Universo em conflito escrita por Mallagueta Pepper


Capítulo 15
Precisa apenas se importar


Notas iniciais do capítulo

Já que eu não postei nada nos últimos dias, hoje vai ter dobradinha para compensar. Divirtam-se!



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Era um sono meio desagradável, uma espécie de torpor que ela não conseguia superar. Uma mão macia afagou seus cabelos, dissipando em parte aquela sensação ruim.

— Mônica, filhinha. Você precisa acordar.

— Hmmm... – ela abriu um olho com dificuldade e viu a imagem embaçada de sua mãe entrando em foco. – Que horas são?

— É hora do almoço, você precisa comer. Vem, vou te ajudar.

Ela fez com que sua filha sentasse na cama, recostando nos travesseiros. Durvalina estava ali perto com uma bandeja de comida.

— Não tô com fome não...

— O médico falou que você precisa comer ao menos um pouquinho. Vai recuperar suas forças.

Durvalina pegou uma bandeja com pés dobráveis e colocou sobre o colo da moça e em seguida pôs uma tigelinha redonda contendo canja de galinha e outra menor com fatias de pão. O cheiro agradável lhe incentivou a tomar algumas colheradas e logo o prato ficou vazio sob olhar satisfeito da sua mãe.

— Ah, que bom! Olha o que eu comprei para você na confeitaria!

Um prato contendo uma fatia generosa de cheesekake com calda vermelha foi colocado na sua frente, fazendo-a olhar para sua mãe com espanto.

— E-eu posso mesmo comer?

— Sim, querida. Você pode comer o que quiser. Passar fome nunca fez bem.

Ela mal pode acreditar e saboreou todo o cheesecake sem cerimônia antes que Luiza mudasse de idéia. Quando terminou, Luiza lhe ajudou a ir ao banheiro para tomar um banho. A banheira já estava cheia e com sais de banho.

— Obrigada, Durvalina. Pode deixar que eu ajudo a Mônica.

— Tá bom, se precisar pode chamar.

Luiza ajudou sua filha esfregando suas costas e tomando cuidado para que ela não escorregasse na banheira. Mônica estava com a cabeça baixa e bastante acanhada com todo aquele carinho e atenção. Ao fim do banho, ela vestiu uma camisola limpa e foi para a cama de novo ainda esperando uma bronca ou um sermão a qualquer momento. Como não veio nem uma coisa, nem outra, a moça não agüentou e arriscou uma pergunta.

— A... a senhora tá zangada? – a mulher ouviu a voz trêmula e hesitante.

A mulher sentou-se na beirada da cama, abaixou a cabeça, deu um suspiro e respondeu.

— Estou, mas não com você e sim comigo mesma por ter deixado isso acontecer.

Mônica ficou muito surpresa com a resposta.

— Eu... desculpa mãe...

— Acho que eu devo pedir desculpa. Eu devia ter percebido como isso estava te fazendo mal e continuei insistindo. Mas não se preocupe, você não terá mais que trabalhar com a Srta. Duister. Já telefonei para ela e expliquei tudo.

— Ela ficou brava? – sua mãe deu de ombros.

— Nem sei se ela é capaz de ficar brava... pelo telefone eu não notei nada.

Ela sabia que o problema não se tratava somente da Srta. Duister, mas ainda não estava preparada para ter aquela conversa. O melhor era dar um passo de cada vez e a moça também não parecia com disposição para falar sobre algo tão sério. Ela tinha que descansar primeiro e repor as energias.

— Agora descanse, meu amor. Amanhã você estará bem melhor. – a mulher falou lhe dando um beijo na testa. – Mais tarde nós podemos ver um filme juntas, que tal? – os olhos da filha brilharam, o que lhe encheu de alegria.

— Que bom! E vai ter pipoca?

— Só se for caramelada bem doce! Vou comprar uns chocolates também, você vai adorar!

Ver a expressão de alegria no rosto da filha foi a melhor coisa que ela experimentou nos últimos dias. Eu marido tinha razão, a felicidade dela era mais importante do que regras bobas.

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Ela teve que esperar um bom tempo até ver o carro da mãe da Mônica saindo da casa para poder tocar a campainha. Durvalina lhe atendeu.

— Er... eu vim pra saber como a Mônica tá... eu tentei ligar no celular e ela não atende...

— Você é amiga dela? – Durvalina quis saber.

— Sou a Magali. Posso falar com ela?

— Espera um pouco que eu vou ver se ela tá acordada.

Durvalina foi até o quarto da Mônica e viu que a moça estava lendo um livro.

— Mônica, tem uma amiga sua chamada Magali querendo te ver. Se quiser, peço pra ela voltar outro dia...

— A Magali? Não, pode falar pra ela subir.

— Você não tá cansada?

— Eu tô bem melhor agora.

Uns dois minutos depois Magali entrou no seu quarto, parecendo um tanto intimidada com o tamanho e o luxo da decoração.

— Oi, Magá! Senta aí!

A ex-valentona colocou as mãos na cintura e falou com cara zangada.

— Eu devia é te dar uns tablefes, isso sim! Como você faz um troço desses?

— O Cebola te falou, não foi?

— Ai dele se não falasse! Poxa, por que você não conversou comigo?

Mônica abaixou a cabeça.

— Desculpa, eu tava desesperada demais. Sou uma fraca mesmo! Não agüentei o tranco e acabei fazendo besteira!

— Tá, tá, não precisa ficar assim. Ainda bem que o Cebola te encontrou a tempo. Ele sim é um herói, só que dessa vez sem máscara.

Elas deram uma risada e o clima ruim foi dissolvido.

— Minha mãe falou que eu não preciso mais trabalhar com a Srta. Duister, isso não é bom?

— Ufa, demorô! Agora você vai ficar bem melhor. E as aulas de taekwondo?

— Ela ter cedido nessa parte já foi muita coisa. Vou dar um tempo, me recuperar bem e conversar com ela de novo. Mas eu ainda tenho medo dela não gostar de mim como eu sou...

— Ela brigou com você por causa do que aconteceu?

— Não, ela foi até muito carinhosa. Mas pode ter feito isso por pena ou porque ficou com a consciência pesada...

— Ih, nem começa! Tenho certeza que não é nada disso. Tenta conversar com ela quando der. Vai fazer bem pra vocês duas.

Um calafrio estranho percorreu seu corpo e Magali ficou em alerta como se houvesse algo no quarto.

— O que foi?

— Estranho, parece que tem alguma coisa aqui...

— Só tem nós duas e a Durvalina tá lá em baixo.

Magali levantou-se e ficou andando pelo quarto guiando-se pela estranha sensação e algo debaixo da mesa de estudos atraiu o seu olhar. Era uma pena bem preta, um pouco maior que a de uma galinha e era macia.

— Ué, como isso foi parar aí? – Mônica perguntou estranhando algo assim no seu quarto.

Ela girou a pena com os dedos, olhando de um lado para outro enquanto sentia aqueles calafrios estranhos percorrendo seu corpo.

— Tem alguma coisa estranha com essa pena, eu posso sentir!

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— Então você chega amanhã? Ótimo, estou mesmo precisando de você aqui. Hum? Não se preocupe, a mãe dela ligou falando que ela não irá mais trabalhar comigo. Será só você agora.

Deu para ver a alegria da voz do outro lado da linha. Srta. Duister continuou.

— No dia trinta de julho minha promoção será oficializada. Te darei mais detalhes quando você chegar.

Elas conversaram mais um pouco e Srta. Duister desligou satisfeita por ter se livrado da Mônica. Aquela garota inútil já não tinha mais nada para lhe dar.

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— Mas que droga, não acredito nisso! – ele ouviu o dono da lanchonete bradar da cozinha.

Segundos depois ele ouviu mais praguejamento e perguntou a um colega de trabalho.

— O que tá pegando?

— Um vazamento feio lá na cozinha. – o homem respondeu. - Acho que você vai ter um bocado de trabalho daqui a pouco!

Ele estava certo. Houve um entupimento complicado na pia, o que impossibilitou todo o trabalho daquele dia porque o encanador teve que ser chamado. Cebola teve que arrumar um jeito de ajudar a lavar os utensílios e limpar toda a sujeira depois que o encanador terminou de consertar o entupimento. Como havia pouco movimento, o dono resolveu fechar mais cedo e dispensá-lo.

Ainda eram cinco da tarde e Cebola resolveu aproveitar para visitar a Mônica e saber como ela estava.

— Oi, Cebola. Você veio ver a Mônica, não é? Uma amiga dela também veio mais cedo.

— A Magali?

— Ela mesma. Vou ver se a Mônica vai poder te atender. Ela teve muitas emoções hoje!

Quando ficou sozinho, Cebola deu uma olhada ao redor e ficou admirado com o luxo daquela casa. Era bem mais bonita do que ele se lembrava de ter visto na tela da nave Hoshi.

— A Mônica pode te ver sim. Só não pode demorar muito porque daqui a pouco os pais dela chegam.

— Tranqüilo.

Ela ainda estava abatida, o que o deixou preocupado. Pelo menos parecia mais alegre e bem disposta.

— Cebola, que bom te ver! – ela o recebeu com um abraço e um beijo na bochecha que o deixou bobo e de pernas moles. Ah, que saudade de ganhar um beijo da Mônica!

— O-oi, eu quelia muito te ver... queria... como você tá?

— Estou melhor agora. A Durvalina falou que foi você quem me encontrou, muito obrigada mesmo! Nem sei como agradecer!

— Não precisa agradecer. Mas poxa, você não devia ter feito aquilo...

Ela o soltou e sentou-se na cama.

— É, eu já sei que sou uma fraca imprestável. – ele sentou-se do seu lado.

— Fraca coisa nenhuma! Não fala assim!

O corpo dela sacudiu fortemente e um choro sentido saiu do seu peito. Cebola afagou seus cabelos e depois lhe deu um abraço forte, o que a fez chorar mais ainda.

— Eu sou uma fraca sim! Fraca, mole, chorona, mimada, não sirvo pra nada! Eu não quero ser assim, mas acabo sendo! Por que eu sou assim, por quê?

Ele deixou que ela desabafasse a vontade e algumas lágrimas também saíram dos seus olhos. Doía muito ver a Mônica chorando daquela forma, ainda que fosse um duplo.

— Mônica, você é a pessoa mais forte que eu conheço. Esqueceu do que você fez no ano passado?

— É isso que não entendo! Eu era tão forte e gostava muito! Me sentia viva, independente, poderosa! Depois isso acabou e eu não consigo mais ser forte! Tenho medo de decepcionar as pessoas, dos meus pais não gostarem de mim, de muita coisa! O que tá acontecendo comigo?

Cebola tinha um palpite. Toda aquela força vinha da Mônica original. A Mônica alternativa não aprendeu a ser forte porque durante toda sua vida seus pais lhe educaram para ser uma garota frágil e delicada. Só que ele não podia falar a verdade.

— Você ainda é forte, mas precisa aprender a confiar em si mesma e não ter mais medo do que os outros vão pensar. A vida é sua, Mô. É você quem precisa escolher seu próprio caminho.

— E meus pais? – ela perguntou soluçando.

— Você tem um grande coração, se esforça para ser uma boa filha, não dá trabalho e tenta ajudar as pessoas. Você tem muitas qualidades e é isso que eles têm que ver!

— Minha mãe nunca me aceitou de verdade!

— Ela te ama, só não sabe como demonstrar. E você precisa amar a si mesma. É isso que importa. Vai por mim, você é muito mais forte do que pensa.

Os olhos dela brilharam.

— Acha mesmo?

— Acho sim, mas é você quem deve achar isso e aprender a se dar valor. Não fique presa ao que os outros pensam. Quem sabe da sua vida é você e mais ninguém.

— Eu... eu acho isso... eu acredito!

— É só isso que importa. Deixa a sua força sair. Tem hora que você vai ter medo, dúvida, vai fraquejar. Mas nunca esqueça de quem você é, Mô. Nunca mesmo. Eu jamais vou esquecer.

O rosto dela ficou vermelho e Cebola não resistiu. Ele lhe deu um beijo carinhoso em sua testa, enxugou suas lágrimas e acariciou seus cabelos docemente.

— Você é perfeita do jeito que é, não precisa fingir ser outra pessoa pra agradar ninguém. Nem a mim mesmo.

— Cebola...

O clima estava tão fofo e romântico que Durvalina sentiu necessidade de aparecer na hora errada anunciando.

— Mônica, seus pais vão chegar daqui a pouco e não vão gostar de ver vocês dois de agarra-agarra.

Ambos ficaram de rosto vermelho e Cebola afastou-se rapidamente raspando a garganta para disfarçar o embaraço.

— Então é isso, eu vou indo porque preciso chegar logo em casa. A gente se vê!

— Tá bom!

Ele saiu dali sentindo o coração batendo forte e muito emocionado. Sim, aquela ainda era a Mônica, mas o idiota do seu duplo não foi capaz de perceber isso e ele quase comete o mesmo erro. Isso tinha que mudar e ele decidiu ajudá-la voltar a ser quem era de verdade. Rômulo e Rosália podiam esperar. Ela não.

—_________________________________________________________

Eles ficaram muito sem jeito depois de terem se encontrado pela primeira vez depois de um ano. Magali estava com o rosto vermelho e Cascão não sabia o que dizer.

— E aí, cara, beleza? – ela arriscou timidamente.

— Beleza. Entra aí. – ele convidou e os dois sentaram no sofá.

Ela precisou reunir muita coragem para começar a conversa.

— Como você tem andado? – perguntou preocupada com o aspecto dele.

— Levando, como sempre. E você? Achei que fosse voltar só no ano que vem.

— Meus pais acharam melhor eu voltar antes.

— Não tá com medo de voltar pra escola?

— Se o pessoal vier pra cima de mim, saberei me defender.

— Acho que não vai dar galho. Os inspetores estão sempre marcando em cima.

Eles ficaram em silêncio por alguns segundos e Magali deu um longo suspiro. Depois de tanto tempo e terapia, ainda era difícil fazer aquele tipo de coisa.

— Desculpa, Cascão. Eu atrapalhei sua vida e te deixei sozinho. Não queria nada disso, é sério!

— Eu sei. As coisas acontecem. Eu tô de boa, preocupa não.

— Aposto que ainda deve estar sendo difícil pra você, não tá?

O rapaz abaixou a cabeça.

— Sei lá, eu achei que as coisas fossem melhorar pra mim, mas não melhorou nada.

— É difícil mudar. Sei como é isso.

Um suspiro escapou do seu peito, pois ela parecia entender como ele se sentia.

— Pra mim também tá sendo difícil. Não quero me meter em encrenca, nem brigar com ninguém. Esse tempo passou. Mas parece que, sei lá, sempre tem um diabinho em cima do meu ombro mandando eu fazer coisa errada.

— E como você tá agüentando?

— Um dia de cada vez, eu acho. Pelo menos você é gente boa e não tem esse problema.

— Peraí, você também é gente boa. Você sempre nos defendeu quando precisamos.

— E também dava sopapo, xingava e maltratava. Puxa, eu não devia ter feito aquelas coisas e tô muito mal com isso.

Ela calou-se e fez grande esforço para não chorar. Cascão percebeu seu embaraço e procurou não falar nada que pudesse desencadear uma crise de choro.

— Pelo menos você tá tentando melhorar. Nem sair do lugar eu consigo.

— Isso não tá certo. Você tá assim por minha causa...

— Ih, qualé! Isso é passado, eu é que tenho de superar. Não sei como vou fazer isso, mas tô na luta aqui.

— Eu também tô. Por que a gente não luta junto? Eu te ajudo e você me ajuda.

Cascão ficou calado por um tempo e voltou a falar.

— E a gente ajuda o Cebola. Você nem imagina a barra que ele tá passando. É sinistro demais!

Cascão lhe contou tudo o que sabia, deixando Magali revoltada. Nem ela teria sido capaz de fazer aquele tipo de coisa.

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Uma semana passou sem que Cebola conseguisse nenhuma pista. Ele não sabia o quê e nem onde procurar e estava num beco sem saída. O mesmo acontecia com Rosália e Rômulo. Por mais que pensasse, ele não conseguia bolar nenhum plano decente para colocar aqueles dois no olho da rua.

A única coisa que ele estava conseguindo fazer era ajudar os amigos, o que era muito gratificante. Magali e Cascão tinham feito as pazes e sempre iam à lanchonete para conversar um pouco.

— A Mônica tá recuperando bem. Os pais dela vão deixá-la sair de casa amanhã e a gente vai dar um passeio juntas. Ela quer me levar ao (argh) shopping! – Magali falou fazendo uma careta. – Juro que até agora não sei como ela me convenceu!

Cebola e Cascão deram uma risada. Ela ainda tinha traços de valentona marrenta.

— Relaxa, Magá. – Cascão falou. – Vai ser tranqüilo. Vem, vou te pagar um hambúrguer com fritas. Meu pai liberou uma verba!

Como estava muito feliz por ver o filho saindo de casa e fazendo amizades, Antenor resolveu abrir a mão e caprichar na mesada. Era melhor gastar mais um pouco do que ver o Cascão enfurnado no quarto sem esperança alguma.

Quando teve a chance, Magali tirou algo do bolso da jaqueta e mostrou aos amigos.

— Gente, saca só! Eu achei isso no quarto da Mônica quando fui visitar ela no outro dia!

— Uma pena de corvo? – Cascão perguntou não muito impressionado.

— Pelo que sei, não tem corvos nesse bairro. – Cebola pegou a pena para examinar e sua marca de IOR começou a coçar sob a manga da camisa do uniforme.

— Tem uma coisa estranha nessa pena aí, tô te falando! Vem cá, como foi mesmo que você salvou a Mônica? – Magali quis saber e Cascão também estava interessado.

— É mesmo, véi! Você nunca falou o que aconteceu de verdade!

Cebola foi atender mais alguns clientes e voltou a falar com eles, contando tudo o que aconteceu. Desde a sensação urgente de que deveria falar com a Mônica até o momento em que entrou no quarto dela. Magali notou que algo ali não estava fazendo sentido.

— Peraí, primeiro você falou que a porta tava trancada, depois ela abriu? – pela primeira vez, Cebola parou para pensar nesse detalhe.

— Agora que você falou... isso foi estranho mesmo! Foi como se alguém tivesse destrancado por dentro! Só que não foi a Mônica porque ela tava desacordada!

— Sinistro! – Cascão falou em voz baixa todo arrepiado.

— Sinistro é eu ter que trabalhar na casa da Srta. Duister! – ele falou mudando de assunto.

Cascão chegou a engasgar com uma batata frita.

— Quê? Fala sério! Tu é azarado demais, véi! Logo na casa daquela mulher?

— Do jeito que vocês falam, ela deve ser o cão chupando manga. – Magali falou com a boca cheia de hambúrguer.

— Essa dona é muito bizarra. – Cascão explicou. – Geral borra de medo quando ela aparece na escola.

Cebola também não entendia a razão de tanto medo. Ela nem era feia para falar a verdade. Se usasse roupas modernas e colocasse um sorriso naquela cara congelada, poderia até ficar muito bonita.

— O que eu não entendo é alguém tão jovem usar roupas que nem minha avó usava. – Cebola falou após atender mais alguns clientes. Cascão deu uma risada.

— Jovem o caramba! Aquela ali deve ter uns quarenta no lombo! – o rapaz levou um susto.

— Quarenta? Eu dava vinte e olhe lá!

Depois que os amigos foram embora, Cebola puxou a manga do uniforme e viu que o local da marca de IOR estava vermelho da mesma forma quando Srta. Duister apareceu na sala do diretor. Isso queria dizer algo ou era só coincidência?

—_________________________________________________________

Ela fez algumas flexões e polichinelo, mostrando boa disposição. Mesmo não estando em plena forma, Mônica se sentia muito bem. Suas faces estavam mais coradas e ela até ganhou um pouco de peso melhorando aquela magreza doentia.

— Nossa, quanta disposição! – Luiza exclamou surpresa ao ver como a filha se exercitava e nem parecia fazer força.

— Pois é, eu tô me sentindo bem melhor!

— Dá para ver que você melhorou, fico feliz. É hoje que você vai ao shopping com uma amiga sua?

— Vou sim. Ela tá pensando em mudar o estilo e eu vou ajudar.

— Ah, que bom! Passear vai te fazer bem.

A mulher estava saindo do quarto quando Mônica chamou de novo.

— Er... mãe...

— Sim? – ela voltou-se para a filha novamente. A moça respirou fundo e pediu.

— Eu sei que a senhora não gosta e tal, mas é que eu queria muito voltar a fazer... er... taekwondo...

A última palavra foi pronunciada num sussurro quase inaudível e ela se encolheu toda já esperando levar uma reprimenda. Ao invés disso, Luiza chegou mais perto e perguntou.

— Você quer mesmo isso?

— Eu... eu... – seu corpo tremeu e suor escorreu pela sua testa. As palavras embolaram na sua boca e ela mal conseguia olhar no rosto da sua mãe.

“Não, eu não posso ter medo! Ela é minha mãe, não vai me fazer mal!” A pior coisa que sua mãe poderia fazer era dizer não. Era preciso ter coragem para se posicionar. Se ela não fosse capaz de fazer isso, também não ia conseguir dar o fora no DC. Ela respirou fundo, engoliu o medo e encarou sua mãe.

— Sim, eu quero. – começou com a voz trêmula que foi ficando mais firme a cada palavra. – É o que eu gosto de fazer, sempre gostei. Eu sei que a senhora quer que eu seja uma princesinha delicada, mas eu não sou assim, nunca fui!

Ela fechou as mãos com força, rezando por coragem e continuou.

— Eu faço o melhor que posso, mãe. Sei que posso fazer muitas coisas, mas eu queria que me amasse do jeito que sou, não do jeito que a senhora quer que eu seja! Eu tentei mudar pra te agradar, mas foi doloroso demais pra mim! Realmente não dá!

Algumas lágrimas vieram aos seus olhos, mas ela não fraquejou. Era preciso encarar aquele medo de uma vez por todas se quisesse ser dona da sua vida.

— Eu não sou bruta, não sou grossa, não saio mais brigando e batendo em todo mundo que nem fazia quando era criança. Esse tempo passou, eu mudei e estou mais controlada. Mas eu quero ser eu mesma, quero ser forte, independente, não quero ficar me desdobrando pra agradar todo mundo.

Após mais um suspiro, ela perguntou.

— Tem jeito da senhora me amar sendo como eu sou?

Quando ouviu aquela pergunta, Luiza se desmanchou em lágrimas sentindo-se a pior mãe do mundo. Como ela pode deixar sua filha pensar que não era amada? A mulher a abraçou com força e elas ficaram assim por alguns minutos.

— Filha, eu te amo de qualquer jeito! Desculpe se te fiz pensar o contrário, não era minha intenção. – ela se afastou um pouco para olhar Mônica nos olhos. – Você é minha filha, a única que vingou! Quando você nasceu, era tão frágil que tive muito medo de te perder.

— Mãe... eu não sabia...

— Eu queria que você fosse delicada e sempre dócil porque achava que seria mais seguro, que assim teria sempre você perto de mim para te proteger. Não suportaria te perder de jeito nenhum.

Mônica chorava mais ainda, só que era de alegria ao saber que era tão amada.

— Eu também te amo muito, mãe, e quero sempre ficar perto da senhora.

— Mas você precisa ser independente e forte para enfrentar a vida. As outras pessoas não vão te mimar como seu pai e eu fazemos e lá fora pode ser muito difícil. Não quero que você sofra por causa dos meus erros.

A mulher enxugou as lágrimas e voltou a falar.

— Pode fazer sua aula de taekwondo e qualquer outra que você quiser. Seja forte, filha. Seja você mesma. Seu pai e eu vamos te amar e apoiar de qualquer jeito.

Feliz como não se sentia a muito tempo, Mônica voltou a lhe dar um abraço apertado e até ergueu sua mãe do chão. Luiza levou um susto e caiu na risada.

— Nossa, tinha esquecido de como você é forte! É a minha garota!

—_________________________________________________________

— Você está muito tempo se olhando nesse espelho. – uma voz ralhou atrás dela.- Está ficando desavergonhada que nem essas mulheres que vejo por aí?

Srta. Duister sentiu uma sensação desagradável no estômago, mas procurou se controlar e respondeu com a voz neutra.

— Não, pai, me desculpe. Eu não estava conseguindo arrumar meu cabelo adequadamente.

— Hunf! Não vejo nenhuma dificuldade. – o homem falou. – Isso devia ser rápido.

— Seu pai está certo. – a velha emendou. – Esse penteado é bem simples, como uma mulher tem que ser. Espero que não esteja cultivando nenhuma vaidade, você sabe que reprovamos isso.

— Não, mãe, não estou cultivando nenhuma vaidade.

— Acho bom mesmo! Termine logo e saia daí ou vamos tirar esse espelho do seu quarto. Uma mulher direita não pode ficar se admirando o dia inteiro, onde esse mundo vai parar?

— Uma vergonha, uma grande vergonha!

Os dois saíram do seu quarto, deixando-a sozinha encarando seu reflexo.Foi preciso respirar fundo várias vezes para se recompor. Ela terminou rapidamente, olhou a si mesma mais uma vez e sentiu tristeza ao ver seu rosto tão bonito sendo apagado por aquele penteado sem graça e aquelas roupas horríveis.

Algo fino e prateado saiu da gola do seu vestido e ela tirou para contemplar o pingente. Depois o colocou de volta rapidamente tomando o cuidado para ficar bem escondido, pegou a bolsa e foi para o trabalho.

“Um dia estarei livre de vocês dois.” Foi seu pensamento antes de sair de casa.


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