O Senador Rebelde escrita por André Tornado


Capítulo 35
A festa na floresta




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Os ewoks, que habitavam a lua santuário de Endor, eram um povo com uma dualidade intrigante. O seu aspeto de criaturas peludas e fofas escondia os guerreiros ferozes e implacáveis que realmente eram. Contava-se que devoravam os seus inimigos capturados, em banquetes ritualistas presididos por um sacerdote, mas naquela noite isso não aconteceu. Talvez a alegria fosse tanta que não viram necessidade de honrar os seus deuses particulares dessa forma inusitada e primeva. Ou talvez o tenham feito e ninguém se importou com esse final macabro dos stormtroopers derrotados.

Faziam das sequoias as suas casas e era nas plataformas que uniam as grandes árvores que as celebrações que comemoravam o fim do Império Galáctico aconteciam. Os ewoks proporcionavam a música e havia rosetas coloridas de fogo de artifício no céu violeta do primeiro anoitecer livre na galáxia.

A Estrela da Morte tinha sido destruída. O Império Galáctico fora privado da sua liderança com o desaparecimento de Palpatine e de Darth Vader. A Aliança para a Restauração da República tinha vencido a guerra civil. Fim da história.

Ou assim Heskey desejava que se escrevesse, como conclusão.

Porque era mesmo o fim da história.

Os combatentes da dura contenda daquele dia reuniam-se na lua santuário e convergiam para a aldeia principal dos ewoks, onde se montava a grande festa. Dançava-se, ria-se e revia-se, com especial emoção, os amigos que tinham sobrevivido à luta. Abraços, lágrimas nos olhos, relatos de honra e de heroísmo, a congregação incluía até bebidas espirituosas e comidas simples oferecidas pelos anfitriões, que participavam muito animados.

Os ewoks tinham sido fundamentais no assalto à casamata onde se situava a sala operacional que emitia o feixe invisível que servia de escudo protetor à Estrela da Morte. Heskey soubera, mais tarde, que foi graças à combinação de esforços da equipa operacional com os guerreiros desse povo que possibilutara a derrota do batalhão de soldados imperiais que defendiam a casamata. Caso contrário, Han Solo e os demais não teriam conseguido cumprir a sua missão e nada daquela festa estaria a acontecer.

Havia ainda relatos de que os festejos se estendiam a diversos sistemas galácticos, como Naboo, Tatooine ou Corellia. A galáxia inteira estava a celebrar o fim da opressão e o sentimento era de satisfação, de dever cumprido, de sonho realizado.

Heskey observava de longe o que ia acontecendo. Tinha na mão um copo talhado em madeira – toda a loiça dos ewoks era feita dessa matéria-prima, porque era a que mais abundava na lua – e bebia com moderação a aguardente que estava a ser oferecida pelas criaturas atarracadas que usavam um dialeto muito próprio, que até Threepio tinha dificuldade em reproduzir. Jotassete tinha-se juntado ao seu amigo astromecânico, Artoo Detoo. Os dois autómatos trocavam assobios e silvos que tinham um certo tom jocoso e ofensivo, que motivava várias repreensões por parte do androide protocolar dourado. Ele daria tudo para saber o teor das piadas eletrónicas daqueles dois. Porventura, seriam memoráveis!

Onca, o seu assistente, misturava-se entre os pilotos dos caças, o pessoal técnico, os ewoks e ele notava-lhe, mesmo dali, o brilho subtil nos seus pequenos olhos. As suas preces tinham sido atendidas e o que ele podia fazer era deixar de ser intratável. Moderar o seu mau feitio. Afinal, tinha descoberto no ithoriano um amigo leal, mais do que um subordinado eficiente ou do que um colaborador experiente. Devia-lhe um pouco mais de tolerância e menos mau feitio.

Mas não se aproximava. Mantinha-se confortavelmente afastado, a observar os outros de longe. Tinha uma sensação esquisita de não pertencer ali, de ser apenas um espetador, um espectro a quem lhe fora dada a suprema dádiva de vislumbrar o mundo dos vivos que transbordava calor.

A aguardente era uma mistela e ele ainda não tinha esgotado o primeiro copo. Nem se queria embebedar, perder os sentidos, escapar-se da festa por essa via cobarde. Mantinha-se no seu canto, reservado e anónimo, agarrado à convicção de que era somente um fantasma convidado e de que não precisava de interagir com ninguém. Mais ou menos como ele fazia nas suas próprias festas. Era a sua forma de ser e era impossível mudar-lhe o feitio, quando ele se tinha arreigado àquela imagem de velho ranzinza e impossível.

Lando Calrissian tinha trocado um abraço fraterno com o seu amigo de longa data, Han Solo, dois generais heróis do dia. Ao lado deles, Leia Organa sorria luminosa e jovial, usando um vestido de corte simples e tribal que lhe tinha sido oferecido pelos ewoks. O cabelo caía-lhe solto pelas costas, ondulava como uma asa mitológica sempre que movia a cabeça e estava linda. Os olhos da princesa, porém, apenas sorriam para Han Solo e Heskey sentiu a sua alma afundar de tristeza. Não por causa dela, mas por causa de outra mulher que lhe invadiu o pensamento com a mesma força destruidora da explosão da Estrela da Morte.

Depois, ele viu a chegada de Luke Skywalker. Cansado, realizado, destroçado e ainda assim completo. Atirou-se para os braços de Leia, num amplexo que tinha tanto de amizade, como de amor, como de intensidade e de eterno. Podia ficar a contemplá-los juntos até ao fim das eras e estranhou essa ideia. Bebeu mais um gole da aguardente. Ali morava a Força – tanto nele, um cavaleiro Jedi, agora tinha a certeza que Luke completara, com algum mistério, os seus treinos; tanto nela, que resguardava na sua aura, naquele halo invisível que lhe rodeava a figura, essa energia especial.

Estavam todos em redor de uma fogueira. Bateram palmas, dançaram, beberam, partilharam a comida de uma enorme travessa redonda. Os seus rostos enfeitavam-se com sorrisos e alívio, aquela distensão muscular que acompanhava a conclusão de uma tarefa gigantesca, tida por impossível no início do caminho, quando não se vislumbrava o final e o seu eventual sucesso.

Heskey volveu o olhar para os céus da noite. O fogo de artifício prosseguia, a desenhar flores de luz na abóbada celeste que escurecia à medida que o sol se escondia cada vez mais no horizonte.

Como seria o dia seguinte? Ele antecipou a leveza, a pujança, a estabilidade, a firmeza, a tolerância, a inclusão, o respeito, o ar renovado e as ideias a brotar descontroladas. Um mundo inteiramente novo. Era um pouco assustador.

E ele continuava com o peito pesado e vazio. Era a sua solidão.

— Tenho reparado que estás afastado. Não te queres juntar a nós?

Voltou-se para encarar Leia Organa que se aproximava, percorrendo um dos passadiços suspensos por cordas entrançadas que ligavam as diversas plataformas da aldeia.

— Minha querida, obrigado pelo convite. Estou bem aqui. Sempre fui um animal solitário.

Ela observou-o com bonomia. Tocou-lhe no braço.

— Nesta noite não existe lugar para a tristeza. Façamos o luto pelos que caíram em batalha, honrando-os nesta celebração. Amanhã invocaremos a sua lembrança noutra cerimónia solene. Não é desrespeito. Merecemos esta felicidade, Heskey.

— Eu sei. Mas tenho as minhas razões.

— Perdeste alguém hoje?

— Perdi alguém. – Suspirou. – Mas não aconteceu hoje. Hoje estive com os meus companheiros de todos os dias e estive bem acompanhado. Onca, um ithoriano que me serve desde o Senado Imperial. E Jotassete, um androide que é uma base de dados com uma personalidade incrível.

Ela riu-se, cobrindo os lábios com os dedos.

— Androides com personalidade! Tenho encontrado alguns nestes últimos anos-padrão.

— Tive a sorte de ter tropeçado nesta unidade J7-21 em Ferth.

— Ele e Artoo Detoo estão a dar-se muito bem.

— Devem ser almas gémeas. Se é que se pode dizer isto de duas máquinas.

— Pode-se, já que admitimos que têm personalidade.

— Concordo.

Ele acabou com a aguardente. Leia perguntou-lhe:

— Como se chamava a mulher que te provocou todos esses danos?

— Kiiara – respondeu, com novo suspiro. – Ela é uma espia imperial que me perseguiu desde que saí de Hoth. A pista que lhe deram devia ter a indicação de que eu era um rebelde que trabalhava em operações clandestinas e procurou obter informações, convivendo estreitamente comigo. Infelizmente para ela, muito provavelmente infelizmente para os dois, nessa altura eu não era um rebelde muito ativo e nada lhe pude dar. Então, ela foi-se embora. Reencontrei-a quando estava a transportar a informação secreta sobre a segunda Estrela da Morte e ela voltou a ir-se embora. Continuava a não ter nada de interessante para ela.

— Apaixonaste-te.

— Sim, Leia. Eu amo a Kiiara. Nunca… nunca amei ninguém como a amo. Perdoa a minha franqueza, mas preciso de desabafar.

— Nada melhor do que numa festa, com fogo de artifício por cima das nossas cabeças, para que esse desabafo aconteça. A tua tristeza terá um invólucro… colorido.

Heskey entremostrou um sorriso tímido.

— A minha tristeza… colorida. Gostei da noção. Talvez seja o que preciso. De colorir a minha tristeza. Esta noite queria que a Kiiara estivesse comigo, para partilhar com ela este triunfo. A inauguração de uma nova ordem galáctica. Esperança! A esperança é tão boa de se sentir e de se ter. Estou, contudo, a ser demasiado otimista. Ela nunca poderia estar aqui, comigo. Estamos entre rebeldes! E ela pertence ao Império.

— Tu também foste um senador do Império e estás connosco. Eu fui uma senadora do Império.

— Dizes-me que seria possível? Dizes-me que a Kiiara poderia estar aqui? Mas ela não está. Isso aprofunda a minha melancolia.

— Ela vai regressar, Heskey.

— Desejo-o com toda a minha alma. Neste momento, sem ela, sinto que tenho dois corações. Ela partiu-me o coração ao meio, dividiu-o e agora as duas metades batem em separado, descompassadas, soçobrando em cada pulsar.

Leia abraçou-o e ele aceitou aquele consolo. Ficaram abraçados durante algum tempo, o suficiente para ele se acalmar, para sincronizar os seus dois corações e ter um pouco mais de ordem dentro do seu peito oco, para aproveitar a alegria que permeava a aldeia dos ewoks, a floresta de sequoias, a lua santuário de Endor, a galáxia. Enterrou a memória de Kiiara, sussurrando à imagem perfeita que esperasse. Ele voltaria a desenterrá-la, noutra noite de solidão.

Afastou Leia de si. Beijou-lhe a testa ao de leve.

— O general Solo poderá ter ciúmes. Será melhor voltares para junto da tua fogueira – sugeriu ele, provocador. – Tenho-o como um bom amigo.

— Ele nunca saberá o que aconteceu entre nós, Heskey.

— Ainda bem. Detestaria lutar contra Han Solo. Não teria a habilidade necessária e seria abatido como um desgraçado de um stormtrooper com a pontaria desafinada. Como são todos eles… pobres coitados. Na academia imperial que os recruta não fazem treino de tiro? É constrangedor!

Leia gargalhou.

— Ainda bem que os stormtroopers atiram mal ou não estaria viva!

Apontou a ligadura do braço esquerdo e contou como fora ferida por um disparo laser quando ela e Han tentavam abrir a porta da casamata para poderem aí entrar e colocar os explosivos que desligariam o escudo protetor da Estrela da Morte. Ele escutou-lhe o relato com espanto e admiração. O perigo fora muito no terreno, assim como tinha acontecido no espaço.

Os dois olharam ao mesmo tempo para Luke Skywalker que conversava com Wedge Antilles, um dos pilotos veteranos da Aliança. Leia contou-lhe, a seguir, que Antilles tinha participado em todas as principais batalhas dos rebeldes, desde o ataque à primeira Estrela da Morte, passando pela investida imperial em Hoth que os desalojou do quartel-general nesse planeta de gelo. Era alguém que ela admirava muito. Heskey concordou. Sugeriu uma condecoração. Ela disse-lhe que todos os que ali estavam seriam homenageados devidamente, pelas provas de valor demonstradas durante a guerra civil.

Antes de o deixar, ela fez uma última revelação:

— Luke Skywalker é o meu irmão.

Heskey engasgou-se.

— O teu irmão?! Como é isso possível?

Leia abanou gentilmente a cabeça.

— Bail e Breha Organa eram os meus pais adotivos. Nasci uma Skywalker, una com a Força. Mantiveram a minha identidade secreta por causa de Darth Vader que perseguia os Jedi no início do Império Galáctico. Uma longa história que irei narrar mais tarde, se não te importares. Pois é mesmo uma longa história. Digna de uma lenda… Ah, estou a ser tão imodesta! Irei manter o apelido Organa, mas estou muito feliz por ter conhecido o meu passado. Tenho memórias muito ténues da minha mãe verdadeira. Padmé Amidala era o seu nome… Agora tenho um irmão. Vês, Heskey? Por vezes, a vida dá-nos dádivas inesperadas, mesmo durante momentos sombrios.

— Assim é, de facto. – Ele observou o jovem cavaleiro. – Vais também ser um Jedi?

— Descobri recentemente que sinto a Força. Acreditas na Força?

— Esta noite passei a acreditar.

— Ser um Jedi? Não me parece. Mas gostaria de receber algum treino básico de Luke. Gosto de aprender.

— Darias uma magnífica Jedi, Leia Organa.

— Deixarei essa ribalta para Luke Skywalker. Com a derrota das trevas e a queda do Império Galáctico, uma vez que Darth Vader e o seu ódio já não pendem sobre os Jedi, quero que Luke faça renascer a ordem dos velhos guardiões da paz, esses nobres cavaleiros que se servem de um sabre de luz para definir a justiça. Afinal, teremos uma nova República.

— A festa ainda não esmoreceu e já pensas no futuro.

— É o combate da minha vida – explicou ela, ufana. – Fazer regressar o governo republicano à galáxia.

Ela voltou para junto da fogueira. Han Solo abraçou-a e bailaram os dois. O corelliano era um dançarino sofrível, ele podia ensinar-lhe alguns passos para não fazer aquela figura triste. E estava a ser cínico… que se deixasse disso. Num dia de festa espontânea, num dia de liberdade e de conquista, de sonhos transformados em realidade, cada um dançava como sabia e seria sempre maravilhoso.

Olhou as últimas flores de luz a pingar do céu em gotas de cor.

— Parabéns, Bail Organa! Venceste! Que estejas a celebrar onde te encontras, amigo. Que a Força nos acompanhe. Sempre.


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Notas finais do capítulo

Próximo e ÚLTIMO capítulo:
O recomeço.



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