O Senador Rebelde escrita por André Tornado


Capítulo 32
As perdas e os ganhos




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Rever Kiiara deixou-o amargurado e zangado. Heskey tentou disfarçar as suas emoções, mas ela conseguia lê-lo, como nenhuma outra criatura daquela imensa galáxia era capaz de fazer. E percebeu que ainda o alcançava. Essa seria uma vantagem preciosa naquela situação. Ele mordeu os lábios, tentando usar da mesma impassividade com que abordara o supervisor, mas a magia daquela feiticeira pequena e linda destruía-lhe todos os seus subterfúgios.

— O que fazes aqui? – perguntou-lhe, cheio de ressentimento.

Kiiara bufou, também zangada por tê-lo apanhado. Estaria, provavelmente, atrás do rebelde que iria traficar os documentos secretos do Império e deparava-se com a última pessoa que queria encontrar, depois de ter desaparecido sem uma despedida. Se fora embora de Corulag sem um adeus era porque não o queria ver mais e agora a guerra voltava a juntá-los. E porque tinha sido a guerra que os separara.

Estavam em lados opostos, lembrou-se ele com pena. Ela era uma espia imperial, ele, pelos vistos, escumalha rebelde. Embora, as aparências iniciais indicassem que ele estaria do mesmo lado. Era um senador do Império. Era um servidor de Palpatine.

Se ela estava igualmente amargurada, Heskey quis acreditar que sim.

— O que fazes aqui?

— Sou eu que estou armada. Sou eu que faço as perguntas – avisou ela.

— Muito bem. Faz todas as perguntas que quiseres, minha querida. Depois espero ter também a oportunidade de te questionar. Posso baixar os braços? Não te vou fazer mal. Nunca te faria mal. E vamos, desde já, estabelecer esse acordo entre nós. Tu também não vais disparar contra mim.

Perante aquelas palavras, ela riu-se com o descaramento dele.

— Precisamente por estares numa posição inferior não podes ditar as regras! Julgas que estás em condições de ordenar e eu de obedecer?

— Consigo ver o que está a acontecer aqui, minha querida.

— Para de me chamar de “querida”! – exigiu ela num grito.

— Está bem. Está bem. – Ele respirou fundo. – Só foi um pedido… Kiiara. – O nome dela foi agridoce na sua boca. – Somos velhos conhecidos… podemos fingir, por mais este instante, que está tudo bem entre nós? Só por este instante. Sem necessidade de nos magoarmos mais ou de provocarmos outras discussões. Se bem que nunca me lembro de ter discutido contigo… Depois de prestados os esclarecimentos, vamos cada um à nossa vida.

Kiiara hesitou.

— Não estou armado – continuou ele. – Se me quiseres revistar, podes avançar. Verás também que não trago mais nada comigo.

Esperava que ela atendesse àquela dica. De que não tinha mesmo nada consigo. Ela estava ali a perder tempo, pois devia perseguir o supervisor para recuperar os documentos e não estar ali entretida com um amigo antigo. Será que ela o via ainda como um amigo? Não se dera conta de que as coisas entre eles se tivessem estragado a esse ponto. Ela foi-se embora e ele ficou a colar os cacos do seu coração partido.

— Tu és um inimigo – disse ela.

E pronto – ela acabava de lhe responder. Heskey negou devagar com a cabeça.

— Não. Não somos inimigos. Acontece que, nesta curva da estrada, estamos em lados diferentes, cada um a fazer a sua viagem. Tu estás a ir para onde eu vim, ou ao contrário, como quiseres. Acabámos de nos cruzar no caminho e temos de… fazer uma escolha. Temos de decidir o que queremos fazer, daqui para a frente. Continuar em direções diferentes. Ou…

— Ou?!

— Deixa-me baixar os braços, ao menos. Por favor!

Ela mexeu a pistola laser e ele pôde satisfazer o seu pedido. Pendeu os braços que já estavam doridos e dormentes. Enrolou as mãos uma na outra, para estimular a circulação. Olhou para o cano apontado a si. Não se queria desiludir, não iria permitir-se ceder a esse sentimento que apagava a boa memória que tinha dela.

— Ou?... – insistiu Kiiara.

— Ou continuar por outro caminho. Juntos. Esquecendo o que está a acontecer.

— A galáxia está em guerra e tu só queres um refúgio onde não entra essa realidade. E queres que eu alinhe nessa mentira. Pois tenho uma novidade para ti, senador. Não podemos fugir do que está a acontecer.

— Pois não. Pois não! Daí que eu tenha feito uma escolha e esteja aqui.

A sua sinceridade assustou-a. Deu uma risada falsa.

— Eras um senador do Império e, de repente, achaste que ao teres ficado privado do teu palco, precisavas de te vingar de quem te destruiu a vida fácil que tinhas. Contigo é sempre assim, não é? Nunca arriscas demasiado, nunca perdes. Depois de Coruscant, tiveste Corulag. Mas em Corulag criaste adversários que ameaçam a tua reforma dourada e a única forma que encontraste para te livrar deles foi juntares-te aos rebeldes. Se eles ganharem, deixam-te em paz. Pelo menos, durante um bocado.

— Não estou a colaborar a Aliança por um motivo egoísta.

— Não? A sério que não? Então qual a razão para teres feito essa escolha?

— Fi-lo por uma questão de… de justiça. De liberdade. A galáxia precisa de mudar. É impossível manter esta forma de governo que só oprime e destrói. Olha para nós! Olha para nós, Kiiara. Está a destruir-nos.

— Tu fizeste a tua escolha, eu fiz a minha.

— E pudeste fazer a tua escolha em plena consciência, totalmente livre e ciente de todas as consequências? É mesmo isto que queres? Tens uma ocupação muito perigosa, minha quer… Kiiara. Podes… podes ser eliminada num destes encontros, com um outro alvo que estará armado e que irá usar de força letal para se escapar.

— Claro que fiz a minha escolha em plena consciência! Tu não sabes nada sobre mim.

— Verdade, pouco sei sobre ti. E isso assusta-me, porque parece-me que a tua história não será agradável de ouvir. E temo que irei verificar que, no fim de contas, não te voluntariaste para pertencer ao corpo imperial de espiões.

— Como te atreves?

— Estou enganado?! – Heskey deu um passo em frente e ela recuou outro. – Diz-me, Kiiara… estou enganado? Os espiões são peças descartáveis no aparelho de terror montado por Palpatine. São facilmente substituídos por novos recrutamentos que são treinados exaustivamente em instalações secretas. Cumprem as suas missões e estão sempre a ser selecionados para tarefas cada vez mais difíceis. Se falharem, são eliminados e logo aparece outro no seu lugar. É assim que funciona! Tu sabes disso. Eu sei disso.

Kiiara, finalmente, baixou a pistola laser. Mordeu os lábios, abanou a cabeça.

— Esta conversa não faz sentido nenhum…

— Faz todo o sentido, para mim.

— Este não é um encontro! Estou aqui com um propósito bem definido e tu estás a atrapalhar-me. Devo… devo afastar todos os empecilhos sem misericórdia.

— Kiiara…

— Não te aproximes! – gritou-lhe, mas voltava a recuar.

— Não vais disparar contra mim.

— Estás a testar-me? Não me conheces! Não sabes do que sou capaz.

— Verdade. Não te conheço. Mas também não é verdade. Sei do que és capaz.

— Ah sim?

— Sei que és capaz de amar.

Ela rugiu-lhe. Depois desistiu da emoção extrema. Suspirou, fatigada. A arma pendurava-se na sua mão. Esteve de olhos fechados durante algum tempo, a remoer um qualquer pensamento. Ele deu-lhe esse espaço, esse tempo. Sabia que não haveria um vencedor ou um vencido. Eram somente eles os dois, naquela encruzilhada.

— Quero que me entregues o que tens contigo – pediu-lhe, por fim. Evitava a questão. Então, era porque ele alcançara a verdade que residia na alma que ela escondia. Disfarçou o sorriso de triunfo. – Terminemos isto de uma vez por todas.

— Não tenho nada comigo.

— O quê?

— Já fiz a entrega. Chegaste tarde. Lamento.

A pistola laser voltou a ser-lhe apontada. Ele negou com a cabeça.

— Um tiro não vai resolver o teu problema. Nem o meu. A decisão é óbvia. Ou esqueces que me encontraste e vais atrás dos documentos, ou ficas comigo, para uma segunda oportunidade. Os nossos caminhos cruzaram-se outra vez e isso é um sinal de que devemos parar para pensar. Decidir! É tão claro, transparente como gelo. Kiiara, desiste.

Ela perguntou-lhe, atónita:

— O que julgas que estás a fazer?

E Heskey respondeu, sem hesitar:

— Estou a proteger-te. Tenho o dever de cuidar de ti.

Kiiara explodiu, avançando, recuperando todos os passos que dera à retaguarda:

— O quê? Que atrevimento! Nunca te pedi que cuidasses de mim. Sou uma mulher independente que sempre viveu sozinha, que fez o seu percurso sem a ajuda de ninguém. Não preciso que cuidem de mim. Trabalho para o Império, olho na máscara de Darth Vader sem medo e já matei. Não tenho os requisitos necessários para precisar… para precisar de proteção.

— Kiiara.

Ela continuou, irada, de olhos a tremeluzir, húmidos e carentes:

— Por que motivo fazes isso a ti próprio? Deves… deves deixar-me ir. É impossível voltar ao que eventualmente tivemos em Corulag. Estou como morta para ti.

— Tu ensinaste-me a sentir, outra vez. Ou talvez a sentir pela primeira vez, na minha vida. Mostraste-me o poder de um abraço e a força que é necessária para nos entregarmos a alguém. Fica. Vem comigo. Regressa para a minha casa. Escondo-te até que tudo isto termine. Acredito que não deve faltar muito. Há sacrifícios que foram feitos e agora será até à vitória final. De um ou de outro lado. Nos escombros do que restar, logo veremos onde será o nosso lugar. Fica comigo!

Ela voltou-lhe as costas. Guardou a arma no coldre que prendia no cinto. Pelo gesto que escamoteou, limpava as lágrimas do rosto. Se chorava, também ela sentia. Também estava ali, como ele, a pesar as perdas e os ganhos. Murmurou:

— Estamos em lados opostos de uma luta, Heskey.

— Eu sei. Mas deixa-me acreditar que no fim da luta nos possamos reunir outra vez.

O riso dela foi amargo.

— Se eu continuar a ser uma boa espia, senador. Se errar, espera-me a desintegração. Como para todos os androides defeituosos.

— Tu não és um androide! És um androide?

— Acabei de cometer um erro… um erro enorme.

A que se referia ela, era incerto. Heskey tinha o coração a bater loucamente. Kiiara aproximou-se dele. Segurou-lhe na mão, pousou-a no peito. Ele fechou os olhos, para sentir os batimentos cardíacos da mulher através da pele da sua mão. Faziam eco com os seus, numa sintonia perfeita. Eles tinham sido feitos um para o outro, mas havia uma galáxia de permeio.

Ela soprou-lhe:

— Sentes? Consegues sentir? Achas que sou um androide?

— Não…

— O meu coração bate.

Era vida, a mais bonita das formas de vida com que ele se cruzara. Era música, deleite, encanto e magia. Kiiara era realmente a feiticeira que o cativara irremediavelmente. E por muito que lhe doesse, por muito que perdesse, jamais a iria largar. Mas o compromisso não podia ser unilateral e ele tinha ainda um sentido de honra bastante irredutível.

— O meu coração também bate – acrescentou, para evitar o descalabro do que restava da sua dignidade.

— Por enquanto, o meu coração ainda bate – retorquiu ela, afastando-se. – Depois do que aconteceu aqui… já não sei. Devo continuar a minha perseguição e não deixar testemunhas. Não posso deixar testemunhas dos meus falhanços. Os inimigos poupados tornam-se espinhos enterrados na minha reputação. Já basta o que tive de ceder por causa de ti… agora, mais isto. Estou a perder qualidades! Estou a ficar descuidada! Como vai ser, senador Heskey de Corulag?

— Estou com a Aliança – declarou ele, teimosamente.

— E eu estou com o Império.

— O que te vai acontecer?

Ela encolheu os ombros.

— Estou só a perder tempo… não tens o que que eu quero.

— O que te vai acontecer?

— Ainda terei tempo de continuar a perseguir o meu alvo? Acho que sim. Acho que ainda posso emendar a burrada que acabei de fazer. Isto é por demais embaraçoso. Nunca tinha sido tão… tão leviana durante uma missão. Mas tenho tempo, se não me deixar afetar por detalhes insignificantes. – Era como se falasse consigo mesma, sem que mais ninguém estivesse ali. Recuperou a sua atitude insolente e despreocupada. Era a Kiiara por quem ele se tinha apaixonado.

— E o que vais fazer comigo?

Entreolharam-se. Heskey adorou-a nesse olhar que demorou uma eternidade e que depois, quando ela desapareceu no turboelevador, parecia que tinha durado apenas um suspiro.

O que ela fez foi deixá-lo ir. Isso significava alguma coisa. Provavelmente… Heskey estava tão confuso que ficou a fixar a porta do turboelevador à espera que ela regressasse, imaginado que estaria do outro lado, sem ter acionado o botão que a levaria a piso diferente. Ela já tinha ido embora, compreendeu. Engoliu em seco.

Nem sequer se tinham despedido. E já era a segunda vez que isso acontecia.

Regressou à rua.

A luz parecia ter-se sumido e estava mais frio. Passou uma dobra da capa pela cabeça, velou-se e foi, envolvido nesta, como um espectro amaldiçoado, até à pista de aterragem onde o seu vaivém o esperava.

O holodisco com os planos secretos da nova super-arma do Império estava a salvo – ou assim julgava ele. Esperava que Kiiara, no seu afã de corrigir o seu deslize, não tivesse intercetado o supervisor. No fim de contas, o sacrifício dos bothans teria de continuar a sobrepor-se a qualquer outro acontecimento, até mesmo aos seus sentimentos e à sua história de amor que tinha terminado terrivelmente mal. E por duas vezes.

O piloto sullustiano deu-lhe as boas-vindas, num tom neutro. Ele fez um esgar, mas a pobre criatura só estava a fazer o seu trabalho e não tinha nada que ser envolvido nas suas complicações. Aliás, mais valia que nada soubesse, pois o que mais poderia fazer, a não ser fingir-se de preocupado e começar uma qualquer ladainha condoída e empática em relação ao seu problema? Dispensava essa misericórdia de circunstância.

Sentou-se, apertou o cinto e indicou:

— Para Corulag.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Irreversível.



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