Reino em Cinzas escrita por Julia A R da Cunha


Capítulo 6
Soluço


Notas iniciais do capítulo

AVISO DE GATILHO: Menção a estupro



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Um dos poucos motivos de querer ir ao banquete era a comida e o álcool disponíveis, como em quase todo banquete. Não é só pra mim, repetia a si mesmo em silêncio, distraído com o banho e depois com todas as peças de roupa. E, de fato, não era só para ele; seu povo ainda não tinha conseguido recursos suficientes para um evento do tipo, e um pouco de liberdade para saciarem suas gulas e diversão seriam muito bem-vindos.

Pela janela, pôde ver os primeiros flocos de neve da estação caindo tímidos do céu, escorregando pelo ar e por entre as folhagens da mata, o que durou apenas poucos minutos antes de terminar. Quase como uma confirmação, uma brisa gélida lambeu suas bochechas. O verão estava mais e mais próximo do fim. Soluço sorriu. Por um breve instante, aquilo o fez sentir-se mais perto de casa.

Terminou de se arrumar colocando o seu manto de pele sobre os ombros. A peça era pesada, grossa, e chegava perto de fazê-lo achar que podia ser mais imponente. Será que algum dia transmitiria uma imagem de respeito sequer próxima da de Steinur, o Imenso? O pensamento o fez rir de si mesmo. Um sibilo característico soou às suas costas, transformando seu sorriso de envergonhado para desafiante. O manto pode não fazer grande, mas o dragão com certeza fará.

Lá estava ele, encarando-o com aqueles olhos amarelos penetrantes. Ainda sentia uma barreira entre os dois, mas era só uma questão de tempo, de proximidade. Levá-lo para o banquete os faria passar o tempo de diversão juntos e também ajudaria a criatura a ficar definitivamente confortável perto dos humanos.

— Vamos lá, garoto.

Outra vez, o dragão sibilou em resposta e se virou, acompanhando-o para o salão. Seu avô, Astrid e Vento Veloz já estavam ali, esperando-o. E Astrid... Uau!

Nunca deixava de ficar deslumbrado com sua beleza, nem no dia a dia e muito menos quando tinham algum evento como aquele. Seus cabelos estavam parcialmente soltos, jogados sobre os ombros, com algumas mechas presas para trás em uma trança – seus cabelos tinham volume o suficiente para que essas ficassem grossas e ainda sobrasse bastante solto. Suas orelhas ostentavam brincos de prata, material também presente no colar encaixado perfeitamente sobre o colo, tudo deixando seu vestido carmesim ainda mais encantador. Por uma fenda discreta na saia, podia ver as calças e botas comuns que ela usava por baixo. Ainda precisariam voar até o outro assentamento, afinal. Aquele tipo de vestimenta tornara-se comum entre as mulheres de Berk nos últimos anos.

Soluço se aproximou para um beijo e aproveitou para sussurrar em seu ouvido:

— Parece a própria Freyja. — Astrid não conteve o sorriso. — Bom... Tem certeza de que Vento Veloz consegue aguentar nós três?

— Ah, ela não vai ter problemas. É grande e bem forte — ela respondeu.

— Assim como sua cavaleira — Velho Enrugado comentou, com um riso fraco e aconchegante. — Agora vamos logo! O resto de Berk já foi a cavalo, nesse passo vão chegar antes que nós, e eu tô com fome e uma vontade enorme de beber aquela cerveja deles. Sinto falta de um pouco de música e gritaria.

Os dois riram com o comentário e foram até a dragonesa, primeiro ajeitando o velho entre os espinhos de suas costas. De vez em quando, esqueciam-se que aquele homem curvado e frágil tinha os mesmos gostos e desejos que eles. Talvez fosse um mal que os anciãos fossem fadados a sofrer pela aparente tranquilidade e fraqueza.

Soluço terminou de ajeitá-lo com um tapinha no braço.

— Não vai beber mais do que for prudente te dar, vô.

— Bah, prudente! — Jogou uma das mãos para trás em reprovação, mas seus olhos mostravam que ainda brincava com o neto. — Prudente deve ficar o chefe, não vá se esquecer disso, menino.

— Sem problemas, vô.

O jovem se sentou logo na frente dele e, na sua, foi Astrid, comandando Vento Veloz. Com um gesto leve, porém firme, ela serpenteou para o lado de fora com o macho a acompanhando bem ao lado. Vê-lo caminhando sozinho cravou mais um espinho amargo em Soluço.

A mão do seu avô tocou seu ombro suavemente. Ele se inclinou para trás para ouvi-lo.

— Aquele dragão sabe muito bem que você tem receio de montar nele. Enquanto não aceitar que não vai ter o Banguela de volta, não vai montar esse aqui. Acolha ele. Sei que quer isso, eu te conheço. É um bom rapaz e sei que quer o melhor para ele. Então o receba. Não como um substituto do Banguela, mas como ele mesmo.

Soluço engoliu seco. Velho Enrugado estava certo, mais do que certo, mas isso não tornava as palavras menos doloridas. Afinal, dizer aquilo em voz alta fazia seu sentimento ser real. Não estava triste só por não poder montá-lo – era por tudo. Por não ter mais seu melhor amigo, por ter ciência de que aquele dragão sabia que não foi totalmente aceito, do perigo que ele corria caso não fosse montado. E com isso veio a raiva. Raiva não, ódio. O ódio o corria silenciosamente a cada dia que passava. Não queria ter que estar ali, não queria ter que domar dragões de novo tão pouco depois de lidar com a perda, muito menos usá-los para a guerra. Ser forçado a usá-los nos saques ou então teria que lidar com a culpa de suas mortes que os outros nórdicos ali deixaram claro que aconteceria. Mas ainda assim, precisava dos saques, precisava ser recebido ali e precisava salvar os dragões.

— Eu vou... eu vou cuidar disso — murmurou em resposta. — Eu prometo.

Seus amigos os aguardavam no espaço circular à frente do salão e das outras construções, cada um montado no seu animal, inclusive seu primo, Melequento, apesar de ainda demonstrar dificuldade em manter a harmonia com Jörmungand, já que ele chacoalhava o corpo sem parar e mordiscava as pernas do jovem. Até ele já conseguiu montar, apesar dos problemas.

— Vamos lá, então, gente.

Soluço assobiou para seu dragão. O animal olhou-o e grunhiu em resposta. Acenou para cima com a cabeça e observou enquanto ele abria as asas enormes e subia para o céu, liderando seu bando pelo céu noturno.

Sentir o vento em seu rosto daquele jeito fez seu coração saltar mais do que imaginou ser possível. Soluço precisou prender o ar enquanto subiam mais e mais alto, aproximando-se da noite estrelada e com todo o resto do mundo longe, abaixo deles. Tudo sempre ficava com um toque mágico durante a noite. Ali, sentia-se verdadeiramente livre.

Ele fechou os olhos por alguns segundos, focando apenas nas sensações ao seu redor, na leve vertigem típica de quando mudavam de altitude ou giravam para algum lado. Quando os abriu novamente, viu as mesmas expressões em Melequento à sua esquerda, em Perna de Peixe, nos gêmeos, e tinha certeza de que Astrid estaria da mesma forma.

Era nos céus que eles pertenciam.

À direita, seu dragão o observava de canto, analisando cada movimento, cada expressão daquele humano. Pela primeira vez desde quando se encontraram, puderam se encarar no fundo dos olhos de forma a entrar na sua existência, compartilhando um com o outro todo o seu interior.

Soluço ergueu a mão para o lado, mesmo sabendo que não poderiam se aproximar o suficiente para um toque sem trombar em Vento Veloz. Ainda assim, o dragão pareceu compreender e amansar a expressão. Um oceano de paz repentina invadiu o peito do jovem. Tudo estava em seu devido lugar.

Um grito de empolgação ecoou. Soluço virou-se e viu Melequento de braços abertos, a ventania bagunçando seus cabelos e roupas. O rapaz ria sem parar, e ele também começou a rir. Deveriam ser discretos ainda quanto aos dragões, mas não importava agora. Logo depois, os gêmeos fizeram o mesmo, seguidos por Astrid e o próprio Soluço.

Sim, tudo estava bem.

Era ótimo que aquele assentamento estivesse bem escondido e distante de outras fazendas ou vilas, pois a música, as risadas e a gritaria poderiam com certeza ser ouvidas de longe.

Depois de um saque farto, as mesas estavam cheias de porco e cordeiro, vários legumes que nem conseguia mais identificar, e muita, muita cerveja. Aquilo misturado com a fumaça forte no ar das carnes assando eram capazes de deixar a mente de qualquer um inebriada.

Como não precisavam ficar muito tempo socializando com todos que estavam ali – o que seria, na verdade, pessoas demais para que isso fosse possível –, o grupo pôde se sentar em um canto e conversar entre si, e não demorou muito para que todos fossem relaxando, deixando os tambores e cordas da música dominarem seus pensamentos e rendendo-se ao que lhes era servido.

Até Soluço se surpreendeu quando percebeu que ria com as brincadeiras internas dos amigos e que não tinha mais certeza de quantos copos bebera até então. Bom, como as pontas de seus dedos já estavam dormentes, sabia que não eram poucos.

Não muito depois, sentiu um beliscão na altura das costelas, e virou-se para ver seu avô o observando.

— Tudo bem, tudo bem, já parei!

— Quero só ver.

Astrid e Melequento riram ao seu lado ao verem a cena.

— Precisa que o vovô tome conta de você hoje, Soluço? — Seu primo atiçou.

— E vocês, hein? Não sou eu que vou conduzir nenhum dragão pra casa hoje — retrucou. — E não, não vou tomar o lugar de ninguém pra voar! Vocês que se controlem.

— Hm, certo, chefe — Astrid zombou. — Você quem manda.

E assim boa parte da noite se seguiu, com o ar repleto de canções e risadas. Mesmo parando de beber, Soluço parecia perder a continuidade de alguns acontecimentos. Em um momento estava com Astrid do lado de fora do salão, escondidos juntos entre as árvores, meio às pressas; em outro voltara ao salão e conversava com alguém de sua tribo; em outro, com alguém que nunca tinha visto antes; depois competindo em algum jogo com Melequento e Töffe, pouco antes do próprio primo sumir com alguém por aí. Quando sentiu sua mente mais limpa, se perguntou há quantas horas já estavam ali, apesar de ainda não estar exatamente cansado.

Sabia apenas que, de repente, a música parou de tocar e o que ouvia era o galopar de cavalos se aproximando seguido de gritos de vitória. Algumas pessoas no salão começaram a bater os copos nas mesas em antecipação.

— O que tá acontecendo? — Astrid perguntou.

— Não faço ideia.

Ramond entrou no salão de braços abertos, recebendo as salvas como se fosse um herói, com uma corda entre seus dedos presa a alguma outra coisa que estava do lado de fora. Outros vikings adentraram o local depois dele, como Einar e alguns dos berserks de Dagur – que ele autorizara anteriormente a saquear caso quisessem –, todos reagindo da mesma forma.

Com um movimento de sua mão, o salão silenciou. Alguém lá fora estava chorando.

— Meus amigos — Ramond começou —, eu sei que a festa está ótima, mas nem toda a diversão chegou ainda! — Ele riu, junto com alguns outros. — Vejam bem: eu, Einar e outros homens estávamos ainda por aí, procurando o que mais poderíamos trazer para animar essa noite. Por isso, nós lhe trazemos... garotas escocesas!

Soluço sentiu a mão de Astrid esmagando a sua, suas unhas entrando na pele. Ele próprio pareceu se esquecer de como respirar. Sabia muito bem o que aquilo significaria, todos sabiam. E pelo mesmo motivo que seu estômago embrulhava, muitos dos homens gritavam em celebração mais uma vez. Só os homens, pôde notar.

Puxadas pela corda, as moças foram arrastadas para o salão; os cabelos desgrenhados caindo sobre seus rostos e os vestidos rasgados, sujos de terra, suor e sangue, escorregando pelos ombros. Dava para ver o quanto estavam exaustas e apavoradas. Há quanto tempo eram carregadas pelas matas? Muito tempo, ele sabia. O suficiente para que o suor secasse e elas começassem a visivelmente tremer de frio – e de medo – sob os poucos panos.

— Eu sei que elas não são lá tão belas quanto as nossas mulheres do norte, mas dá pra se divertir um pouco, caso queiram. — Mais copos foram batidos nas mesas.

Ramond então se aproximou de uma das jovens, com longos cachos ruivos altos sobre a sua cabeça e caindo sobre sua face e, entre eles, dois dos olhos mais selvagens que Soluço já viu.

— Uma dica pra vocês, meus caros, é que as mais bonitas são as mais ferozes. — Ele tocou o queixo da menina, que virou o rosto com força. — Nada que algumas rodadas com os senhores não resolvam — gargalhou.

— Ninguém vai passar por rodada nenhuma com ninguém aqui! — Astrid gritou. Ela estava de pé ao seu lado, avançando em passos firmes para o grupo de vikings. Sua voz exalava todo o seu ódio.

Os homens a olharam da cabeça aos pés e riram.

— Posso saber por quê?

— Porque eu estou dizendo.

Uma explosão de gargalhadas estremeceu o ar. Dentro de si, Soluço sentiu um fogo consumir todo o seu ser, louco para destruir cada um deles. Einar o encarou com desdém e gritou sobre as risadas:

— Acho que precisa controlar melhor a sua esposa!

— Ela controla muito bem a si mesma! — Agora ele quem gritava. Ele se levantou e parou ao lado de Astrid, seguido pelos amigos. — Você é que deveria controlar a sua língua quando fala com ela ou qualquer um dos meus. Ninguém vai tocar um dedo nem nessa garota e em nenhuma outra!

— E quem é você pra dizer alguma coisa? — Ramond se curvou sobre ele, quase cuspindo em seu rosto para falar. — Nós tomamos essas meninas, são nossas! Fazemos o que bem entendemos com nosso saque, é o nosso direito e é o que dizem as nossas leis. Ou as nega, chefezinho?

— Quer me impedir? — Soluço grunhiu.

Sua mão deslizou para o cinto, onde colocou o cabo de sua espada. Em um movimento rápido, sacou-a e a acendeu, deixando as chamas iluminarem seus rostos, principalmente o rosto de seu oponente. As jovens ao seu lado deixaram gritos de espanto escapar com aquela visão. Ele voltou a atenção para Ramond.

— Me impeça.

Um silêncio raivoso dominou. Continuaram se encarando pelo o que pareceu uma eternidade, esperando que a qualquer momento alguém iniciasse uma batalha. Nesses segundos, conseguiu controlar melhor sua voz e seus pensamentos. Precisava pensar em algum argumento a seu favor e rápido, ou então estaria perdido para todos. Não precisava dar nenhum outro motivo para que se unissem e os atacassem durante a noite. Não, seria necessário debater e vencer.

Soluço olhou rapidamente para as moças. Eram apenas garotas. Jovens, simples, claramente camponesas com vidas até então pacíficas, apavoradas demais com o que lhes cercava para olharem de volta a ele. Com exceção da ruiva ao seu lado. Esta observava sua espada com um misto de horror e fascínio e então o encarava de volta com suspeita e raiva. Estaria pronta para se defender se fosse necessário, podia sentir. Mas havia algo a mais nela, algo que... É claro!

— Não vão “resolver” nada com ela porque essa garota é nobre.

As expressões dos homens mudaram. Seria aquilo questionamento? Com certeza não estavam mais tão seguros de si.

— Não conseguiram perceber isso? — Sua atenção estava fixa em Ramond, desafiando-o com o olhar mesmo que sua voz estivesse mais calma. — Seria tão cego assim? Não viu as roupas melhores do que as de todas as outras? O cabelo melhor? A pele? Ou sua cabeça só consegue pensar em estuprar ela? Só um idiota levantaria um dedo contra ela sabendo que poderia conseguir muito mais cobrando um resgate à família.

— Todo mundo aqui sabe que você tá pouco se fodendo pra um resgate! — Ramond cuspiu. — Ou acha que não sabemos que soltou a escrava do Thorstein de propósito já que é mole demais pra tomar alguém? Não foi criado com estômago de homem e agora quer se intrometer no que os outros fazem com as suas garotas.

— Se tem algo que eu tô realmente me fodendo é pro que você acha ou deixa de achar, Ramond. O fato é que não vai ter nada no céu ou na terra que impeça um ataque com todas as forças pictas sobre nós se essa garota for devolvida violada. E quando o exército deles jorrar sobre você, não venha choramingar pedindo ajuda do meu povo ou dos meus dragões. E espero que ninguém aqui esteja esquecendo que eles já estão no nosso comando! — Levantou a voz, falando a todos que estavam ali. Um ar de desconforto tomou os demais. — Não tem mais posição nenhuma pra me ameaçar. Nem você e nem ninguém.

Mais uma vez, todos permaneceram calados. Finalmente, Hilde quebrou o silêncio.

— Ele está certo — sua voz soava grave, reflexiva. — Dá para ver que ela é nobre. Ou, ao menos, não é camponesa. Podemos trocá-la por mais ouro do que talvez possamos saquear. Talvez até um pacto de paz. Mas se for ferida, isso não é mais uma opção.

— O moleque não dá a mínima pra isso, Hilde!

A mulher o encarou com uma raiva contida, mas palpável.

— Devo dizer que também não estou nem um pouco animada para ver o que vocês querem tanto fazer com essas meninas. Ao menos ele não finge que gosta para agradar ninguém e eu respeito isso.

Aquilo foi o golpe final. A boca de Ramond se abriu e logo se fechou de novo.

— Certo! Não vamos mexer nela! Pronto!

— Não — Astrid sibilou. — Ela vem comigo. Não confio em você pra ficar com a custódia dela. Alguma reclamação quanto a isso?

Os dedos de Soluço ainda seguravam a espada com toda a firmeza que conseguia. O rosto dos homens estremecia, mas eles não soltaram uma única palavra.

— Imaginei que não.

Ela estendeu a mão e aguardou. Relutante, Ramond entregou-lhe a corda que segurava a garota pelos pulsos. Calada, Astrid deu alguns passos até parar de frente a ela. A menina ainda a olhava com confusão e receio, mas não protestou à aproximação.

— As outras também vêm com a gente.

— Isso já é demais! — Einar gritou.

Soluço precisou apenas encará-lo e girar a espada na mão para calá-lo. O jovem deu de ombros.

— Como disse, não confio em vocês. A nobre está mais segura com a gente e as outras são a sua recompensa pra mim por terem desrespeitado a minha esposa. Com isso... é, acho que estamos acertados. Agora, se não se importam, já cansei desse banquete. Tenham uma boa noite.

Ele puxou as outras cordas das mãos dos outros sem esperar que lhe dessem, e as entregou para os amigos. No silêncio mortal, reuniram suas coisas, buscou seu avô e saíram para a escuridão do lado de fora. As garotas ainda resistiam e choramingavam, mas eles tentaram conduzi-las da forma mais delicada possível. Nem conseguia imaginar o que já deviam ter passado até ali.

E, deuses, como estava frio!

Algo o reconfortou quando, pouco depois de sair, notou que as outras pessoas de Berk os seguiram pela noite até seus cavalos. Era bom saber que sua tribo estaria sempre ao seu lado, ainda mais nessas ocasiões. Como estava frio demais para um idoso tomar aquele vento, Soluço pediu para que o tio Jorgenn, pai de Melequento, levasse seu avô de cavalo.

Alguns de Berk também tinham levado pequenas carroças para carregar mais pessoas e alguns mantimentos. Decidiram que o melhor seria acomodar as meninas ali; fazê-las montar nos dragões seria um trabalho duro demais e era quase como pedir para que elas tentassem fugir ou se jogar dos animais em pleno voo. Quando todas foram acomodadas, Soluço também subiu na carroça.

— Não vai com a gente? — Astrid perguntou. Ele balançou a cabeça.

— Eu preciso de um tempo quieto pra pensar. E o dragão não vai me deixar montar mesmo. Vou ficar aqui com todo mundo, assim ainda tenho um tempo em paz e mantenho o olho nelas.

Astrid ficou quieta, de braços cruzados. Ela observou a carroça, agora cheia de pessoas, e também as jovens escocesas. O que se passava na sua mente? Muitas vezes, Soluço gostaria de saber isso com maior facilidade.

— Certo. Eu vou com você. Afinal, todo mundo sabe que você ainda é um horror se precisar lutar contra alguém irritado que resolver revidar — ela brincou. E, de fato, conseguiu tirar um breve sorriso dele. — Vou avisar os outros pra levarem os nossos dragões.

Foram necessários apenas alguns instantes para ela fazer isso e se ajeitar entre todos. Já o caminho de volta demoraria muito mais; porém, pelo menos agora estavam indo embora daquele lugar.

— Ei — Astrid sussurrou em seu ouvido depois de um tempo. — Obrigada por me apoiar lá dentro.

Soluço a olhou e sorriu. Tocou seu rosto delicadamente com a ponta dos dedos antes de lhe dar um beijo rápido e carinhoso.

— Eu sempre vou fazer isso — sussurrou de volta em seu ouvido. — Ainda mais quando estiver totalmente certa com o que faz, como agora. Estou feliz e... orgulhoso que foi você a primeira a dizer alguma coisa.

No meio da escuridão noturna, Soluço pensou ter visto as bochechas dela corarem um pouco mais do que o normal. Astrid apenas sorriu e apoiou a cabeça em seu ombro. O resto do trajeto, entretanto, foi feito em silêncio.


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