Um pequeno problema escrita por Celso Innocente
Enquanto retornavam para casa Luciana lembrou que o menino estava assim perambulando desde que acordou pela manhã.
— Você passou o dia todo sem comer? — Especulou ela.
— Eu comi dois pastel e um guaraná.
— Onde você conseguiu dois pas…téis?
— O homem da casa de lanches me deu.
— Como deu? Assim… de graça!?
— Eu disse a ele que nem tinha dinheiro, mas ele me deu mesmo assim.
Luciana olhou desconfiada pelo espelho retrovisor, observando o jeito assustado do menino no banco traseiro, forçou uma nota de vinte Reais de sua carteira e entregou-lhe perguntando:
— Conhece esta nota?
— Este não é o dinheiro do Brasil!
— O dinheiro de onde você mora se chama… Cruzeiro?
— Sim! — Concordou forte.
— Amanhã a gente passa lá e eu pagarei seus pastéis. Tá bom?
— O moço disse que não precisa pagar — deu de ombros. — Mesmo assim acho que é bom pagar.
O carro acabava de ser desligado em sua garagem. Os dois desembarcaram e na sala de estar encontraram Maysa de óculos escuro, assistindo a uma animação de dinossauros na televisão.
— Achou a casa dele, mamãe? — Perguntou a menina.
— Acho que a casa dele é aqui mesmo!
— Não moro aqui! — Protestou o menino.
Luciana apanhou na estante outro óculos escuros e entregou ao menino dizendo:
— Use-o.
— Pra quê! Nem tem sol!
— Use-o! — Insistiu a mulher.
Mesmo sem entender o porquê, o menino colocou os óculos e quase que imediatamente gritou:
— Voti, o dinossauro rex pulou da televisão!
Luciana segurou-o pelos ombros e olhando firme para seus olhos escondidos pelos óculos, especulou-o:
— Já tinha visto algo igual?
— Não! — Negou ele com o auxílio da cabeça.
— Você já viu algum dinossauro desses? — Riu Maysa.
— Claro que não! Eles nem existem de verdade!
— Muito bem! Você deve estar hiper cansado! —Arrastou-o para o seu quarto, Luciana. — Tire essa roupa e tome um banho, enquanto termino de preparar a janta.
Tirou-lhe os óculos e seguiu para o quarto da filha.
O que será que ela quis dizer com termino de preparar a janta, se nem estivera em casa durante toda a tarde para que tenha começado tal atividade?
É que tal jantar seria o mesmo do almoço, bastando apenas requentá-lo, o que por sinal, graça às tecnologias modernas, como panela elétrica, forno micro-ondas e embalagens térmicas, se tornava muito ágil.
Menos de dois minutos depois voltara ao seu quarto com uma toalha, outra camiseta branca e um short de algodão azul, ambos de sua filha.
Como o menino já teria adentrado ao banheiro, empurrou a porta abrindo-o, ao qual ele assustou-se protegendo seus genitais com ambas as mãos protestando:
— Ohw! Eu estou aqui!
— E o que tem isso? — Questionou Luciana. — Sei que você está aqui!
— Sou homem!
— Vê lá! Estou enjoada de ver seu pênis! — Ironizou ela. — Claro que não tão pequenino!
Pendurou a toalha e as roupas no box e foi ajudá-lo a ajustar a temperatura da água do aquecedor solar.
— O que é pênis? — Especulou o menino, ignorante a tal assunto tabu em sua família.
— Esse negocinho que você tá tentando esconder com as mãos — riu a mulher.
— De onde vem a água deste chuveiro? — Especulou ele, ainda protegendo os genitais.
— De duas caixas gigantes em cima da casa.
— Quem coloca ela lá?
— Em nosso caso, existe um poço que tem uma bomba elétrica que leva a água até uma das caixas. Onde não existe um poço, a água vem de um reservatório que a colhe de um rio.
Já debaixo do chuveiro percebendo a temperatura ideal para tal banho, insistiu:
— E quem esquenta a água?
— O Sol.
— Agora está de noite. Não tem Sol.
— O Sol esquenta ela durante o dia e deixa em um reservatório térmico para que usemos quando quisermos.
— O que é… térmico?
— Você gosta de perguntar. Não?
— É que eu não sei o que é, ué!
— Reservatório térmico é uma caixa grande de aço, que não entra e nem sai ar, com isso mantém a água fervendo.
Aguardou um pouco. Como ele se calou, ela insistiu:
— Mais alguma pergunta?
— Não! — Negou simplesmente. — Agora posso tomar banho sozinho?
— É bom mesmo — ironizou ela. — Senão você vai arrancar esse negocinho aí de tanto puxar!
Percebendo o que involuntariamente fazia, o menino sentiu-se tímido, a mulher apanhou as roupas sujas no chão e se retirou para a cozinha.
Na passagem pela sala, Maysa lhe interrompeu:
— Mamãe, ele vai ficar aqui em casa?
— Por enquanto vai, filha.
— E vai ficar usando minhas roupas?
— Acho que você não se importa em emprestá-las, não é?
— Tá! — Deu de ombros a filha. — Só que é de menina!
Foi até o terceiro dormitório, onde preparou uma das duas camas, deixando-a pronta para receber novo inesperado hóspede e seguiu para a cozinha, no intuito de preparar mesmo o jantar.
Dez minutos depois, o menino, novamente de óculos, estava sentado no sofá da sala, assistindo com a menina ao mesmo filme de dinossauros em imagens tridimensionais.
— Você vai ficar morando com a gente? — Perguntou-lhe Maysa.
— Vou ficar até a sua mãe ajudar a achar meus pais.
— Ele é bonitinho, mas você não pode paquerá-lo, tá filha — ironizou a mulher que acabava de chegar.
— Eu não! Acha?!
— Não acha que ele seja bonito? — Riu Luciana.
— É! — Deu de ombros a menina. — Até que é! Mas não vou namorar ele!
— Também não quero namorar ela! — Protestou o menino.
— Não acha minha filha linda?
— Ela é muito linda! — Finalmente esboçou leve sorriso o pequeno, forçando os óculos para a testa. — Até parece princesa!
— Ooooh! — Entusiasmou-se Luciana. — Viu só, filha! Que galanteio! Meu marido nunca fala isso pra mim!
— Obrigado! — Riu Maysa balançando os longos cabelos macios. — Mas somos pequenos pra namorar.
— Vocês nem podem se enamorarem, certo? Depois eu explico o porquê.
— Já sei por que, mãe! Ele é mais novo do que eu.
Poucos minutos depois, Luciana fizera os dois pausarem tal filme da televisão e se dirigiram os três para a copa, onde passaram a jantar.
— Só mora vocês dois nessa casa gigante?
— Não! — Negou Maysa. — Mora eu, minha mãe, meu irmão Arthur e meu pai.
— Cadê eles?
— Arthur foi pra escola, meu pai tá sumido desde cedo — dirigiu-se para a mãe. — Ainda não tem notícias do pai, mãe?
— Acho que sei o que está acontecendo — tentou explicar Luciana. — Depois eu explico.
— Quantos anos tem… Arthur? — Perguntou curioso o menino.
— Dezessete! E eu tenho outro irmão! George! Ele tem vinte e dois. Só que não mora mais conosco!
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