A Aranha na Teia escrita por Elvish Song


Capítulo 17
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Notas iniciais do capítulo

Oooooieee!!! Depois de 84 anos, estou de volta!!! Sério, não é falta de vontade, eu de vez em quando travo para escrever uma cena específica, e aí falta só aquela ligação para postar o capítulo, sendo escrita 2894 vezes antes de sair minimamente aceitável. Eu realmente espero que vocês gostem do capítulo, mesmo sendo mais angst e menos ação. Obrigada a todo mundo que tem acompanhado!



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Os projéteis erraram o alvo, e Pepper baixou a arma, suspirando; ao seu lado, Lucy havia cravado todos os tiros entre os "olhos" do alvo com a Colt 9mm, e a madrinha não sabia exatamente se seu desânimo maior se devia às próprias falhas, ou a ver uma ciança de oito anos atirar com tanta perícia... Ah, não... Definitivamente a segunda hipótese. Lucy não deveria ter de passar por isso tudo. Mas não podia censurar Natasha por continuar o treinamento da pequena, especialmente ante tudo o que vinha acontecendo.

— Você puxou o gatilho, tia Pep, em vez de pressionar. - A criança se juntou mais à madrinha e arrumou sua mão na coronha da pistola. - Aqui: quando for atirar, pressione sem enganchar o dedo, ou vai desviar a sua mira. Tenta de novo.

A mulher seguiu as instruções da garotinha, surpresa quando conseguiu acertar o tronco do alvo com silhueta humanoide; com um sorriso para Lucy, a qual comemorava com entusiasmo, trocou um "high-five" com ela e agradeceu em tom empolgado:

— Obrigada, professora Romanoff! Você manda muito bem ensinando a... - Nesse momento, JARVIS se fez ouvir:

— Senhorita Potts, o Sr. Stark me pediu para avisar que pousarão em quinze minutos.

— MAMA! DAIDÍ! - Com a desenvoltura de um militar, Lucy removeu a munição de sua pistola, disparou repetidas vezes para confirmar o esvaziamento do pente, guardou a arma no coldre e saiu aos pulos, qual um fihotinho de lebre. - VEM, TIA PEP! ELES VOLTARAM! ELE CONSEGUIRAAAM! TROUXERAM TODO MUNDO DE VOLTA!

Quando as portas do hangar se abriram para revelar as figuras dos Vingadores, Pepper parou momentaneamente e os encarou, preocupada: estavam todos com aparências cansadas, chocadas e conaternadas enquanto a equipe médica transportava os cientistas resgatados para a ala hospitalar, mas Natasha... Seu olhar tinha uma frieza pétrea que Virginia aprendera significar sentimentos dolorosos demais para a espiã se permitir demonstrar, os quais quase sempre a destruíam internamente. Contudo, assim que pousaram na imagem feliz da filha, os olhos de Romanoff afastaram a névoa com algumas piscadas enquanto sua dona se abaixava e lançava os braços amorosa e desesperadamente em torno da garotinha.

— Ya zdes, milaya. Mama zdes. (Estou aqui, pequena. Mamãe está aqui.) - A espiã russa cobriu fronte da filha com beijos aliviados e a envolveu com o mais terno e protetor dos abraços, ao passo que a menina se aninhou contra o corpo da mãe, aceitando e retribuindo de todo o coração o afeto de Natasha. - Você está bem? Você e a tia Pep ficaram a salvo?

— A gente está bem, e você está em casa, Mama. Vocês todos estão, vai ficar tudo bem, prometo. - Quando Natasha aliviou o enlace protetor de seus braços, Lucy se desvencilhou e acenou para o pai e cada um dos tios, mas não se afastu da mãe, não apenas por saudade, mas por ver mais claramente que qualquer um o quão ferida, angustiada e preocupada a assassina russa se encontrava. A mãe precisava dela, agora, e a pequena Romanoff não a desampararia.

— Eu sei, meu amor. Você está segura e nossos amigos estão bem, é tudo que importa. Daremos um jeito no resto. - A Viúva se ergueu e encarou Pepper com pura gratidão. - Obrigada por protegê-la, Pepper. Não devia pesar nos seus ombros, mas...

— Sou namorada de Tony Stark, Natasha... A vida não tem como ficar mais louca do que isso, e cuidar da Lucy não é um peso. E para ser honesta, acho que é mais provável ela me proteger: a diabinha me ensinou a atirar, hoje, e ela mesma é quase uma snipper. - A executiva tentou animar a outra, preocupada com o que via em sua linguagem corporal tensa e abatida: Deus... O que acontecera na missão? Potts não era alguém que caía duas vezes no mesmo truque, de modo que já aprendera a identificar quando Romanoff não estava bem, por difícil que fosse. Era algo mínimo, claro, como uma mudança na forma de olhar, uma linha de expressão contraída, os braços cruzados com mais força... Geralmente ela manifestava tal nível de desconforto apenas em assuntos que se relacionavam a potenciais danos a Lucy, e a missão a trouxera de volta extremamente abalada. Perguntaria a Tony, depois, e amanhã tentaria conversar com a agente, pelo menos tanto quanto esta permitisse.

Natasha não chegou a tentar acompanhar os outros quando desceram para o setor hospitalar, já muito habituada aos protocolos e com a cabeça cheia demais: os amigos seriam examinados e tratados, e ela própria precisava de alguns pontos, mas não havia pressa; enchendo um copo descartável com café, sentou-se na cadeira mais isolada da sala de espera e evitou todo o grupo, até mesmo Clint e Steve, os quais respeitaram seu espaço pessoal, mesmo se mantendo mais próximos dela do que os demais. Precisa de um tempo a sós para metabolizar tudo, para pensar no que poderia fazer a partir das novas informações... Próxima dos demais, a preocupação para com eles tiraria sua atenção, e as atenções que dedicariam a ela devido aos ferimentos menores apenas a irritariam e atrapalhariam... Precisava realmente se acalmar, primeiro. Contudo, quando um dos enfermeiros fez os dois outros Vingadores entrarem nas respectivas baias para receberem tratamento, a pequena Lucy se ajoelhou na cadeira ao lado da mãe com olhinhos curiosos e preocupados.

— O que aconteceu lá, mama? Você está triste, se sentindo culpada, e fugindo de todo mundo; só faz isso quando está muito mal.

— Nada, meu amor... Coisas. - Ignorando as dores no corpo e a ansiedade que a acometia, Romanoff pegou a filha no colo e a aninhou contra o peito, tirando a atenção de tudo que não envolvesse sua garotinha: as memórias do passado longínquo e recente se mesclavam, criando múltiplos cenários potenciais para o futuro, e a maioria a assustava, menos por si do que pela criança. Havia mais uma ameaça no panorama geral, agora... Nadya ficaria mais do que exultante, se pudesse colocar as mãos em Lucy e ter sob seu poder uma widow telepata.

— Nadya? - os olhinhos azuis se estreitaram quando flashes das memórias de Natalya escaparam, permitindo à menina vislumbres dos eventos. - Mama, eu conheço ela! É uma das Treinadoras... Ela só treinava meninas mais velhas, mas... Eu a vi algumas vezes nas bases da Europa! Na Alemanha e... Acho que era a Suécia, mas não tenho certeza. -

Natasha se sentou ereta, puxando gentil e firmemente as mãozinhas da filha de seu rosto antes que ela visse algo pior. A ânsia por preservar a menina fazia Romanoff ter de lutar para não se afastar da filha, sabendo que isso também a feriria, mas não pôde se impedir de romper todo e qualquer contato físico naquele momento, para preservar ambas.

— Lucy, não pode entrar na minha mente, agora. Coisas muito ruins aconteceram lá, não quero você vendo isso. Não é para a sua idade: já falamos sobre telepatia quando volto de campo.

— Foi sem querer, Mama. Mas não se preocupa comigo: coisas muito ruins aconteceram com você, e estou preocupada, quero cuidar de você, como cuida de mim. Se não quer que eu veja, pode me contar?

Natasha deu um sorriso triste e cansado, e beijou a cabeça da filha, acariciando seu rostinho antes de falar de modo resumido:

— Essa mulher, Nadya. Está recriando o programa de espionagem que me treinou. Não é nada...

— Você está com medo que tentem me pegar, né? Lembrou de si mesma, e agora está com medo por mim, preocupada com as meninas presas no programa, e preocupada com quantas iguais a você pode ter por aí...

Natasha suspirou e balançou a cabeça de modo exasperado, apoiando os cotovelos nos joelhos e a testa nas mãos cerradas.

— Você é um diabrete, milaya.

— Mama, eu te conheço. Entenderia o problema mesmo sem telepatia, porque te entendo bem, sei como você é pra proteger os outros...

— Coisinha enxerida. – Natasha abraçou a filha e a aconchegou ao peito. – Senti sua falta.

— E eu a sua, Mama. Não fica triste: vocês vão dar um jeito nisso. Eu sei que vão. E se eu puder ajudar... Tenho lembranças dessa Nadya, e das meninas que ela treina. Posso ser útil! Posso contar das bases em que estive! Eu sei que você não quer me fazer relembrar, mas se tudo o que eu passei servir pra salvar outras pessoas, então não vale a pena? - Ante o silêncio da mãe, a pequena pressionou. - Você usa o que passou pra salvar outras pessoas.

— Não pense que eu quero você sendo como eu, malen'kaya. Mas... Vou pensar no seu caso. Se decidirmos que vamos te deixar ajudar, precisa entender que vai ser apenas com as informações que já tem, e que não vai entrar nisso de qualquer forma possível. Agora... Vamos deixar esse assunto de lado, ok? Preciso deixar os médicos me consertarem, e todos queremos esquecer essa loucura, por uns momentos. – Com um gemido baixo de desconforto, a assassina ficou em pé e forçou um sorriso para a filha. – Fica com o doutor Banner, até eu terminar? Ele está precisando dos seus abraços para se acalmar de vez.

Com um sorrisinho que não disfarçava a falta de vontade de deixar a mãe, Lucy assentiu e foi procurar o tio, enquanto Natasha mancava de leve até a baia desocupada, onde o enfermeiro e a médica a receber com o típico olhar de acolhida reprovadora: acolhida por admirarem a espiã e saberem o que ela fazia pelo mundo, e reprovação pelos níveis extremos a que submetia o próprio ser. Seguindo a rotina já estabelecida, a assassina despiu o traje para dar acesso aos cortes e contusões mais significativos, sentando-se imóvel enquanto era suturada. Geralmente haveria alguma pequena conversa no intuito de tornar o momento mais confortável para os profissionais de saúde, mas hoje não se sentia minimamente inclinada a falar. Seus pensamentos orbitavam as memórias da jovem Lara: a expressão furiosa de combate, as habilidades cruas e inocentes de uma principiante sem malícias, o olhar de dor e choque quando a própria mentora a baleou por falhar, a luz se esvaindo de suas feições na mesma velocidade do sangue jorrando pelos ferimentos... E os rostos cheios de raiva, frustração e sofrimento das outras garotas, ainda não calejadas o bastante para não se importarem... Crianças, cada uma. Como ela já fora. Como Lucy era. E ela permitira que fosse morta. Agora, impedir que a loucura da Sala Vermelha fosse recriada era uma obrigação pessoal; talvez assim esse fantasma a deixasse dormir novamente.

PoV Natasha

Noites ruins são meu habitual, mas há algumas melhores, outras piores... E em uma escala de 0 a 10, os pesadelos dessa noite atingiram 12; eles vinham antes mesmo do sono profundo, na forma de garotinhas com pálpebras arrancadas e bocas costuradas que me julgavam e vociferavam meus crimes em pensamentos, pois de seus lábios cosidos não saía coisa alguma além de sangue. Vestes cinzentas, idênticas, cabelos presos em tranças impecáveis, rostos torcidos de raiva fria e armadas até os dentes... Eram rostos que eu conhecia: colegas da SV, vítimas que dilacerei, ex alunas da SHIELD, garotinhas das ruas, e uma delas... Mesmo desfigurada e ferida, com olhar ensandecido, eu reconheceria aquele rosto e os cachinhos vermelhos em qualquer lugar. Estava no colo de Lara, a menina cuja morte causei, e me perguntava porque deixei que lhe fizessem isso... Todas ergueram os braços estendidos, apontando para mim... Ou melhor, para algo atrás de mim. Com o coração disparado, virei para encarar o que estava às minhas costas, e ali jazia um espelho antigo, de moldura pesada.

Minha própria figura me encarava de volta, lábios selados com fios metálicos, sangue escorrendo das perfurações, pálpebras arrancadas exatamente como as das pequenas... Olhei para mim mesma, e anzóis atravessavam meus dedos, o dorso das mãos, pele dos braços e das pernas, ligados a linhas que começaram a me puxar, forçando-me a mover de acordo com os títeres, manipulada por alguém que não podia ver, oculto na escuridão acima... Tentava me virar, escapar, ajudar as meninas, mas suas vozes ecovam com zombaria, risos agudos e cruéis, e cada tentativa de lutar apenas me enrolava cada vez mais nas linhas e anzóis, novos ganchos aparecendo cada vez que um rasgava a carne e caía...

Quando Steve me acordou, estava banhada em suor, tremendo e nauseada. Ele me consolou e abraçou, ficou comigo enquanto me banhava, e realmente ajudou, mas não conseguiria dormir depois daquilo. Fiquei em seu abraço até senti-lo dormir, e então deixei meu apartamento na calada da noite.

Subi para o lounge a fim de assistir tv sem acordar ninguém, apenas procurando uma forma de cansar a mente e distraí-la do pânico, da culpa e das lembranças; liguei o aparelho e coloquei em uma bobagem qualquer, apenas para usar o barulho como válvula de escape, enquanto pegava meu laptop para trabalhar. Se passaria a noite em claro, ao menos usaria para algo útil: havia muito a processar sobre Hydra e nossa busca pelo Cetro de Loki. O assunto Nadya eu precisava deixar para mais tarde, mas afinal... Estavam entrelaçados, e um puxava o fio do outro.

— Se não descansar seu cérebro, vai perder detalhes importantes; não precisa dormir, necessariamente, mas precisa se distrair um pouco. – A voz de Tony me tirou de meus pensamentos após cerca de vinte ou trinta minutos, e quando ergui os olhos para si, vi Stark em pé junto ao bar, um copo de uísque na mão, vestido com calça de moletom e camiseta manchada como se houvesse saído direto de um cochilo na oficina. Dei um breve aceno de cabeça para si. – Problemas para dormir, suponho... Quer uísque?

— Se for beber, não vai ser só um copo. – Respondi dando de ombros; era para ser um declínio de sua proposta, mas ele me estendeu a garrafa de Bourbon.

— Mande bala. Metaforicamente: não quero que atire em nada nem ninguém.

— Trouxa. – Peguei a garrafa e dei um gole, dando um sorriso de canto de boca. – Você ao menos tentou dormir?

— Apaguei em cima do projeto em que trabalhava, acordei e decidi vir assaltar a cozinha e o bar. Você?

— Pesadelos. O normal. – Respondi inexpressivamente. – disse que preciso me distrair, mas isso vale para ambos. Algo em mente?

— A sala de jogos está vazia, podemos perder um para o outro sem muita humilhação.

— Ao menos ninguém vai te ver chorar. – Sorri de canto para ele e o acompanhei, menos por vontade de jogar do que por saber que ele também precisava de companhia. Tony não era difícil de ler, e tudo aquilo o afetara muito, por lembrá-lo de que qualque um relacionado a nós poderia se ver em perigo simplesmente por esse fato. Ele precisava de distração, e talvez eu também, então podíamos dar isso um ao outro. Na sala de jogos andei até a mesa de bilhar. – Sabe jogar? E não faça nenhuma piada infantil sobre taco ou bolas, por favor.

— Só ia dizer que sou muito bom utilizando... - Seria pedir demais que Stark não fizesse alguma piadinha, mas ele está tentando ser agradável...

— Assim você diz, Stark. - Alfineto em retorno, tentando usar o presente para não pensar nas questões que me mantiveram acordada... Tomo mais um gole grande de álcool, fingindo um sorriso. Apesar de tudo, sentia-me um pouco melhor.

— Quer ver por si mesma, Romanoff? – Revirei os olhos e joguei um taco para ele.

— Nos seus sonhos, Anthony.

— Estava falando do jogo, mas estou aberto a sugestões.

— Bozhe moi, você é insuportável. – Tirei as bolinhas da gaveta e as arrumei, apesar de tudo aproveitando a companhia. Por irritante que Tony fosse, bem... Era um amigo. Ou estava a caminho de se tornar um. Não sei explicar, mas gostava da companhia do Cabeça de Lata. – Quem começa?

— Damas na frente.

Abaixei sobre a mesa e acertei a bola branca com força, para espalhar as demais pela mesa; o estalo foi alto, e acabei rindo discretamente da arqueada de sobrancelhas dele quando uma caiu na caçapa.

— Sua vez, Cabeça de Lata,

Jogamos e bebemos madrugada adentro, e aos poucos nos soltamos um com o outro o bastante para falar o que aquela missão nos causara; nenhuma surpresa, Stark se encontrava em pânico sobre os males que poderiam ocorrer a Virgínia, a qual já seria visada o suficiente unicamente por ser a presidente das indústrias Stark, e agora tinha o alvo adicional de ser a namorada do Homem de Ferro. Meu amigo tinha o complexo de salvador, sempre cobrando de si mesmo prever tudo o que poderia dar errado e manter quem amava a salvo... Com todas as nossas diferenças, esse era um ponto muito forte em comum. Deixei que falasse e aliviasse a pressão de todo aquele medo, a revolta pelas coisas que vínhamos vendo... Claro, ele jamais falaria daquilo tudo de modo pessoal, ou explanando sentimentos em si, mas o que dizia acerca das situações o expunha o bastante para mim. E em troca, também me abri... Um mínimo, ao menos.

Compartilhei com ele as preocupações acerca de Lucy, por serem tão similares às de Tony, e o playboy foi mais empático do que jamais pensei ser possível de sua parte; claro, ele tinha visto o que faziam com ela e outras crianças... Contei a ele sobre as jovens Widow, sem mencionar o lado mais pessoal do assunto, e conversamos a respeito das medidas necessárias daqui por diante. Foi diferente do que esperava, e sei que para ele, também. Nem sempre conseguíamos nos entender, mas a verdade é que confiávamos um no outro, enquanto membros da mesma equipe, e o último ano fizera surgir algo como uma amizade. As horas seguiram, e ao fim da noite ele estava totalmente bêbado - mesmo eu me encontrava um pouco mais alegre do que deveria - de sorte que encerramos o jogo - com Stark perdendo de doloridos 4*2 - e o amparei até seu apartamento, antes de retornar ao meu.

Chequei se estava tudo bem com Lucy e, uma vez que ela dormia profundamente, agarrada a seu dragãozinho de pelúcia, dei um beijo em sua cabeça e voltei para junto de Steve, engatinhando para seu abraço; ele acordou momentaneamente, apenas tempo o bastante para jogar as cobertas sobre mim também, e voltou a dormir com o rosto enfiado na curva de meu pescoço. Foi só ao deitar a cabeça no travesseiro, novamente, que lembrei precisar ir hoje à escola de Lucy, falar com a diretora Gray e o professor Xavier... hmmm, que ótimo... Telepatas adultos depois de uma missão. Antes de dormir enfim, considerei com ironia que seria bom encontrar Magneto e pedir aquele capacete emprestado, para não traumatizar demais os professores.

PoV Narrador

— Um prazer revê-la, agente Romanoff. – Jean Grey apertou a mão da espiã, assim como Charles fizera. Estavam reunidos na sala da diretora, apenas os três, mas as posturas de ambos pareciam casuais, o que preconizava uma conversa mais amena, para alívio da espiã.

— Queria vir antes, mas o trabalho não permitiu. Lucy não tem tido problemas, tem?

— Longe disso, mas precisamos falar sobre as habilidades da pequena. Sente-se, por favor. – O professor indicou a poltrona próxima à lareira, posicionando-se de frente para esta com a cadeira de rodas. – Aceita algo para beber?

— Vou declinar, mas obrigada. – Se pediam para sentar, a conversa era longa, e isso automaticamente preocupava Romanoff. Acomodando-se com sua habitual autoridade e elegância no assento, fitou seus interlocutores. – Por favor, sejam diretos. Sei que minha filha é uma telepata, e que pode desenvolver outros poderes. Também sei que é impulsiva e nem sempre lida bem com pessoas, então não precisam contornar qualquer que seja o assunto.

— Na verdade, esse é o problema: Lucy não é uma telepata. Descobrimos recentemente que a telepatia é uma consequência de sua real habilidade. – Ante o erguer de sobrancelha da agente, Jean continuou. – Está familiarizada com o funcionamento bioelétrico dos organismos, certo? E com campos eletromagnéticos.

— É claro. Quer dizer que Lucy controla energia bioelétrica?

— Campos de energia e ondas, no geral. O fato de a eletricidade dos organismos ter baixa intensidade torna mais fácil controlar, mas já presenciamos a pequena causando distorções e eventos eletromagnéticos em aparelhos, e testamos os eventos para confirmar. Suas habilidades são apenas incipientes, e devem torná-la capaz de controlar qualquer tipo de onda eletromagnética. Creio que seja mais fácil compreender tudo quando vemos seus desenhos.

Charles se dirigiu à mesa da diretora e tomou uma pasta, levando-a para Natasha.

— Ela produz muitos textos e desenhos entre as aulas, e mesmo durante. Sua mente é inquieta e produtiva, absorve múltiplas informações e cria conexões rápidas. Seus textos nem de longe parecem os de uma criança de oito anos, mas os desenhos são o que impressiona mais, quando lhe pedimos que retrate o que está vendo.

As páginas que deveriam ser "desenhos de observação " ou descrições de como enxergava o mundo mostravam todos os elementos interligados por uma mescla de fios e névoa transparentes e fluídos, que ao serem vistos de longe pareciam um mapa cerebral, com cada indivíduo consistindo em um neurônio complexo de vários filamentos, percorridos por luzes e rodeados por campos de energia similares a fotos Kirlian.

— Quando ela fez esses desenhos? Nunca reproduziu nada assim, em casa. - Romanoff contemplava os desenhos com fascínio e interesse.

— Foi semana passada, durante uma atividade em que lhe pedimos para retratar como enxerga o mundo quando usa suas habilidades. O detalhe interessante... - Jean apontou para o ponto central do desenho, com a luz mais forte. – Esta seria ela mesma. O que isso te lembra?

— O sistema nervoso, controlado pelo encéfalo. – Definitivamente, precisava dar mais atenção aos poderes de Lucy. Procurava não fazer muito alarde sobre as habilidades da pequena, para deixá-la confortável consigo mesma, mas ia muito além do que tinha imaginado... Precisava insistir que Lucy lhe mostrasse mais de suas habilidades, para ajudá-la como fosse possível e entender melhor como a filha via o mundo, mesmo que a pequena raramente falasse sobre isso.

— De alguma forma complexa, ela envia comandos para outros cérebros e sistemas nervosos em geral, como se fossem sinapses. Com isso, provoca ilusões sensoriais e visuais, pode inibir ou causar dor, ler pensamentos e projetá-los, mas não age apenas sobre seres vivos... Pode usar ondas para afetar objetos.

— Um poder abrangente. – As informações não foram exatamente impactantes, porém a espiã não podia deixar de avaliar todas as formas como tal habilidade poderia impactar a vida de sua filha, para o bem e para o mal. – Conseguem ensiná-la a lidar com seus poderes, aqui? Vão aumentar muito, se forem proporcionais ao crescimento.

— Sim, irão, e podemos auxiliar. Contudo, é uma força muito grande, certamente uma mutante nível ômega, e mutações são suscetíveis às emoções; sabemos que Lucy é uma criança com muitos traumas. – Xavier jamais se alterava ao falar. – E mesmo que seu trabalho como mãe seja admirável, algumas coisas precisam de orientação profissional. - O idoso bebericou de sua xícara, encarando o fogo. – Considerou levar a pequena a uma terapia, para ajudá-la com seus traumas?

— Muitas vezes, mas... Não há muitos profissionais que conseguiriam lidar com uma criança como ela. Um profissional inadequado causaria mais mal do que bem, ainda mais com sua mutação. Procurei por alguns, mas a maioria declinou, dadas as circunstâncias.

Ambos os telepatas anuíram, e Jean pegou um cartão sobre a mesa de centro onde mantinha os livros e tinteiros, estendendo-o para Natasha. Ali via-se o nome Adele Sforza, com as informações de contato.

— Foi aluna do Instituto, hoje é psicóloga especializada em tratar jovens mutantes com traumas relacionados a todas as... Experiências que nossa condição pode provocar. Também é telepata, e acreditamos que possa ajudar Lucy com os próprios traumas e habilidades.

A informação trouxe enorme alívio a Natasha: não de hoje sabia que a filha carecia de apoio psicológico para se desenvolver de modo saudável e reparar os inúmeros traumas que carregava, e finalmente saber de alguém capacitado a cuidar de sua pequena era a melhor notícia de seu ano!

— Entrarei em contato hoje mesmo. Há algo que possamos fazer para ajudá-la, em casa?

— Ela tem dificuldades em socializar, mas acredito que a dra Sforza seja mais capacitada a orientar esse processo; é uma menina cheia de vida, curiosa e impetuosa, quando está com quem a faz se sentir segura, mas torna-se amuada, quieta e assustada quando há qualquer desconhecido. Faz muito pouco tempo, e a reabilitação é um processo. Ela já é muito mais desinibida do que esperávamos, gentil e talentosa... só precisa de ajuda para se desenvolver. Pelo que Lucy nos conta, sente-se segura e amada com a família, então estamos no caminho certo. - Charles sorriu gentilmente para Romanoff. – É uma boa mãe, senhorita Romanoff, e está criando uma menina que será uma grande mulher.

— Obrigada, professor. Algo mais que precisemos tratar? Como ela está em questões gerais, com os colegas e professores?

Jean deu um leve sorriso tenso:

— Nem todo professor consegue acompanhar um super dotado, especialmente uma que tem aulas de reforço particulares com Tony Stark, fala múltiplas línguas e conhece cultura e geopolítica do mundo todo... Mas as aulas seguem bem. A interação social é a mais difícil, e ela quase só se relaciona com alunos mais velhos ou professores. É esperado, com a mutação dela. Mas de resto, é como enviamos pela agenda: não houve qualquer incidente nos últimos meses, e os demais alunos não a perturbaram mais.

Natasha anuiu, satisfeita com o que ouvia e aliviada em não haver nenhum problema do qual não houvesse tomado conhecimento; trocaram mais algumas palavras acerca do semestre seguinte e matérias que a menina teria, e finalmente a espiã achou cabido indagar:

— Vocês treinam os jovens para usar suas mutações para defesa própria não?

— Bem... Os que integram os X-Men. Lucy seria nova demais, mas entendemos sua posição, agente Romanoff: a pequena corre algum risco imediato?

— Hydra ainda não desistiu dela, e recentemente houve um atentado contra amigos próximos. Ela treina combate em casa, mas sua mutação pode ser usada para se proteger, e fazer toda a diferença em uma crise.

Jean ficou em silêncio e pensativa por longos segundos, antes de anuir:

— Podemos cuidar disso. Para defesa unicamente, é claro, pois ainda é muito pequena.

— Exclusivamente para defesa, é o que peço. Lucy é uma criança, não uma arma, mas não posso fingir que não corre riscos demais.

Jean assentiu com expressão reconfortante:

— Eu mesma a ensinarei, Natasha, não precisa se preocupar. E fique à vontade para acompanhar essas aulas quando desejar, você ou o Capitão; manterei um diário dessas aulas na agenda dela, para que saibam os progressos.

— Agradeço, dra Grey. Sem outros mutantes em casa, ela usa a telepatia para se comunicar conosco, mas de uma forma natural e sem controle.

— Como todos que vêm de lares sem pais mutantes, mas a pequena tem sorte; a família a ama e dá liberdade de ser quem é, e esse conforto com as próprias habilidades tornará tudo mais fácil. Continuem apenas agindo de modo normal em relação aos poderes, e seguimos nos comunicando dia a dia, para abordar as situações conforme surgirem. O que lhe parece?

Natasha não era o tipo que admitia estar nervosa, mas tinha plena certeza de que ambos os telepatas poderiam até mesmo cheirar sua ansiedade em relação a fazer o que fosse melhor para a filha, sob todos os aspectos. Certamente perceberam, pois Xavier respondeu:

— Criar os pequenos não é uma ciência exata, mas Lucy mostra ótimos resultados gerais. Com um pouco de paciência, ajuda profissional e o bom trabalho que a família vem fazendo, vai crescer uma jovem feliz e mentalmente saudável. Um dia após o outro, é tudo que se pode oferecer a ela.

Natasha esboçou um sorriso grato, mas havia um último assunto a tratar:

— Professor, diretora, tenho uma questão a lhes fazer: quão segura é a escola, para alguém com o histórico de Lucy? Digo... Se ela precisasse permanecer aqui por alguns dias, sabendo que há pessoas que podem tentar levá-la, a escola é segura não apenas para ela, mas para as outras crianças?

Ambos os telepatas ponderaram por algum tempo, claramente conversando mentalmente um com o outro, até enfim Jean responder:

— Temos inimigos poderosos, mas aqui dentro os jovens estão totalmente seguros. Lucy é uma das nossas crianças, e enquanto estiver sob nossa responsabilidade, será cuidada como qualquer outro aluno. Se precisar mantê-la aqui, senhorita Romanoff, especialmente mediante algum perigo iminente, posso assegurar que a pequena ficará a salvo, e cuidarei dela como se fosse minha.

— Pode ser necessário muito em breve. Não posso entrar em detalhes, claro, mas a organização que me treinou aparentou interesse sobre Lucy e, até que sejam detidos, esse é o lugar mais seguro que conheço, para ela.

— Basta trazê-la. Todos os professores adoram a ruivinha, e a manterei sempre sob minhas vistas. Estará tão segura aqui quanto na Torre dos Vingadores.

— Obrigada.

— Sempre um prazer, Natasha. - As duas mulheres se levantaram, e Jean se dirigiu ao professor - Eu a acompanho até o hall, professor, não se preocupe.

Romanoff se despediu dos mentores do Instituto e foi acompanhada pela diretora até a saída; não tinha palavras suficientes para descrever o alívio e gratidão pelo que haviam aceitado fazer por sua filha... O pesadelo estava ainda muito vívido em suas memórias, mas o que realmente a assustava era a possibilidade de se concretizar. Não importava o que precisasse fazer, sua prioridade acima de todas era proteger a filha e garantir que jamais passasse pelas coisas que a própria Natasha vivera. Lucy era pura, meiga e gentil, e a mulher faria qualquer coisa para garantir que tivesse a chance de continuar a sê-lo, mesmo num mundo tão violento. A ajuda do Instituto lhe mostrava que, não importavam as adversidades, podia encontrar caminhos seguros para a filha, e essa noção acalmou seu coração pela primeira vez desde o sequestro dos cientistas. Podia se lançar com todas as forças em resolver as ameaças da Hydra e dessa pretensa nova Sala Vermelha, sabendo que ficaria tudo bem com a garota. 

 


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Notas finais do capítulo

É isso, gente!!! Espero que tenham gostado, porque mesmo sem muita ação, essas interações da Natasha com os outros são o que dá gancho para a história seguir. E sim, ela e o Tony vão desenvolver uma amizade sólida, e isso vai ser importante!Obrigada por todo o apoio, e mil perdões pela demora na postagem. Ansiosa para surir aqui, de novo, com o próximo capítulo!!!Beijos enormes, e até breve!!



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