Oitava Fileira escrita por Nanda Vladstav


Capítulo 14
Como fomos parar na porta do Casal Maravilha do Armagedon




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Gente, o plano era tão simples e genial que eu queria ter pensado nele eu mesmo. Não havia jeito de passar aqueles dois sorrateiramente pelas barreiras. Então a solução era...

Fazer um espetáculo, é claro. Ao amanhecer, “Cebola” e seu tenente Nimbus estavam a trezentos metros da entrada, vestidos como heróis lendários. Longe o suficiente pra não ser um insulto, mas absolutamente impossíveis de ignorar. Xaveco aproveitaria o caos entre os guardas do portão do lado oposto pra passar e cá entre nós, ele nem precisaria de disfarce. Uma vez lá dentro, o feitiço voltaria ao normal e ele daria um jeito de me fazer entrar no dia seguinte, porque eu manipulava magia, então não podia ir com ele, mas nem ferrando eu podia pegar carona no brilho dos dois divos ali.

Na verdade, se Maria soubesse que eu estava ali, podia querer minha cabeça de presente dos visitantes. E gosto dela onde está, obrigada.

Eu tinha que esperar, então fiquei assistindo, deliciada de imaginar a pivetinha arrancando os cabelos. Ela não podia atacar, sem esperar retaliação; não podia ignorar sem criar perguntas. A pobre tinha que convidá-los pra dentro. Eu quase tinha pena da miserável... Espera, não. Nenhuma.

Estava lá, assistindo o babado de camarote, vendo a agitação nos muros, quando um estouro me sacode até os ossos.

Peraí, eles estão loucos? Estão atirando neles? Pude ver o projétil virando ferrugem no ar. Outro disparo, mais metal virando farelo e caindo como neve.

— Já chega. Vamos, Mau.

Os dois caminhavam na direção do muro quando apareceu um cortejo no portão. Chegaram mais perto, era alguma das gêmeas (pelas carruagens), uns soldados, o José Luís e três sujeitos amarrados como prisioneiros. Pelo jeito que borravam as calças, deviam ser os responsáveis pelos fogos de artifício.

— Saudações, senhores. Sou a General Alvez, e Lady Shih me ordenou a lhes dar as boas-vindas. Lamento sinceramente o mal-entendido, e lhes asseguro que aconteceu sem nosso consentimento. Esses são os responsáveis pelo ataque. Capitão.

O chefe da escolta atirou nos três antes que eu pudesse piscar. Ninguém olhou de novo pros coitados no chão.

Inclusive o Luís. Mas do meu esconderijo, pude ver o esforço que ele fez pra não olhar, a boca contraída tentando se manter impassível no meio das execuções. Era tudo que eu queria saber, e tornaria a minha parte da missão muito mais fá… quero dizer, mais possível.

— Se for do agrado dos senhores, tenho uma carruagem esperando. Lady Shih os aguarda no salão principal.

— Iremos caminhando, general.

Os dois seguiram ao lado do grupo, enquanto dois soldados ficaram pra despachar os corpos. Espichei o ouvido, mas não disseram nada de útil e foram embora também. Vi os portões se fecharem de longe. É isso, Denise. Ficar fora do radar até amanhã cedo, quando o Xavier vai dar um jeito de me fazer entrar sem chamar a atenção. Eu veria o quando, como e onde ao lado da estação de tratamento de esgoto.

(Sim, detestei o local, mas o lugar funcionava praticamente sozinho, e ninguém ficava lá muito tempo, nem as patrulhas. Afinal, não tinha o que roubar ou como invadir por lá. E não preciso falar do cheiro, né?)

Fazer a invisível eu sempre soube, apesar do meu brilho natural. A parte difícil era ficar sozinha com meus pensamentos. Afinal, nem mesmo uma garota fabulosa como eu consegue sobreviver em tempos assim sem fazer uma ou duas (ou várias) coisas questionáveis.

Não demorou pra Maria aproveitar meu talento inato pra coleta de informações. Então, enquanto o Xaveco e os Superamigos rurais mantinham a fazenda sem zumbis, eu andava por aí descobrindo coisas sobre pessoas, incendiando um detalhezinho aqui e ali, espalhando os boatos certos. Xaveco nunca soube exatamente o que eu fazia (e vai continuar sem saber), mas concordou que até nós sossegarmos, não podíamos ficar juntos.

Por quê? Vocês vão me perguntar. Simples, lindos: Euzinha aqui não ficaria morrendo de preocupação cada vez que ele saísse em patrulha. Faz mal pra pele e eu não sou obrigada. Pelo menos foi o que eu disse, e ele acreditou. Sou uma atriz maravilhosa.

O verdadeiro motivo: “Vadia egoísta manipuladora” era meio que a descrição do meu novo emprego. Gosto de verdade do Xaveco, e se é pra magoar, melhor não ficar junto. Chifres não combinam com aqueles cachinhos loiros.

Além disso, eu às vezes irritava pessoas, e não queria nenhum deles olhando mais do que deveria pro meu Jason Steithã loiro.

Deu certo, mais ou menos. Aquele bobo é do tipo que faz declarações de amor com dancinha, música e alguém jogando flores (Ele foi figurante da Dísnei em alguma vida, só pode). A gente só conversar de vez em quando escondido não fazia o estilo dele. Mas era isso ou nada, e já tínhamos tão poucas coisas boas na vida, que não tivemos coragem de deixar de se ver.

Até que ele trombou com o canalha do Bruno se gabando da confiança que Maria tinha nele, a ponto de mandá-lo pra matar Seu Cebola. Entre risadas, ele deu tantos detalhes que batiam com o “acidente” que não podia ser só invenção daquele brutamontes cabeça de alfinete.

Ele ficou desesperado. Quando eu voltei pra cidade, deu um jeito de me encontrar e falar tudo que sabia. Eu já ajudava os rebeldes, e isso foi só a gota d´água.  Mas o Xav... o tadinho só participava do lado brilhante, acreditava mesmo que a Maria fazia coisas ruins por uma boa razão. Eu deixava, porque a ignorância dele o mantinha seguro. Ver de uma vez só o quanto Maria é maldosa e cruel foi pesado, e ele não sabia o que fazer.

Tive que sair pra mais uma tarefa, jogar tudo pra cima chamaria a atenção das pessoas erradas. Se eu soubesse o que aconteceria depois, eu teria mandado tudo pro inferno e fugido com ele na mesma noite.

A outra Denise conseguiu me avisar e eu voltei correndo. Maria descobriu tudo, e deu o Xavier de presente pro Nero. Eu cheguei a tempo de... ser capturada e acorrentada, a única plateia pra assistir ao show Xaveco em Chamas.

Lembro de cada som daquela noite (“uma fogueira é sempre mais bonita sob as estrelas, não é, Denise?”), e do ódio puro e cristalino que dediquei ao Bianconero desde então. Ele pôs fogo no meu quase namorado e puxou uma cadeira.

Como eu nunca fiz parte da tropa dele, Nero nunca soube que eu fazia outra coisa que não falar. Eu o fiz descobrir do jeito fácil. Direcionei as chamas, afastando-as do Xaveco, queimando os guardas ao redor e as calças do filhote do capiroto (queria transformá-lo em carvão, mas não deu).

Enquanto o pânico se espalhava, derreti o cadeado e fugi com um Xavier em choque. Os pés estavam bem queimados, mas o estrago maior não foi físico. Como eu disse, sou muito boa em lidar com queimaduras. Mas por semanas comemos cru e no escuro, porque ele mal tolerava ver o meu isqueiro (que recuperei na confusão), o que dirá uma fogueira.

Não foi tão ruim porque eu tinha uma estratégia pra desaparecer rapidamente (todo bom espião tem um) então tinha um bom estoque de feitiços e planos reservas, inclusive um que influenciaria Maria a mandar o Nero pro outro lado do mundo ao invés de nos perseguir.

(E funcionou por um tempo. Não tanto quanto eu gostaria)

Quando o Xav estava em condições de caminhar, partimos em busca do Cebola. O resto vocês sabem.

O Cebola… Meu pai do céu, eu não estava preparada praquilo. Nem um pouco. De início pensei que… Bom, vamos só dizer que todas as minhas teorias estavam erradas. Não fiquei surpresa de encontrar o amor. Não seria mais óbvio nem se eles estivessem usando aliança e aquelas camisas bregas com a cara um do outro.

Era mais o jeito como eles se moviam. Como se fossem partes diferentes da mesma pessoa. Como Mauro era protetor, ou o Cascaboy parecia mais vivo com o lobo oriental por perto. Eu podia sentir a magia indo e voltando o tempo inteiro, complexa demais pra entender sem examinar com atenção. E xeretar a vida íntima do Lobo Mau e seu parceiro não é o tipo de coisa que prolonga a vida.

Tinha uma boa ideia do que Mauro tinha feito, porque era o que eu mesma faria. Vê-lo desintegrando o plástico com naturalidade só confirmou minhas suspeitas.

Mas quando o Cas voltou da morte (pela terceira vez, parecia herói da Darvel) as coisas tomaram outra proporção. Como sei que vocês sabem, não existe almoço grátis em magia. Alguma coisa foi tomada do Cas, e muita coisa foi dada a ele na volta.

Sinceridade? Eu estava com medo. Estaria mesmo se todos os poderes sobrenaturais da paróquia não tivessem decidido me dar previsões trágicas sobre morte e sacrifício, com uma possível extinção humana e chuvas no fim da tarde.

 Cássio voltou ainda mais poderoso do que qualquer um de nós poderia esperar, e ao mesmo tempo que eu pedia ao Ângelo que tudo desse certo, torcia que Maria fosse tão inteligente quanto eu pensava. Que houvesse pelo menos um mago que visse o que o Cas e o Mauro realmente eram, e pudesse impedi-la de fazer uma loucura.

A quem eu quero enganar? Isso não tem como acabar bem. Maria está além da razão há muito tempo, e vai preferir explodir a cidade inteira a desistir da sua vingança. Os Filhos da Tormenta têm que morrer, os quatro, ou isso não vai ter fim.

Entendam, eu não sou uma vadia sem coração (não o tempo inteiro, pelo menos). Ninguém merece crescer no meio da guerra, sei que eles sofreram, mas adivinha só: Todos nós sofremos, meu bem. O mundo não tem que pagar pela nossa dor.

O Xaveco tem razão, todos nós temos um pouco de culpa por só ter percebido tão tarde. Se alguém tivesse dado ouvidos às desconfianças da Aninha, talvez muita desgraça tivesse sido evitada.

Sozinha com os meus pensamentos até amanhã. Iupi. Esse dia vai ser tãããão longo.


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Notas finais do capítulo

Por conveniente que pareça, o ataque realmente não foi ordenado por Maria. Pra um mago como Mauro, detectar uma mentira é quase fácil demais;

Espero que estejam gostando. Até próximo capítulo.



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