava perto de si, Shura se coloca de pé usando seu tronco como apoio, enquanto tenta decidir de onde vinha o segundo inimigo. O homem praguejava ao pensar que não poderia ter um momento pior para um segundo ataque, seu braço não tinha se curado por completo, sua cabeça agora rodava pelo golpe da gigante, Mariah parecia precisar de sua ajuda e Eyria, por mais forte que fosse, talvez não venceria a mulher sozinha. Mas no fundo, ele sabia o que era necessário par que eles tivessem alguma chance de sobreviver. “Dividir para conquistar” pensa.

O som dos passos agora era claro, assim como sua intenção de se manter escondido para que pudesse atacar sem ser visto, independentemente de haver uma luta já acontecendo. Era um oportunista como o trio, mas um que não se importava em lutar se suas chances aumentassem contra adversários cansados. Shura estremece de leve quando um graveto quebra ao lado da árvore que usava de esconderijo, ainda se sentindo tonto para lutar, porém tomado de uma coragem e força inexplicáveis, antes que pudesse ver quem chegava, ele ataca, usando toda a força que tinha em suas pernas e se jogando sobre quem quer que fosse.

***

Mariah olhava a grande estátua por baixo. Ela, se erguendo imponente sobre a menina do alto de uma pedra que servia como base, posava como se estivesse brandindo uma lança sobre sua cabeça, pronta para cravar no que estivesse na frente dela, com a ponta apontada para baixo, os braços flexionados para trás e os pés pisando sobre a rocha. A perna esquerda, que ia a frente, pousava o pé em seu topo, a direita, esticada para trás, dava apoio para a pose.

A garota rodeia a estátua, que agora parecia quase toda colorida e tenta ainda entender de onde ela a conhecia. No fundo de sua memória, uma voz gritava algo inaudível, mas que era o suficiente para que ela sentisse um profundo arrepio. Novamente ela sente que não está só e isso aumenta a tenção em seu corpo. Olhando para os lados sistematicamente, ela abraça seus braços para tentar afastar o arrepio e para novamente diante da obra.

— Quem é você? – Ela pergunta em voz baixa enquanto a observa, não esperando resposta.

Olhando para baixo, Mariah tenta encontrar alguma placa de cobre que mostre o nome da obra e do artista, mas não encontra nada. A pedra agora era cinza como uma pedra deve ser, a calça da estátua que simulava algum tecido fino era tingida de verde e as bandagens que deveriam ser brancas como o mármore, estavam tingidas. Novamente, Mariah olha para a estátua, com cuidado, começando por baixo, tentando gravar em sua mente cada detalhe.

De repente, ela sente uma pequena pedra cair em seu ombro, depois indo ao chão. Era uma pequena lasca de mármore.

Receosa de que a peça caia sobre si, Mariah dá um passo para trás instintivamente, depois olha para cima e encontra olhos totalmente negros. Mas esses olhos não eram pintados, brilhavam como olhos reais, como se eles saltassem de dentro de uma camada fina de mármore.

— Cuidado! – grita uma voz. Uma voz feminina forte e gozadora.

Mal ouvira o aviso, a estátua se despedaça e de dentro dela sai Ah-Kum Huo, a renegada de Izanagui, o deus da destruição, criador conjunto das ilhas do Japão. Sua lança, com uma seda vermelha-sangue pendurada logo abaixo de sua lâmina de mais ou menos trinta centímetros, desaba diretamente sobre Mariah. Sem tempo para desviar, por um instante ela sente o terror da morte certa e então tudo é coberto pela voz de Shura, a ensinando a manejar sua adaga. Com os braços levantados em defesa instintiva, Mariah percebe o reluzir de sua adaga pouco antes de fechar os olhos e como fora treinada, a apoia na posição de defesa um pouco lento demais, mas o bastante para desviar a lâmina  da lança que a empalaria ali mesmo, porém, a falta de rapidez da garota a garante um dolorido corte no braço esquerdo. O peso do golpe também a desloca um pouco rudemente para a direita.

Abrindo os olhos, acima do susto e da dor, o que chama a atenção dela é que assim que a lâmina passara ao largo de seu corpo, ela atingira uma superfície dura, mas não era o chão, parecia mais uma... pedra! Olhando para o lado, Mariah se vê recostada a uma superfície vertical de rocha, quase que de cócoras e não de pé como antes. Confusa, ela olha para frente e a imagem que vê tremula. Por um momento, Mariah vê Eyria golpear a mulher na floresta, no momento seguinte, ela volta para o imenso campo, onde Huo já tinha se libertado de sua prisão de mármore, mas algo não estava correto.

Ela lutava contra duas Eyrias.


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