Reino em Cinzas escrita por Julia A R da Cunha


Capítulo 22
Astrid


Notas iniciais do capítulo

E depois de dois estágios, 300 provas e trabalhos entregues, e de passar em todas as matérias, finalmente estou de volta e DE FÉRIAS!

Como sempre, peço perdão pela demora e espero que compreendam. Aproveitem a leitura!

EDIT tardio: Gente, eu sempre me esqueço de mandar aqui, MAS, há meses eu fiz algumas postagens em um blog analisando simbolismos ao redor de alguns personagens de Como Treinar o Seu Dragão (futuramente falarei de mais e possivelmente de Valente também). Deem uma olhada depois!

Melequento: https://asmilcancoes.wordpress.com/2021/03/22/simbolismos-na-literatura-e-cinema-1-melequento-jorgenson/

Soluço: https://asmilcancoes.wordpress.com/2021/03/29/simbolismos-na-literatura-e-cinema-2-soluco-haddock-iii-ou-os-tres-odins-em-httyd-parte-1/

Stoico: https://asmilcancoes.wordpress.com/2021/04/13/simbolismos-na-literatura-e-cinema-3-stoico-o-imenso-ou-os-tres-odins-em-htyyd-parte-2/

Velho Enrugado: https://asmilcancoes.wordpress.com/2021/05/31/simbolismos-na-literatura-e-cinema-4-velho-enrugado-ou-os-tres-odins-em-httyd-parte-3/



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Os animais foram preparados cedo. Vento Veloz a recebeu com sua piscada de olhos curiosa e elegante que sempre fazia Astrid sorrir. Era o mesmo gesto de Tempestade quando a acordava dando bicadas na janela de manhã. Mas esta não fazia isso. A Furacão ficava empoleirada no telhado do salão, esperando pelo aparecimento da cavaleira, a encarava, piscava e escorregava pelas paredes graciosamente para um afago no queixo.

Astrid riu com o leve empurrão da dragonesa pedindo carinho. Mal poderia se dizer que a encontraram há dois meses e meio completamente selvagem. Mas talvez a falta de contato com humanos pudesse abrir esses dois caminhos: ou eram esquivos ao extremo ou poderiam ser receptivos ao extremo.

Enquanto limpava a companheira escama por escama e a alimentava, Astrid observou de longe os gêmeos e Perna de Peixe se preparando para visitar Dagur – apesar de se prepararem bem menos do que ela. Bem, não os culpava por isso. Como ela mesma disse antes, Dagur era aliança garantida. O trabalho dela é que seria mais pesado.

— Se tudo der errado por lá, soltamos fogo para todos os lados, certo, garota? — Sussurrou para Vento Veloz que ronronou em resposta. — É assim mesmo!

Mas então, do outro lado do pátio, Gustav veio em passos rápidos em sua direção. Ela respirou fundo. Nunca teve muita paciência com o menino, ainda mais quando começou a crescer e querer tanto imitar Melequento quanto atingir o nível de influência de Soluço – incluindo nisso dar em cima dela. Porém... Em parte sentia um pouco de dó dele. Sabia que era só um rapaz querendo participar e que ele parara com as gracinhas assim que atingiu mais maturidade, e também o quão poucas pessoas lhe davam atenção de verdade, inclusive seus pais.

— Astrid! — Ele chegou, ofegante e enérgico. — Oi, é, então... Eu sei que está um pouco tarde pra isso, só que eu estava pensando se eu não poderia ir com vocês. Talvez possa ajudar em alguma coisa.

A moça pensou por uns instantes e deu de ombros.

— Olha, Gustav... O que acha de ir com os gêmeos e o Perna até os berserkar? Não vejo nada de mal nisso — respondeu, e foi realmente sincera. — Aproveite, coloque o Garra de Pedra para voar, sei que você também sempre admirou muito o Dagur. É uma boa chance de revê-lo, treinar seu dragão e um pouco de diplomacia.

— Isso! Sim, exato! — Exclamou. Gustav segurou as mãos de repente e tentou se acalmar. — Quero dizer, obrigado pela oportunidade. Eu juro que dessa vez não vou fazer nenhuma besteira.

Astrid riu.

— Tudo bem, então.

Gustav sorriu de orelha a orelha e quase precisou se segurar para não saltitar pelo local. É, já era hora de o rapaz receber um pouco de glória e responsabilidades.

O ronronado de Vento Veloz encarando atrás de si a fez virar a atenção para o outro lado. Do salão, viu Soluço sair finalmente e chamar Muninn, assim como Merida, que se aproximava com passos receosos perante os dragões. Astrid também não a julgava – talvez também teria suas ressalvas se nunca tivesse esses animais antes – e Merida tinha bons motivos para ainda se manter preocupada. Mesmo assim, Vento Veloz e Muninn sempre fitavam a ruiva por longos minutos, cheios de uma curiosidade que Astrid ainda não entendia.

— Oi — Astrid terminou de se aproximar. — Tudo bem?

Merida assentiu. Havia um quê a mais de nervosismo em sua expressão que não parecia vir apenas da presença de Vento Veloz.

— Sim... É... Acha que vai tudo certo hoje?

Astrid engoliu em seco.

— Espero que sim — respondeu, devagar. — Mas mesmo se não, vamos com você direto para o castelo. Certo?

Merida concordou e forçou um sorriso.

— Certo. Eu só... quero que acabe logo. Como for.

— Sim, eu também. — Astrid suspirou e olhou para baixo. Ninguém mais aguentava aquela situação de tensão constante. Para o bem ou para mal, vamos terminar com isso. Ela repousou a mão sobre o braço da outra, ainda um pouco hesitante, mesmo sem entender bem o porquê. — Vamos fazer isso juntas.

A princesa respirou fundo, deixando os ombros cair quando o ar saiu. Dessa vez seu sorriso saiu naturalmente. O ronronar baixo da dragonesa estava mais perto, e o calor que emanava do seu corpo esquentou suas costas. Os músculos de Merida se retesaram sob sua mão.

Astrid olhou para Vento Veloz e para a menina de novo.

— Ela gosta de você. Sabe, ela só quer te conhecer, não vai te atacar. — Tentou acalmá-la. — É como um... cachorro quando você chega na casa da pessoa pela primeira vez.

Merida assentiu, mirando o animal de canto de olho.

— Eu sei, mas é... ainda é... — Estralou os dedos, pensativa. Então, riu, nervosa. — Não sei falar.

— Eu entendo. Acho que você gostaria de montar um dia.

Ela franziu o cenho.

— O que?

— Subir nela — explicou, mostrando com as mãos. — Voar. Acho que daria certo com você.

— Ah! — A princesa fitou Vento Veloz de novo, os olhos apertados de quem tinha mil coisas passando pela mente. Ela mordeu os lábios e torceu o nariz um pouco, mirou o chão, Astrid, a dragonesa e Astrid de novo. E mais uma vez, riu, com um misto de nervosismo e empolgação. — Talvez um dia.

— Sim, um dia. — Respondeu com um sorriso largo.

Por sobre o ombro da menina, Astrid viu Soluço e Muninn vindo em seu caminho. Do outro lado, Melequento já parecia ter terminado de ajustar a sela sobre Jörmungand. Ela sentiu o coração disparar mais uma vez, apertando o ar para fora de seus pulmões. Estava na hora.

— Vamos? — Soluço perguntou. Ao seu lado, Muninn tentou cheirar a princesa que deu um salto para trás quando o sentiu, depois tentando disfarçar como se aquilo não tivesse acontecido. Astrid tentou não rir da cena, por respeito e pela ansiedade.

— Vamos. — Ela olhou para Merida e acenou. — Até mais tarde.

— Até — ela respondeu para os dois.

Astrid montou em Vento Veloz com um único movimento, assim como o marido. Os animais recuaram, caminhando para o outro lado do assentamento e pularam, alçando voo. Agora não teria volta.

 

O assentamento de Hilde não era muito grande, quase do mesmo tamanho e distribuição de edifícios que o dos berkianos, com a única diferença de usarem mais tendas do que casas construídas de madeira. Com certeza não planejavam ficar ali por um período muito extenso. Astrid viu que algumas pessoas limpavam espadas e estendiam armaduras de couro pelo chão. Acabaram de voltar de um saque, percebeu. Ou foram atacados. Mas o mais notável era a figura da própria escudeira prostrada no meio do terreno, encarando os dragões que sobrevoavam o seu território.

Os três foram girando ao redor do local, descendo alguns metros a mais a cada volta, até que enfim pudessem aterrissar com segurança no pátio entre as tendas. Enquanto umas pessoas aqui e ali descem passos rápidos para trás, Hilde mal piscou.

— Sejam bem-vindos! — Ela levantou a voz com polidez. Uma polidez cansada, porém. Os três desmontaram os animais e se cumprimentaram com respeito.

— Agradecemos a hospitalidade — Soluço respondeu. Ele encarou em volta. — Aconteceu algo aqui?

Hilde sorriu, apesar de não parecer necessariamente feliz, somente educada.

— Fomos a uma vila não muito longe. Conseguimos pegar algumas coisas, mas fomos emboscados no caminho. Não eram muitos homens, mas tinham boas armas e estandartes. Não sei dizer se vencemos ou perdemos. Eles só... decidiram ir embora em um momento. Os locais estão atacando de volta agora. — A mulher suspirou. — Admito que não os esperava por aqui. Aconteceu alguma coisa ou é apenas uma visita casual e de reuniões estratégicas?

Os três se entreolharam. Soluço moveu a cabeça e levantou as mãos nos seus trejeitos típicos.

— É... Digamos que um pouco dos dois. Principalmente a segunda parte. Podemos entrar em um lugar mais reservado?

— Claro. Venham, fiquem à vontade.

 

Hilde permaneceu calada por minutos incontáveis. Sua expressão mal mudara, com exceção dos olhos levemente arregalados e encarando um ponto vazio, e dos dedos que giravam sem pausa os anéis que usava. Quando respirou fundo, seu peito se ergueu e desceu longamente.

A mulher engoliu em seco pela milionésima vez.

— Estão propondo traição. — Ela disse, enfim, solene.

— Sim. — Soluço respondeu com o mesmo tom.

E ela se calou novamente, mas dessa vez encarando-os diretamente, passando pelo rosto de cada um.

— Em favor de um acordo com o rei.

— Sim.

— E se ele não aceitar? Acabamos de ser atacados aqui.

Astrid sentiu o estômago embrulhar. Essa era a pergunta que a assombrava há semanas. Então se recordou do olhar determinado de Merida, da sua força nos treinamentos e nas decisões de ficar com as meninas e de ajudar os berkianos.

— Ele vai. — Ela disse, apenas.

— Só porque vocês têm a filha dele em mãos?

Soluço balançou a cabeça em negativa.

— Ela nunca foi uma moeda de troca.

Hilde os fitou solenemente.

— Eu sei. Sempre soube. Ninguém nunca acreditou de verdade no discurso que vocês deram no salão aquela noite, sabem? Vocês só queriam tirar as garotas de lá, eu sei, entendo e apoio. Só não sei se isso será o suficiente para o rei decidir se aliar conosco.

— Nós não só a temos conosco — Astrid declarou, agora com a voz um pouco mais alta. — Nós a conhecemos e ela nos conhece. Não vai ser uma troca, tanto porque nunca a quisemos trocar como se fosse um objeto, quanto porque ela nos ouviu. A princesa se propôs a nos entender e a nos ajudar, jurou que faria o que estava ao seu alcance para que tudo terminasse bem. Podemos não ter a garantia do rei, mas temos a garantia dela. Eles te atacaram, sim, nos atacaram em Pirn, mas muitos dos nossos aliados hoje já foram nossos inimigos antes.

Hilde respirou fundo. Ela encarava Astrid no fundo da alma, porém ainda em silêncio. Seus dedos se mexiam com nervosismo sobre a mesa.

— Eu queria ainda ter a esperança que vocês jovens têm. Mas a vida me ensinou lições duras impossíveis de ignorar. Alguns inimigos jamais deixarão de ser inimigos, não importa o que façamos.

— É verdade — Melequento falou pela primeira vez. — Um bando de estupradores e de gente que fecha os olhos sempre vão ser nossos inimigos. — Sorriu, sarcástico e levemente ameaçador.

— Nós já temos um bom saque, temos os dragões, um exército de berserkar e a aliança da princesa desse reino — Soluço falou. — Só Agnar, Einar e Ramond não entenderam que a balança não está mais pendendo para eles.

— E se eu me lembro do que você nos disse antes de atacarmos Pirn era que tínhamos você — Astrid completou com um tom profundo, firme, ainda encarando fundo nos olhos da outra. — Você nos disse que há muito tempo esperava por guerreiros com os nossos princípios e a nossa coragem. A coragem de encarar de frente pessoas que usam do seu poder para agredir sem motivo sem nos preocupar com o que pensam ou deixam de pensar. De encarar o que sempre foi feito e dizermos “não”. Eu também vejo isso em você, Hilde. Não consigo imaginar uma guerreira e líder como você é continuando a se aliar com alguém como eles.

Hilde vacilou. De leve, um vacilo visível apenas para ela que a encarava. É isso! Esse era o ponto no qual precisava insistir. Astrid inclinou o corpo para mais perto da mulher. Sua figura a impunha e agora entrava no seu espaço pessoal.

— Essa é a chance de mostrar para eles que o mundo em que viviam acabou. Que ninguém mais vai aceitar os métodos deles, não no nosso povo, não enquanto estivermos por perto. Nossa sorte vai ser ainda maior se tivermos você, suas escudeiras e seus guerreiros ao nosso lado. A única traição que estaríamos cometendo seria contra nós mesmas se continuássemos nos submetendo às ameaças deles quando os caminhos diante de nós estão se abrindo para uma solução. Se o rei não concordar, ainda teremos a amizade de uma das princesas mais corajosas que já ouvi falar. De um jeito ou de outro vamos combater a aliança de Agnar. Podemos perder, sim, mas se isso acontecer, então vamos cair sendo quem somos e lutando até o fim. Agora queremos saber se prefere trair a eles ou a você mesma, líder escudeira.

Os braços dela estremeceram e seus olhos não mudaram de foco em momento algum. Neles, Astrid viu a firmeza mudar para surpresa, questionamento, tristeza e... orgulho? Ao menos era o que pensava ter visto. Orgulho e o reflexo de si mesma nela. Só ela pôde ver a leve umidade que encheu a vista da guerreira.

— É... Você está certa, Astrid. De novo — sorriu. Hilde fitou a mesa, suspirando, assentindo com a cabeça lentamente enquanto pensava. Por fim, ergueu o rosto e encarou-a novamente. Não a Soluço, nem a Melequento. A ela. — Sim. Vou lutar com vocês.

A mulher apertou sua mão com firmeza. Um peso caiu dos ombros de Astrid, tão descomunal que parecia que carregava Berk inteira nas costas.

— Obrigada, Astrid— ela disse com sinceridade — por me lembrar de quem eu sou.


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