Maze of memories escrita por Ash Albiorix


Capítulo 1
[Parte 1] Capítulo 1 - Coincidência


Notas iniciais do capítulo

olá!Bem vindos ao primeiro cap, não se esqueçam de deixar no final o que acharam!



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 “Lee Felix, seu ingrato. ”

Foi o que Han, meu colega de quarto, escreveu em um post—it e colou na cabeceira da minha cama. O garoto sai para o trabalho antes mesmo de eu acordar, e sempre está ocupado demais para responder minhas mensagens, então eu teria que esperar o dia inteiro para perguntar o porquê do insulto. Não que me insultar de graça fosse incomum para Han Jisung, mas, merda, aquele me afetou.

Tá, tá, talvez eu esteja sendo muito sensível. Meu Deus, eu consigo ouvir a voz dele rindo e falando “não leva as coisas tão a sério, cara”. Aparentemente, as pessoas gostam bastante de dizer isso para mim.  Conviver com minhas irmãs mais novas, quando ainda morava com meus pais na Austrália, e agora conviver com Jisung, tinham me deixado praticamente imune a ficar chateado com esse tipo de implicância de irmão. Mas aquele não era um dia bom. Era primeiro de dezembro, e não tinha nada que eu odiasse mais que dezembro.

Dezembro significa natal e natal significa... mais um natal solteiro. Talvez eu esteja com a cabeça tempo demais em séries de romance e livros de aventura com príncipes, princesas e almas gêmeas que viajam pelo tempo para se encontrarem. A questão é que eu me sentia sozinho, o ano inteiro, mas, especificamente, no natal. O que é estranhamente conflitante porque eu sempre amei o natal. As ruas decoradas, as famílias se reunindo, a comida caseira dos meus pais e os presentes. Apesar de nunca nevar no natal na Austrália, os natais da minha infância sempre foram devidamente mágicos. Mas, conforme o tempo foi passando, eu comecei a ter essa sensação estranha de que faltava algo e, enquanto assistíamos filmes de natal e minha irmã mais velha deitava a cabeça no ombro de seu namorado, eu sabia exatamente o que era. Eu, nos meus recém completos 19 anos, nunca havia tido uma namorada. Ou namorado. De um tempo para cá, eu ficava me perguntando quando eu finalmente passaria o natal vendo a primeira neve da Coréia com alguém do meu lado. Aparentemente, esse não seria o ano. E tudo isso me deixa mais sensível do que eu gosto de admitir. Por isso, não estranhei quando me vi fazendo uma careta chateada ao bilhete que Han tinha deixado na minha cama.

Tirei o cuidadosamente, e dobrei sem rasgar, para então jogar na mesinha de cabeceira. Pensei sobre jogar no lixo, mas precisava da prova para quando fosse interroga—lo de noite. Isso é, se ele chegar enquanto eu estiver acordado ainda. Han trabalha demais. O pensamento “trabalho” me fez dar um pulo assustado. Eu estava atrasado. Precisava chegar no estúdio de dança as 10:30. E eram... 9:50.

—Não vai dar tempo, não vai dar tempo – murmurei, de repente esquecendo como se falava em coreano e voltando para minha língua materna, típico de quando estava nervoso.

Levantei tropeçando nas coisas do quarto, ainda sonolento, mas apressado o suficiente para não pensar duas vezes. Preparei café e tomei banho o mais rápido que eu consegui, o que ocasionou em colocar a blusa ao contrário duas vezes, quase deixar cair a xícara de café e muita bagunça que eu teria que arrumar mais tarde. Me agasalhei o máximo que consegui, completamente ciente do frio que estava, e saí. Apesar do estúdio ser consideravelmente perto, pensei em chamar um uber, mas fiquei me perguntando se o tempo do carro chegar até aqui compensaria ir correndo, e perdi pelo menos 2 minutos enquanto decidia.

“Eu realmente estou uma bagunça hoje”, murmurei. Decidi então ir correndo, mas desisti de correr depois de dois minutos e só fui andando, já aceitando meu destino de chegar atrasado no trabalho pela segunda vez na semana.

Cheguei lá arfando,  as mãos geladas por ter esquecido de colocar luvas. Dei uma ajeitada rápido no meu cabelo, que definitivamente estava mais ressecado que o normal depois que o pintei de ruivo, e então entrei na academia, projetando um sorriso.

Cumprimentei a secretária, que olhou para o relógio e riu.

—Você não consegue chegar na hora, não é, Felix?

Eu sorri de volta, constrangido. Poderia ter sido pior. A dona do estúdio, pelo visto, não estava lá hoje. Ela estava trabalhando criando coreografias para uma empresa de kpop e isso a tinha mantido bastante ocupada. O prédio do estúdio tinha dois andares, o primeiro sendo apenas a recepção e uma sala com espelhos usada para se arrumar, e o segundo andar apenas de salas usadas para praticar. As crianças que eu dava aula se amontoavam na sala de espelhos, junto com as mães e as crianças que tinham acabado de sair do ballet.

Uma delas me viu e gritou “Tio Felix!” e sorriu. Dar aula para crianças definitivamente não era o meu objetivo quando decidi seguir carreira no hip hop, nem eu sabia bem qual era meu objetivo na dança, mas crianças não era bem parte do plano. Eu queria dar aulas avançadas, treinar algum grupo, talvez até trabalhar para alguma empresa. Era frustrante algumas vezes, mas quando as crianças vinham toda sorrisos me chamando de tio Felix e se esforçando o máximo para aprender o que eu ensinava, até que valia a pena. Eu conseguia pagar a faculdade e as contas no final do mês com quase nenhuma ajuda dos meus pais, então era bom o suficiente até que eu achasse algo melhor.

Dei minhas três aulas da manhã, e então era hora de ir para a faculdade. Passei em casa, tomei banho e fui. Era sempre uma transição esquisita sair do estúdio de dança, um lugar onde eu podia deixar fluir todo meu lado artístico, e ir para os laboratórios do curso de informática. Decidi fazer informática porque eu certamente amava passar meu tempo em frente ao computador jogando, queria aprender a criar meus próprios jogos, mas, toda vez que paro para pensar, me arrependo de não ter ido para a área de design gráfico. E era exatamente isso que eu pensava enquanto assistia a aula, entediado. Essa é a última semana antes das provas finais, e era mais evidente do que nunca o quanto eu estava perdido na matéria. Eu anotava coisas no caderno freneticamente, tendo uma pequena dificuldade de acompanhar o coreano do professor e escrever ao mesmo tempo. Eu estava tão frustrado que mal me despedi dos meus amigos na hora de ir embora. Apenas peguei as coisas, coloquei a mochila nas costas e saí andando.

Estava escurecendo, e o frio de Seoul me fazia encolher as mãos nos bolsos do casaco. Enquanto atravessava o campus, eu quis ligar para minha mãe e reclamar. Ou talvez que Jisung estivesse em casa quando eu chegasse para que eu pudesse assistir algum filme e esquecer de como estava me sentindo. A sensação de que tinha algo fora do lugar me incomodava, eu tinha absolutamente tudo que queria e mesmo assim, me sentia sozinho. Deslocado. Tal vez meus pensamentos tenham me deixado distraído demais, porque, enquanto andava em direção ao portão, tropecei em algo.

“Merda” murmurei, olhando para o chão.

Um celular. Abaixei com cuidado e peguei o celular. Olhei ao redor, procurando o dono, alguém que parecesse ter deixado cair. Os estudantes passavam direto, ninguém parecia procurar pelo telefone. Talvez o dono não tivesse percebido que deixou cair. Não sabia se deveria simplesmente entregar a secretaria ou me responsabilizar pessoalmente por devolver o celular. Depois de alguns segundos, decidi pela segunda opção. Não duvidava que a secretaria enfiasse o telefone numa pilha de achados e que ele ficasse lá mofando.

Coloquei no bolso e saí andando, para resolver aquilo em casa. Eu e Jisung dividíamos um pequeno apartamento no terceiro andar de um prédio que ficava perto o suficiente da faculdade para que pudéssemos ir andando. Por causa do frio, andei o mais rápido que consegui. Em menos de 10 minutos, estava em casa. Enquanto procurava a chave, reparei que as luzes estavam acessas, então apenas bati na porta.

—Han?

—Tá aberta – ele gritou, de longe. Provavelmente estava na sala.

Abri a porta, com cuidado, ficando feliz em sentir o quentinho do ambiente de dentro.

Jisung estava sentado no sofá meio jogado, com a calça jeans que provavelmente usou no trabalho, mas uma blusa branca encardida e amarrotada. A TV estava ligada, mas ele prestava atenção no próprio celular.

  — Você tem que parar de ligar a TV se não for assistir — comentei, enquanto entrava e tirava o casaco.

  Jisung revirou os olhos. 

  — Também senti saudades.

  Quando cheguei na sala, peguei uma almofada e atirei no garoto.

  — Ai! O que eu fiz? — reclamou, ajeitando a almofada. Me encolhi, mas ele não a atirou em mim de volta.

 Sentei do seu lado no sofá.

  — Que porra de post it foi aquele? — reclamei, tentando parecer menos chateado do que realmente estava. Ele colocou o celular de lado e riu, olhando para mim.

  — Você gostou? — debochou.

 O olhei, as sobrancelhas franzidas. Pensei em falar:

"Claro que não, porra, ta maluco?"

Mas me contentei com um:

  — Não — e olhei para baixo.

  Ele me olhou com olhos que diziam "Não acredito no que eu to vendo", mas um sorrisinho de quem estava ofendido e entretido ao mesmo tempo. Jisung era incrívelmente expressivo e seus olhos poderiam dizer milhões de coisas ao mesmo tempo.

  — Ah, não — ele disse, incrédulo. — Você se chateou?

 Virei o olhar para a TV.

  — Não.

  Han soltou uma gargalhada baixa e passou o braço pelo meus ombros.

  — Não precisa ficar chateado, Yongbok. Era uma brincadeira.

  Eu odiava que me chamassem de Yongbok, meu nome coreano. E odiava o tom que ele estava fazendo. Talvez eu só estivesse estressado, porque estalei a língua e tirei seu braço do meu pescoço.

  — Não fiquei chateado, já disse — respondi, soando um pouco mais alto do que deveria.

  Ele encolheu os ombros e se ajeitou no sofá, e eu sabia que tinha passado do limite. Han odiava gritos.

  — Desculpa — falei baixo, quase inaudível.

  — Tudo bem — ele respondeu, como quem não se importava.

  — Eu só to um pouco estressado. Você sabe, época de fim de ano.

  Então, ainda encostado no sofá, virei a cabeça para o lado, encarando Jisung, e pedi:

  — Será que tem como me dar uma trégua esses dias?

 Han me olhou e sorriu. Então senti uma almofada vindo na minha direção.

  — Absolutamente não — respondeu, rindo. Eu sorri também, mas revirei olhos.

  Jisung era como um irmão para mim. Extatamente como um irmão, que você ama demais, mas enche os saco às vezes.

Assistimos TV em silêncio por alguns minutos, mas não me aguentei e perguntei:

  — Mas por que eu sou ingrato?

  Jisung soltou uma gargalhada, jogando seus cabelos pretos para longe da testa.

  — Para, Felix. Foi uma brincadeira.

  —Toda brincadeira tem um fundo de verdade — murmurei.

Ele riu novamente.

—Só esquece. Como foi seu dia? – falou, tentando me distrair.

—Ah, normal. Cheguei atrasado no trabalho – falei, então lembrei de um dos motivos pelos quais eu estava apressado para chegar em casa – Ah. Achei um celular.

—Um o que?

Tirei o telefone do bolso.

—Estou esperando pra ver se alguém liga procurando, mas até agora nada.

—Você viu se tem foto no papel de parede? Pra tentar reconhecer a pessoa.

Franzi a testa, não tinha pensado nisso.

—Não, não vi.

Acendi a tela, mas o papel de parede era apenas um fundo preto, sem nada escrito. Cliquei no botão lateral e o celular desbloqueou, sem senha. Mas a tela inicial também era um fundo igualmente preto. Suspirei, decepcionado.

—Talvez eu devesse ligar para alguém – comentei, mas Jisung não respondeu. Olhei para o lado e ele estava encostado no sofá, os olhos abertos mas quase dormindo. Piscou devagar quando viu que eu estava olhando.

—O que você disse? – perguntou, sonolento.

—Nada – respondi, resolvendo o deixar dormir. Jisung tinha dois empregos além da faculdade, pelo horário não tinha ido no noturno, mas passava a semana inteira cansado. Ele chegou perto, encostou no meu ombro e fechou os olhos.

Eu abri o celular e resolvi ir nos contatos, procurando alguém para ligar. Apenas um contato. Seria um celular novo?

O contato dizia “Mãe”, escrito em inglês. Por que raios essa pessoa só tinha o contato da própria mãe? E será que ela é estrangeira?

Dei de ombros e resolvi ligar.

“O número chamado não existe”

Aquilo fazia absolutamente zero sentido. Tentei de novo três vezes, apenas para receber a mesma mensagem. Quanto mais as coisas pareciam esquisitas, mais eu me interessava naquele maldito celular.

Mesmo que sentisse que estava invadindo a privacidade de alguém, resolvi fuçar as coisas que tinham lá. Eu queria, ao mesmo tempo, tentar achar o dono e também saciar minha curiosidade. Apesar do celular não ter senha, alguns aplicativos tinham. Tentei abri o Kakao e as notas, mas os dois tinham senha. Liguei mais uma vez para o número, apenas para ser recebido com mais uma tentativa frustrada.

Segurei o celular em minha mão, uma sensação ruim de que não tinha nada a fazer para achar o dono além de esperar. Porém eu havia lido livros de mistério demais para aquilo não despertar meus instintos. Eu estava entediado e tinha imaginação fértil o suficiente para pensar em um milhão de possibilidades. Eu sabia que precisava arrumar uma forma de descobrir quem era a pessoa por trás dessa coincidência.


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