Reconstrução escrita por Gabs Germano, Indignado Secreto de Natal


Capítulo 13
Remus




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Havia uma quietude perturbadora que envolvia Remus. Ele observava com seus olhos cor de mel, que perto da lua cheia se tornam um tom amarelado, similar ao de um lobo. Ele observava a todos, em seu silencio. Sirius se apaixonou rápido por essa quietude e pelo os olhos que tudo observava.

Remus era o oposto dele, pois Sirius era inquieto, falante e pouco observador. Ele sabia que chegava ser incomodo para os outros colegas com suas risadas exageradas e palavrões altos. Porém Lupin também era incomodo para algumas pessoas. Inteligente demais, quieto demais, observador demais, misterioso demais.

Remus quando estava só entre os Marotos, era um pouco mais falante, engraçado e doce. Sirius nunca tivera contato com pessoas doces e amorosas, como Lily e Remus. E por isso, cair em uma paixão platônica aos 14 anos, não fora difícil. Um misto de confusão o dominou por se apaixonar por um garoto. Era errado, mas ele era todo errado, não era? Seus pais falavam sempre que ele era um erro e que tudo nele era errôneo.

Ele se culpou dos 14 aos 16 anos por se apaixonar pelo melhor amigo. Se culpou por ser quem era. Mas dentre tantos erros que já havia sido julgado, um a mais não faria diferença. Aprendera a se orgulhar de tudo que havia se tornado, mesmo que na visão da família, tudo aquilo era inconveniente demais. Mais tarde descobrira que Lupin considerava aquela paixão dos dois um erro também e aquilo doera mais que tudo.

Ser bissexual nunca foi uma opção. Ser traidor de sangue e ir para Grifinória também não. Apesar de que todos tratavam aqueles seus traços como escolhas, aquilo tudo não era opção. Era apenas ele.

Assim como Remus ser quieto, observador e um lobisomem.

Aos 16 anos, em seu penúltimo ano de Hogwarts, as coisas pioraram. Sirius não suportava mais fingir que o que sentia por Remus era um sentimento similar ao que sentia por James e Peter.

Aos 16 anos, tudo desandou em sua vida. Nas férias, havia pela primeira vez recebido uma imperdoável do seu pai. Ao recordar-se da dor, ele sentia um misto de sentimento. Era raiva e vontade de simplesmente morrer. Seu pai havia sido capaz de levantar a varinha em sua direção e lançado a imperdoável, que foi capaz de o jogar no chão e se revirar de dor, em gritos suplicantes. Gritou em plenos pulmões e ninguém naquela casa foi capaz de sair em sua defesa.

Não fora capaz de contar isso para ninguém em primeiro momento. Mas Remus notou que ele tinha olheiras profundas sob os olhos cinzentos e que estava quieto demais. Os pesadelos eram sufocantes e Lupin sempre acordava com a respiração ofegante de Sirius.

O confronto veio em uma tarde com o clima ameno. O vento era fraco e o sol não era capaz de aquecer, mas brilhava no céu azulado sem nuvem alguma. Sirius estava sentado na beira do lago, mirando a água escura mover-se. Era estranho seu fascino por água e por afundar-se nela, até os pulmões clamarem por ar. Masoquista.

Remus se aproximou sem falar nada, apenas sentou-se ao seu lado e ficou ali. Estava cansado, devido a lua cheia ter sido a apenas dois dias. Tinha cortes pelo corpo que ardiam, o musculo parecia rasgado tamanha a dor, a cabeça latejava.

― O que aconteceu com você, Si? ― A pergunta viera baixa, com a voz contida, mas preocupada. ― Algo aconteceu nas férias?

Sirius demorou para responder, deslizando os dedos pela grama de modo distraído, arrancando-as da terra e soltando-as. Não tinha coragem de encarar Remus. Não naquele momento.

― Você um dia me disse que quando sua transformação acaba, você sente uma dor insuportável. ― Sentiu a voz arranhar, enquanto falava. Tinha vontade de gritar naquele momento contra o mundo, socar algo e ao mesmo tempo agarrar Remus, mas se controlou em falar baixo e explicar tudo que ocorria. ― Você me disse que a sensação é que seu corpo está despedaçado em mil pedaços e que seus musculo simplesmente partiram.

― Sim, eu te disse isso.

― Eu senti algo nas férias que se parece com essa descrição, Rem. ― A voz falhou em sua garganta, enquanto recordava-se com exatidão do momento em que a maldição alcançou seu corpo. ― Orion lançou uma imperdoável em mim. Cruciatus.

Remus esperava qualquer resposta, exceto aquilo.

― Começamos discutir por conta de todo esse preconceito sem sentido e ele começou a me acusar de ser traidor de sangue, que eu era a desonra da família e que tudo que vinha de mim era decepção. Você sabe, normalmente, ele não fala comigo, mas naquela noite, ele chegou transtornado gritando que eu devia estar recebendo a marca, pois todos garotos da minha idade estavam. E eu não suportei e respondi. ― Sentia sua mão tremer à medida que contava em voz alta o que acontecera naquela noite. Era vivida ainda a sensação da dor. ― Nós discutimos e em determinado momento ele levantou a varinha em minha direção, disse que seria capaz de matar ali mesmo, pois seria melhor para a imagem da família. ― Podia ouvir aquelas palavras perfeitamente bem, como se seu pai estivesse ali falando tudo novamente. ― Ele disse que eu era seu pior erro e que jamais desculparia minha mãe por ter me dado à luz. ― Sentiu o toque em sua mão da mão de Remus, entrelaçando os dedos de ambos em um aperto confortável. ― Então, ele simplesmente lançou.

Não havia lágrimas, nem desespero na voz de Sirius, apenas um relato. Ele sentia-se estranho por dentro, incapaz de chorar. Era uma mescla de dor e ódio. Mas os dedos de Remus entrelaçado aos seus lhe traziam uma paz que não sentia a muito tempo.

― Ela começa por dentro, Rem, ela percorre seu corpo rápido. Parece fraca no início, parece suportável. Mas então, tudo se torna enlouquecedor. Você não suporta o peso do seu corpo, você cai, você chora, grita, clama para aquela dor parar. Sua visão fica turva e você sente que vai desmaiar, mas isso não acontece, pois seria misericordioso demais.

Era difícil descrever a maldição. Era difícil relembrar da dor, sem sentir seu corpo tremer por completo. Era quase impossível não ver com clareza as imagens daquele dia deslizarem em sua frente, mostrando o quão cruel seu pai e sua família era.

Sirius calou-se, pois não conseguia mais dizer nada. Não havia mais o que dizer, só a sensação insuportável de impotência de fazer parte de uma família como a sua.

― Eu sinto muito, Si. ― Murmurou Remus, arrancando um sorriso singelo de Sirius. ― Eu queria poder te ajudar com sua dor.

Black virou-se para Lupin, admirando-o. Seu coração acelerou quando os olhos amarelados o encararam tão profundamente. Ele sabia que aquela paixão era um erro, afinal, todos diziam que homens gostavam de mulheres, mas ele não tinha culpa de gostar tanto de seu amigo.

Em um ato de impulso, Sirius colou seus lábios nos lábios de Remus. Uma corrente elétrica deslizou por seu corpo, estremecendo. Se o inferno havia sido sentir aquela maldição em seu corpo, o céu era naquele momento, nos lábios quentes de Remus.

 

(...)

 

Sirius virou-se pela quinta vez na cama, irritado por não conseguir dormir mesmo sentindo-se extremamente cansado após aquele dia. A visão da costa – coberta por um pijama ridículo – de Remus não lhe ajudava em nada, pois sabia que ele estava acordado e fingia dormir.

― Moony, você está acordado?

Houve um silencio antes de finalmente Lupin resolver responder com um resmungo um sim visivelmente mal-humorado.

― Você lembra a primeira vez que nós nos beijamos?

Remus resmungou mais um sim, agora mais ameno, virando-se de barriga para cima, optando por encarar o teto. Sirius permanecia deitado de lado, mirando-o atentamente sob a luz fraca da vela que queimava no criado-mudo ao lado de Moony.

― A sensação que eu te descrevi da Imperdoável que meu pai lançou em mim, parece com o sentimento que eu sinto toda vez que lembro que James não está aqui mais.

Lupin resolveu se virar novamente de lado, mas dessa vez frente a frente com Sirius, a escuridão sendo cortada apenas pela iluminação fraca da vela. Ele não conseguia enxergar todos os traços cinzas dos olhos de Sirius, mas conseguia perceber que ele o mirava com certa ansiedade.

― Sim, a dor da perca de James, Lily e todos os outros, são praticamente insuportáveis, Pads. ― Respondeu, lembrando-se de todas as vezes que Sirius ficava com aquele olhar ansioso.

Sirius sempre fora um enigma para Remus, com sua voz e risadas altas, brincadeiras exageradas, confusões em tudo que fazia. Mas tinha aquele lado ansioso, o olhar perdido para o nada, o momento frágil quando algo dentro de casa acontecia. E havia naquele momento, o Sirius adulto, pós-guerra, quebrado por dentro.

 

(...)

 

Remus jamais teve escolhas. Liberdade era uma farsa em sua vida, mesmo que todos fingisse que não. Ele não escolheu ser um lobisomem, muito menos amar garotos. Ele via ambas as coisas como uma maldição.

Era de sua natureza ser um ser odioso e errado e em sua opinião, ele jamais deveria poder conviver em sociedade, pois era um risco para todos. Porém, Dumbledore não concordava e conseguiu que seus pais depositassem todas suas confianças em Hogwarts. Havia uma promessa do diretor de cuidados e normalidade.

Um Maroto. A normalidade – ou apenas a sensação de – veio com a amizade de James, Sirius e Peter. Era fácil o convívio, as brincadeiras, ser um Maroto. Ao mirar a roda dos amigos rindo, contando piadas e quando resolviam quebrar alguma regra, ele podia fingir que era igual a todos ali. Um garoto normal.

Então começou as pequenas sensações estranhas relacionadas a Sirius Black. Começara com um estranho revirar de estomago quando Padfoot lhe direcionava toda sua atenção, risadas e olhares. E se intensificara quando o sentimento de ciúmes surgia ao ver o Maroto beijando ou se engraçando com alguma garota.

Remus Lupin era um bruxo mestiço. Seu pai era bruxo e sua mãe era trouxa. Seu pai era pagão, como grande parte dos bruxos e sua mãe era católica. Muitas coisas podiam ser questionadas dentro de casa, exceto a fé de sua mãe, assim como a magia que corria em seu sangue e de seu pai.

Homens nasceram para se casarem com mulheres. Mulheres nasceram para se casarem com homens. Não existe outra opção, pois Deus não se agrada. Deus não gosta de pecadores e homens que se relacionam com outros homens são pecadores.

Lembrava-se das missas que frequentava com sua mãe, aos domingos de manhã e de todos os sermões que o padre dava. “Se um homem se deitar com outro homem como quem se deita com uma mulher, ambos praticaram um ato repugnante. Terão que ser executados, pois merecem a morte”, Levítico, capítulo 20, versículo 13.

Obviamente, ao entrar em Hogwarts, Remus deixou a igreja e os costumes cristãos de lado. Mas como seria possível esquecer palavras impregnadas em seus domingos? Como seria possível esquecer que se ajoelhava junto a mãe e rezava para Deus?

E a paixão por Sirius aumentou. Não havia nem como não crescer. Sirius era luz, calor e barulho. Era seu oposto e seu complemento. O beijo na frente do lago, fora sua perdição por completo.

Remus era pecador e durante alguns meses ele não se importou. Ele permitiu-se os beijos escondidos, os abraços furtivos, os toques proibidos. Sirius era fogo e intensidade.

Fim. O final veio quando o sentimento conflituoso de não se sentir suficiente para Sirius surgiu e a lembrança do pecado que era o ato dos dois. A união de dois sentimentos que causavam a pior tormenta que podia existir dentro dele.

Uma guerra se aproximava junto com a formatura da formação acadêmica deles. O vislumbre do futuro era doloroso, pois como seria possível um lobisomem ter uma vida normal? Como seria possível um sangue-puro com o sobrenome tão forte de Padfoot namorar com outro homem? Um homem mestiço e com uma maldição incurável.

O fim era inevitável, assim como a dor diária que sentiu pós o término também. A guerra chegou, os dois se afastaram e conviveram apenas por conta de James, Lily e Harry.

O tempo passou, não curou a dor, apenas a intensificou. Mas dentro de Remus sempre existiu perguntas que jamais foram respondidas: por qual maldito motivo amar Sirius e se relacionar com ele, era pecado? E onde estava Deus, quando Greyback o mordeu? Onde estava Deus, com sua fúria contra pecadores, quando James e Lily partiram e deixaram Harry? Onde estava Deus, quando tantos morreram?

 

(...)

 

― Você está ansioso, não está? ― Questionou, ainda mirando os olhos cinzas de Black.

― Sim. ― Sussurrou de um modo que demonstrava sua fraqueza.

Sirius e Remus se conheciam com perfeição, apesar de não se encaixarem nos últimos anos como normalmente encaixavam. As peças ainda pareciam não terem o encaixe certo naquele momento. Remus transpirava insegurança, Sirius ansiedade. Ambos estavam quebrados e lhe davam da forma que eram acostumados a lhe dar com toda dor.

Nós conseguiremos a guarda dele, Sirius. ― Afirmou confiante, mesmo não tendo tanta certeza do que dizia.

Nós. Novamente a pequena palavra que revirava tudo dentro de Sirius. A pequena palavra que fazia a sensação agridoce surgir nas estranhas dele. Como era possível ele sentir tantas coisas misturada como ele sentia naquele momento?

Como no primeiro beijo, Sirius não pensou muito, apenas agiu impulsivamente, levantando o corpo minimamente para conseguir selar os lábios de Remus.

Lupin seria sua ruína, como sempre fora. Era seu ponto fraco em meio a tantas pessoas. Os sentimentos mais puros e conflituosos que podia sentir. Sirius sempre fora quem ele realmente era perto de Remus, sempre se despiu de máscaras e risos para mostrar-se verdadeiramente para a pessoa que ele era apaixonado.


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