Time After Time escrita por Catelyn Hudson


Capítulo 3
The Land of Ice and Snow (Thor)


Notas iniciais do capítulo

Agora sim, vamos começar a bisbilhotar a vida de cada personagem nos anos entre os caps 1 e 2! :D
‘The land of ice and snow’ é um trecho de Immigrant Song, do Led Zeppelin – a música que ficou tocando em Thor: Ragnarok.



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Música: Immigrant Song— Led Zeppelin (1970)

Oslo, Noruega, 1996

Foi recebido no aeroporto por uma policial, que lhe deu tantas orientações no caminho até sua nova casa que ele pediu para que as repetisse. Ela lhe respondeu que tudo que dissera estava num papel com os novos documentos dele.

Na referida pasta, ele encontrou sua nova identidade. Na foto, seu cabelo estava bem mais curto; ele cortara durante a conexão com Frankfurt. A mudança já era suficiente para que ele pudesse se passar por outra pessoa. Logo pararam em frente a um prédio, de aparência nova.

— Aqui é uma sua nova casa – a oficial explicou. – Sua irmã deve estar nos esperando no apartamento.

Ele a seguiu sem falar nada. Havia inicialmente pensado que iria ser enviado a um lugar aleatório, cercado de estranhos; para sua imensa surpresa, acabara indo parar com sua irmã Hela, com quem nunca se encontrou e só conhecia das história do seu pai.

— Obviamente, ninguém deve saber que são irmãos – a policial disse. – Vocês que decidem, mas provavelmente pagarão de primos. – Ele assentiu. Mesmo assim, considerava sua situação melhor que a dos demais.

Hela morava no 10º andar, mas o elevador era rápido. Sua irmã respondeu ao segundo toque de campainha.

— Ah, se não é meu priminho – ela disse em voz alta. – Podem entrar. – Ela os guiou até a sala e pediu para se sentarem. Ele o fez, mas a policial não.

— Só estou aqui para entregá-lo a você. Se tiverem dúvidas, sabem aonde ir.

Hela assentiu e se despediu. Ao trancar a porta, sentou-se ao seu lado e disse, baixinho dessa vez:

— Presumo que você foi instruído a fingir que é meu primo. Temos que falar baixinho sempre que falarmos algo revelador demais. As paredes são bem fininhas. – Um sorriso maroto. – Você poderá ouvir sons… interessantes à noite.

Só um minuto inteiro depois é que ele entendeu o que ela quis dizer.

— Minha nossa… como você dorme à noite?

— Protetores de ouvido ajudam bastante… mas acho que temos coisas mais importantes para discutir, né? – Ele concordou. – Ótimo. Primeiramente, o que sabe sobre mim?

— Seu nome é Hela, primogênita do papai, e mora só.

— Nada do meu emprego, nem da minha idade? – Ele fez que não. Ela suspirou. – Bem, irmãozinho, tenho 28 anos, 12 a mais que você. Eu te vi recém-nascido, quando fui a Nova York visitar nosso pai. Uma pena que nunca mais consegui ir lá. Queria ter pelo menos conhecido Loki, mas a correria da vida não deixou.

— Tudo bem – ele disse, educadamente. – Nunca te julgamos por isso. Papai nunca nos trouxe aqui, então estamos quites.

Ela sorriu.

— É, você tem razão. Enfim, precisamos de uma história para você. Antes de mais nada, seu nome. O que acha de Jupiter?

Ele quase se engasgou com a própria saliva.

— Quê? Por que Jupiter? Não é o nome de um planeta?

— Sim, um planeta cujo nome é uma homenagem ao deus romanos dos céus e dos raios. Thor não é o deus nórdico do trovão? Jupiter chega perto.

— Soa como uma boa piada interna, mas por que não um nome comum da Noruega, ou inglês mesmo?

Em resposta, ela sorriu novamente, levantou-se e foi à cozinha. Ele a seguiu enquanto ela dizia:

— Porque você será o filho do nosso tio falecido, Vilive, que foi batizado em homenagem aos dois irmãos de Odin na mitologia nórdica. Vem, sente à mesa. Tenho um café para fazer e uma história para contar. Quer café?

— Sim, se não se importar…

— Claro que não me importo. Enfim, de volta à nossa família. Nosso pai e o tio Vilive cresceram rodeados de mitologia nórdica, já que vovô era historiador. Nosso tio se mudou para o Canadá antes de papai ir para os Estados Unidos, e era tão aberto sobre sua vida quanto Freddie Mercury era sobre a AIDS. – Ela o encarou para saber se ele entendeu a comparação. À sua confirmação, ela se virou para a máquina de café e continuou: – Então, é razoável supor que ele teve um filho e segui a tradição de batizá-los com nomes de deuses antigos… mas por que se atrelar a mitologia nórdica, quando há tantas outras por aí? Daí ele se inspirou na mitologia romana para batizar você. Entendeu?

— Sim, faz sentido. Papai nos batizou de nomes de deuses nórdicos, mesmo. Lembro que ele escolheu adotar Loki precisamente porque ele não tinha nome ainda. Agora, por que ele achou que os deuses do trovão e da trapaça seriam bons nomes para os filhos dele…

— Ah, vá! Vocês pegaram nomes legais. Eu sou a deusa da morte. Mas, isso não importa agora. – Ela pegou a jarra de café e colocou na mesa. – Sabe, Loki era o nome que nosso pai e minha mãe tinham em mente caso tivessem um filho. Mamãe achava engraçado ter o filho com o nome do pai da Hela… mas ela morreu grávida, sem saber se era menino ou menina.

— Sinto muito…

— Tudo bem – ela disse ao lhe dar um copo de café e se sentar à sua frente. – Achei que papai nunca amaria novamente, então fiquei surpresa quando ele me apresentou à sua mãe. De primeira, achei que ele estava tentando preencher o vazio que mamãe deixou, mas aos poucos percebi que ele realmente a amava. Principalmente depois que descobri como eles se conheceram. – Ela tomou um gole do café e ergueu as sobrancelhas. – Você sabe?

— Loki talvez saiba, mas nunca tive a curiosidade.

Ela deu uma risada.

— Papai virou CEO nas Indústrias Stark, mas nunca perdeu o interesse em história antiga. Ele frequentava palestras sobre o tema na faculdade, depois das aulas normais dele. Foi assim que conheceu a Frigga, e eles se aproximaram por que seus nomes vinham de deuses nórdicos. Sua mãe caçoava dele por se chamar Odin Odinson. – Ele parou de beber para rir. Aquela era uma velha piada dentro de casa, mas nunca perdeu sua graça. – Frigga gostou de mim desde a 1ª vez, e se juntou ao nosso pai para me mostrar todos os encantos de História. Eu tinha 8 anos quando começaram a namorar, 10 quando se casaram e 11 quando se mudaram para Nova York. Decidi ficar com minha tia, Deus a tenha, mas as histórias que eles contavam ficaram na minha mente. O ponto de toda história é… você deve a seus pais a possibilidade de ficar com um parente, mesmo sob proteção para testemunhas.

Ué, por quê?

— Que bom, acho… mas por quê, exatamente?

— Porque seus pais me fizeram amar tanto História que me tornei arqueologista, e meu trabalho me faz passar mais tempo viajando do que em aqui, em casa. O que significa, meu planetinha, que você está a salvo do Thanos porque não ficará em lugar algum por tempo o suficiente para ele te achar.

Ele estava tão chocado com a revelação que se esqueceu de repreendê-la pelo apelido – coisa que deveria ter feito, olhando para trás.

—--x---

Ao fim da semana, ele respondia a Jupiter Odinson sem grandes problemas. Todos os documentos estavam prontos, e sua irmã/prima conseguiu permissão para educá-lo por conta própria.

— Você vai começar o último ano da escola, certo? Talvez você tenha que estudar coisas a mais para compensar pelo que as escolas americanas não ensinam e que ensinam aqui, mas não deve ser difícil.

— Você acha que me formo no próximo ano? – ele perguntou, incrédulo. – Você disse que passaremos a maior parte do tempo fora do país.

Ela deu de ombros.

— Disseram que você pode levar até 2 anos para terminar tudo. Teremos que vir aqui a cada 3 meses para suas provas. Pode refazer uma vez se reprovar, por isso pode levar o dobro do tempo para concluir. Mas só uma vez por trimestre. Se reprovar de novo, ou não terminar em 2 anos, terá que vir ter aula presencial normal.

Parecia justo.

— Talvez eu deva estabelecer meu próprio prazo… Um ano e meio? Nunca fui tão bom de provas quanto meu irmão.

— Justo, justo. Mas garanto que não terá problemas com História. – Ela sorriu largamente, e ele retribuiu o gesto.

Havia ainda 3 semanas em Oslo antes de eles partirem para o próximo sítio de trabalho de Hela. Eles usaram esse tempo para se conhecerem melhor e aprimorar a história de Jupiter. Seus “pais” já haviam morrido, e seu “tio” (Odin) não tinha condições de abrigá-lo tendo já uma esposa e 2 filhos, mas sua “prima” tinha. Sua “mãe” morrera quando ele tinha 8 anos, afogada enquanto pescava, e seu “pai” morreu há um mês, de tumor cerebral. Hela sempre o lembrava de evitar usar suas próprias histórias de vida para inventar as de Jupiter, especialmente porque seu alter-ego fora filho único.

Também compraram roupas novas, além de outros pertences pessoais básicos. Na pressa de fugir do Thanos, ele arrumou apenas o mais importante, que não se mostrou o suficiente para a vida diária.

Pelo menos ele pôde levar a cobra de pelúcia que Loki lhe deu no aniversário de 13 anos. Era para ter sido um presente-de-troia, mas ele amou tanto que guardou, alegando que era um item legal de decoração do seu quarto – a cobra ficava em cima de seu travesseiro. Porém, a real razão era que ajudava-o a se acalmar quando tinha pesadelos, um acontecimento mais frequente do que gostava de admitir.

4 dias antes de partirem, Hela mencionou-lhe que tinha uma assistente.

— O 1º nome ela é Brunnhilde, mas prefere ser chamada pelo nome do meio, Valkyire. Está prestes a começar o 3º ano da faculdade e me ajuda a organizar meus dados. Ela geralmente fica em Oslo estudando, mas todas férias ela viaja para me acompanhar. – Um suspiro. – Deve estar chateada que passei um mês inteiro das férias de verão aqui na Noruega, mas não havia outro jeito.

Sua voz demonstrava estar tudo bem, mas suas palavras o fizeram refletir. Sua irmã abriu mão de um mês de trabalho e pesquisas para recebê-lo em casa e ajudá-la a se adaptar à nova vida. Ela poderia facilmente ter rejeitado a proposta da polícia em abrigá-lo, já que ambos eram praticamente estranhos um ao outro. Mas, mesmo assim, ela o aceitou de braços abertos e estava disposta (animada, até) a levá-lo em suas viagens, apesar dos gastos extras – certamente, sairia mais em conta mantê-lo em Oslo sob a tutela de Valkyrie.

— Ei, Sailor Plutão – ele chamou. Ela se virou com um revirar de olhos (um absurdo; seu apelido para ela era muito mais criativo que o dela para ele). Ele sorriu. – Obrigado por tudo.

Sua expressão mudou, e ela sorriu de volta.

— Ah, não é nada de mais. Mas de nada.

—--x---

— Tio Heimdall não vem, temos a casa toda só para nós!

Loki levantou o olhar do seu livro com uma expressão entediada.

— Deixa eu adivinhar, você quer dar uma festa aqui.

— Exato! – Porém, ao ver seu irmão, desanimou-se imediatamente. – Você não quer, né?

— Não ligo – ele respondeu no mesmo tom de voz, quase irônico. – Porém, se você decidir dar essa festa, não conte comigo para organizá-la.

— Ah, vamos, Loki, eu sei que você curte festas!

— Não quando preciso fazer qualquer coisa além de me divertir.

— Você realmente vai me deixar para cuidar de tudo sozinho?

— Eu disse que eu não o ajudaria. Tenho certeza de que sua namorada o ajuda.

Ele soltou uma risada nervosa.

— Jane? Hah. Como se ela fosse aparecer numa festa.

As sobrancelhas de Loki arquearam instantaneamente.

— Você quer dar uma festa sabendo que sua namorada não vai aparecer? Meio babaca da sua parte, Thor. – O silêncio do seu irmão o fez entender a situação. – Vocês terminaram, não foi? – Thor assentiu, sem tirar os olhos do chão por um bom tempo, até que o silêncio ficou pesado demais. Ao levantar o olhar, Loki o encarava de volta, livro fechado em seu colo. – E quando você ia me contar, Thundercat? Agora tenho interromper minha leitura e te tirar da fossa.

Apesar de tudo, Thor sorriu. Não importa o quanto tentasse esconder, Loki se importava muito com ele, e momentos assim o lembravam disso.

— Nada de festas essa semana – Loki falou ao se levantar. – Pegue sua carteira. Vamos comprar ingressos para um desses jogos de basquete que você tanto ama.

— Pensei que odiasse basquete.

— Odeio futebol americano. Posso perfeitamente tolerar basquete se isso significa que não vou ter que te aturar chorando pelos cantos.

—--x---

Thor sorriu, a memória o entretendo durante o pouso do avião. Era de um ano atrás, quando ele e Jane concluíram que seus interesses eram diferentes demais para sustentar um relacionamento. Claro, fora ideia da Jane; Thor estava apaixonado demais para se dar conta daquilo por conta própria.

As tentativas de Loki de animá-lo foram bem sucedidas. Ele superou o término mais rápido do que quando Sif terminou com ele. Tudo bem que ele tinha só 13 quando namorou Sif, e dos 13 aos 15 muda coisa muda… mas ele não era burro. Loki odiava basquete e tolerava futebol americano, não o contrário. Seu irmão nunca foi fã de esportes coletivos, mas a violência do futebol americano o entretia levemente, enquanto vôlei e basquete lhe eram extremamente entediante. Sua proeza em assistir a um jogo de basquete inteiro sem reclamar motivou Thor a se curar depressa. Era o mínimo a se fazer.

Infelizmente, não era uma história a se compartilhar, e maioria das suas melhores lembranças tinham Loki no meio. Por exemplo, a festa que acabaram dando no fim de semana seguinte, um dia antes de seus pais retornarem. Loki não o deixou beber, alegando que ele era um bebê chorão ao se embriagar, e bebeu por ele. Seu irmão bêbado deu um show inesquecível aos convidados, e Thor lamentou não ter filmado a cena com a câmera do pai. Foi uma boa noite para ficar sóbrio.

A voz do piloto o trouxe de volta à realidade. A seu lado, Hela e Valkyrie se levantaram para pegar a bagagem. Ele deixara sua mochila embaixo do assento, então não as seguiu no ato.

Hela disparou à frente dos outros dois. Após um curto silêncio, Valkyrie puxou conversa.

— Já esteve no Oriente Médio antes?

— Não. A 1ª vez que saí do país foi quando me mudei para a Noruega. – O que não seria mentira se não fosse pela viagem ao Canadá no nono ano. Mas Jupiter era canadense, então talvez isso não contasse.

— É minha 2ª vez só no Iêmen. Já estive na Arábia Saudita e na Jordânia, graças a sua prima.

— Parece uma vida ótima.

— Com certeza! E você vai viver isso ainda mais… Mal posso esperar para me formar e me tornar assistente da Hela em tempo integral.

— Não gostaria de trabalha por conta própria? Fazer seu nome?

— Ah, nunca curti muito o holofote, sabe? Hela dá muitas entrevistas e palestras na sua área de pesquisa. Prefiro os bastidores. Anonimato me atrai mais.

Havia algo de triste em sua voz que implicava algo mais profundo na sua aversão a ser o centro das atenções, mas ele não a questionou. Por que ela contaria o seu passado a um adolescente que nunca viu antes? Dependendo do que fosse, talvez nem sua irmã soubesse.

Então, ele mudou de assunto.

— O que há de lazer por aqui?

— Alguns pontos turísticos… e bares, boates. Você bebe?

Hela, mesmo à frente, respondeu por ele.

— Não deveria, mas bebe!

Ele coçou a nuca, levemente envergonhado. Valkyrie parecia entretida.

— Você se importa se eu levar seu priminho para beber, chefa?

— Claro que não! Se meu tio não o parou, quem sou eu para julgar?

O sorriso de Valkyrie o assustou um pouco. Pensou em alegar que não bebia sempre por causa dos estudos, mas algo lhe disse que ela não mudaria de ideia. Porém, ficar bêbado era um risco à sua identidade secreta.

— Só que não gosto muito de me embriagar. Sempre vomito, e minha garganta fica ardendo por uns 4 dias.

Como Loki diria, ele estava sendo dramático, mas era necessário. Valkyrie acreditou, então tudo bem.

— Olha, posso não parecer, mas sou uma adulta responsável. Não vou te deixar beber até cair… e não precisa beber com a gente sempre se não quiser, ok?

— Bebemos bastante – admitiu Hela, ainda à frente, acenando para um táxi. – Não todo dia, mas mais do que provavelmente deveríamos. – Ele e Valkyrie riram ao entrarem no táxi.

—--x---

O Iêmen era maravilhoso. Hela o levou ao sítio arqueológico que estava explorando e o deixou ficar na sua tenda estudando enquanto ela trabalhava. De vez em quando, ela (ou Valkyrie) o chamava para mostrar algo interessante.

— Olhe de perto, Jupiter – sua irmã disse. – Isso foi escrito em hebraico. Sabe o que isso significa? – Ele fez que não, e ela prosseguiu: – Significa que judeus viveram nesta cidade em algum momento da história. Encontramos objetos que indicam adoração a outros deuses, então provavelmente aqui foi uma cidade onde pessoas de várias religiões viveram em paz.

— Peraí, este lugar era uma cidade?

— E das grandes, planetinha. Foi mencionada por historiadores desde cem anos antes de Cristo, mas os relatos são muito confusos. Algumas informações são contraditórias, e nem tudo é muito claro. Esperamos encontrar respostas concretas aqui.

Os dias passavam e ela lhe contava mais coisas. Sua habilidade de ensinar superava a de todos os professores que já tivera, e pela 1ª vez na vida Thor se viu verdadeiramente interessado em História. (Infelizmente, a história do Iêmen não fazia parte do conteúdo programático norueguês. Porém, Hela lhe prometeu algumas aulas após cada capítulo, então tudo bem.)

Nos dias de folga, elas o levavam para conhecer as cidades ao redor. Ele se fascinava com tudo que via, ouvia e provava – a comida era deliciosa.

Passaram 2 meses lá. Valkyrie teve que voltar para a Noruega no 2º mês devido à faculdade; sua ausência fez grande diferença, mas ele logo se distraiu com outras coisas. Além do mais, havia vantagem em não tê-la por perto: os dois irmãos podiam conversar mais abertamente. Ele lhe contou várias histórias de sua vida em NY, suas presepadas com Loki, sobre Jane e Sif, sobre o grupo de RPG que ele descobriu por acaso.

— Foi Loki que me apresentou ao jogo. Eu raramente jogava qualquer coisa senão esportes (ele é o mais criativo da família), mas amei o jogo. Eu já conhecia o Clint, que me apresentou à Natasha. Também já conhecia o Steve, do time de futebol, mas nunca diria que ele jogava RPG… mas também, eu nunca teria dito isso de mim mesmo. Enfim… foi o Clint que nos juntou todos. Loki geralmente jogava conosco, mas teve que se ausentar da última campanha depois que entrou na natação. Os horários se chocavam demais. – Seu olhar se desviou nesse momento. – Ainda bem. Foi estranho jogar sem ele, mas pelo menos ele ainda está em Nova York, sem ter que se preocupar consigo mesmo.

Ele sentiu uma mão em seu ombro e levantou o olhar. Sua irmã sorriu-lhe delicadamente.

— Tenho certeza de que ele está preocupado com você.

— Sim, mas ele está seguro. Isso me conforta.

Ela se recostou e suspirou.

— Ouvir sobre vocês dois quase me faz me arrepender de ter ficado na Noruega. Teríamos dado um ótimo trio.

Ele riu.

— Se você tivesse nos aguentado quando éramos criancinhas, com certeza. Mas olhe para você! Sua vida é ótima… mesmo que um pouco solitária. – Disse esta última parte baixinho, temendo soar um babaca. Hela, porém, riu. Ufa.

— Ah, mas não mais sozinha, né? Mas relaxe. Tia Nora só morreu em 1994, não fiquei sozinha de verdade. Agradeço o elogio mesmo assim.

—-x—-

Depois de Iêmen, seguiram para Doha, Qatar. Não para trabalho de campo, mas para uma reunião.

— Meu time e eu vamos repassar o que encontramos no Iêmen e cruzar os dados com os que já temos. – Ela explicou.

— Valkyrie vai estar também? Ela sempre te ajuda com esses dados… certo?

Ela ergueu uma sobrancelha e lançou um sorriso estranho.

— Que interesse nela… considerando que é um adolescente.

Ele quase se engasgou no ar.

— O-o que está insinuando?

Uma risada.

— Eu sei que ela é atraente, planetinha, mas tenha cuidado. Ela não costuma se interessar por novinhos.

Achou melhor ficar quieto. Que absurdo? Ele, a fim da Valkyrie? Ele mal a conhecia, e ela era universitária. Seus mundos eram totalmente diferentes, e por mais que ele curtisse garotas maduras e inteligentes (Sif e Jane eram prova disso), a dita cuja era 4 anos mais velha! Uma diferença grande demais para ele.

No fim das contas, Hela respondeu que Valkyrie viria, sim, pois a reunião lhe daria créditos extras na faculdade. Ele simplesmente assentiu.

—--x---

Veio as primeiras provas, e Thor teve que ir a Oslo sozinho. Hela queria ir junto, mas teve que ficar por conta de colegas de trabalho.

— Você vai ficar hospedado na casa da Valkyrie – ela disse ao deixá-lo no aeroporto. – Não é seguro você ficar sozinho em casa, mas não acho uma boa ideia deixar a Valkyrie lá para ela descobrir informações… perigosas. Sei que você é capaz de se cuidar sozinho, mas…

Ele não a questionou. Ela tinha razão, de qualquer forma; ele estava se escondendo de um serial killer. Ficar sozinho em casa (estranho, ele já considerava o apartamento como seu lar) não seria seguro, nem o seria ter Valkyrie lá dentro. Seu quarto estava cheio de coisas que poderiam lhe revelar a identidade, mesmo que as mais pessoais (como a cobra de pelúcia) estivesse dentro de gavetas.

Assim sendo, ele foi para o apartamento da Valkyrie. Era menor que o seu, mas muito mais bagunçado.

— Foi mal – ela disse. – Não tive tempo de arrumar tudo ainda.

— Ahn, então é geralmente mais bagunçado? – Ela assentiu fracamente. – Nossa, estou impressionado. Não sou nem um pouco organizado, mas seu nível de desordem é de mestre!

Ela revirou os olhos.

— Eu me mudei há um mês, Jupiter. Não sou desorganizada, só lenta.

As provas ocorreram ao longo de uma semana. Para se acalmar, ele passava os dias ajudando Valkyrie a organizar suas coisas. Acabou descobrindo muitas coisas sobre ela – coisas pequenas, como suas atividades na faculdade e seu desempenho acadêmico (excelente, como suspeitava), seu gosto em filmes e livros e TV, seu passado em ativismo ambiental e até algumas fotos antigas.

— Por que parou de pintar o cabelo? – perguntou uma vez, enquanto arrumava seus CDs. – Ficava legal de roxo. E de azul-marinho também.

— Eu queria ser levada a sério, e infelizmente ninguém te respeita de verdade se seu cabelo for colorido. – Ela pausou e sorriu. – Mas tenho uma tatuagem. Quer ver?

Ele disse animadamente que sim. Ela levantou discretamente a blusa e revelou uma tatuagem de martelo. Thor lutou para manter uma expressão neutra ao reconhecer Mjölnir; não haveria razão para tal desenho causar qualquer emoção em Jupiter.

— Por que o martelo? – ele perguntou, não se contendo totalmente. – Por que não… valquírias?

Ela riu e abaixou a blusa.

— Eu tinha 15 anos e achava valquírias óbvias demais. E amava as histórias do Thor, tanto na mitologia quanto nos quadrinhos. Já leu?

— Sim. Ainda leio, quando posso. – Quase soltou que curtia todos os quadrinhos de Vingadores, e que foi deles que saiu a inspiração para montar sua última campanha de RPG, mas se conteve. Mesmo sendo um detalhe pequeno que dificilmente o entregaria, ele preferia evitar esse tipo de revelação ao máximo.

Alheia a seus pensamentos, Valkyrie disse:

— Ótimo! Se você pegar a caixa de HQs, cheque se há algo que você ainda não leu. Não tenho mais tantos… doei os mais antigos quando me mudei.

Ele acabou pegando a tal caixa, e encontrou 3 edições que desconhecia.

Ao fim da semana, ele já sabia que tinha se dado bem nas provas. Aliviado, ligou para Hela e avisou que já poderia comprar sua passagem de volta para Omã.

—--x---

Oslo, inverno de 1998

Sua cerimônia de formatura foi pequena, dividida com outros 5 que passaram pelo mesmo processo que ele. Hela veio às pressas de um congresso na Arábia Saudita para comparecer.

Acabou ficando na casa de Valkyrie sempre que ia fazer prevas. Hela hesitou, a priori, de fazer isso regularmente, mas ambos a asseguraram que não havia problemas e que era melhor que ela interromper seu trabalho só para se enfurnar em casa por 7-10 dias.

O abraço aperto de parabéns que Valkyrie lhe deu o fez ficar vermelho até as orelhas. Como sua irmã previu, ele desenvolveu… um pequeno crush nela. Nunca fez nada a respeito, claro; ela continuava sendo muito mais velha que ele, mesmo que ele frequentemente se esquecesse disso quando conversavam sobre seus interesses em comum.

— Você é finalmente um adulto! – ela exclamou, bagunçando seu cabelo. Ela era alta, mas ele a havia superado nos últimos dois anos.

— Fiz 18 anos ano passado, Val. – Ele começou a usar esse apelido 6 meses antes, em resposta ao ‘Jup’ dela. – Logo farei 19!

— Ah, mas você só era um adolescente maior de idade. Agora sim é um de nós.

— Como se você fosse um modelo de vida adulta.

— Claro que sou! Principalmente agora, que também vou me formar logo, logo.

Em 3-4 meses, Valkyrie se formaria e acompanharia Hela (e ele) direto. Ele não sabia o que fazer. Não muito por causa do seu crush, mas por causa de seus segredos. E se ela descobrisse que ele era Thor Odinson em vez de Jupiter Odinson?

—--x---

Hela decidiu que ele e Val ganhariam o mesmo presente de formatura, já que terminaram seus estudos no mesmo semestre. Quando Valkyrie colou grau, ela os levou a Tel Aviv, Israel.

— Fui convidada a dar uma palestra para alunos do ensino médio na Universidade de Tel Aviv – ela explicou. – Vamos próxima semana.

Naturalmente, Thor se animou. Ao longo desses 2 anos, ele se tornou o segundo assistente de Hela, devido às longas ausências de Val. Agora que ela era parte do time principal, ele virou assistente das duas. Mexer com dados provou-se mais interessante do que imaginara, e percebeu que realmente gostava de lidar com finanças (ambas o nomearam “tesoureiro”).

Tal posição assegurava que ele continuaria as seguindo, que era o plano de Hela para ele se esconder de Thanos. Além disso, ele amava seu novo estilo de vida: sempre num lugar diferente, explorando coisas novas, conhecendo pessoas e aprendendo sobre várias culturas.

O principal campo de trabalho de Hela era a cidade antiga no Iêmen, então era lá onde mais ficavam. Porém, ela ia a reuniões e eventos acadêmicos em outros países também – a maioria das vezes no Oriente Médio, mas eles já foram a Cairo, Roma e Paris.

Uma vez ela foi convidada a dar uma palestra em Columbia. Ela quase recusou, pois não ia arriscar levá-lo a Nova York, mas aceitou quando Thor descobriu que a viagem cairia na semana de provas, configurando a desculpa perfeita para não ir.

— Você viu papai? – perguntou quando ela voltou a Oslo.

— Sim! Não disse a ele nada sobre você, claro, nem ele perguntou. Pelo visto, realmente não sabe que você está comigo, como suspeitamos.

— Mamãe? Loki?

— Sim, conheci nosso maninho. Ele tão legal quanto você disse. Ele me deu um tour da cidade, incluindo pontos desconhecidos pela maioria dos turistas. – Parecia haver algo a mais, mas não quis perguntar. Se ela não ia lhe dar detalhes, ela não o faria. Já estava recebendo mais informações do que provavelmente deveria – e certamente mais do que esperava.

Era 2 da manhã quando pousaram em Tel Aviv. A segurança no aeroporto era pesada. Hela havia comentado sobre os recorrentes conflitos entre Israel e Palestina antes da viagem.

— Parece nunca acabar… por isso mal venho aqui. Raramente vale a pena.

Aparentemente os dois lados estavam em trégua, ou algo parecido; por isso Hela aceitou o convite da universidade dessa vez.

Eles decidiram se juntar a um grupo de turistas num rápido tour da cidade, para ter noção do que valia a pena visitar. Como sempre, o olhar de Valkyrie notou vários locais menos famosos no caminho, e eles traçaram o roteiro da viagem com suas observações.

As palestras de sua irmã se deram ao longo de 3 dias. Nesses dias, eles só saíam à noite, para bares e restaurantes. No 3º dia, depois de uma dose de tequila, ele encontrou uma competição de karaokê e insistiu em participar.

— Não, obrigada – disse Val, revirando os olhos. – Você já canta mal sóbrio, não quero te ouvir bêbado.

— Não tô bêbado, só alegrinho!

Ela ergueu uma sobrancelha, mas não respondeu. Ele aproveitou a deixa para ir ao karaokê.

Havia uma pequena fila para esperar a vez; no meio-tempo, ficavam torcendo por alguém enquanto tentavam cantar mais alto que o sistema de som. A maioria das músicas era em inglês, para seu grande alívio. Estaria perdido se tivesse que cantar em hebraico ou árabe.

Ao se aproximar, viu um cara competir com uma garota cadeirante. Apesar de ser alto, ele não conseguiu vê-la, mas sua voz era boa (pelo menos para a música em questão: Scream, do Michael Jackson).

Como previra, a garota ganhou. Muitos aplaudiram e gritavam “Naomi! Naomi!”. Um garoto da sua idade que usava óculos escuros subiu no palco e perguntou, em inglês, quem iria competir com ele. Sem perder tempo, Thor atravessou a multidão e subiu.

Os óculos (e, sendo sincero, o álcool) dificultou a leitura de sua expressão, mas ele parecia surpreso com sua presença.

— E aí – ele disse após um minuto inteiro de silêncio. – A escolha da música é minha, novato. – Sua voz era familiar, mas ele não sabia dizer de onde. Decidiu deixar isso para lá e focou sua atenção na tela de TV com as opções. O cara escolheu uma música do Led Zeppelin, Immigrant Song.

— Essa música é meio velha, né? – Ele comentou.

— É, mas é ótima, não acha.

Ele simplesmente assentiu. Amava aquela música; toda sua família, na verdade, considerando sua origem norueguesa e tal.

Na manhã seguinte, não se lembrava de quase nada, exceto pela música e o quão mal ele cantou.

—--x---

Em Oslo, ele e Val decidiram comprar algo em agradecimento a Hela.

— Essa viagem certamente foi cara, mesmo que a universidade tenha pago metade dos custos – ele disse. – E ela nos levou a um lugar que sempre teve medo de ir só para nos parabenizar pela nossas formaturas.

— Você tem total razão, Jup. E sei exatamente o que comprar. – Ela o levou a uma loja de produtos tecnológicos e o mostrou algo que ele só tinha visto pouquíssimas vezes antes: um celular. – Esse tem mais coisinhas – ela disse, pegando um da Nokia. – Pode mudar essa carcaça aqui, a bateria dura mais… e tem até joguinho!

Não foi nem um pouco barato, mas ainda deve ter custado menos que a viagem. Valkyrie ainda acrescentou duas “carcaças” coloridas à compra, explicando que Hela amava verde e dourado.

Como previram (e torceram), sua irmã amou o presente. Não só pelo celular em si, mas pelo fato de que poderia se gabar de ter o modelo mais novo. Thor e Val comemoraram.

—--x---

Londres, início de 1999

De tudo que poderia levá-lo ao hospital, foi uma faca no seu olho.

De todas as formas que uma faca poderia ir parar no seu olho, foi porque ele decidiu que era capaz de fazer malabarismo com ela.

Tudo por causa de uma aposta – que ele perdeu, claro.

Hela fora a Londres para uma reunião e ele obviamente foi junto. Porém, como não havia o que ele fazer na reunião, ele se ofereceu para ficar com os filhos dos participantes. Um deles tinha 14 anos, que também estava lá para ajudar. He fazia malabarismo com bolas e facas na sua cidade (Hong Kong ou Xangai, ele não lembrava mais) e mostrou seus truques aos pequenos. Thor era até bom com criancinhas, mas não como esse garoto. Então decidiu tentar fazer o mesmo.

— Tenho certeza de que consigo! Aprendo rápido.

— Não teria tanta certeza – o adolescente replicou. – Mas vamos tentar.

Primeiramente, treinou com bolas, com moderado sucesso. Porém, o garoto foi dificultando as coisas, até desafiá-lo com facas.

— Aposto que não dura 30 segundos!

O sensato teria sido recusar o desafio; afinal, ele não experiência alguma. Mas Thor não era do tipo de recusar essas coisas, então disse, como o idiota que era:

— Aposto meu olho esquerdo que duro mais que um minuto.

Claro, a faca cai bem no olho esquerdo, só para enfatizar sua estupidez.

— Espero que saiba o quão burro você é – sua irmã exclamou assim que ele acordou no hospital.

— Eu sei, eu sei. Vou ter mais cuidado agora.

Nesse momento, percebeu que seu campo de visão estava menor. Ops… o olho esquerdo se foi.

— A gente viaja para inúmeros locais perigosos, e você perde um olho porque quis brincar com facas? Não consegue ver o quanto isso é loucura?

Ver? Não, não consigo. Mas consigo sentir o quanto é loucura.

Ela bufou.

— Claro que você ia fazer piada. Você está prestes a fazer 20 anos, lesado. Tenha algum bom senso, caralho!

— Ei Hela, calma aí. Fui eu que perdi o olho aqui. Aprendi a lição, ok? Só… deixa pra lá. Vou me adaptar à perda da visão.

Silêncio recaiu sobre eles. No fim, ela assentiu e se sentou para ler um livro.

Valkyrie o caçoou por uns 3 meses. Ele não reclamou; afinal, mereceu.

—--x---

Bergen, Noruega, Natal de 1999

Valkyrie os convidou para passar o Natal com sua “família” – seus amigos da escola que foram expulsos de casa por razões que incluíam (mas não se limitavam a) homossexualidade, uso de drogas e gravidez precoce. (Felizmente, a mãe da bebezinha foi passar o Natal fora, poupando a filha de uma festa cheia de gente bêbada.)

Valkyrie era a única órfã do grupo, mas ela dizia que talvez tivesse sido expulsa também.

— Sempre quis ser arqueologista, desde criança – explicou. – Mas meus pais sempre tentaram me convencer a seguir outro caminho.

— Mas você realmente acha que eles te expulsariam?

— Não sei. Talvez sim, talvez não. Eles morreram há tanto tempo… não pude conhecê-los o bastante. – Ele não tinha resposta para aquilo. Após um breve silêncio, ela continuou: – Eu tinha 11 anos. Acidente de carro. Morei com minha avó por 3 anos, até ela infartar… mas, para falar a verdade, ela morreu quando enterrou o único filho.

Ele pôs a mão em seu ombro e lhe deu um pequeno sorriso, ao qual ela retribuiu. Histórias como a dela e de sua irmã o lembravam de sua biografia falsa e de como ele era, na verdade, privilegiado. Tudo bem, ele estava, no momento, fugindo de um serial killer, sem perspectivas de voltar para casa… mas ele tinha um lar para onde voltar. Pais e irmão o esperando lá. Valkyrie e Hela perderam tudo.

Eles se hospedaram na casa de um dos amigos de Val – a mesma onde seria a festa, para sua alegria. Esta começou no início da noite, com troca de presentes e conversas triviais. Após a meia-noite, porém, o bar foi liberado.

Ser a mais velha não impediu Hela de ficar tão bêbada quanto os demais no fim da noite. Prevendo exatamente isso, ele decidira beber o mínimo. Alguém tinha que ficar de olho nela – e em Valkyrie, que se deitou no sofá após vomitar duas vezes.

— Juuuuuup, vem cá – ela gritou. Ela 3 da manhã, e ele só queria dormir. Ainda assim, ele foi até ela. – Não, aquiiii – protestou quando ele estava prestes a se sentar no chão. – Minha cabeça no meu colo!

— Você… tem certeza? – Ele perguntou, corado. Ela assentiu, e ele a obedeceu. Esforçou-se para manter a expressão neutra quando ela repousou a cabeça em seu colo, evitando seu olhar; ela ainda era bonita, mesmo naquele estado. Porém, ela não estava a fim de facilitar-lhe as coisas.

— Olha pra mim – ela disse vagarosa e atrapalhadamente. – Eu sei que você gosta de mim, não precisa fingir.

He voltou o olhar para ela. Pelo visto, não era tão bom em esconder seu crush como pensava. Ainda tentou disfarçar, embora fracamente:

— Não sei do que está falando… – Ela bufou e tossiu ao mesmo tempo.

— Não minta pra mim. Vejo os corações nos seus olhos quando me olha. – Breve silêncio. – Você é fofo, mesmo sem um olho. Mas novinho. Desculpa.

— Tudo bem, Val – ele respondeu, mexendo levemente no seu cabelo. – Nunca foi nada muito intenso, não. – Sempre soube que seu crush não era recíproco. Apesar disso, achava que sua rejeição ia doer mais, considerando sua experiência de dois términos.

— E não dá pra ficarmos juntos desse jeito – ela continuou, balançando o dedo entre ele e ela. Ele franziu a testa, mas a deixou continuar: – Não com você escondendo coisas de mim.

Todo o sangue do rosto foi embora.

— Quê?

Teria ela descoberto sua verdadeira identidade? Hela lhe disse algo? Será que ela ouviu os dois conversando como irmãos em vez de primos?

— Você esconde algo. Não sei o quê… mas você não tá aqui só porque papai morreu.

Conseguiu segurar um suspiro de alívio – não sem grande dificuldade – e manter a expressão confusa.

— Por que outro motivo eu viria morar com a Hela, Val? – A resposta certa seria “fugir de um serial killer”, mas ele não achava que ela diria isso.

— Sei lá. Mas tem algo que você esconde. Mas não vou tentar saber. Chefa me mataria.

Ela adormeceu segundos depois. Ele esperou alguns minutos antes de levá-la ao seu quarto, onde Hela já estava dormindo.

No dia seguinte, ela não parecia se lembrar da conversa quando acordou, ao meio-dia. Ele nunca abordou o assunto também.

—--x---

Sana’a, Iêmen, 2001

— Eu acho – Valkyrie disse ao terminar a taça de vinho – que deveríamos comemorar a formatura do Jup com uma viagem. Que nem a que fizemos a Israel.

Thor conseguiu concluir seu curso à distância um ano antes do previsto. Seu imenso tempo livre nas viagens ajudou, mas todos (inclusive ele) se surpreenderam com a conquista.

— Concordo, Val – disse Hela, terminando sua própria taça. – Na verdade, estava até procurando por opções. O que você acha do Peru, planetinha?

He tomou um gole, pensativo. Estavam num quarto de hotel, pago pela universidade que presidia um congresso de arqueologia. Era 5 estrelas, e eles ficaram com 2 quartos com TV – algo raro nas viagens pelo Oriente Médio –, que estava ligada na CNN International. Eram quase 17 horas; talvez um pouco cedo demais para beber vinho, mas ninguém se importava.

— Que outras opções você checou, Sailor Pluto?

— México, Polônia, Austrália e Japão.

— Ei, vamos para a Polônia! Sempre quis conhecer os campos de concentração…

— Ah, sim. Estive lá há uns 8 anos. É bom, só não crie expectativas altas demais. Mas vamos, vai ser bom revisitar. – Por algum motivo, Hela não curtia muito a história das Guerras Mundiais; sequer lhe ensinou o assunto.

Valkyrie propôs um brinde animadamente. Rindo, os irmãos a seguiram. Ele bebeu sua taça assistindo à TV.

E… o que estava acontecendo?

— Hela, Val… – ele as chamou enquanto se aproximava da TV. – Olhem isso aqui.

Um grande prédio estava em chamas e, aparentemente, à beira do colapso. Não soube dizer onde era aquilo até o repórter explicar a cena à sua frente.

Ele conhecia o World Trade Center. As Indústrias Stark tinham um escritório numa das Torres Gêmeas, e seus pais levavam-no com Loki de vez em quando, para visitar o local. Ele até jantou num restaurante famoso lá algumas vezes… Restaurante esse que agora desabava diante de seus olhos. Ele xingou baixinho. Sonhara em comemorar seu retorno naquele restaurant…

— Que porra é essa? – Ouviu Val atrás dele. – Outra torre?

Ele piscou e foco na tela novamente. Um avião colidiu com a outra torre enquanto o repórter ainda noticiava sobre a 1ª. Neste instante, um pensamento assustador lhe ocorreu.

Odin ia ao WTC toda semana. E se ele estivesse lá? E se tivesse levado Frigga e Loki junto?

— Hela – ele disse, virando-se bruscamente para encará-la. Ela se voltou para ele, arregalando os olhos. – Ligue para o papai. Ele pode estar no prédio, e a mãe também, e o Loki… Mana, por favor… preciso saber se estão sãos e salvos.

Ela piscou e olhou para a TV, e de volta para ele.

— Claro – ela disse, levantando-se para pegar o celular. – Peguei o número dele ano passado. Com sorte, ele vai atender.

— Ótimo. Valeu, Hela.

Enquanto ela discava, ouviu uma voz lhe dizer:

— Um avião atingiu o Pentágono. – Ele se virou e viu Val ainda assistindo às notícias. Ela o fitou. – Caso você conheça alguém que esteja lá também.

Foi nesse momento que percebeu que havia se entregado. Não era para ter chamado Odin de pai nem mencionado Loki e Frigga. Jupiter era filho único de pais falecidos.

Ah, merda.

Antes que ele pudesse tentar se corrigir, ela falou:

— Tudo bem, Jup, ou qualquer que seja seu nome. Eu já suspeitava há um tempo já, que você tinha um segredo importante. Não imaginei que fosse sua identidade, mas… com certeza há uma razão para você ter feito isso.

Então ela não estava falando besteira naquele Natal. Ele suspirou.

— Estou sob programa de proteção para testemunhas – declarou. – Meu nome é Thor. E ninguém pode saber que você sabe.

— Claro… Thor. – Ela olhou para a TV e depois para ele. Aí apontou para Hela, que estava conversando ao celular. – Ela faz parte disso tudo, né?

— Sim. Ela me ajudou a criar minha nova identidade, com biografia e tudo.

— E seu suposto pai é seu tio, na verdade.

— Sim. Aliás, não sabemos se meu tio realmente morreu. Ninguém ouviu falar dele desde que se mudou para o Canadá, e já faz mais de 10 anos.

Suas sobrancelhas se arquearam. De todas as coisas, isso que a surpreende…

— Desculpa ter escondido isso de ti, mas não podíamos nos arriscar.

— Eu entendo, relaxa. Mas, se não pessoal demais… você testemunhou o quê?

Ele respirou fundo.

— Homicídio. Um cara matou a esposa, e nós assistimos a tudo da janela da sala. Depois descobriram que ele é um serial killer.

— “Nós”?

— Fomos sete. Eu e mais cinco amigos que estávamos jogando, e uma das filhas do casal que estava na casa do crime.

Ela não lhe replicou. Hela terminou a ligação e se aproximou dele.

— Odin, Frigga e Loki estão bem – ela lhe disse. – Mas um amigo deles… Odin não soube dele desde o ocorrido, e acha que ele morreu. O avião colidiu perto do andar onde ele estava. – Só aí ela notou o clima entre ele e Valkyrie. Seus olhos se arregalaram. – Ah. Você sabe agora, né, Val?

— Sim… ele me contou as coisas. Que vocês são irmãos e tal. Olha, chega, eu entendo. Thorzinho estava em perigo. Ainda está, acho. Eu faria o mesmo no seu lugar.

Ninguém disse nada. Ao fundo, ouviu um repórter anunciar colapso total de uma das torres.

—--x---

Oslo, início de 2003

— Essa câmera vai ser ótima para as pesquisas – Hela disse animadamente. Aproveitara suas 3 semanas de férias para comprar uma câmera digital nova, e encontrou um modelo recém-lançado.

— Os detalhes das fotos ficam ótimos – ele disse em concordância. – Mas quero almoçar, Sailor Pluto.

— Meu Deus, que apelido ridículo.

— “Planetinha” não é nada melhor, mas não fico por aí reclamando.

— Tive que assistir a um anime besta para ter alguma ideia de quem é Sailor Pluto!

— Ótimo, você foi exposta a TV de qualidade! – ele argumentou com um sorriso. Ela revirou os olhos.

— Enfim, não temos comida em casa. Vai ter que pedir.

Suspirando, ele discou o número. A essa altura, já o havia decorado; nunca havia comida em casa, já que passavam pouco tempo nela. Hela ligou a TV enquanto ele esperava ser atendido. Ouviu notícias sobre a conclusão do Projeto Genoma Humano.

— Parece algo que vai resolver muitos dos problemas de saúde – comentou distraidamente.

Conforme dizia seu pedido à atendente, ele viu um rosto familiar nas notícias, mas não se atentou ao que diziam; o fato de a TV estar à sua esquerda não o ajudou. Ao desligar, virou-se para prestar mais atenção.

— …e acusado do assassinato de pelo menos 28 pessoas, incluindo sua própria esposa. Agora que foi finalmente preso, Trevor Titan deve passar um bom tempo na cadeia caso provas suficientes sejam apresentadas em seu julgamento, que deve se dar nas próximas semanas…

Aí que ele se tocou.

— Espera, esse é o cara que matou a esposa e eu vi!

Hela se virou abruptamente.

— Quê? Sério?

— Sim, sim! Esse é o Thanos! Caramba… isso significa que estou…

— Livre? Pelo visto, sim. Acho que precisamos esperar confirmação da polícia, mas você pode se chamar Thor de novo.

—--x---

— Então, você vai voltar a Nova York?

Valkyrie foi informada do ocorrido na noite daquele dia, logo após a confirmação da polícia.

— Bem, terei que ir lá em 2 semanas para depor. Ficarei no programa até sair a sentença, e depois… não sei, Val.

Ela mordeu o lábio e desviou o olhar. Apesar de tudo, ele achou o gesto atraente – ela era atraente.

— Acho que você deveria ir – ela disse. – Pelo menos por um tempo. Ver a família e os amigos de novo. Você talvez queira voltar, talvez queira ficar lá. – Ela voltou o olhar para ele. – Vou sentir sua falta, claro, mas agora você tem uma escolha a fazer, né?

Levou um tempo para ele responder, assentindo. Ela tinha razão. Havia construído uma vida com Hela, Val e todas as pessoas que conhecera nesses 7 anos – o time de arqueologia, seus vizinhos e até os amigos de Val em Bergen. Agora, contudo, ele poderia refazer a que ele tinha em Nova York. Um diploma universitário que poderia usar em várias áreas de trabalho, incluindo as Indústrias Stark. Poderia voltar à faculdade, cursar História e seguir os passos da irmã. Poderia ficar na Noruega, seguindo com seu trabalho atual.

A liberdade é maravilhosa, mas é fácil demais se perder nela.

—--x---

Valkyrie se negou a dizer adeus.

— Vamos nos ver de novo logo, mesmo que seja eu te visitando em Nova York.

Suas palavras lhe lembraram de que havia algo a lhe dizer.

— Só pra você saber… você me deu o fora uma vez. Provavelmente não lembra. Foi naquele em Natal em Bergen. Faz anos, é meio inútil tocar no assunto, mas achei que você deveria saber.

Ela piscou e demorou a responder:

— O que eu disse, exatamente?

— Que sou fofo, que faço olhos de coração para ti a toda hora, o que é uma grande mentira, mas muito novinho. Nada que eu não suspeitasse, já. Você falou como se estivesse me diagnosticando com câncer, or algo assim… acho que você superestimou meu crush.

— Então você ficou bem?

— Sim! Não era nada muito intenso. Só não falei para não arriscar tornar as coisas estranhas entre nós. Mas agora que estou indo embora, achei que seria bom você saber… que você já me rejeitou, e que isso não me machucou. Dá para entender.

— Dá sim. Obrigada… acho. – Ela sorriu. – Você é um ótimo amigo, Thor. Espero que a gente não perca contato.

— Bom, podemos sempre trocar e-mails. E você pode me mandar postais.

— Pode ser, se a preguição de escrever não for grande demais.

Ele riu e a abraçou. Hela o chamou, e ele a seguiu.

— Até mais, Moody! – Val exclamou. Vinha chamando-o assim há alguns meses, desde que leu a saga Harry Potter e descobriu que um dos personagens tinha um olho de vidro. Ele riu de novo, deu seu tchau e entrou no táxi com Hela rumo ao aeroporto.

— Fico feliz que esteja indo comigo – ele disse no avião. – Posso adiar uma despedida.

Ela sorriu.

— Agora que minha carreira estabilizou mais, posso ir a Nova York todo ano ver vocês.

— É, e vou falar com meus pais para irmos à Noruega quando você eativer lá. – Nesse momento, ele se tocou de algo. – Ninguém sabe que fiquei contigo, né?”

Ela riu.

— Se você não contou, não. Vai ser uma grande surpresa.

Ele riu junto.


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Notas finais do capítulo

Não sei como funciona o sistema de ensino à distância na Noruega nem nos dias atuais, que dirá nos anos 90. Não encontrei nada disso nas minhas pesquisas. Também tomei possíveis liberdades artísticas quanto à carreira de um arqueologista. Maas alguns pequenos eventos têm base em fatos reais e pesquisados. Aqui vão eles:
— O celular que Thor e Valkyrie compram pra Hela realmente existiu, produzido pela Nokia mesmo. Foi o 1º modelo com jogo da cobrinha, mas não sei se isso de mudar a carcaça chegou ao Brasil. A câmera digital mencionada no finalzinho foi de fato lançada em 2003 pela Kodak, e era uma das tops de linha na época.
— Israel passava por períodos guerra no final dos anos 90, mas havia também paz, então tomei a liberdade de deixar o país num desses momentos de cessar-fogo quando o trio viaja pra lá.
— A CNN realmente fez uma cobertura internacional dos ataques de 11 de Setembro. Se chegou ao Iêmen especificamente, não sei, mas chutaria que sim.
— A cidade antiga que a Hela explorava realmente existiu, e se chamava Zafar. Ficou conhecida, entre outras coisas, pelo pluralismo religioso. Porém, adiantei em 2-3 anos sua descoberta: as escavações só se iniciaram em 1998.
— Todas as universidades são reais e a presença da Hela neles seria plausível.

Mas ei, o que acontece com o Thor quando ele chega em NY? Calma, ainda o veremos em capítulos futuros - em especial o do Loki!
Atualmente, já tenho postado em inglês os capítulos 4 (Rocket), 5 (Steve) e 6 (Scott), e estou escrevendo o 7 (Gamora). Traduzi-los é mais rápido que escrevê-los, então os próximos 3 deverão vir relativamente rápido!



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