Um pequeno problema escrita por Celso Innocente


Capítulo 8
Passado, presente, futuro.




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Ela se desconsertou, abaixou-se diante do menino e explicou-lhe:

            — Na verdade já encontramos seus pais. Aquela casa em que você foi ontem é a sua casa e aquela mulher, minha sogra, é a sua mãe!

            — Não é! — Negou o pequeno.

            — É sim! Só que mais de quarenta anos mais velha do que você esperava.

            — Não pode ser a minha mãe! Há dois dias ela estava normal!

            — Há dois dias você também estava em seu tempo real. Há dois dias você estava em mil novecentos e sessenta e sete, hoje você está no ano dois mil e quinze.

            — Não pode ser verdade! Ela não é a minha mãe!

            — É a verdade! Ela é a sua mãe com mais de oitenta anos de idade e você é meu marido com nove anos de idade!

            — Se for verdade, então onde está o meu pai que eu não vi?

            Luciana se tornara então mais desorientada. Levantou-se e evitando olhar para o menino, insinuou:

            — Eu sinto muito.

            — Sinto muito o quê?

            Como ela não soube o que dizer, o menino, embora pequeno não era assim tão ingênuo.

            — Você não quer dizer que meu pai…

            — Eu sinto muito. Ele ficou doente…

            — Meu pai não morreu… não é?

            — Infelizmente.

            — Mentira! — Gritou o menino chorando sentido. — Eu vi ele a menos de dois dias! Ele chegou do trabalho e nem estava doente!

            — Você sabe que não é assim! Parece-lhe poucos dias, mas na verdade faz quase a metade de um século.

            — Ele não morreu! — As lágrimas banhavam todo o seu rosto, escorrendo pelo peito. — Meu pai não morreu!

            — Ouça, Regis… — tentou confortá-lo, Luciana. — Se seu pai ainda estivesse entre nós, ele teria oitenta e cinco anos de idade. Estava muito doente.

            — Ele não morreu! — Não aceitava o menino em desespero. — Eu quero ver ele!

            — Não se preocupe. Em breve tudo vai se resolver e você voltará ao seu tempo e o reencontrará.

            O menino calou-se por um instante, limpou as lágrimas com as mãos e lembrando-se de algo, especulou:

            — E meu avô? Ele sofreu um acidente de carro e está no hospital. Ele está bem?

            — Qual avô você fala?

            — João… Nardine!

            — Regis… Eu nem conheci o seu avô João. Pelo que eu sei ele morreu já faz uns… trinta e três anos.

            — É mentira! — Gritou o pequeno chorando. — Um dia antes de eu vir parar aqui eu visitei ele no hospital.

            — Não faz só dois dias, menino — tentou consolá-lo Luciana. — Nem um de seus avós vive mais. Caso vivessem teriam mais de cem anos de idade.

            — No dia antes de vir aqui, quando saí da escola de tarde, como o hospital fica no mesmo caminho, aproveitei para entrar na portaria, na qual uma freira boazinha me atendeu.

            — Todas as freiras são boazinhas, Regis — riu Arthur.

            — Sei disso! — Protestou o menino. — Não sou burro!

            — E o que ela disse? — Interferiu Luciana.

            — O que você deseja? — Perguntou-me ela.

            — Quero visitar meu avô!

            — Quem é seu avô?

            — João Nardine! — Respondi.

            — Sinto muito, mas não é permitido!

            — Por quê?

            — Não se permite visita de crianças em hospitais. É para o seu próprio bem. Mas seu avô está bem e deixará o hospital rapidinho.

            Eu queria ver ele, mas não insisti, abaixei a cabeça e saí devagar. Já estava nas escadas de saída para a rua, quando ela me chamou:

            — Hei garoto!

            Voltei-me olhando para ela.

            — Venha cá!

            Retornei até o balcão, ela colocou as mãos em meus ombros, me levando até o corredor principal, apontou ao fundo do mesmo e disse com pequeno sorriso:

            — Seu avô está no último quarto desse lado (à direita. Mas eu poderia me confundir com direita). Vá vê-lo.

            Animado, já começara a caminhar quando ela ainda me orientou:

            — Só por dois minutos!         

            Fui até o quarto de vovô, que estava deitado descansando. Uma de minhas primas estava sentada na cadeira ao seu lado.

            — Como você entrou aqui? — Admirou-se a menina, que teria lá seus quinze anos de idade. Vovô também se admirou, pois sabia de tal regulamento hospitalar.

            — A freira me deixou entrar, só um pouquinho!

            Vovô realmente estava bem e lá fora ameaçava um toró (chuva).

            Não pude ficar muito tempo, devido obedecer e retribuir o favor da amável freira.

Na saída, como bom menino, agradeci com sorriso.

            — Seu avô está bem? — Perguntou-me ela sorrindo.

            — Está! Obrigado por deixar eu ver ele!

            — Agora vá direto pra casa porque vai cair uma chuvona.

            — Tchau!

            — E foi isso — concluiu o menino mais sereno. — Como pode ver, ele não está morto, só está no hospital.

            — Desculpe menino. Viu como está a sua mãe? Quer dizer, a idade dela?

            — Se é assim, e meus irmãos? Onde estão os meus irmãos?

            — Casados! Como você! Tem filhos! Alguns desses filhos também se casaram e já tem seus filhos!

            — Luís!? — Especulou o menino.

            — Ele já foi casado. Hoje não é mais. Mora em Campinas e tem um filho que também já se casou. Quer dizer… ajuntou os trapos.

            — O que é isso? — Franziu o nariz.

            — Ajuntou os trapos?! — Riu Luciana. — Moram juntos, mas não se casaram!

            — E os outros?

            — Renato é casado e tem duas filhas! Jonas já foi casado. Também não é mais. Tem três filhos. A mais velha é casada e tem dois filhos.

            — E Laura? É casada?

            — Foi casada! Tem um filho que já é casado e tem uma linda filha recém-nascida.

            — Puxa! Todo mundo é separado nessa família! — Embora ainda soluçasse, estaria um pouco conformado com a morte do pai. — Já que eu sou casado com você, espero que nunca largue de eu!

            — Nem precisa ter esta esperança — riu ela. — Pois jamais se livrará de mim não, meu gatinho!

            — E o Lucas? — O danadinho não se esquecia de ninguém.

            Luciana tornara a se embaraçar.

            — Ele esteve doente…

            — Não morreu… — os olhos voltaram a se encher de lágrimas. — Não é?

            — Eu sinto muito! Acho que o coração dele não aguentou. Morreu muito novo.

            — Mentirosa!

            O desespero voltou a tomar conta do pequeno e ele chorava muito. Luciana o abraçou com carinho de… nem se sabe se seria de esposa ou mãe.

            — Eu quero voltar pra minha família! Me leve por favor!

            — A gente vai solucionar este caso pra você, pode acreditar — comprometeu-se a mulher, deixando-o, permanecendo abaixada diante dele. — Enquanto isso, lembre-se de que a gente é a sua família e… Eu, Maysa e Arthur, te amamos muito. Do fundo de nosso ser. E o George, que você ainda nem viu, ele adora crianças e vai adorar ter um pai criança pra poder brincar…

            — Por que ele não mora mais nessa casa? Ela é tão grande! Ele é casado?

            — Ele não é casado! Trabalha em outra cidade. Por isso! Mas ele sempre vem nos visitar. Você vai gostar muito dele e ele vai adorar você.

            — Quando ele virá?

            — Sexta feira! Daqui a dois dias! Sabe, eu ouvi você falando com Arthur que a gente é rico. Na verdade, não somos ricos, mas somos estabilizados. Sabe o que vem a ser tudo isso aqui? Essa enorme chácara que chega até ao rio, esses carros na garagem e tudo o mais que temos aqui? Tudo isso — apontou o indicador para o peito do menino. — É o fruto de seu trabalho e sua dedicação.

            — Eu?! — Surpreendeu-se o pequeno esquecendo as lágrimas.

            — É claro que também teve meu esforço! Juntos construímos isso aqui! Além de duas outras casas… boas.

            — Quer dizer que eu vou ser… rico… quando crescer?!

            — Não somos ricos! — Negou a mulher em sorriso.

            — Se tudo isso não é ser rico, vocês não conhecem pobreza.

            — Conheço sim! — Alegou a mulher. — Em minha infância fui tão pobre quanto você é em sua. Hoje somos estabilizados graças ao seu e ao meu trabalho.

            — Um dia tudo isso aqui será meu também?

            — Com certeza já é! — Afirmou Luciana. — Só que o seu eu adulto nunca pensa assim.

            — Como assim?

            — Você adulto sempre diz assim, “tudo isso aqui, nos foi emprestado por Deus, para que cuidemos e desfrutamos da melhor maneira possível”.

            — Eu acho que ele tem razão — riu o menino.

            — Puxa saco! — Protestou Arthur.

            — Veja bem! — Gesticulou o pequeno. — Todas essas coisas são muito importantes em nossa vida. Mas quando morrermos elas ficarão aqui! Meu pai fez a casa em que eu moro faz só um ano. Ele morreu e a casa ficou. Por isso ele tem razão em dizer que foi apenas emprestado… por Deus.

            —Poucos tem o privilégio de morar em um lugar assim. Seu pai não teve, mas você terá agora.

            — Meu pai morou em uma chácara! Quer dizer… quando ele era criança. A chácara de meu avô é tão grande e bela como a sua. Até são parecidas. Só que ela tem o muro baixo e a casa é antiga. Mas é uma delícia! Aquela casa tem um jeitinho suave de muita paz. Quando a gente entra lá, sente a impressão que entrou no céu. Adoro passear naquela chácara.

            — Você adulto fala muito nela. Eu nem a conheci.

            — Como você tem carros, qualquer dia podemos ir lá. Garanto que vai adorar. Meus avôs… quer dizer… minha avó é muito boazinha. Ela é cega, mas conhece todos nós apenas pelo jeito de andar ou falar. Meu avô… bem, ele é um pouco nervoso, quase nunca conversa.

            — Menino, eu sinto muito. Já falamos de seus avós.

            — Eles… morreram?

            — Seu avô daquela chácara morreu quando você tinha talvez a idade que demonstra ter agora.

            — Não morreu! — Negou o menino convicto. — Há poucos dias ele esteve passeando em minha casa.

            — Tá! Ele morreu quando você era criança. Sua avó morreu quando você tinha por volta dos vinte e cinco anos.     — E a chácara? Quem mora nela? Meu tio? Sim, ele morava com minha avó.

            — Todos os seus tios da família de seu pai, Deus já levou. A chácara nem existe mais.

            — É mentira! A chácara é muito linda e ela continuará existindo pra sempre. Chácara não morre!

            — Até concordo que ela possa não morrer, porém, seu pai e seus tios já a venderam para nem sei quem faz dezenas de anos.

            —E por que eu vim parar aqui? — As lágrimas banhavam o rosto do menino. — Pra receber só notícias tristes?

            — Não veja assim! — Tentou consolá-lo Luciana. — As notícias tristes vêm por questão do tempo. Você é inteligente o bastante pra saber que todos quando envelhecem, terminam seu tempo aqui na Terra e são tiradas daqui por Deus. Se seu pai e seus tios fossem vivos hoje, já teriam quase noventa anos de idade. O tempo deles aqui na Terra se esgotou.

            — E por que eu vim aqui? — Ainda soluçava Regis.

            — Por que eu garanto que também não sei! Mas vejamos pelo lado bom. Você acaba de conhecer sua família no futuro e tenho certeza que sentirá orgulho dessa conquista que Deus colocou em sua vida. Como já lhe disse e como você acredita que somos ricos em comparação a você e sua época, toda essa conquista é graças ao bom homem que — colocou o indicador no peito do menino — você se tornou em sua vida honrada. Um homem digno, um pai de família e um marido exemplar.

            O menino suspirou aliviado, enchendo o peito de ar e deixando transparecer um breve sorriso de orgulho e satisfação. 

            Luciana ergueu-se e de jeito triste, sem saber direito como, sabia que teria que contar mais alguma coisa também muito triste ao menino, mas como não arranjou coragem, mudou de assunto, dando um leve tapa em suas nádegas:

            — Agora vá escovar os dentes para que vá comigo e Maysa ao centro da cidade.

            — O que vamos fazer?

            — Acho que você não poderá ficar usando sempre as roupas da Maysa, não é? Afinal de contas, acho que você é machinho!

            — Sou homem! — Foi incisivo ele, correndo ao banheiro, parando na porta de acesso.

            — Iremos comprar umas roupas bonitas pra esse homem! — Riu Luciana.

            — Precisa também comprar uma cueca! Não gosto de ficar sem usar.

            — Fica balançando as coisinhas, papai? — Ironizou Arthur, que continuava vidrado no computador.

            — Luciana… — reclamou o pequeno. — Se esse rapaz continuar caçoando de mim, o que vou fazer?

            — Você é o pai dele! Impõe respeito!

            — Isso mesmo! — Fingiu ranger os dentes. — Vou colocá-lo de castigo!

            — Ai, papaizinho bravo! — Ironizou o rapaz.

            — Vai ficar uma semana sem usar computador! — Advertiu-o o pequeno.

            — E você vai ficar uma semana sem sua chupetinha predileta — caçoou Arthur.

            — Não chupo chupetas!

            — Depois você dá uma cintada na bunda dele! — Recomendou Luciana. — Agora vá escovar os dentes para irmos comprar belas roupas pra você.

            — Eu não estou caçoando dele! — Protestou Arthur. — Sem cuecas as coisinhas dele ficam balançando mesmo! Se é que ele tem!


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