Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 48
Planos frustrados




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Todos já tinham notado o estranho sumiço de uma das empregadas, mas seus pais não se importaram em descobrir o que poderia ter acontecido. Apenas assumiram que a mulher foi embora e sua mãe entrou em contato com a agência de empregos para providenciar uma substituta.

— Ah, céus! Como é difícil encontrar bons empregados hoje em dia!

— Tem razão, mãe. – a moça respondeu com os pensamentos em Agnes e Sofia. Será que ela ia encontrar as duas naquela tarde ou somente Agnes?

Parte dela torcia para que Sofia ficasse bem, pois ela ainda podia ser útil. Mas se Agnes resolvesse se banquetear com ela, paciência. Foi para isso mesmo que a deixou com a amiga. Era uma boa provisão de emergência. Ainda assim decidiu que ia se esforçar ao máximo para levar outra pessoa e poupar Sofia.

— Mãe, por acaso não é hoje a inaugurração daquela loja finíssima no centro da cidade?

— Hein? Inauguração? Ah, minha nossa! Eu quase me esqueci! Preciso ir ao salão, fazer as unhas, cabelo, comprar roupas novas! Será que minhas jóias estão boas? Minhas amigas da alta sociedade estarão lá! Que horas são?

— Uma e meia.

— Já? A festa será às sete da noite! Ahhh, tenho que correr!

Para qualquer pessoa normal, cinco horas e meia seria tempo suficiente para se arrumar para uma festa, mas a mãe da Penha fugia desse padrão. Quando tinha que se arrumar para alguma festa importante, ela podia levar o dia inteiro dependendo do caso e era com isso que Penha contava.

Depois que a mulher pegou a bolsa e saiu correndo como se fosse tirar o pai da forca, Penha esperou por um tempo até o chofer levá-la e correu para pegar o carro de sempre. Estava na hora de visitar Agnes, mas antes ela tinha que comprar algumas coisas que tinha prometido a Sofia, considerando que ela ainda estivesse viva. E também encontrar uma nova vítima para Agnes, o que não costumava ser fácil.

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Finalmente o GPS começou a funcionar e Boris pôde rastrear Penha. O aparelho indicou que ela estava saindo da mansão em direção ao shopping das Pitangueiras. Qualquer um poderia achar isso normal, pois garotas como ela sempre iam ao shopping. Mesmo assim ele tentou segui-la e viu que ela tinha comprado muitas coisas. Primeiro ela entrou numa loja de produtos de beleza, depois em uma delicatessen. Até que as compras não demoraram muito, mas ele não entendeu por que ela ficou circulando de um lado para outro a esmo. Será que percebeu que estava sendo seguida?

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— Fica assim não, vai ver ele não tá com cabeça pra essas coisas. – Magali consolou ao ver que a amiga tinha ficado triste.

— É... pode ser. Mas sei lá, um cineminha não ia fazer mal nenhum, ia?

Ela estava começando a ficar desanimada com o Cebola, que só olhava, sorria e no fim se esquivava quando ela tentava se aproximar.

— Falta só uma semana pro dia 31. Aguenta mais um pouco. Quando tudo tiver resolvido, aí você tenta chegar nele. Se o manezão não quiser, paciência. É ele quem tá perdendo.

— Quer saber? Vou esperar só mais um pouco mesmo! Se o Cebola não quiser, tem quem queira.

— É assim que se fala!

As duas estavam em frente ao computador e Mônica apontou para uma imagem na tela.

— Olha essa fantasia que legal! Você podia ir de gatinha.

— De gata? Não ia ficar estranho? – aquela fantasia parecia meiga demais para ela.

— Ué, você não adora gatos?

— Pode até ser, mas não vou querer nada cor de rosa não!

— É Halloween, então pode ser preto. Ai, vai ficar um luxo! E nem vai custar caro!

Elas foram anotando os itens que iam ser usados na fantasia. A ideia era adiantar o máximo que fosse possível e deixar pouca coisa para finalizar na casa da Denise.

— A Denise não tá nem um pouco feliz de me deixar dormir na casa dela.

— Ela sabe por que a gente tá fazendo isso e pediu pra ajudar também.

— Ainda assim pode ficar aquele climão. Não tem outro jeito?

— Tem não, amiga. Você precisa de uma desculpa pros seus pais te deixarem dormir fora. Os pais pegam muito no pé da gente, eu é que sei o quanto ralei pra minha mãe me deixar dormir na casa da Denise.

— Ela tá com medo da Agnes aparecer e te pegar.

— E tá mesmo, coitada. Ela tá até querendo botar alarme aqui em casa.

— Tomara que a polícia pegue ela logo, senão a gente nunca mais vai ter sossego.

As duas decidiram encerrar aquele assunto desagradável e continuaram planejando suas fantasias e repassaram o plano que tinham feito para sair da casa da Denise de madrugada sem os pais dela perceberem. Isso era bem mais importante.

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Ela parou no sinal e ficou tamborilando o volante com os dedos, tentando pensar no que fazer. Onde arrumar alguém naquela hora? Como convencer a pessoa a ir com ela? E como fazer isso sem levantar nenhuma suspeita? Várias vezes ela pensou em chamar alguma colega de escola e desistiu. Levar uma das empregadas dos seus pais foi arriscado, levar alguém da escola podia ser pior ainda. Tinha que ser alguém desconhecido.

Mon Dieu! Eu não posso visitar Agnes de mãos vazias, tenho que levar alguém parra ela!”

O tempo estava passando e ela não conseguiu ninguém. Eram cinco da tarde quando ela parou para abastecer e continuou a sua procura. Não era a primeira vez que ela procurava vítimas para Agnes, mas sempre teve tempo para planejar. Daquela vez precisava agir rápido.

— Hum... isso pode ser promissor...

Havia dois homens conversando na calçada. Pareciam jovens, talvez não tivessem mais que vinte anos e pelo físico eram bem fortes e saudáveis do jeito que Agnes gostava. Ah, se ela pudesse levar os dois...

— E aí, gatinha? Tá perdida? – um deles perguntou quando ela parou o carro.

Bon après-midi (boa tarde) rapazes. – ela cumprimentou com seu melhor sorriso e um olhar bem insinuante. – Vocês me parrecem tão solitárrios... minha amiga e eu estamos sozinhas também.

 

O outro logo se interessou e chegou perto do carro.

 

— Sua amiga, é? E cadê ela?

— Na nossa casa, preparrando uma festinha. Eu só preciso levar dois convidados.

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Parado a uns metros de distância, Boris teve um pressentimento ruim ao ver Penha conversando com aqueles dois rapazes.

— Não acredito... ela pretende levá-los para Agnes? – aquilo era difícil de acreditar, mas não havia outra explicação lógica para isso. Por que sua irmã ainda insistia em continuar fazendo esse tipo de coisa? Seria ela uma pessoa doente e perturbada ou alguém extremamente sádico e cruel?

Mesmo sabendo que devia interferir e avisar aqueles rapazes, ele ficou quieto por medo da Penha fugir e arruinar seu plano. O jeito foi observar e esperar.

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Penha tinha falado de tal forma que os rapazes logo ficaram animados ao imaginar o tipo de festa que ela e sua amiga estavam preparando.

— Ué, de repente a gente pode querer ir pra sua festinha. Você é gata demais! Será que não rola um beijinho?

— Vai “rolar” muito mais se vocês vierrem comigo. – ela piscou um olho e torceu para que eles não desconfiassem daquela oferta generosa demais para ser verdade e nem pensassem que ela estava planejando roubar seus rins. – Qual é o seu nome, cherry?

— Eu sou o Paulo, ele é Mateus. E você, boneca?

— Claire. – mentiu, ocultando seu nome verdadeiro.

— Adoro esse sotaque!

Um deles foi fisgado, já o outro ainda não estava convencido.

— Tá, você vai ficar com a mina que é gata, mas e eu? Vai que eu chego lá e dou de cara com uma fubanga!

— Não seja por isso. Eu tenho uma foto dela aqui.

Penha pegou o celular e mostrou para ele uma foto que tinha tirado de Agnes no dia em que ela inaugurou sua casa recém reformada. Naquele dia ela estava linda como nunca e o outro rapaz acabou dando um grande sorriso.

— Aê, agora sim!

— Então bora pra festa!

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Ele viu os rapazes entrando no carro e ficou em alerta. Não seria melhor chamar a polícia?

“Toda vez que alguma viatura tenta segui-la, acontece algo.” Ele se lembrou. Sempre uma briga, um tumultuo, uma manifestação começando do nada. Aquilo não podia ser coincidência.

Boris abriu o porta-luvas do carro e tirou um revólver. Era uma bela Taurus modelo RT617 calibre 38, feito para segurança pessoal. O revólver tinha capacidade para sete tiros e estava carregado. Ele aprendeu a atirar por influência do Sr. Malacai, mas nunca gostou de armas de fogo. Bem, daquela vez ia ser necessário. Mesmo não sabendo como Agnes atacava as pessoas, ele pensou que um revólver seria suficiente para detê-la até a polícia chegar.

O carro da Penha deu a partida e após esperar um tempo, ele a seguiu usando o GPS. Era preciso tomar cuidado para que ela não percebesse a perseguição.

“Agnes, dessa vez você não vai ferir ninguém!” ele prometeu mantendo os olhos no carro que seguia bem à frente.

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Agnes se contorcia de fome. A comida que Penha tinha deixado não era suficiente para ela. Mesmo assim resolveu pegar um pedaço de bolo para ver se ajudava em alguma coisa. Estava delicioso, deve ter sido comprado em alguma loja fina. Mas seu corpo precisava de muito mais do que açúcar e farinha.

Normalmente ela estava sempre cercada de pessoas, jovens em sua maioria, então podia absorver a energia delas quase o dia inteiro. E de vez em quando ela pegava alguma vítima que lhe rendia uma boa refeição. Com isso, ela nunca passava fome. Só que ali, isolada e sem ninguém para lhe alimentar, Agnes estava cada vez mais faminta e fraca. E o fato de a barreira estar enfraquecendo só piorava tudo porque sua vida estava sendo sugada por causa do pacto com a serpente. O mês de outubro era sempre o mais difícil para ela.

Ela olhou para o relógio. Estava quase na hora da Penha chegar. Será que ela ia lhe trazer alguma vítima? Mesmo não sendo muita coisa, lhe mantinha de pé. E se sua amiga não pudesse vir? Bem, não ia ser exatamente um problema porque ela ainda tinha Sofia como provisão de emergência. A quantidade de energia vital dela ia lhe manter alimentada por dois ou três dias.

Ainda assim ela resolveu esperar e só usar aquela garota quando fosse estritamente necessário. O seu maior medo, no entanto, era esgotar tudo e não ter mais nenhuma alternativa. Ela colocou a mão dentro do decote e tirou seu pingente.

— Não... ainda não vou fazer isso. Não estou tão desesperada assim! – e colocou de volta, protegido da luz. Ela ainda queria poder ver o sol por mais um tempo. 

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Cebola estava lendo um livro quando ouviu alguém bater na janela do quarto e ficou muito satisfeito quando viu quem era.

— E aí, cara? Você sumiu, não deu mais notícias! – saudou abrindo a janela para o duplo do seu amigo entrar.

— Eu precisava me recompor. Gastei energia demais naquele dia e fiquei fraco.

— Entra aí. Tem alguma novidade?

O anjo entrou e sentou-se na cama do Cebola. Dava para ver que ele ainda estava cansado.

— Ficar nesse mundo sem o sobrenatural cansa porque suga minha energia. Ainda bem que a barreira tá enfraquecendo, só assim dá pra voltar sem muito problema. No mundo original deve estar bem melhor. - Cebola arregalou os olhos.

— Como você sabe...

— Não dá pra esconder coisas assim de nós. Mas fica tranquilo que não vou dar com a língua entre os dentes.

Ele pegou uma cadeira, sentou-se na frente do anjo e quis saber.

— Ainda não entendo como você foi virar emissário da D. Morte. No mundo original você é amigo dela, mas continua sendo anjo da guarda. – ele deu um sorriso triste.

— Já fui anjo da guarda, mas falhei em minha missão. Tudo começou com o acidente que houve com a família do seu duplo.

— Lembro disso, vi tudo na nave Hoshi. O pai e a irmã dele morreram. Coisa triste!

— Minha missão era proteger duas crianças, mas só consegui salvar uma e isso acabou comigo. Depois fui vendo as outras crianças da turma se desviando uma a uma. Magali, Cascão, Titi, Denise...

Angelo deu um suspiro triste e continuou.

— Por causa do Sr. Malacai, a barreira estava ficando cada vez mais forte e eu não conseguia ficar na Terra tempo suficiente para proteger as crianças da turma. Por isso não consegui fazer nada para ajudá-los.

Cebola chegou a ficar com raiva do Sr. Malacai ao pensar no quanto as ações dele foram danosas para todos.

— Daí te castigaram?

— Não. Eu me castiguei. Me revoltei, larguei meus deveres de lado, comecei a arrumar confusão e até a abusar dos meus poderes de anjo. Por causa disso me expulsaram.

— Nunca te imaginei se revoltando...

— Depois de um tempo andando perdido pela Terra, eu me arrependi do que tinha feito. Não conseguia mais ficar vagando por aí sem sentido nenhum na vida. Gostava de proteger as pessoas e entendi que é isso que quero fazer.

— Ainda bem. Só que eles não te deixaram voltar a ser anjo da guarda, não foi?

Ele balançou a cabeça.

— Sou um anjo caído. Foi meu orgulho que me jogou nessa situação. Não tive humildade suficiente pra entender que nem sempre serei capaz de proteger os humanos. Eu não fiquei revoltado porque me importava com aquelas crianças e sim porque meu orgulho estava ferido. Agora eu preciso aprender a ter humildade trabalhando como emissário da morte.

— Ué, por quê? É um trabalho tão ruim assim?

— D. Morte cuida dos anjos caídos colocando-os como seus emissários. Se tem alguém que pode ensinar humildade é ela, acredite em mim. Ela sempre dá um corretivo em quem sai da linha. – ele tocou a cicatriz que atravessava seu rosto e Cebola decidiu não fazer mais perguntas. – Agora eu preciso ir. Tenho outra missão dentro de algumas horas.

— Beleza então. A gente tá se preparando aqui pro dia 31. Só que eu não sei o que esperar.

— Sua parte é consertar a barreira. Se fizer isso, eu terei mais força para agir nesse mundo e poderei ajudar se algo der errado. 

O anjo se despediu e Cebola ficou ali sentado pensando. Era óbvio que alguma coisa ia dar errada e ele não podia facilitar nem um pouco.

— Bem que o Paradoxo podia aparecer logo. Preciso falar com ele!

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Penha seguia exultante imaginando como Agnes ia ficar feliz por ter duas vítimas naquele dia. Em pouco mais de vinte minutos, ela chegou e estacionou o carro em frente a casa mesmo, pois não queria perder mais nenhum minuto.

— Venham, querridos. Minha amiga está ansiosa parra conhecê-los.

— Casa bacana! – um deles observou.

— Nós temos piscina, muita cerveja e petiscos. – Penha prometeu abrindo a porta da frente. Ela estava tão distraída conversando com os rapazes que nem percebeu que tinha deixado a chave na ignição do carro.

Os dois esfregaram as mãos pensando na diversão que estavam prestes a ter e nem imaginavam o que os esperava dentro da casa.

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Quando Boris chegou, o carro da Penha estava estacionado em frente à casa e vazio. Sem perder tempo, ele pegou sua arma e abriu o portão com cuidado para não fazer barulho. Um grito vindo de dentro da casa o fez andar mais depressa.

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— Fala sério, isso aí é sua amiga? Vou ter pesadelo com essa coisa! – um deles reclamou indignado quando Agnes apareceu na sala.

— Pelo menos eu ainda vou poder ficar com a gatinha. Vem cá, boneca!

— Agnes, acabe com eles. São todos seus.

— Nem precisa falar...

A porta da frente abriu com força e todos levaram um susto quando um homem apareceu empunhado um revólver e gritando colérico.

— Agnes, pare agora mesmo!

— O que você está fazendo aqui, seu idiota?

— Você não vai mais ferir as pessoas!

Os rapazes ficaram com medo.

— Calma aí, tio! A gente não ia fazer nada com a sua mulher, é sério!

— Vão embora agora mesmo! Vocês estão correndo risco de vida! – Boris nem se importou em explicar a situação. O importante era tirá-los dali.

— Não! – Agnes rosnou furiosa e os dois caíram de joelhos. – Eles são meus! São minha comida! – os rapazes gritaram de medo.

— Essa doida é canibal!

— Ela quer comer a gente!

— Por favor, não me obrigue a usar isso! Estou falando sério!

Agnes bufou de raiva olhando ora para ele, ora para os rapazes. Boris ainda continuava de pé.

— Como você... – ele colocou uma mão no bolso e tirou um relógio.

— Ele tem a marca de IOR. Você não pode me fazer mal. E você, mocinha, mãos para cima! – Boris falou com a Penha, que foi forçada a obedecer.

— Você não pode me deter!

— Se você fizer alguma coisa com esses rapazes, eu vou atirar! – ao ver que ela não fez nada, Boris falou para os dois. – Vão embora daqui agora!

Com alguma dificuldade, eles se levantaram e saíram correndo, fazendo Agnes se descontrolar e partir para cima do Boris. Sem outra escolha, ele apertou o gatilho e a arma disparou. Um grito ecoou pela casa e Penha caiu no chão segurando o braço e gemendo de dor. Quando viu que Boris ia atirar, ela empurrou Agnes para o lado bruscamente, jogando-a no chão.

— Penha... – Agnes se arrastou até a amiga. – Seu desgraçado, o que você fez?

Boris abaixou a arma com o rosto lívido e sentindo-se mal. Felizmente o tiro passou de raspão no braço da moça, mas estava sangrando muito.

— Ela será socorrida. – ele tirou o celular do bolso. – Nenhuma das duas se mexe. Não quero ferir mais ninguém.

Ele se distraiu só um pouco para digitar o número da polícia no celular. Algo atingiu sua cabeça com força e tudo ficou escuro.

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Denise estava andando com Toni de mãos dadas e eles pararam para sentar no banco da praça. Dentro de alguns minutos, eles teriam que ir embora, pois estava ficando tarde. Por enquanto eles só queriam passar mais um tempo juntos.

— Alguma coisa te aborrece. – o rapaz falou vendo que ela estava mais quieta que de costume.

— O dia 31 tá chegando.

— E você tá com medo?

— Não é bem isso. É que as meninas vão reunir lá em casa pra uma festa do pijama.

— Achei que você gostasse...

— Gosto, mas por que a Magali tem que ir junto? Ela vai estragar a diversão da gente! Que droga, viu?

Sua vontade era xingar, chorar e acertar a cara do Cebola por ter tido essa ideia horrível. Por que ela iria querer em seu quarto alguém que lhe maltratou durante anos? Não era justo empurrarem aquela garota por sua garganta abaixo.

— Você sabe que isso é necessário pro plano.

— E por que a Magali tem que ir junto com eles?

— E por que não deveria ir? O Cebola vai precisar de ajuda.

— Cascão e Mônica podem dar conta do recado.

— Denise, você sabe que não está sendo racional, não sabe? Existe um bem maior em jogo, você não pode colocar sua birra contra a Magali acima do futuro do planeta inteiro.

A ruiva começou a chorar de raiva. Será que nem seu namorado era capaz de entendê-la?

— Para de me tratar como uma criança mimada! Eu sei disso, viu?

— Então por que age como se não soubesse?

Seu choro aumentou mais ainda e ela se sentiu desamparada e incompreendida. Ele pareceu notar, por isso abrandou o tom e colocou um braço ao redor dela.

— Eu sei o que a Magali fez. Mas ela se arrependeu e mudou.

— Pra mim não é suficiente!

— Então o que seria suficiente pra você? Que ela passasse o resto da vida pagando pelo que fez?

— Queria que ela sofresse! Tá, eu sei que é errado pensar assim, mas ela devia sofrer!

— Pelo que sei, ela sofreu muito com os traficantes.

— Devia ter sofrido mais!

Se por um lado, Denise se sentia mal por pensar assim, por outro achava injusto ver alguém que lhe maltratou durante anos simplesmente refazendo a vida e seguindo em frente como se nada tivesse acontecido.

— Pois eu acho que ela já sofreu o suficiente e pagou pelo que fez. Não cabe a você dizer o quanto ela deve ou não sofrer, você não é juíza.

— Mas não é justo...

— Denise, eu gosto muito de você, de verdade. – o rosto dela corou. – Sei o quanto está ferida porque eu também sofri muito e sei o que é sentir raiva e rancor contra alguém que nos feriu demais.

— O Sr. Malacai... ele foi horrível com você! Aposto que você odeia ele mais que tudo!

— Não, eu não o odeio.

Ela chegou a pensar que tivesse ouvido errado.

— Como não? Ele foi um muito pior com você do que Magali foi comigo! O que aconteceu com ele foi é pouco, ele devia ter sofrido mais ainda!

Toni se afastou um pouco, para sua tristeza, e falou olhando para frente contemplando a vegetação da praça que lutava para sobreviver naquela terra seca.

— Você lembra como eu era na infância? – a pergunta a pegou de surpresa, mas mesmo assim respondeu.

— Você era terrível, dava até medo! Tocava o terror em todo mundo!

— Eu chegava a ser até pior que a Magali.

— Er... acho que não...

— Você sabe que sim. Nem meus pais davam conta de mim, os professores já tinham perdido as esperanças e a tendência era só piorar.

— O que tem isso?

— Eu nunca fui santo. Era terrível sim e acho que teria ficado bem pior se não fosse pela Magali. Pelo menos ela me mantinha longe das piores encrencas.

— É, só que tem aquele assalto...

— Não foi ela quem me mandou fazer aquilo, eu fui porque quis.

— E depois disso caiu nas mãos daquele velho horroroso!

— Sim. E sofri mais do que você poderia imaginar.

— E mesmo assim não tem ódio dele?

— Se eu nunca tivesse sido pego naquele assalto, teria debandado pra o crime. No futuro eu poderia estar na cadeia ou debaixo do chão. Teria ferido muito mais pessoas.

— Fica assim não, gato, isso não chegou a acontecer!

— É aí onde quero chegar.

Ela piscou, sem entender.

— Se a Magali não tivesse me colocado na gangue, eu teria sido muito pior do que já fui. Se Sr. Malacai não tivesse me mandado para a Vinha, eu teria passado um tempo no colégio militar e saído de lá pior do que quando entrei.

— Isso não justifica o que ele te fez!

— Não, não justifica. Foi errado e pronto. Mas eu sou o que sou graças ao que passei. Preferia ter aprendido de outro jeito, só que as coisas foram o que foram. Sr. Malacai me fez muito mal e vai levar anos até que eu me recupere. Apesar de tudo sinto que posso tirar algo de bom disso tudo e seguir em frente como uma pessoa melhor.

A moça ficou pensando naquilo, tentando imaginar o que de bom poderia ter saído da sua amizade com a Magali.

— O que ele fez foi terrível e teve consequências desastrosas. – ele continuou. – Mas no fim se preocupou mais em salvar minha vida do que com ele mesmo. Apesar de não apagar tudo de ruim que ele me fez, sinto que posso começar a perdoá-lo.

— Perdoar...

Para Denise aquilo era algo muito distante da sua realidade. Era possível perdoar a Magali? Pensando bem, o que ela lhe fez nem chegava perto do que Sr. Malacai tinha feito com o Toni. Se ele era capaz de perdoar, por que ela não seria?

— Só pensa no que te falei. – ele a abraçou de novo, fazendo com que ela colocasse a cabeça sobre seu ombro. – Não tem que forçar nada, vá no seu tempo. Só entenda que não vale a pena carregar isso pelo resto da vida. Tente tirar alguma lição disso e siga em frente. Vai ser melhor pra você.

— Eu... eu vou tentar gato. – ela prometeu antes de ele lhe dar um beijo carinhoso. Talvez perdoar a Magali não fosse assim tão impossível.


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Notas finais do capítulo

Lição do dia: nunca entrem em carros de pessoas estranhas pq sempre dá ruim.
Sobre o lance de roubar os rins, nos primórdios da internet teve uma lenda urbana falando sobre pessoas que eram seduzidas por um lindo rapaz/moça, drogadas e horas depois acordavam sem os rins. Aí eu resolvi dar uma zoadinha nessa lenda.

Sei que vcs devem estar estranhando um Toni muito bonzinho e maduro sendo que na versão oficial ele é o oposto. É que ele passou por muitas coisas, foi totalmente quebrado e juntado de novo. Sr. Malacai fez coisas horríveis sim, mas tb ensinou coisas boas que acabaram ficando. Por isso ele ficou tão diferente nessa fanfic.



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