Maze of memories escrita por Ash Albiorix


Capítulo 2
[Parte 1] Capítulo 2 - Labirinto


Notas iniciais do capítulo

Olá, esse é o segundo (e último) capítulo da parte 2, yaaay. Não se esqueçam de comentar o que acharam no final e espero que gostem!



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Eu tinha a impressão que vasculhar o celular de alguém desconhecido era uma grande invasão de privacidade, então, no primeiro dia, eu apenas tentei ligar novamente para o número e esperei pacientemente uma ligação. Tentei me distrair com outras coisas.

No segundo dia, nem precisei me distrair de propósito, porque as provas finais do semestre estavam começando e eu estava tão ocupado e estressado que não pensei em mais nada. Na verdade, fiquei tão estressado que mal consegui estudar. Cheguei em casa e dormi.

Acordei no meio da noite, suando e enjoado. “Merda” murmurei, ainda meio dormindo, me remexendo na cama desconfortável. Acendi a luz do meu celular e olhei a hora. 3:17. Apesar de a aula ser de tarde e amanhã ser folga do trabalho, eu fiquei com a impressão que iria estar cansado se não voltasse a dormir logo. Tirei a blusa, com calor, e considerei ir tomar um banho, mas estava enjoado demais para me levantar. Precisava me distrair. Virei o celular para a cama do outro lado do quarto, vendo um Jisung completamente adormecido. Eu queria conversar, mas não teria coragem de o acordar sabendo que ele vai para o trabalho daqui a pouco. Sentei na cama e murmurei baixinho umas coisas sem sentido, reclamando.  Talvez isso tenha acordado Jisung, porque ouvi ele se remexendo na cama e olhei para o lado.

— Felix? – ele chamou, a voz tremida de sono. Fiquei em silêncio para ver se ele voltava a dormir. – Tá acordado? – perguntou novamente.

— Tô – respondi, baixo.

— Tá tudo bem? – sua voz parecia preocupada, mas, ao mesmo tempo, ele ainda não estava completamente acordado.

— Aham.

Fez se uns segundos de silêncio, e eu pensei que ele tinha ido dormir, mas logo depois murmurou:

— Você tem que relaxar, cara.

— O que? – perguntei, confuso com a afirmação repentina.

— Sei lá—  ele disse, fazendo uma pausa. – Você tá uma pilha de nervos desde que essas provas começaram. É por isso que tá acordado?

Suspirei. Conviver com alguém que te conhece bem é uma merda às vezes. Deitei na cama novamente e respondi, derrotado:

— É. Quer dizer, mais ou menos, não sei. Acordei meio enjoado. Eu só... não quero ir mal nessas provas. Não quero ter que encarar minha família depois de ir mal nessas provas.

— Cara... eu não entendo essa sua necessidade de parecer perfeito pra sua família.

Fiquei quieto por uns segundos. Eu também não entendia. Não sabia porque era tão importante chegar no final do ano com boas notícias, mas o fato de todos eles parecerem tão perfeitos e bons em tudo também não ajudava. Eu queria que eles sentissem orgulho de mim.

— Talvez eu esteja estressado por nada – concluí.

Silêncio. Ouvi apenas a respiração de Jisung.

— Han? – chamei. Apontei a luz do celular para ele.

Dormindo novamente. Soltei uma pequena risada, mas fiquei grato por ele ter conversado comigo pelo menos um pouco.

Fechei os olhos e me revirei na cama por quase 15 minutos, mas, apesar de estar cansado, não conseguia pegar no sono. O enjoo estava me incomodando novamente e eu precisava me distrair urgentemente se não acabaria vomitando.

Foi quando eu lembrei: o celular. O que eu tinha achado e estava relutando em mexer.

Naquele momento, não pensei duas vezes antes de esticar a mão até a mesinha de cabeceira, onde eu tinha deixado o celular. Desbloqueei a tela, me perguntando novamente o porquê a pessoa se importava com privacidade o suficiente para bloquear alguns aplicativos mas não para colocar uma senha. Comecei a fuçar, parando nos mesmos becos sem saída de sempre: o kakao trancado e as notas também bloqueadas. Nenhum contato. O papel de parede era apenas uma imagem preta, nada escrito. Nenhum jogo ou algo do tipo.

Foi mexendo nos ícones que eu vi o botão da galeria, que eu nem tinha pensado em abrir. Iria ser fácil assim? Eu iria abri a galeria, ver as fotos da pessoa e apenas devolver? Algo em mim se decepcionou, algo em mim queria o mistério. Cliquei na galeria, mas me surpreendi ao ver apenas fotos de cadernos. Matéria da faculdade. Abri um pequeno sorriso ao ver partituras. Muitas, muitas partituras. Abri as fotos, dando de cara com peças de música clássica em fotos que pareciam ter sido salvas da internet. Algumas delas eram fotos de caderno mesmo, com várias anotações como “ensaiar mais essa parte”, “???’ e “por que eu tive a ideia de tocar essa música mesmo? ”. O braço segurando o caderno parecia masculino, cheio de veias e com duas pulseiras pretas. Algumas partituras eram de música pop e tinham umas poucas de rock. Talvez ele tocasse piano, mas alguns daqueles rocks tinham acompanhamentos fortes de guitarra. Minha pergunta foi respondida quando vi a foto de um piano, tirada da câmera de trás. Nenhuma foto de rosto, foto no espelho ou nada da câmera da frente, como uma selfie ou algo. O máximo que cheguei perto de ver a pessoa, foi uma foto de uma paisagem, eu não sabia identificar onde era, mas tinham várias árvores e um rio atrás, e, em primeiro plano, dava para ver um pedaço de suas pernas, com uma calça preta e um all star. Esse garoto, seja quem quer que seja, gosta de tirar foto dos lugares que vai. E é músico, talvez faça curso de música mesmo? Vou tentar me lembrar de perguntar para o Seungmin se alguém da turma dele não perdeu o celular.

Eu sorria a cada foto de lugar que aparecia, os ângulos bem trabalhos e, vez ou outra, pernas balançando no banco ou uma mão segurando na grade me faziam sorrir imaginando quem era aquele garoto que tirava fotos tão bonitas. Muitas vezes, as fotos me faziam ter uma sensação de paz. Algumas delas, como a de um quarto bagunçado ou uma de livros empilhados, me faziam sentir o caos que emitiam delas. Era como assistir um filme, observar imagens por uma tela e, mesmo assim, de alguma forma, se sentir lá. No meio das fotos, quase no final, achei um vídeo. Meu coração acelerou, e não sei bem dizer o motivo. O celular apontava para o chão, sapatos femininos que pareciam levemente infantis apareciam na tela. Barulho de carros no fundo e a menina estava andando, devagar. Parecia estar quente, pela cor do asfalto. Aumentei o som o vídeo, tentando ouvir algo. No fundo, bem baixo, tinha uma voz masculina cantando algo. Tão baixo que não consegui identificar que música era, mas alto o suficiente para que eu percebesse que a pessoa cantando certamente tinha uma voz bonita. 7 segundos depois, ele parou e riu. O celular se mexeu e a câmera ficou preta.

“Não! Você tá gravando? ” o garoto perguntou, em inglês. O sotaque australiano me dava uma nostalgia esquisita. Ouvi uma risada infantil vindo da garota e então o vídeo acabou. Voltei duas vezes só para reouvir o “No! Are you recording this? ”. Percebi que estava sorrindo, mas não conseguia evitar. A pessoa falando parecia extremamente feliz, e a garota gravando também.  Quais eram as chances do dono do celular ser australiano também? E de ter um gosto musical parecido com o meu. Eu sabia que era irresponsável da minha parte pensar dessa forma, mas algo bem no fundo não conseguia deixar de pensar que talvez fosse o destino.

Voltei a galeria, mas a única foto depois daquele vídeo era de um all star, parecia novo, mas estava rabiscado. Um desenho que eu não sabia identificar o que era, embora me parecesse um animal sorrindo, e então uma frase:

“Maze of memories”

Labirinto de memórias. Joguei no google, mas não achei nada. O que aquilo significava?

Suspirei, curioso, mas frustrado. Ao invés de encontrar respostas, eu só tinha mais perguntas.

Resolvi juntar o que eu sei sobre esse garoto: Ele estuda na mesma faculdade que eu e, muito provavelmente, faz curso de música. Ele toca piano e canta bem. Ouve grupo como Twice e Day6, mas também bandas de rock como The Smiths e Beatles e música clássica. Gosta de tirar fotos dos lugares que vai e, aparentemente, vai frequentemente ao Hangang Park, já que tinha diversas fotos lá, em dias e horários diferentes.

Me remexi na cama, reparando que o sono tinha voltado, apesar da minha mente estar processando milhões de informações e meu coração estar confusos com sentimentos que não faziam sentido. Apaguei a tela do celular e o coloquei em baixo do travesseiro, já perdendo a linha de pensamento. Antes que pudesse pensar mais sobre, adormeci. Tive um sonho confuso, borrado, que não consegui me lembrar direito quando acordei, mas sabia que era com aquele garoto. Sabia que tinha a ver com ele.

Durante o resto da semana de provas, levei aquele celular comigo para a faculdade. Quando estava nervoso ou entediado, colocava o fone e passeava pelas playlists. Era como milhares de recomendações de músicas boas de uma vez, e as playlists estavam devidamente organizadas em estilos e tipos. Algo me dizia que essa pessoa tem um amor muito grande por música. De alguma forma, eu sentia que estava criando algum tipo de ligação com o dono daquele celular, como se conhecer partes tão íntimas dele como suas músicas e lugares preferidos me tornasse, de alguma forma, seu amigo. Eu sabia que não era assim. Sabia que, muito provavelmente, se eu o achasse, ele agradeceria, pegaria o celular e viraria as costas e acabaria ali. Talvez por esse motivo enrolei tanto para voltar a tentar descobrir a senha dos aplicativos trancados.

Na próxima folga que tive, resolvi ir até o Hangang Park. Tudo naquele parque tinha cheiro de infância. Eu nasci na Austrália, mas, por um breve tempo, por volta dos cinco anos, meus pais moraram aqui na Coreia novamente. E, embora eu não lembre de muita coisa, lembro que minha irmã mais velha, Rachel, me trazia aqui o tempo todo. Gostávamos de patinar pelo parque e de ir até a ponte observar o rio. Vínhamos aqui mesmo quando estava frio, como hoje. Às vezes, comprávamos algo para comer e então sentávamos na grama. Foi o lugar que mais senti falta quando voltamos para a Austrália. Mesmo assim, depois que me mudei novamente, não tenho vindo muito aqui. Não tem a mesma magia. Hoje, entretanto, parecia exatamente como os dias de inverno que eu e Rachel passávamos aqui. Até o cheiro do ar era o mesmo, como se eu tivesse sido transportado para uma década atrás. Eu me senti jovem e esperançoso de novo, e tentei me lembrar de vir mais vezes aqui.

Enquanto caminhava pela ponte, me permiti esquecer de tudo. Esquecer do natal, das provas, do maldito celular, dessa solidão. Apenas esquecer. Peguei meu celular e não pensei duas vezes antes de discar o número de Rachel.

— Felix? – ela atendeu, confusa. Parecia ocupada com algo. – Aconteceu algo?

Eu ri.

— Não, não.

— Faz tempo que você não me liga – ela se afastou do telefone e gritou – Haneul, sai daí!

Era esquisito ver como o tempo passou e que a minha irmã, tão nova nas minhas lembranças, agora estava brigando com os próprios filhos. Mesmo que ela não pudesse ver, sorri do outro lado da chamada.

— Sabe onde eu tô? – perguntei.

— Onde?

— Hangang Park.

Eu quase conseguia ouvir o sorriso no seu tom de voz.

— O quê? A gente adorava ir aí! – Rachel suspirou. – Que saudade de você e da Olivia. Você tem visto ela?

Olhei para baixo, meio envergonhado.

— Não, não tenho ido muito lá na casa do papai.

— Então toma vergonha na cara e vai – ela reclamou.

— Não tô tendo tempo de fazer quase nada esses dias. Só consegui vir aqui no Hangang Park porque é minha folga.

— Você foi fazer o que aí, aliás? – a voz dela se afastou novamente – Haneul, vem aqui! Não! – então ela disse – Lix, eu tenho que desligar, tá? Dá um beijo na Livia quando ver ela. Depois a gente se fala, tchau!

Eu não tinha certeza se Rachel viria para o natal, mas, se viesse, eu com certeza a levaria ali para relembrarmos. Guardei meu celular e, então, peguei o outro. Abri em uma das fotos do parque, uma da ponte, e fui caminhando com o celular na mão até que a vista da foto fosse exatamente a que eu estava tendo. Estiquei a mão e encaixei a foto no horizonte, me imaginando no lugar que aquela pessoa um dia esteve e então fiquei curioso novamente.

Quais são seus sonhos? O que gosta de fazer? Será que é bagunceiro como eu ou é mais organizado? Quem é essa pessoa?

Guardei o celular e então só observei a vista, o pôr do sol alaranjado iluminando o céu, o vento frio batendo no meu cabelo e a fumaça gelada            que saía da minha respiração. Naquele momento, pensei naquela frase:

“Maze of memories”

Eu não sei exatamente o que era para significar, mas também sei que arte é subjetiva e que cada pessoa tem sua própria interpretação da mesma coisa. À primeira vista, maze of memories pareceu não significar nada para mim. Mas, naquele momento, observando a vista do Han River e lembrando das memórias com minha irmã, ao mesmo tempo que me sentia fazendo parte da vida de uma pessoa que eu literalmente não conhecia, não pude evitar de pensar que, muitas vezes, as memorias eram realmente como labirintos. Não como um caminho reto, uma linha do tempo, mas t]ao complexo quanto um labirinto a ser desvendado cada vez que revisitado.

Mexi na minha mochila, procurando uma caneta. Eu não sabia se a pessoa a qual esse celular pertence eventualmente veria isso, ou se eu algum dia a encontraria. Talvez eu estivesse fazendo aquilo por mim também, para me lembrar daquele momento. Peguei a caneta e escrevi na beirada da ponte, na minha letra corrida de sempre: maze of memories.

Enquanto escrevia, tive a epifania repentina de que, no meio de tantas senhas que eu havia tentado para desbloquear os aplicativos trancados, eu não havia tentado aquela ainda. Meu coração estava acelerado. Iria dar certo?

Respirando fundo, abri o aplicativo que trancava os outros aplicativos e então digitei aquela frase que eu vi escrita no tênis da foto. Poderia não significar nada, mas algo me dizia que significava. E então funcionou.

A forma como o aplicativo abriu, me mostrando um mundo de coisas que eu ainda não havia visto naquele celular me deixou confuso, feliz por ter descoberto a senha mas me perguntando o que faria agora. Meu coração estava ainda mais acelerado. Lá estava eu, o mistério desvendado na minha frente e eu mal sabia por onde começar.


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