A Dama do Coração Partido escrita por Claen


Capítulo 26
A Cura do Coração Partido




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Assim que Edwards tomou sua decisão, telefonei para o Dr. Young e disse-lhe que precisávamos falar com a paciente. Perguntei-lhe se seria possível tirar sua sedação sem grandes riscos. Ele disse que provavelmente sim, mas que antes de qualquer coisa, seria preciso avaliar como ela reagiria sem os medicamentos e só então, ele aprovaria ou não nossa visita.

Concordei com sua posição e afirmei que só a veríamos depois de sua autorização. Adiantei-lhe também que o assunto que tínhamos a tratar com a Sra. Edwards era bastante delicado e que ele provavelmente precisaria estar presente. Ele imediatamente se prontificou a ajudar e disse que começaria com a retirada dos sedativos imediatamente.

Repassei as informações dadas pelo Dr. Young para Holmes e Edwards e eles também concordaram com suas observações e pouco tempo depois, já estávamos de partida. Despedimo-nos de todos na casa e embarcamos na carruagem conduzida por Benningfield. Haylock não iria até o hospital, pois tinha muitos assuntos a tratar na delegacia, mas aproveitou a carona e seguiu conosco até o centro da cidade.

Ainda era cedo quando chegamos ao Hospital de Bedford e o simpático Dr. Young fez questão de nos receber pessoalmente, mas levou um grande choque ao ver quem trazíamos conosco. Edwards já não exibia sua aparência maltrapilha e foi reconhecido imediatamente por seu colega de profissão.

— D-Dr. Edwards? – gaguejou incrédulo.

— Sou eu mesmo, Dr. Young. Como vai o senhor? – respondeu meio sem graça.

— Eu vou bem e vejo que o senhor está muito melhor do que todos imaginávamos! – alegrou-se Young, já recuperado do choque inicial – Agora entendo o que o senhor quis dizer com “assunto delicado”, Dr. Watson!

— Pois é, Dr. Young. Por isso estamos sendo tão cautelosos. – respondi.

— Já podemos vê-la, doutor?– perguntou Edwards num misto de impaciência e apreensão.

— O sedativo já foi tirado há algum tempo, mas ela ainda está dormindo, então peço para que esperem mais alguns minutos. Vou verificar a situação e volto para passar-lhes meu prognóstico.

— Está bem, doutor. Vamos esperar aqui. – disse Holmes, sentando-se em uma das cadeiras da recepção. Edwards e eu fizemos o mesmo.

Cerca de meia hora depois, o Dr. Young retornou dizendo que já podíamos entrar. Nós o seguimos até o quarto onde havíamos estado no dia anterior e pudemos observa-la dormindo através da janela.

— Ela ainda está um pouco sonolenta, mas na medida em que começarem a conversar, ela vai despertar por completo. – informou-nos o médico.

Holmes respirou fundo e foi o primeiro a entrar no quarto. O Dr. Young e eu entramos em seguida, mas Edwards permaneceu do lado de fora, distante da vista da esposa, aguardando o momento certo de revelar sua presença.

Eu e o médico local nos sentamos nas cadeiras próximas à porta, enquanto Holmes acomodou-se ao lado da cama da paciente. Ele a observou por alguns instantes, até que finalmente decidiu chamar sua atenção com um leve toque em seu braço, enquanto chamava pelo seu nome.

— Sra. Edwards? – chamou, mas ela não reagiu. Ele chamou novamente um pouco mais alto e com um toque ligeiramente mais forte, até que ela finalmente começou a despertar.

Ainda sonolenta e semiconsciente, ela abriu os olhos e viu meu colega.

— Sr. Holmes? – perguntou com a voz fraca, enquanto apertava os olhos para ver melhor.

— Me reconheceu, acho que este é um bom sinal! – observou Holmes, com um sorriso discreto.

— Onde estou, Sr. Holmes? O que aconteceu? – perguntou ainda meio desnorteada.

— A senhora está no Hospital de Bedford. Não se lembra por que está aqui? Pense bem.

Já um pouco mais desperta, ela tentou sentar-se em seu leito, mas teve dificuldade e imediatamente fomos ajuda-la. Quando finalmente conseguiu acomodar-se melhor, tomou um copo d’água e ficou em silêncio por algum tempo. Parecia estar tentando puxar pela memória os últimos acontecimentos de sua vida, até que começou a se lembrar de algumas coisas. Com um pouco mais de esforço, lembrou-se também do “fantasma”.

— Há quanto tempo estou aqui? – perguntou a moça.

— Desde a madrugada de ontem, quando teve um infarto ao se deparar com o “fantasma”.

— Mas aquilo só pode ter sido uma peça pregada por minha imaginação ou apenas um sonho. – disse ela, sem querer acreditar nos fatos.

— Tem certeza? Não se lembra de ter acordado com o choro de Angela? – insistiu Holmes.

— Sim... Mas como o senhor sabe disso?

— Pense bem. Será que foi um sonho mesmo?

— O que o senhor quer dizer?

— Bem, seu ataque cardíaco foi bastante real, por que sua visão não pode ter sido também?

— O senhor quer dizer que eu fui mesmo visitada pelo espírito de Steven? – perguntou ela, ficando cada vez mais confusa.

— Não é exatamente isso que estou querendo dizer... – respondeu meu colega, visivelmente empacado, enquanto coçava a cabeça e apertava a aba do chapéu entre os dedos finos.

Ele não sabia como dizer e isso era algo raro para Sherlock Holmes. Ele é uma daquelas pessoas que realmente não tem papas na língua e fala sem rodeios, mas naquela ocasião, tentava medir cuidadosamente as palavras que usava. Naquele instante ele olhou para mim, claramente pedindo por um conselho e a única coisa que pude fazer, foi apoia-lo para que contasse de uma vez e foi o que ele decidiu fazer.

— A senhora não foi visitada por nenhum espírito inquieto, a senhora foi visitada por seu marido.

Ela estava atordoada.

— Como? Não entendo, Sr. Holmes.

— Lembra-se de quando recebeu pelo correio as alianças que tinha certeza de que estavam enterradas com ele? A senhora também afirmou que nenhum de seus amigos poderia tê-las enviado, não foi?

— Sim...mas...

— Pois a senhora tinha razão. Elas realmente não foram enviadas por nenhum de seus amigos e sim por seu próprio marido. Aquela foi uma maneira não muito convencional, eu admito, de ele tentar entrar em contato com a senhora.

— Mas então... então, ele está vivo? Vivo de verdade?

— Está.

Ela não sabia o que pensar nem como reagir. Quando ouviu a confirmação de Holmes, sua respiração se tornou mais difícil e vimos que algo não corria bem. O Dr. Young e eu fomos imediatamente ao seu auxílio e pedimos para que ela se acalmasse e colocamos-lhe uma máscara de oxigênio. Dr. Young achou prudente aplicar um calmante leve para deixa-la um pouco mais tranquila. Alguns minutos depois, ela começou a respirar mais cadenciadamente. Holmes se afastou e observou tudo de lado, sem interferir no trabalho médico, mas pude ver a preocupação em seus olhos.

Quando finalmente já estava mais tranquila, ela mesma pediu para que Holmes se sentasse novamente e lhe contasse tudo o que tinha acontecido, desde o início. Passado o choque, ela estava pronta para ouvir toda a história, assim como o Dr. Young, que também estava morrendo de curiosidade.

Quando Holmes finalmente terminou sua narrativa, nossa cliente tinha lágrimas nos olhos, que vinham de um misto de incredulidade e alegria, e depois de ouvir tudo, ela tinha uma única pergunta:

— E onde ele está? – perguntou com a voz embargada pela emoção, sem perceber que ele já estava do lado de fora do quarto a observando, pela janela.

Em resposta a sua pergunta, Holmes apenas apontou para a janela e foi nesse instante que ela finalmente o viu. Edwards entendeu que aquela era a sua deixa. Ele entrou imediatamente no quarto e correu para os braços de sua amada.

— Perdoe-me, Emma! Eu sei que fui um idiota, mas me arrependo amargamente por tudo o que lhe causei. - implorou o homem atormentado.

— Mas não há nada o que perdoar, meu amor. – respondeu ela, ainda com a voz fraca e extremamente emocionada. – Você fez o que fez com a intenção de nos proteger. O que importa é que você está aqui, junto de mim, e isso é tudo o que eu preciso.

O perdão tão almejado por Steven Edwards, enfim tinha sido obtido. Quando ouviu as palavras tão amorosas da esposa, ele não conseguiu mais se conter e as lágrimas rolaram, de ambas as partes, em meio a um beijo carinhoso e um abraço longo e apertado.

Ao vermos aquela cena, entendemos que nosso trabalho estava definitivamente terminado e nos retiramos do quarto. O casal certamente ainda teria muita coisa para conversar e aquele não era um momento para bisbilhoteiros.

Seguimos acompanhados do Dr. Young até a sua sala. Resolvemos aguardar mais um pouco antes de irmos embora, porque ainda queríamos nos despedir da Sra. Edwards.

Conversamos um pouco com o curioso médico que ainda estava abismado com tudo o que tinha ouvido.

— Puxa vida! Mas que história! – exclamou o bom doutor - Mas e agora, o que vai acontecer ao Dr. Edwards?

— Ainda não sabemos, mas pelo menos, sabemos que desta vez, eles enfrentarão as intempéries juntos. – respondi.

— Eu brindo a isso! – disse o simpático médico, erguendo sua xícara chá. Fizemos o mesmo e levantamos um brinde ao casal com nossas xícaras.

O Dr. Young tinha outros pacientes para atender, mas cedeu-nos sua sala pelo tempo que fosse necessário. O que na verdade, acabou não sendo muito, porque menos de quinze minutos depois, uma enfermeira bateu à porta e nos pediu para que fôssemos ao quarto da paciente Edwards, pois ela desejava falar conosco.

Obedecemos e assim que entramos, pudemos ver que ela já estava bem melhor. Mesmo desarrumada, com os cabelos um pouco bagunçados, seu sorriso iluminava o lugar. Aquilo era surpreendente para alguém que há pouco tempo tinha sofrido uma parada cardíaca e estado entre a vida e a morte.

Ela pediu para que nos sentássemos ao seu lado e acatamos ao pedido.

— Sr. Holmes, Dr. Watson, eu realmente não tenho palavras para agradecer tudo o que os senhores fizeram. Quando os procurei apavorada, jamais imaginei que tanta coisa havia acontecido ao meu redor nestes últimos meses sem eu sequer me dar conta. Eu só queria entender o que estava acontecendo em minha casa, e os senhores além de me darem esta resposta, também trouxeram meu marido de volta. – disse ela, bastante emocionada.

— Eu lhes serei eternamente grata, mas confesso que só agora me dei conta de que acabamos não conversando a respeito de seus honorários, Sr. Holmes. Sei que agradecimentos, não pagam dívidas, então quanto lhe devo, Sr. Holmes?

— Nesse caso, agradecimentos são mais do que suficientes. – respondeu Holmes - Não lhe custará nada, afinal a senhora não contratou os meus serviços.

Ela ficou confusa, mas Holmes tinha razão e tratou de explicar.

— Quando a senhora foi a minha casa, eu nunca lhe disse que aceitaria o seu caso. Eu apenas lhe dei alguns conselhos e a enviei de volta para casa. Eu fiz o que fiz, porque julguei ser o certo, principalmente pelo fato de minha negligência inicial ter sido a responsável por tê-la colocado aqui. Eu é que devo pedir desculpas.

— O senhor jamais terá que pedir desculpas para mim. – Assim que disse isso, se levantou da cama com o auxílio do marido, e deu um abraço carinhoso em Holmes e em mim.

Meu amigo, como sempre, não soube muito bem como reagir a tais demonstrações de afeto, mas se saiu bem.

— Então, receio que essa seja a hora de nos despedirmos. - disse ele - Precisamos ir, pois a incansável Londres nos aguarda. Adeus, Sr. e Sra. Edwards e espero não vê-los nunca mais.

— Holmes! – repreendi-o por sua indelicadeza, mas o casal pareceu não se ofender. Na realidade achou graça.

— Desculpe, não quis ofendê-los. Não desejo vê-los, mas se precisarem de mim algum dia, já sabem o endereço: 221B da Baker Street. Adeus.


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Notas finais do capítulo

Se você chegou até aqui, então espere mais um pouquinho, porque a história ainda não acabou. Na semana que vem teremos o último capítulo.



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