A História Prometida escrita por Ly Anne Black, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 9
Porres e Perebas




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/785338/chapter/9

 

— A sua princesa é mesmo uma incrível criatura. Um pouco simples, talvez, mas o seu apelo é inegável — comentou o conde Riddle para o príncipe Humperdraco na manhã do dia seguinte, enquanto eles caminhavam por uma parte muito particular da floresta.

— Oh, eu sei. O povo está bem impressionado com ela. É estranho, quando contratei Snapini para assassiná-la no dia do nosso noivado, eu pensei que estava sendo esperto. Mas, vai ser muito mais impactante quando eu esfaqueá-la na noite do nosso casamento. Uma vez que eu incrimine o Vale Diagonal por esse crime vil, a nação ficará verdadeiramente ultrajada. Eles irão demandar uma guerra.

Os dois encontraram a área da floresta onde os salgueiros cresciam muito juntos, formando uma clareira circundada de troncos grossos e nodosos, os quais o príncipe mandara plantar há alguns anos. O conde Riddle procurou ao redor com atenção.

— Agora, onde fica mesmo aquele nó secreto? É impossível de achar — mas mesmo assim ele achou e o apertou com seu dedo branco e longo que parecia a perna de uma aranha. Quando pressionou o nó certo da árvore certa, um espaço se abriu entre as raízes da árvore e revelou uma passagem, através da qual se via uma escadaria.

— Você vai descer comigo para as masmorras? O garoto já recuperou as suas forças. Pretendo começar a testar a Máquina esta noite.

— Tom, você sabe como eu aprecio o seu trabalho, mas no momento tenho que organizar a celebração do meu casamento e o assassinato da minha noiva, sem falar da incriminação do Vale Diagonal e o início de uma guerra. Para falar a verdade, estou um pouco sobrecarregado.

— Descanse, meu caro. Se você não tem a sua saúde, não tem nada.

O conde Riddle deu um sorriso que o príncipe sempre achara macabro, por conta de não atingir os olhos e distorcer os buracos triangulares em sua face, o que tinha restado no centro do seu rosto desde que ele tivera o nariz decepado há muitas décadas.

Quando o conde se despediu e desceu as escadas para as masmorras, Humperdraco suspirou aliviado. Custava a admitir, mas o conde sempre o deixava um pouco desconfortável.

A máquina era uma coisa enorme repousando em uma mesa nas masmorras, repleta com caixas metálicas, tubos, engrenagens, fios, botões e toda sorte de parafernália impossível de fazer sentido para olhos pouco acostumados a máquinas de tortura.

Rony tinha sido acomodado de modo a poder dar uma boa olhada nela, a fim de trabalhar em sua expectativa para o que viria a seguir.

— Uma beleza de instrumento, não é? — O conde Riddle se vangloriou, muito orgulhoso. Rony tinha uma sensação esquisita sobre ele. Achava que já tinham se encontrado antes. Achava que o odiava muito profundamente, mas não conseguia se lembrar o porquê.

O zelador albino começou a prender os vários copos de sucção ao peito descoberto de Rony, de forma diligente.

— Demorei a metade da minha vida para aperfeiçoá-la — o conde continuava a se gabar, ao mesmo tempo que inspecionava o trabalho do zelador. — Creio que a este ponto perceba que tenho um interesse especial na Dor. No momento, estou escrevendo um trabalho definitivo no assunto, então quero que seja completamente honesto comigo sobre como a Máquina o faz se sentir.

Ele andou até um regulador no painel da máquina, que ia de 1 até 50, e o ajustou para “1”.

— Sendo esta a minha primeira tentativa em um ser humano, vamos começar com a configuração de intensidade mais baixa.

Enquanto isso, o zelador tinha terminado com o peito de Rony e começado a espalhar os copos de sucção por outras partes do seu corpo. Isso incluía as suas pernas e braços — ainda amarados fortemente por correntes – mas também nas solas dos seus pés e em cada dedo das mãos, na testa e nas bochechas, no interior dos lábios e atrás das orelhas, sobre as suas pálpebras e no seu lábio inferior, e também nas suas partes baixas. Em resumo, ele não estava tendo o melhor dia da sua vida.

Ao lado dele, o conde Riddle deu a partida na máquina. Como ele fez isso não se sabia – só o conde tinha conhecimento de como operar a sua criação – mas a coisa começou a ronronar, como se fosse um felino enorme e satisfeito. O barulho foi aumentando e Rony sentiu um formigamento onde as bordas dos vários copos faziam contato com o seu corpo. Era quase como cócegas

Então a máquina começou a rugir, e não era nada como cócegas.

Ele começou a gritar. Gritar muito alto, o mais alto que a sua garganta conseguia.

O conde desligou a Máquina, pegou um caderno de anotações no bolso e fez algumas notas rápidas.

— Como você deve saber, o conceito de bomba de sucção foi inventado há séculos. Bem, isso é tudo que a máquina é. Com a exceção de que, ao invés de sugar água do seu corpo, está sugando vida. Eu acabei de sugar um ano da sua vida. Talvez um dia eu chegue a tentar obter cinco, mas nem mesmo imagino que isso faria para você. Então, vamos começar com o que temos em mãos, sim? Me diga, como se sente? E lembre-se, esses registros são para a posterioridade, então seja o mais honesto possível.

Rony teria dito alguma coisa se ele não estivesse ocupado com o seu corpo inteiro em agonia. Ele nunca tinha sentido nada comigo aquilo. O conde assistiu as lágrimas descerem pelos lados do seu rosto e assentiu.

— Interessante.

***

Humperdraco estava atolado em papelada a manhã inteira; descobria à duras penas que a burocracia para adiantar um casamento real não era nenhuma brincadeira. Ficou até feliz quando o seu chefe de guarda apareceu em seu escritório, um pouco pálido e suado e como sempre fedendo à torta de cebola.

— Crabblin — O príncipe ergueu os olhos da papelada, dando-lhe assim permissão para falar.

— Mestre — o guarda gordo fez uma reverência, depois desceu em seus joelhos, depois subiu de novo, um tanto desajeitado com o próprio peso. — Mandou me chamar? 

— Sim. Como chefe de segurança de Hogsmin, eu gostaria de confiá-lo um segredo da mais estrema importância: matadores do Vale Diagonal estão infiltrados na Floresta dos Larápios e planejam assassinar a minha noiva na noite do nosso casamento.

— A minha rede de espiões não ouviu esses boatos, senhor — disse Crabblin.

— Irrelevante. Devemos fazer de tudo para mantê-la segura. No dia do casamento, eu quero a Floresta dos Larápios esvaziada e cada um dos seus habitantes encarcerados.

— Muitos dos ladrões vão resistir, senhor. A minha guarda habitual não é grande o bastante.

— Forme um esquadrão de brutos, se precisar. E quero a floresta dos larápios completamente limpa antes do casamento.

— Não vai ser fácil, senhor.

— É mesmo? Tente ser o líder de uma nação, então, e me diga o que acha.

O dia do casamento chegou, e com a ajuda do Esquadrão de Brutos — um grande grupo de homens grandes — as ordens de Humperdraco foram postas em prática, devidamente… ou quase.

— Todo mundo preso? — Perguntou Crabblin a um dos seus guardas.

— Quase. Tem um hispânico metido a besta nos dando uma trabalheira.

— Bem, deem a ele uma trabalheira então, e rápido!

* * *

O referido hispânico metido a besta era Henrico Montoya, que no momento se encontrava profundamente embriagado e meio descadeirado, num beco sujo da Floresta dos Larápios – que, não se deixe levar pelo nome enganoso, era um bairro afastado de Hogsmin, e não uma área florestada.

Ele estava em péssimo estado. Não se barbeava há dias, não se lavava pela mesma quantidade de tempo e todo o líquido que tinha ingerido nas últimas quarenta e oito horas vinham de um barril ou de uma garrafa— ou de muitas. Mesmo assim, ele tinha a sua espada, e até os seus movimentos errantes eram causa de preocupação para quem ousasse tentar capturá-lo.

— Estou esperando por você, Snapini. Você sempre disse para voltarmos ao início e eu voltei. É no início que eu estou, e é no início que ficarei. Não importa quantos tentem, daqui não me moverei.

Ele puxou uma garrafa de conhaque do seu lado e deu um grande gole. Quando a abaixou, um dos guardas de Hogsmin estavam diante dele, de novo.

Oi, cara.

— Eu disse: não me moverei. Pode engolir o seu ‘oi’, cara — ele disse, sacudindo a espada à sua frente com pouca coordenação, mas o suficiente de letalidade.

— Mas, o príncipe nos deu ordens…

— E Snapini também deu ordens. Quando um trabalho for pro saco, retorne ao início. E aqui foi o início, foi onde ele me contratou. Então diga ao seu príncipe que eu vou ficar aqui até Snapini voltar, porque ele ainda tem de me pagar, e o meu conhaque está quase no fim, bem como o meu dinheiro.

— Bem, se insiste — o guarda deu-se por vencido, virando-se para trás. — Oi, bruto! Venha aqui cuidar desse bêbado teimoso, que eu não quero sujar a minha roupa. Já estou vestido para fazer a guarda do casamento mais tarde.

      Hagrik veio para o lado do guarda e deu uma boa olhada em Henrico. Vale a pena mencionar, Hagrik fora um dos brutos contratados por Crabbin para compor o esquadrão de limpeza da Floresta dos Larápios, já que depois que Snapini morrera ele ficara desempregado, e muito em breve teria um dragão para alimentar.

— É você! — disse Henrico, empolgado, quase dando pulos. Quase, porque ele não tinha essa coordenação toda no momento. Pulos teriam sido senão catastróficos e pior, muito pouco graciosos.

— Sim. Espera um minuto.

Sem aviso, Hagrik ergueu o seu braço enorme e deu um cascudo no guarda que ainda estava ao lado deles. O guarda desabou no chão feito uma jaca madura (a comparação é plausível, pois Hogsmin era famosa por sua exportação de jacas duras).

— Opa — disse Henrico, mas também poderia ter sido um soluço. Difícil dizer.

— Você parece bem mal — reconheceu Hagrik, um tanto preocupado. — E está cheirando pior ainda.

— Eu me sinto bem — disse Henrico. — Acho que na verdade estou ótimo.

— É? Tem certeza? 

Então Henrico desmaiou aos pés de Hagrik, deixando claro que na verdade ele não estava assim tão ótimo quanto pensava.

* * *

Hagrik carregou Henrico consigo para a sua cabaninha, que ficava no fim da Floresta dos Larápios e fora do alcance da guarda real, e nas horas seguintes cuidou de trazer Henrico de volta à sobriedade do melhor jeito que pôde. Isso envolveu uma combinação de imersão em água quente e água gelada, que era o tipo de coisa que Hagrik tinha visto a sua mãe – uma mulher excepcional e excecionalmente grande – fazer com seu pai, um homem de tamanho mediano, e excepcionalmente bêbado na maior parte do tempo.

Quando Henrico lhe pareceu um pouco mais desperto, Hagrik contou que tinha encontrado o homem que ele procurava – o homem que havia matado os pais de Henrico quando ele era apenas um bebê. O homem que tinha poupado a vida de Henrico, mas lhe deixado aquela terrível cicatriz em forma de raio em sua testa, cortada com maestria a ponta da sua espada. 

Tudo que Henrico sabia sobre o assassino dos seus pais é que ele não tinha um nariz, e agora Hagrik sabia que aquele só podia ser o conde Riddle. Avistara o conde Riddle ao visitar o castelo no fim da tarde anterior, para assinar o contrato de trabalho temporário no esquadrão dos brutos.

A informação foi o que Henrico precisava para alcançar o seu último estágio de ebriedade:

— E onde está esse tal conde Riddle, para que eu possa matá-lo? 

— Ele é o braço direito do príncipe Humperdraco, portanto fica no castelo. Mas o castelo é fortemente guardado por trinta homens.

— E de quantos homens você consegue dar conta? 

— Não mais do que dez, eu acho.

Henrico fez a matemática. Demorou um pouco, já que ele nunca tinha tido formação em matemática (ele precisou usar todos os dedos das mãos três vezes).

— Isso deixa vinte para mim. E mesmo no meu melhor, eu não poderia derrotar tantos. Não tem jeito, precisamos de Snapini para fazer um plano. Não tenho o mesmo dom da estratégia que ele tem.

— Mas Snapini está morto. Foi derrotado pelo homem de preto.

Os dois caíram num silêncio derrotado. O silêncio, no entanto, foi interrompido por um barulhinho de raspagem que vinha da lareira. Os dois olharam naquela direção: a lareira estava acesa, esquentando um caldeirão, e dentro do caldeirão alguma coisa estava se sacudindo.

— Diabos, Hagrik, o que é que você está cozinhando? É de costume matar primeiro, depois colocar ao fogo…

— Não é comida — Hagrik se apressou ao caldeirão, no caminho alcançando as suas luvas térmicas floridas, que a sua mãe tinha lhe enviado no natal passado. — Na verdade foi um presente, uh… do homem de preto. Acho que está chocando, finalmente.

Ele trouxe a coisa fumegante para cima da mesa; era o seu ovo de dragão, que agora brilhava vermelho e laranja como uma lasca de carvão ardente. O ovo começou a vibrar e estalar e os dois se afastaram um pouco. Pouco depois, um focinho afiado fez um buraco pelo lado de dentro, despontando através da casca.

Hagrik estava à beira das lágrimas.

O resto do dragão veio logo em seguida, coberto de gosma. Ele esticou as asas morcegosas e piscou os olhos aquosos e escuros. Era a coisa mais feia que Henrico já tinha visto na vida.

— Hagrik, isso por acaso seria…?

— Um dragão, isso mesmo — disse Hagrik com a voz trêmula de emoção.

— Ah. Eu ia sugerir um rato de asas.

— Precisamos lhe dar um nome. Pensei em Noberto, como o meu pai.

— Ou Perebas. Que é do que ele parece estar coberto…

— Isso é só a primeira pele, vai descascar em algumas semanas. Você não sabe muito sobre dragões, é óbvio. Ah, mas podemos juntar os dois nomes… Perberto… Norbebas…

— Norebas — disse Henrico, querendo resolver a questão o mais rápido possível.

— Norebas! — Hagrik exclamou, feliz. — O que eu faria sem você, Henrico? 

Henrico não estava mais ouvindo. Acabara de ter uma ideia, e era a sua melhor ideia em muito tempo. Ele soube disso no momento que a sentiu abrir caminho para a sua consciência, bem como Norebas tinha aberto o seu caminho para fora do ovo.

— Hagrik… eu preciso do homem de preto!

— Quê?! — Hagrik se perdeu na linha de raciocínio. — Você também vai querer um dragão, agora? 

— Não, pensa comigo! Ele o venceu em força e me venceu em agilidade e técnica na esgrima! Ele deve ter vencido Snapini em astúcia, e um homem que pode fazer tudo isso, certamente consegue invadir um castelo qualquer dia! Vem, vamos…

— Pra onde?

— Achar o homem de preto, é lógico!

— Mas a gente não sabe onde ele está.

— Pequenezas! Depois de vinte anos, as almas dos meus pais enfim poderão ter um descanso.

Henrico se levantou, parecendo possuído em sua nova resolução, e agarrou a sua espada. Hagrik hesitou, olhando para o dragão recém-nascido.

— Não posso deixar Norebas aqui sozinho, Henrico. Ele é só um bebezinho.

— Traga-o conosco então! — E saindo da cabana, alucinado: — Vai ter sangue derramado esta noite!

* * *

— Vossa majestade — chamou Crabblin, distraindo o príncipe das suas palavras cruzadas. Com os preparativos do casamento todos arranjados e o assassinato da princesa quase todo arquitetado em sua mente, Humperdraco achou que podia se dar ao luxo de relaxar um pouco.

— Entre e reporte, Crabblin. Tudo indo conforme o planejado? 

— A Floresta dos Larápios foi devidamente esvaziada, senhor. Trinta homens guardam a entrada do castelo, e os portões têm apenas uma chave, a qual eu carregarei comigo por todo o tempo.

— Formidável. A Princesa deve estar segura a qualquer custo. Ah, é isso! Que ultrapassa as dimensões usuais, colossal, gigantesco… formidável! Minha nossa, que gênio que eu sou, não espanta a rainha estar tão orgulhosa da minha existência.

       Senhor… sobre a princesa — disse Crabblin, um tanto incomodado.

— O que tem ela?

— Foi pega circulando pelo castelo e perguntando aos empregados onde fica a entrada para as masmorras, onde o conde faz a sua tortura.

O príncipe olhou para o seu chefe de guarda sem surpresa.

— Coitadinha, deve estar entediada. Ordene que a prendam em seus aposentos até a hora do casamento. Ela precisa se concentrar nos votos.

— Sim, sua majestade.

Humperdraco sorriu feliz quando Crabblin saiu para cumprir as suas ordens. Quando Buttercup lhe dava uma desculpa para ficar ainda mais irritado com ela, tornava as coisas realmente muito fáceis.

— Vejamos… forma de asfixia pela constrição do pescoço, treze letras…


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "A História Prometida" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.