Pokémon - Luz do Amanhecer escrita por Benihime


Capítulo 5
Encontros




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O fim de semana chegou e Calista foi acordada mais uma vez por Ash batendo na porta de seu quarto. Sonolenta, a morena alcançou seu celular para conferir a hora. Oito e meia da manhã. Em um sábado. Que inferno!

— Ash! — Calista rosnou ao se levantar para abrir a porta. — Eu juro, pirralho, se você não tiver um bom motivo para isso ...

A morena interrompeu a ameaça ao ver que Serena, Bonnie e Clemont acompanhavam seu irmão. Ao invés disso, limitou-se a lançar-lhe um olhar zangado, cruzando os braços sobre o peito.

— E então? — Inquiriu asperamente. — O que você quer, seu babaca?

— Viu, Serena? — O rapaz disse zombeteiramente. — Falei que ela estaria de mau humor. Você nem devia ter sugerido convidá-la.

— Ash. — Serena simplesmente revirou os olhos. — Pare com isso. Enfim ... Caly, decidimos passar o dia fora e fazer um piquenique. Quer vir com a gente?

A morena pensou por um momento, e enfim abriu um sorriso para a garota loira.

— Está bem. — A irmã de Ash assentiu. — Me dê cinco minutos, só vou trocar de roupa. Encontro vocês na entrada.

Os quatro concordaram e a mulher voltou a fechar a porta, distraidamente separando uma muda de roupa quase sem olhar, substituindo o pijama por jeans e um suéter azul-celeste. Ainda com os pensamentos longe, prendeu os cabelos em um rabo de cavalo e saiu rapidamente. O restante do grupo a esperava e eles seguiram para o parque em que haviam passado a maior parte do tempo nas últimas semanas.

Apesar da implicância habitual entre eles, Ash caminhou perto de sua irmã mais velha. O garoto também estava mais quieto do que o normal. A inconsciência cada vez mais longa de sua mãe estava afetando os dois irmãos.

Calista se sentou com seu irmão mais novo sob a sombra de uma árvore, observando o restante do grupo jogar frisbee. Mirabelle, a Sylveon, se aproximou e deitou no colo de sua treinadora. A morena acariciou seu pelo azul celeste distraidamente. Ash apenas observava o grupo, mordendo o lábio inferior, também parecendo perdido em pensamentos.

— Ash. — A mais velha disse baixinho. — Ela vai acordar. Não se preocupe, maninho.

O moreno demorou alguns segundos, mas enfim olhou para sua irmã mais velha. Um olhar de desafio.

— E se isso não acontecer? — Ele inquiriu — E aí, mana?

Calista se calou, pega de surpresa por aquela pergunta. Ela simplesmente ficou em silêncio, fixando os olhos nas nuvens enquanto pensava em uma resposta que não fosse uma completa mentira ou palavras de conforto vazias.

— Isso não é uma opção. — Ela respondeu finalmente. — Nós somos Ketchum. Nunca desistimos, lembra? Além do mais, você realmente acha que nossa mãe iria te deixar?

— E deixar você também. — O jovem acrescentou. — Certo?

— Sim, eu acho ... — Calista deu um longo suspiro, um gesto de confuso desalento. — A verdade, Ash ... É que eu a julguei errado. Não que o que ela fez tenha sido certo, mas ...

— Não pense nisso. — Ash interrompeu. — Mamãe sempre diz que nada é tão errado que não possa ser consertado. Converse com ela e acerte as coisas quando ela acordar.

— Espero ter a chance de fazer isso.

Mirabelle de repente pulou de pé, acenando com sua fitas e se afastando alguns passos.

— Está bem, Mira. — A morena disse com um suspiro de rendição. — Pode explorar, mas fique por perto.

A Sylveon assentiu e desapareceu de vista. Os irmãos Ketchum permaneceram em silêncio, ainda sentados lado a lado. Alguns minutos depois, Calista pulou de pé, fazendo Ash levar um enorme susto.

— Caramba, Caly! — Ele exclamou. — O que foi agora?

A única resposta de Calista foi "Mirabelle", antes que a jovem disparasse em uma corrida. A surpresa fez Ash levar alguns segundos, mas ele enfim se pôs de pé e correu atrás de sua irmã.

A morena não demorou para se descobrir certa. Mirabelle havia arranjado confusão e se metido em uma batalha com um Umbreon.

— Mirabelle, já chega! — Calista gritou, se pondo entre os dois pokemon. — Sua cabeça dura! Quantas vezes preciso lhe dizer? NADA. DE. BATALHAS! Droga! Por que você nunca me ouve?

A Sylveon hesitou, enquanto o Umbreon protestava alto, frustrado pela interrupção. Mas, quando o Pokemon Luar atacou com Vibração Sombria, Mirabelle pulou à frente e bloqueou com Explosão Lunar, protegendo sua treinadora. Foi nesse exato momento que o treinador do Umbreon os alcançou, um rapaz com uma juba de cabelos castanhos revoltos.

— Caramba, Umbreon! O que deu em você? Sabe que batalhar desse jeito é ...  — Ele se interrompeu, soltando um arquejo de surpresa. — Calista?!

A morena desviou o olhar de sua pokemon, encontrando os olhos castanho-escuros do jovem. Olhos familiares, que ela podia jurar que conhecia.

— Como sabe meu nome?

— Talvez porque ... Conheço você praticamente desde que nasci. Não está me reconhecendo? Sua memória é ruim mesmo, huh? Ou será porque está ficando velha?

O comentário irônico, a óbvia arrogância daquele jovem a fizeram hesitar, presa de uma poderosa onda de familiaridade. Ela sentia que deveria reconhecê-lo, que sua confusão era quase ridícula. Ash a alcançou naquele exato momento, arrancando a irmã mais velha de seus pensamentos.

— Gary? — O moreno exclamou, surpreso. — Quando foi que você chegou?

— Ontem. — Gary respondeu. — E aí, Ash-boy, como vão as coisas? Ainda perdendo como sempre?

— Cale essa boca, babaca. — Ash revirou os olhos, embora uma pitada de diversão transparecesse em seu tom de voz. — Você não mudou nada.

Gary abriu um sorrisinho debochado, ao que Ash respondeu com um "humf" de indignação. Mas mesmo assim os dois trocaram um aperto de mãos.

— Gary?! — Calista exclamou, finalmente superando a surpresa e encontrando sua voz. — Gary Carvalho?

O sorriso do neto do professor Carvalho se tornou maior e mais sincero enquanto ele voltava a fixar os olhos na morena.

— Oi, Caly-Nite.

O apelido foi como um tiro diretamente no peito. Calista, Gary, Ash e Daisy costumavam passar a maior parte do tempo juntos. Para entreter os dois garotos, as meninas normalmente inventavam jogos. Um deles, inventado em um dia chuvoso, havia sido o da "troca", em que cada um fingiria trocar de lugar com um pokemon decidido pelos outros por uma hora. O pokemon escolhido para ela havia sido um Dragonite, o que lhe rendera aquele apelido idiota.

— Uau. — Ela disse jocosamente. — Você cresceu. Está quase bonito agora, Gary-Ados.

Gary fez uma careta. Sempre detestara Gyarados, daí o motivo de Ash ter escolhido aquele como seu pokemon. E, justamente porque o detestava, o apelido pegara.

— Argh! — O rapaz protestou quase por força do hábito. — Não me chame assim!

— Foi você quem pediu. — Calista sorriu zombeteiramente. — Bom te ver, Gary. E desculpe pela confusão que a minha garota arrumou. Tenho tentado controlar essa teimosa mas ... Bom, falha épica.

— Tudo bem, Caly. — Gary deu de ombros. — Umbreon e eu estamos sempre prontos quando o oponente vale a pena. E essa aí, pelo jeito, é durona.

— Ah, você não faz ideia.

Gary riu. Nesse momento, uma garota com longos cabelos escuros se juntou ao grupo, andando a passos rápidos. Era mignon, porém elegante, caminhando com a confiança de alguém acostumado aos holofotes.

— Gary Carvalho! — Ela repreendeu em tom cortante. — Eu juro, se me deixar esperando e sumir desse jeito mais uma vez, eu vou ... Ash!

— Oi, Dawn. Quanto tempo!

O garoto deu um passo à frente, sua mão estendida encontrando a da amiga no ar, batendo a palma na dela em um cumprimento que já era tradição entre os dois.

— Caly, essa é a Dawn. — Ash apresentou. — Uma amiga da região de Sinnoh. Dawn, essa é a Calista, minha irmã.

— Só Caly, por favor.

A garota se voltou totalmente para Calista, abrindo um sorriso e aceitando seu aperto de mãos.

— Muito prazer. — Disse, e então sua testa se franziu suavemente, como se tentasse se lembrar de algo. — Nós ... Já nos conhecemos, por acaso?

— Acho que não. — A irmã de Ash respondeu. — Eu não esqueceria de você.

O comentário pareceu estranho a princípio, mas Dawn logo notou o motivo: Calista estava se referindo à semelhança entre elas. De fato, as duas eram tão parecidas que poderiam se passar por irmãs, não fossem os olhos azuis da garota mais nova, e o fato de Dawn ser vários centímetros mais baixa.

— Hey, Gary. — Ash disse. — Tem um minuto? Quero te apresentar uma pessoa.

— Ora, ora, Ash! Não vá me dizer que você finalmente arrumou uma namorada?

Ash corou, resmungou "babaca" e não respondeu nada mais. Rindo, os quatro começaram a caminhar de volta para onde Serena, Clemont e Bonnie estavam.

— É claro! — Dawn exclamou subitamente, sua voz cheia de admiração. — Eu sabia que conhecia você! Vi os vídeos de suas apresentações, quatro anos atrás. Todo mundo ainda comenta sobre você.

— Todo mundo? — Calista rebateu, surpresa. — Ora, vamos, Dawn. Duvido muito. Eu não era uma coordenadora tão boa assim.

— Está de brincadeira, não é? Fantina ainda comenta que você teria vencido o Grande Festival naquele ano. Minha mãe diz o mesmo.

— Ah, espere aí! — A morena riu, suas bochechas assumindo um tom intenso de vermelho. — Fantina disse isso? Agora você está exagerando, com certeza!

— Disse sim. — Dawn asseverou com total certeza. — Ela tem me ajudado a ensaiar, e fala de você às vezes. Disse que foi uma das melhores apprentis que ela já teve.

Apprenti significava "aprendiz" no idioma kalosiano, região da qual Fantina havia lhe confessado ser nativa. Não que a confissão fosse necessária, claro, dado o sotaque carregado da líder de ginásio de Hearthome. Mas, de qualquer forma, saber que sua antiga mentora dissera aquilo fez Calista corar mais uma vez.

— Foi ... Muito gentil da parte dela.

— Não é gentileza, é a verdade. — A jovem de olhos azuis rebateu. — CK acabou se tornando meio que uma lenda para os coordenadores pokemon em Sinnoh.

— CK? — Ash, que estava caminhando com Gary um pouco à frente, perguntou, olhando por sobre o ombro. — Que tipo de nome é esse, mana?

Calista soltou um suspiro ao ouvir seu antigo nome artístico. Quatro anos. Fazia quatro anos que saíra da região de Sinnoh, abandonando a competição pouco antes do tão esperado Grande Festival. Quanto menos pensasse naquela experiência, melhor.

— Ash. — Ela respondeu, forçando humor em seu tom de voz. — Não achou que eu usaria meu nome completo, achou? CK é muito mais simples.

— Bem, eu não posso discutir quanto a isso.

— Suas coreografias aéreas são incríveis! — Dawn exclamou entusiasticamente. — Você ainda pratica? 

— Sim, Dawn, mas não mais como coordenadora. Sou uma performer agora.

— Isso é incrível! Sabe, eu disputei o Grande Festival também. — A garota contou. — Mas quem acabou vencendo foi minha amiga Zoey. Eu perdi para ela nas finais. Ainda tenho muito a melhorar, por isso tenho treinado desde então.

— Todos sempre temos muito a melhorar, Dawn. É só uma questão de não desistir e fazer o melhor que pudermos.

O sorriso da jovem coordenadora pokemon se alargou com essas palavras, adquirindo um brilho de admiração sincera. Calista já a havia conquistado completamente.

Naquela noite todo o grupo, incluindo Dawn e Gary jantaram juntos. Clemont estava mais quieto do que o habitual, trabalhando em sua pokedex holográfica, totalmente esquecido do mundo à sua volta.

— Clemont. — Calista chamou num sussurro preocupado. — Você está bem?

— Estou. — O garoto respondeu distraidamente. — É só que ... Não consigo acertar isso.

A morena se aproximou um pouco mais, inclinando-se na direção dele com interesse.

— Que parte?

— A programação é mais difícil do que eu pensava.

— Encontre-me no meu quarto mais tarde. Talvez eu possa ajudar.

O menino tentou não demonstrar sua empolgação, mas aceitou o convite de qualquer maneira. Quando bateu na porta do quarto de Calista, cerca de duas horas mais tarde, não houve resposta.

— Kyle. — Ele ouviu a morena dizer. — Pode abrir a porta, por favor?

Alguns segundos depois, um Lucario abriu a porta. Clemont foi recebido por Calista com um sorriso. Ele não pôde deixar de se surpreender. Mesmo com um suéter largo e o cabelo amarrado em um coque bagunçado, preso apenas por um lápis, ela era uma mulher linda, tornada ainda mais atraente por seu jeito despretensioso.

— Desculpe. — Ela disse — Kyle e eu nos empolgamos um pouco com o trabalho.

— Eu ... Eu sei como é. — Clemont confessou, ainda meio tímido. — Às vezes, quando estou trabalhando em alguma coisa, até me esqueço de comer.

— Sim, eu também. — Ela riu baixo. — Entre, então. Vamos trabalhar mais um pouco.

Clemont entrou e Calista colocou Kyle de volta em sua pokebola, agradecendo ao Lucario pela ajuda. O rapaz sentou na beira da cama, ainda sem saber direito como agir, enquanto a morena se acomodava mais casualmente na cadeira da escrivaninha, passando uma perna de cada lado e descansando a cabeça no alto do encosto de modo a olhá-lo nos olhos.

— Então ... — Ela disse. — No que exatamente você estava tendo problemas? 

— O ... O software continua dando defeito. As informações acabam todas embaralhadas, não importa o que eu faça.

— Talvez seja simplesmente o formato. — A morena sugeriu. — Já pensou nisso?

— Já, sim. Tentei inserir os arquivos de todos os jeitos em que consegui pensar.

— Bom ... Nós também.

O queixo de Clemont caiu quando Calista virou seu laptop para ele, permitindo que visse o que havia na tela.

— Esse logo ... Você está mesmo no time de desenvolvimento?

— Mais ou menos. — Foi a resposta. — Já viajei um bocado e minha Nacionaldex está quase completa, então o professor Carvalho me convidou para ajudar no projeto. Sou meio que um membro honorário. Mas estamos com o mesmo problema que você: qualquer grande alteração no programa causa erro e embaralha a coisa toda. Por isso, quando contei sobre sua ideia, o professor ficou muito animado. E ele me pediu para perguntar ... Se você aceitaria ajudá-lo nessa pesquisa.

— Quer dizer ... Trabalhar com vocês? Eu?!

— Sim. O professor acha que, se unirem mentes, poderão concluir o projeto. Você receberia os créditos, claro. Mas vou entender se não quiser. É arriscado. Ninguém tentou fazer isso antes.

— Exato! — Clemont interrompeu animadamente. — Ninguém tentou. Simplesmente se prenderam ao antigo software porque funcionava bem. Mas e se for possível fazer uma coisa ainda melhor? É claro que eu quero participar do projeto! Quando começamos?

— Agora mesmo. — Calista deu uma risadinha, admirando a paixão do rapaz. — Vou avisar o professor. Ele vai querer conhecê-lo primeiro.

— Eu ... Isso é real? — Clemont riu, balançando a cabeça com incredulidade — Devo estar sonhando.

— Você não está sonhando. — Calista riu baixo. — Clemont, você é brilhante. Se não perder essa paixão, vai chegar longe. Posso ver isso.

— Calista, eu ... Eu não sei nem o que dizer.

A morena abriu um sorriso ainda mais largo, seus olhos brilhando de satisfação.

— Apenas "obrigado" é o suficiente.

Clemont assentiu, ainda incrédulo, dizendo um rápido "obrigado". Os dois conversaram até tarde da noite, trocando ideias sobre o projeto.

Na manhã seguinte, Calista gemeu de frustração ao ser acordada por uma batida seca na porta. Já estava cansada de Ash, que nunca a deixava dormir. Caramba, como aquele garoto era irritante!

— Calista. — Uma voz masculina soou, juntamente com mais uma batida firme na porta. — Acorda, slowpoke!

A mulher franziu a testa, soltando um gemido baixo de frustração. Sentia as pálpebras pesadas de sono, e decidiu não abri-las. Ao invés disso afundou ainda mais sob as cobertas, puxando-as até acima da cabeça.

— Vá embora, Gary.  Gritou em resposta. — Suma daqui!

 Gary se conteve para não rir, trocando um olhar divertido com seu Umbreon.

— Não até você se levantar. — Ele respondeu — Vamos lá, até meu avô tem mais energia do que você.

Ele sabia que aquilo a irritaria. Calista sempre tivera uma personalidade esquentada, propensa a discussões. De fato, ele logo a ouviu exclamar "cale essa boca, seu babaca!", exatamente como esperava que fizesse.

— Ash, é você? — Gary zombou, sabendo que aquilo faria Calista querer pular em seu pescoço. — Estou ouvindo um perdedor aí dentro?

Ele ouviu quando ela chutou para longe os cobertores e saltou da cama, cruzando o quarto rapidamente e abrindo a porta para encará-lo. Seus olhos verdes soltavam faíscas de raiva.

Gary não conseguiu conter um sorriso. Calista ficava bonita quando estava zangada. Sempre ficara. Era quando se percebia o quão forte ela realmente era, disposta a enfrentar qualquer coisa e qualquer um que se pusesse em seu caminho. Era uma das coisas que Gary admirava nela.

— Certo, Gary-Ados. — Ela resmungou. — Estou de pé. Satisfeito?

— Agora sim, Caly-Nite. Já estava na hora.

Apesar de seu rosto ainda estar contraído de irritação, os olhos dela agora brilhavam com um humor sutil. Calista sempre gostara daquilo, daquela troca de farpas. Se divertia com as respostas rápidas de Gary, que desde criança nunca deixava suas provocações passarem sem uma retaliação.

— Cuidado, moleque. — Ela advertiu jocosamente. — Se me chamar assim de novo, esqueço que já sou adulta e dou uma surra em você, como nos velhos tempos.

O rapaz riu dessa, enquanto Umbreon lhe dava um cutucão impaciente, forçando-o a dar um passo adiante e lhe dirigindo um olhar significativo. O sorriso de Gary imediatamente desapareceu.

— Certo, Umbreon. — Ele disse. — Eu vou. Espere um pouco, caramba!

— Você vai o que, garoto?

— Bem ... Umbreon quer que eu te pergunte uma coisa. — Umbreon protestou alto, fazendo seu treinador corar e ficar absolutamente sem jeito. — Certo, certo, a ideia foi minha! Satisfeito agora?

Calista riu baixo, divertindo-se ao ver a falta de jeito de Gary. Cruzando os braços, a jovem apoiou-se contra o batente da porta. Sua expressão ainda era séria, mas seus lábios se curvavam para cima nos cantos em um inequívoco sorriso de desafio.

— Ok. — Ela disse. — Pode perguntar. Só não prometo que vou responder.

Gary nem ao menos sorriu com a provocação. O neto sempre confiante do professor Carvalho parecia, na verdade, incapaz de olhá-la nos olhos. Isso fez o sorriso de Calista se alargar. Ela estava adorando provocá-lo. Além do mais, ele ficava fofo quando estava com vergonha.

— Calista, eu vou embora depois de amanhã. — Ele disse enfim. — E ... Bom ... Eu queria saber se você passaria o dia comigo hoje. Pelos velhos tempos.

Foi a vez da irmã de Ash ficar séria, pega de surpresa. A julgar pela hesitação de Gary, aquele não era um convite comum. Por um momento, o rapaz quase se arrependeu de suas palavras, mas relaxou quando Calista sorriu. Não o sorriso cheio de charme que usava com o público, mas aquele sorriso malicioso e meio torto de que ele se lembrava tão bem.

— Tudo bem. — Ela concordou. — Claro. Pelos velhos tempos. Nos encontramos em meia hora?

— Certo. Vou esperar lá na frente.

A morena fechou a porta e apoiou as costas contra ela por um momento, perdida em pensamentos. Verdade seja dita, sempre gostara de Gary. Ele sabia ser um babaca arrogante às vezes, mas era um bom garoto no fundo.

O que Calista não entendia era por que seu coração estava tão acelerado. Era apenas Gary, o melhor amigo do seu irmãozinho. Um garoto que vira crescer, e que considerava tão seu irmão quanto Ash. Ou pelo menos pensara que sim.

Ninguém podia discutir quanto ao fato de que ele se tornara um belo rapaz. Havia algo nele que sugeria maturidade e inteligência, apesar da juventude. E mais: Gary a aceitava. Assim como quando eram crianças e Calista brigava com a mãe. Ele sempre a encontrava quando ela fugia, e nunca fazia perguntas. Simplesmente sentava ao seu lado ou caminhava com ela pelas colinas ao redor de Pallet até que se acalmasse e estivesse pronta para voltar. Aquela ligação, a aceitação muda entre eles, parecera não ter sido afetada pelo tempo e pela distância.

Gary não fizera pergunta alguma sobre uma mudança tão brusca de área, desistindo das batalhas em favor das performances e, mesmo a tendo convidado para sair com óbvias segundas intenções, a forma como fizera o convite deixara o desenlace da situação completamente para Calista.

Balançando a cabeça para dispersar seus pensamentos, Calista se vestiu rapidamente e escreveu um bilhete para Ash, informando que estaria fora o dia todo. O papel foi passado por baixo da porta do quarto do quarto do garoto.

Gary a esperava na recepção, acomodado em um dos sofás, distraído conversando em voz baixa com Umbreon.

— O que você acha, parceiro? — Ela o ouviu perguntar — Esse é um bom plano?

— O que é um bom plano?

Gary ergueu os olhos e seu queixo caiu. Calista usava um suéter vermelho que ficava bem justo, jeans pretos e botas de couro. Uma trança desarrumada estava jogada displicentemente sobre seu ombro direito.

— Uau. Você não mudou nada. — Ele comentou. — Me sinto como se tivesse acabado de voltar no tempo.

— Obrigada. — Calista respondeu, abrindo um sorriso hesitante. — Mas acho que vai perceber que minha aparência foi a única coisa em mim que não mudou.

— Você pode até pensar isso. — O rapaz respondeu. — Mas eu tenho que discordar.

A afirmação a deixou satisfeita. Era bom ser lembrada do que realmente importava e, quando Calista sorriu novamente, o gesto alcançou seus olhos.

Gary decidiu começar o dia levando-a a uma pequena cafeteria quase escondida perto de uma das muitas praças daquela grande metrópole. Conhecia bem o vício da irmã de Ash em café.

— Hoje é por minha conta. — Ele disse. — Vou pedir, você acha um bom lugar para nós. Certo?

Embora um pouco relutante, Calista assentiu sem protestar. Ela se acomodou em uma mesa perto de uma das largas janelas, distraidamente observando a rua até Gary a trazer de volta para a realidade pousando uma xícara de café à sua frente.

— Bela vista.

— Sim. — A morena assentiu, ainda distraída. — Gosto daqui. Lumiose é uma cidade e tanto. Tão cheia de vida.

Só depois de ouvi-lo rir foi que Calista percebeu que Gary não estava olhando pela janela. Os olhos dele estavam fixos em seu rosto. A jovem ficou surpresa ao sentir suas bochechas esquentarem quando se deu conta desse fato e o que ele significava.

Uma das pokebolas em sua cintura se abriu com um estalo e Mirabelle saiu, lançando um olhar de advertência para Gary antes de se postar ao lado de seu Umbreon.

— Que dupla, huh? — Ele riu.

— Com certeza. Acho que seu Umbreon impressionou Mira com aquela batalha. Parece que ela gostou dele.

Mirabelle protestou, lançando um olhar zangado para sua treinadora. Calista a ignorou e tomou um gole de café. O sorriso imediatamente desapareceu de seus lábios, substituído por uma exclamação de surpresa.

— Café com chocolate e canela extra. — Ela disse baixinho. — Você se lembra!

— É claro. — Gary respondeu. — Você bebia isso o tempo todo. Lembro que sua casa ficava com cheiro de chocolate e canela por dias, e sua mãe ficava furiosa. Dizia que o cheiro era doce demais e a deixava enjoada.

Calista deu uma risada curta, mas ficou séria novamente em questão de segundos. Seus olhos se fixaram na xícara de café, observando a fumaça que subia do líquido.

— É ... Minha mãe. — Sua voz saiu quase em um sussurro, seguida por um longo suspiro. — Espero que ela melhore logo. Nós duas temos muita coisa para acertar. 

— Ela vai melhorar. — O rapaz garantiu gentilmente. — Tia Dehlia sempre foi uma mulher durona.

— É, mas ... E se ... ? E se ela não melhorar? E se eu nunca tiver a chance de dizer a ela ...

Calista se interrompeu, mordendo o lábio inferior e respirando fundo. Gary conhecia aquele gesto, sabia que ela estava tentando se controlar. Ela não queria ser vista chorando.

Após um momento de hesitação, o rapaz estendeu a mão livre sobre a mesa e deixou que descansasse no braço da morena. Ela ergueu os olhos e esboçou um sorriso, movendo a mão de modo a segurar a dele com firmeza, entrelaçando seus dedos.

Gary não a olhou nos olhos. Sabia que estariam brilhando de lágrimas e que Calista não gostaria que ele a visse naquele estado. Ao invés disso o neto do professor Carvalho desviou o olhar para seu Umbreon. 

Mirabelle estava sentada ao lado do Pokemon Luar, próxima o bastante para que seus ombros se tocassem, embora teimasse em não olhá-lo. A cena fez Gary sorrir. Ele ainda estava observando os dois pokemon quando seu celular tocou.

— Vovô. — Ele atendeu. — Qual é o problema?

Enquanto ouvia o que seu avô tinha a dizer, o polegar de Gary começou a traçar pequenos círculos nas costas da mão de Calista, que pareceu não se incomodar com o gesto distraído do garoto. A conversa com o professor foi breve, durando menos de um minuto.

— Deixe eu adivinhar. — Ela disse quando seu companheiro desligou. — O professor precisa de você.

— É. Sinto muito mesmo, Caly. De verdade.

— Não se preocupe com isso. Vá logo. E ... Boa sorte, eu acho.

— É, obrigado. Nos vemos depois?

— Claro. Tem o Festival da Floresta, em Santalune. É hoje à noite. Podemos nos encontrar lá.

— Certo. Onde?

— Na entrada, que tal? Assim não nos desencontramos.

— Boa ideia. Nos vemos à noite, então.

— Combinado. — Ela deu uma risadinha, lhe lançando um sorriso brincalhão. — É um encontro, então.

Gary corou, ligeiramente surpreso com sua declaração. Eles trocaram um sorriso antes de o rapaz correr para a biblioteca para encontrar seu avô.

— Vovô. — Chamou ao entrar na pequena sala privada onde o professor estava trabalhando. — Então, o que está acontecendo? Por que todo esse estardalhaço?

— O "estardalhaço", meu neto ... — O professor respondeu asperamente. — É sobre isso.

Ele virou um livro em sua direção, apontando para uma gravura em preto e branco de Meloetta.

— Então ... ? Sua pesquisa está na região de Unova?

— Não, Gary. Minha pesquisa está bem aqui. Em Kalos.

— O que?! — O rapaz exclamou, incrédulo. — Como isso é possível?


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