Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 16
Prepare-se para ter algumas surpresas




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— Ué, tá fechado? – Cebola ficou surpreso ao ver as portas da lanchonete abaixadas. Ele foi até a porta dos fundos e encontrou com uma colega de trabalho que estava saindo.

— Então você não soube? Ah, tá, você não tem celular. Que estranho... Bom, é que a mãe do dono faleceu e o enterro será hoje ao meio dia. Então ele dispensou todo mundo do trabalho. Eu só passei aqui porque esqueci um livro.

— Sério? Que coisa! – ele procurou não mostrar alegria por causa da ocasião, mas claro que ficou muito feliz por ter um dia inteiro de folga para fazer o que quisesse. Isso era muito raro.

Feliz da vida, ele resolveu voltar para casa pensando no que poderia fazer. Primeiro ia tirar uma boa soneca, depois outra soneca e por fim colocar os estudos em dia. Ao passar perto da casa do Cascão, no entanto, ele sentiu vontade de visitar o amigo para bater um papo. Era difícil eles terem um tempo livre para conversar.

— E aí, careca? Você não deveria estar trabalhando? – Cascão falou ao atendê-lo. Ele estava com cara de sono, roupas sujas e amarrotadas e exalava aquele típico cheiro ruim.

— A mãe do chefe faleceu e ele deu um dia de folga pra gente. E você? Tá dormindo até agora?

— Qualé, a gente tá de férias! Entra aí, a mãe deixou o café pronto.

Eles comeram bolo com achocolatado enquanto conversavam e Cascão ainda estava intrigado com aquela pena que Magali tinha achado no quarto da Mônica.

— No início pensei que fosse de corvo, mas aí você falou que não tem isso na cidade...

— Eu pelo menos nunca vi nenhum. Pode ser de algum outro tipo de pássaro preto.

— E como essa pena foi parar no quarto dela? Estranho... – Cebola deu de ombros.

— Sei lá, deve ter sido o vento. – Ele não queria falar sobre esse tipo de assunto com o amigo, pois sabia que as pessoas daquele mundo eram extremamente céticas. – E você, como anda com a Magali? Os dois têm saído um bocado juntos.

— Até que tá indo bem. Ela é muito legal quando quer. Foi bom eu ter feito as pazes porque ela me entende tão bem! Nem preciso ficar explicando muita coisa porque ela saca tudo na hora!

Cebola notou como os olhos do Cascão brilhavam ao falar da Magali, mas resolveu não dizer nada porque ainda era cedo. Ao invés disso, convidou.

— Por acaso você não quer jogar vídeo-game ou coisa assim? – O rosto do Cascão entristeceu.

— Er... o meu vídeo-game pifou e meu pai não quis comprar outro.

— Poxa, não dá pra jogar nem no computador?

— Minha mãe tirou o computador porque meu quarto é bagunçado demais. Não tá cabendo mais nada lá dentro.

— Ih, danou-se! E se você arrumar seu quarto?

Cascão o olhou como se ele tivesse proposto cortar a própria perna e comer com batatas.

— Tá doido? Faz idéia da bagunça que tá aquilo ali?

— Eu te ajudo. – Cebola encorajou. – Vai ficar tudo arrumado e com certeza sua mãe vai devolver seu computador.

Ter o computador de volta não deixava de ser tentador. E quem sabe seu pai não poderia lhe comprar um vídeo-game novo? Pelo menos ele ficaria livre do falatório dos dois por um bom tempo. Isso, mais o fato de ter a ajuda do amigo, fez com que ele superasse a preguiça. Não havia mais nada de interessante para fazer de qualquer forma.

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Era muito estranho passear no shopping sem deixar as pessoas assustadas. Ainda mais fazer isso ao lado de uma típica patricinha.

— Magali, olha essa blusa! Aposto que fica linda em você!

— Hã... tá falando desse negócio todo cheio de frescura? Você sabe que eu não gosto disso!

— Por que não experimenta? Ah, vai! Tenta algo diferente!

Mônica a empurrou para dentro da loja ignorando seus protestos. Além da blusa, Magali também teve que provar uma saia.

— Fala sério, eu tô ridícula! – ela resmungou e Mônica a fez se olhar no espelho.

— Agora fala isso de novo!

A ex-valentona perdeu a fala. Era uma blusa cor-de-rosa bem claro com mangas borboletas, mordidinhas nos ombros e deixava seu umbigo à mostra sem ser curta demais. A saia era feita de um tecido leve e com um lado maior que o outro.

— Nossa, ficou um luxo que só vendo! Ai, coloca isso aqui! E isso! Mais isso! Ah, prova isso aqui também! – ela foi falando enquanto jogava para cima da Magali um cinto de miçangas, um colar, brincos e pulseiras fazendo-a ficar apavorada diante de tantos acessórios que não estava acostumada a usar.

— Ei, peraí! Você quer que eu use essas coisas?

— Só experimenta um pouco pra ver como fica. Anda, não custa nada!

Mesmo contrariada, Magali fez o que ela pediu e se olhou mais uma vez no espelho.

— Puxa...

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Quando entrou no quarto do Cascão, Cebola tentou não mostrar desânimo com a bagunça que estava lá dentro. Ele tinha que dar força ao amigo.

— Primeiro vamos precisar de caixas de papelão, pode arrumar três?

— Lá na garagem tem.

Cascão voltou com três grandes caixas que seu pai tinha guardado sabe-se lá para quê e Cebola escreveu em cada uma delas usando um giz de cera que tinha encontrado no chão. Na primeira ele escreveu “Guardar”, na segunda “doar” e na terceira “jogar fora”.

— Pronto. Assim a gente se organiza melhor.

— Ô, por que a caixa pra guardar é menor que as outras?

— Pra você não ficar guardando um monte de tranqueira sem utilidade, senão nosso trabalho não vai dar em nada. Anda, bora começar!

Primeiro eles tiraram tudo do quarto, o que foi um trabalho monumental, e levaram para o quintal a fim de separar o que guardar, o que doar e o que jogar fora. Cascão juntou as roupas e colocou para lavar já se desculpando mentalmente com sua mãe. Embalagens de salgadinho e outros tipos de lixo foram jogados fora diretamente, mas separar os outros itens foi um pouco difícil porque Cascão insistia em manter coisas velhas, quebradas e sem nenhuma utilidade só por questões de apego. Cebola teve que ser duro com ele várias vezes. Os dois só pararam para almoçar e continuaram o trabalho com entusiasmo.

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Ela queria dizer que aquilo ficou um horror, que detestava aquele estilo e que nem morta ia usar aquelas porcarias cheias de brilhos e penduricalhos. Mas não conseguiu e isso a deixou muito assustada, pois estava adorando o que via no espelho e não conseguia admitir nem para si mesma. Será que frescura de patricinha era contagiosa? Mônica percebeu o desconforto da amiga e falou.

— Ei, calma, a gente não vai comprar nada não. Era só pra você provar e ver como fica.

— Pra quê isso?

Mônica lhe ajudou a tirar os acessórios e foi falando.

— Durante a vida inteira você foi de um jeito. Por que não experimenta algo novo?

— Porque eu ainda não sei o que quero... – ela falou baixo para que a vendedora não ouvisse. – Sei lá, tudo isso é muito estranho pra mim e eu não sei se tô pronta pra essas coisas.

— Não precisa estar pronta, sua boba! Você só vai usar se quiser. Se não, tem outros estilos que podem te agradar. Com o tempo a gente descobre do que você gosta mais, não tem pressa não.

As duas saíram da loja, para desgosto da vendedora, e ficaram conversando enquanto olhavam outras vitrines. Mônica quis saber.

— Você disse que ia falar com o Cascão, não é? Nem tive tempo de perguntar como foi!

— Foi bem tranqüilo e a gente sempre vai pra lanchonete onde o Cebola trabalha bater um papo.

— Ah, deve ser tão bom!

— Você pode vir com a gente, ué!

— Puxa, é mesmo! Agora que minha mãe não vai mais pegar pesado comigo, tudo ficou mais fácil.  E ainda vou poder ajudar o Cebola.

— É mesmo, ele tá precisando de ajuda, coitado.

— O que eu quero mesmo é dar um chutão no DC por causa daquela cachorrada que ele fez!

— Grrr! Nem me fale daquele Zé ruela! Eu tô é afim de arrebentar aquela cara horrorosa!

— Então entra na fila porque eu também quero um pedaço dele! Quando ele chegar de viagem, vai levar um pé na bunda bem grande!

As duas seguiram conversando e o assunto principal era o Cebola e os problemas pelos quais estava atravessando em casa. Ambas concordavam que era preciso ajudá-lo de qualquer jeito, embora ainda não soubessem o que fazer.

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— Véi, faz tempo que eu não vejo o chão do meu quarto! – Cascão falou impressionado por ter feito tudo aquilo num único dia.

— É isso aí, agora vamos limpar.

— Hein? Limpar? Tipo, usar água e sabão?

— Claro, né cabeção! Não dá pra limpar a seco. Anda, coragem! Você consegue. 

Cascão reclamou o tempo inteiro enquanto eles limpavam as paredes, a janela e o chão. Cebola usou um lustra-móveis na prateleira e esfregou bem para tirar algumas manchas. A antiga mesa do computador também foi limpa, assim como o armário. Depois eles foram colocando de volta os itens que estavam na caixa “guardar”. Cebola tomou o cuidado para que Cascão só mantivesse coisas importantes como sua coleção de gibis, miniaturas e alguns brinquedos que estavam em bom estado e tinham valor sentimental.

O que era para ser jogado fora foi colocado em sacos de lixo e Cebola amarrou muito bem para que Cascão não resolvesse recuperar nenhuma daquelas porcarias e resolveu ele mesmo doar os demais itens para evitar que o amigo caísse em tentação e pegasse tudo de volta. Ao fim do dia, tudo estava limpo e arrumado como nunca esteve antes.

— Rapaz, deu um trabalhão do caramba, mas valeu a pena!

— Pois é.

Era perto de seis horas quando os dois foram para a cozinha tomar um refrigerante. Enquanto conversavam, eles ouviram o som de alguém mexendo na porta e não deram importância achando que era a mãe do Cascão chegando do trabalho. De repente, levaram um susto com o grito que Lurdinha deu.

— Mãe, o que foi? – Cascão perguntou correndo afobado.

— Seu quarto! O que aconteceu? Deus do céu, vim parar na casa errada?

Os dois acabaram rindo com a cara de espanto da mulher.

— Calma aí, mãe. O Cebola me ajudou a arrumar meu quarto, foi só isso. Hein? Mãe? – a mulher caiu para trás, esborrachando no chão. Os dois a colocaram na cama do quarto de casal e Cebola foi buscar um copo d'água na cozinha.

— Acho que o coração dela não agüentou.

— Rapaz, que doideira!

Quando acordou, Lurdinha chegou a pensar que o quarto arrumado do filho fosse apenas um sonho e custou a acreditar que era mesmo verdade. Com o Antenor não foi diferente e ele levou várias horas para assimilar aquela novidade.

Cebola voltou para casa e foi cuidar das suas tarefas sentindo o corpo super cansado, mas a cabeça leve como uma pluma. Todo aquele esforço tinha valido a pena.

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Dias depois, Mônica esperava DC sentada no banco da praça. Faltavam poucos minutos para acabar com aquela palhaçada em que seu namoro tinha se transformado. Seu estômago se revirava, um pouco de suor escorria pelo seu rosto e ela torcia as mãos com ansiedade. Ela não sabia se ia ter forças para fazer aquilo e tinha medo de fraquejar.

O rapaz apareceu com uns dez minutos de atraso.

— Mônica? Por que me chamou tão de repente? Poxa, acabei de chegar de viagem e nem arrumei minhas coisas ainda!

Aquela má vontade aumentou em cem vezes a vontade de terminar. Não dava para continuar com aquele tipo de pessoa.

— Eu te chamei aqui porque fiquei sabendo de uma coisa que me deixou muito chateada!

O rapaz ficou preocupado. Ele só tinha dado alguns beijinhos inofensivos naquela ruiva maravilhosa e a notícia já chegou aos ouvidos dela? Mas como?

— Olha, linda, eu posso explicar...

— Não tem explicação nenhuma! DC, que história é essa de juntar com dois caras pra bater no coitado do Cebola? Isso não se faz!

Certo. Ele não sabia se ficava aliviado ou mais preocupado ainda.

— Olha, eu não sei quem te falou aquilo, mas posso garantir que é tudo mentira e... – ela levantou as duas mãos para que ele parasse de falar.

— Eu sei muito bem que é verdade porque você já bateu nele antes!

O rosto dele ficou vermelho de raiva.

— O que eu faço não é da sua conta, valeu?

— É da minha conta sim porque eu não gosto que maltratem meus amigos! E também não gosto de você me controlando toda hora! É por isso mesmo que eu acho melhor a gente terminar porque não tá dando mais.

Ele não acreditou no que ouviu.

— Terminar? Tá ficando doida? Quem você pensa que é pra me dar um fora?

— Sou uma pessoa que não vai mais agüentar seus desaforos!

— Sua ingrata, quando aquele cobaia não te quis mais, eu te namorei e fiz tudo por você!

— Fez porque quis, nunca te pedi nada. E eu também fiz muita coisa por você. Agora acabou. Não me procure mais e pare de implicar com o Cebola.

Ela ia saindo quando ele segurou seu braço com força.

— Olha aqui, sua garotinha mimada, não brinca comigo desse jeito porque eu posso tornar sua vida um inferno!

Ela trincou os dentes com raiva e jogou o rapaz no chão com um golpe rápido.

— Se encostar a mão em mim de novo, eu quebro seu braço inteiro! Tá avisado!

O rapaz ficou largado no chão e Mônica saiu correndo. Ao chegar em casa, foi direto para o seu quarto e caiu na cama sentindo-se exausta, porém feliz. Foi como tirar um peso enorme das suas costas e ela se sentia muito mais leve do que antes.

— Mônica, você tá bem? – Durvalina perguntou entrando no seu quarto.

— Eu tô sim, preocupa não. É que acabei de terminar com o DC. – aquilo foi uma surpresa.

— Terminou mesmo? Já não era sem tempo! Aquele rapaz é abusado demais, seus pais nunca gostaram muito dele.

— Eu não sabia...

— Eles não falavam nada porque achavam que você tava apaixonada. Ainda bem que acabou.

Como ainda era cedo, ela resolveu fazer outra coisa muito importante. Em cima da mesa de estudos tinha uma pasta com alguns itens que ela queria entregar ao Cebola.

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— Pronto, é tudo o que eu vou precisar por hoje. Podem fazer essas compras para mim?

Uma das garotas pegou o papel e a outra falou.

— Sim, nós podemos comprar tudo. Quer alguma coisa do shopping?

— Melhor não. Meus pais estão em casa. – ela falou num sussurro.

Quando as moças saíram de casa, uma delas falou.

— Eu não vou a lugar nenhum usando essa roupa horrível! Vamos nos trocar e vestir algo decente!

— Mas aí a gente vai demorar mais ainda... – ela se encolheu com o olhar cortante da outra.

— Não me importa! Jamais vou deixar que me vejam usando isso! Vamos logo!

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Ela resolveu dar uma pausa no trabalho e foi até a cozinha tomar um copo de água. Rosália estava, como sempre, limpando a sujeira imaginária que seus pais insistiam em ver por toda parte.

— Quer que eu prepare um chá, senhorita? – a empregada ofereceu.

— Não, obrigada. Só quero um copo d’água mesmo. Ela mal teve tempo de dar uns goles quando ouviu a voz rouca da sua mãe lhe chamando da sala.

— Venha aqui agora mesmo! – aquele tom de voz indicava problemas. Ela sabia disso desde que aprendeu a andar.

— Sim, mãe. A senhora me chamou?

A velha respondeu abrindo uma mão e mostrando um pequeno estojo prateado com espelho. A mais nova sentiu uma leve vertigem.

— Eu achei isso na sua bolsa! – A vertigem aumentou. Sua mãe ainda mexia nas suas coisas? – Quero uma explicação agora!

— Uma aluna me deu de presente por tê-la ajudado a se tornar mais responsável.

A ponta da bengala foi batida no chão com raiva.

— Se essa aluna tivesse se tornado responsável, não ia te dar esse presente! Moça direita não fica se olhando no espelho feito uma... uma... – ela não continuou, pois sentia horror em pronunciar essa palavra.

— Ela só tem quinze anos, mãe.

— Não interessa! – a velha jogou o estojo no chão e quebrou o espelho com a ponta da bengala.

Tudo ficou em silêncio. Ela olhou para o estrago com total incredulidade e ergueu os olhos lentamente para sua mãe. Estavam cheios de ira e rancor. Aquilo foi um presente sim, mas de uma amiga. A única amiga que tinha no mundo.

— Não se atreva a me olhar desse jeito ou pode esquecer sua promoção! Seu pai e eu não criamos uma desavergonhada e estou muito desapontada com você!

Ela apertou os dentes com força, reuniu todo seu autocontrole e deixou seu olhar neutro mais uma vez.

— Sinto muito, mãe. Me perdoe.

— Que isso não se repita novamente! Nós não te criamos assim. Rosália! – a empregada apareceu na mesma hora.

— Sim, Sra. Duister.

— Limpe isso agora mesmo e jogue no lixo. Quanto a você, que eu nunca mais veja esse tipo de coisa nos seus pertences. Ficarei de olho!

Rosália pegou o estojo e catou os cacos diante do olhar da patroa. Quando se deu por satisfeita, a velha saiu da sala e foi para o quarto.

Sozinha ali na sala, sentindo um frio enorme dentro de si, ela olhou para a escada por onde a mãe subiu com puro ódio no olhar. Aquela tinha sido a última gota d'água num copo totalmente cheio. Se antes ela tinha dúvidas, depois daquilo passou a ter certeza absoluta. Aqueles dois malditos não iam controlar sua vida nunca mais!

— Hã... senhorita?

— Sim? – respondeu de costas para Rosália.

— O estojo não sofreu nenhum arranhão. Se trocar o espelho, vai ficar novo em folha.

Seu olhar suavizou e ela virou-se para pegar o estojo da mão de Rosália. Ainda estava intacto, pois era de muito boa qualidade. Era de prata com seu nome escrito com letras de ouro e foi feito especialmente para ela.

— Obrigada, Rosália. Eu farei isso. – Falou sentindo-se melhor. Da próxima vez, ela ia ter muito mais cuidado com ele.

A empregada voltou a cuidar dos seus afazeres e ela passou a ponta dos dedos sobre o peito, um pouco abaixo da clavícula, sentindo o pequeno volume que seu pingente formava. Aquela sensação lhe deu mais conforto e certeza de que sua liberdade estava próxima.

—_________________________________________________________

Mônica chegou bem a tempo de ver as portas da lanchonete sendo fechadas.

— Ué, tá fechando mais cedo? – ela perguntou para o rapaz que estava fechado as portas.

— A mãe do dono faleceu tem pouco tempo e o pai dele não anda muito bem. Ele tem que sair e não gosta de deixar os funcionários aqui sem ninguém.

— Puxa, então o Cebola já deve ter ido embora.

— Não, ele ainda tá lá dentro arrumando algumas coisas. Você pode entrar pela porta dos fundos.

Ela fez como o rapaz indicou e viu Cebola guardando algumas coisas na cozinha. Ele levou um susto ao vê-la.

— Oi, espero não estar atrapalhando.

— Atrapalhando? Claro que não! Peraí que eu já tô terminando.

Ele concluiu o serviço rapidamente e eles puderam sair para conversar.

— Tá quase na hora do almoço. Você não quer ir comer lá no shopping? Eu pago!

— Não precisa...

— Ih, nem vem! Estamos no século 21, mulher também pode pagar a conta. Eu tenho um monte de novidade para você!

Ela chamou um taxi, pois estava muito quente para irem a pé, e num instante chegaram ao shopping. Eles sentaram em um dos bancos, se deliciando com o ar condicionado, e o rapaz perguntou.

— Como você tá indo?

— Estou muito bem agora. E você não sabe da última! Eu terminei com o DC!

Ele deu uma risada alegre, feliz por ela finalmente ter dado um chute naquele panaca. Ah, se a Mônica original fizesse o mesmo! Era o seu sonho!

— Não acredito! Sério?

— Sim! E dei a maior bronca nele pelo que te fez! - ela bradou fazendo aquela cara zangada que ele temia e adorava. – Aí ele tentou segurar meu braço e eu o joguei no chão!

— Há! Essa eu queria ter visto!

Ela parecia muito orgulhosa de si mesma e Cebola viu que sua aparência tinha melhorado bastante.

— Ah, também te trouxe isso aqui – ela entregou uma pequena pasta que Cebola abriu e exclamou surpreso.

— Um tablet?

— Também tem acesso a internet, pen touch e fones de ouvido. A senha da internet tá nesse papelzinho aí.

— Você vai me emprestar seu tablet?

— Não, eu tô dando mesmo.

— ...

A moça riu do espanto dele e esclareceu.

— Meu pai vive recebendo essas coisas de brinde. Fica tudo encostado e no fim acaba dando pros outros mesmo.

— Mas... mas...

— Aceita, vai. Eu sei que você tá com dificuldade pra acessar a internet e aposto que deve estar precisando muito.

— Como você sabe... ah, tá... Cascão contou pra Magali...

— E a Magali me contou. Você tá passando muita dificuldade lá com a sua tia e eu fico chateada por não poder fazer muito. – O rapaz se apressou em dizer.

— Você já tá me ajudando um monte com isso aqui!

— E se tiver mais alguma coisa que eu possa fazer, me fala viu?

Seu coração se encheu de ternura. Não pelo presente em si, mas por ela ter se preocupado com ele. Foi um gesto espontâneo, ela fez porque se importava de verdade e aquilo foi como um bálsamo para ele .

— Puxa, eu nem sei que dizer... obrigado mesmo!

— Ah, de nada. Aqui, você quer dar uma voltinha até a hora do almoço? Ainda tá meio cedo pra comer.

Ele a acompanhou de boa vontade e viu que longe do controle dos pais e vigilância das amigas, ela ainda tinha muitos traços da Mônica original, o que encheu seu peito de saudades. Como será que ela estava? Ainda namorava o DC ou seu duplo tinha conseguido ficar com ela? Como não queria estragar o bom momento entre eles, Cebola resolveu não pensar nisso por enquanto.

Os dois foram para a seção de jogos eletrônicos do shopping e eles se divertiram com o dance revolution, acerte as toupeiras e Cebola a ensinou a jogar alguns jogos de que ele mais gostava.

— Ai, não tô conseguindo atirar!

— Faz assim. – ele segurou a mão dela que estava sobre o joystick e sentiu um arrepio agradável. Era pequena, suave e um tanto fria, mas a sensação era muito boa. Até seu cheiro era igual ao da sua Mônica. Céus, como estava difícil se controlar!

Ela também sentiu o coração batendo mais acelerado quando ele segurou sua mão, embora tentasse se controlar porque tinha acabado de terminar o namoro. Será que o sentimento dele estava voltando de novo?

Quando chegou a hora do almoço, eles foram até a praça de alimentação e foram comer em um bom self-service para a alegria dele, que já estava enjoado de comida de lanchonete. Cebola não fez cerimônia e se serviu de arroz com feijão, bife e macarronada a bolonhesa. Para acompanhar, suco de laranja. Enquanto comiam e conversavam, eles ouviram duas pessoas discutindo e brigando numa das lojas.

— Eu heim, o que deu neles? – Cebola perguntou.

— Credo, olha lá! Estão partindo pra violência! Que horror!

Um grupo de pessoas foi separar os dois brigões e outras discussões foram surgindo aqui e ali, como se de uma hora para outra todos tivessem ficado de mal humor.

De repente, Cebola viu o semblante da Mônica ficar carregado.

— Ué, você tá bem? Ficou com uma cara...

— Que estranho, eu tô sentindo uma coisa ruim aqui. Parece que eu tô com raiva de todo mundo e quero quebrar alguma coisa. É tão desagradável!

Era uma sensação estranha que ela sentia de vez em quando, uma vontade de quebrar tudo e arrebentar a cara de alguém. Se não fosse seu grande autocontrole aprendido graças a anos de disciplina, ela teria feito alguma besteira.

De repente, Cebola ouviu uma voz familiar que fez doer seus ouvidos.

— Oi, querrida!

Seus olhos ficaram arregalados e ele não conseguiu acreditar no que estava vendo.


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