O Senador Rebelde escrita por André Tornado


Capítulo 28
Decisões




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/777500/chapter/28

Depois da festa, Heskey nunca mais viu Kiiara, mas sabia que ela permanecia em Curamelle. Pediu a Onca que a encontrasse e o ithoriano fê-lo, embora contrariado. Estava alojada numa pensão discreta junto ao mercado e levava uma vida recatada, sem dar nas vistas. Comportava-se como uma visitante ocasional de Corulag e distraía-se com o programa cultural da cidade, mantendo-se a maior parte dos dias fechada no seu quarto.

Pensou diversas vezes em convidá-la para vir cear com ele, à mansão, mas cedeu sempre aos pedidos do ithoriano que o avisava de que não seria prudente dar esse passo. Kiiara era uma notável espia imperial e ele devia manter-se afastado dela o máximo que conseguisse. Heskey alegou que era uma boa estratégia mantê-la por perto, poderia controlá-la melhor e evitar as atividades que de certeza desenvolvia entre as paredes da pensão. Jotassete também interveio e revelou que trabalhava com o ithoriano a intercetar as mensagens encriptadas que Kiiara enviava para Coruscant.

— Vocês estão a espiar… a agente de Vader?

— Tecnicamente, ela não trabalha para Vader, mas para os serviços de inteligência de Palpatine – explicou Onca. – Vader aprecia outro tipo de lacaios para realizar o trabalho no terreno, às suas ordens. Ou ele mesmo desempenha as tarefas mais sensíveis.

— Vader não gosta de ter mulheres ao seu serviço?

— Ele não tem uma preferência, mas confia mais num trabalho menos… emocional.

Heskey cruzou os braços, carregou uma sobrancelha. Estavam os dois no seu escritório, sentados nas respetivas cadeiras. Jotassete assistia-os nessas reuniões e permanecia silencioso ao lado da sua secretária, as suas luzes a piscar mansamente.

— O que estás a querer dizer-me, Onca?

— Kiiara é, antes de mais, uma sedutora, senhor. Ela trabalha também... com o…

— Não sou nenhum rapazinho para não saber resistir aos avanços de uma mulher.

— Pareces-me demasiado interessado nessa mulher. Só estou a fazer o aviso.

— Poderemos brincar os dois, um pouco. E nunca me saí mal dessas brincadeiras…

— Há sempre uma primeira vez, senhor.

— Ah! – Pousou uma mão sobre o androide. – O Jotassete vai impedir-me que me envolva demasiado. Ele é sempre tão analítico e isento, como uma boa base de dados deve ser.

— Estou aqui para te proteger, senador.

— Vês, Onca? Desde que me conheceu em Ferth que a sua diretiva se mantém, para que eu fique descansado. E para que tu também fiques descansado. O Jotassete protege-me. Sempre o fez maravilhosamente bem. Não considero que tenha falhado no caso do gotal, o Omonda antecipou-se e fomos todos ingénuos.

— Continuo a limpar os rastos dessa operação – resmungou o ithoriano.

— É para isso que te pago.

— Perfeitamente… senhor.

— Acho melhor que te animes. Acabei de aceitar a tua sugestão e não convidar a moça até à minha casa para um jantar especial. Acredito que ela está a aguardar que eu faça o convite. Daí que se feche nessa pensão hedionda, a fazer trabalho de espionagem desnecessário. O que há para espiar em Corulag? O Omonda tem as grandes famílias do sistema bem controladas sob o seu aperto e reporta regularmente a Coruscant a sua lealdade irrepreensível. Palpatine ainda o vai condecorar com uma qualquer medalha que recompensa os delatores fiéis. Uma espécie de bichinhos de estimação preferidos.

— Omonda continua a chantagear-te.

— Isso foi uma pergunta? Ou foi uma afirmação, Onca?

— Uma afirmação.

— Faz-me a pergunta. Por favor.

— Tu irás negá-lo, senhor.

Heskey olhou para o androide.

— A minha programação impede-me de mentir, senador.

— Foste contar-lhe?

— A minha programação impede-me de mentir – tornou o autómato, a luz verde acesa enquanto fazia soar o processador de voz. – O ithoriano questionou-me e eu devolvi-lhe todas os dados que armazenei no meu banco de dados. Basta carregar nos botões certos, fazer as relações e eu forneço as informações. Não tenho a capacidade seletiva de certos androides protocolares.

Heskey gelou ainda mais o seu olhar.

— Tu… armazenas dados sobre mim? Sobre a pessoa que te alberga, que cuida dos teus circuitos e que te dá regularmente os melhores banhos de óleo da galáxia? Duvido que em Ferth tivesses banhos de óleo dessa qualidade, Jotassete! Posso considerar as tuas ações como traição.

— Senador, como afirmei não possuo a faculdade da decisão. Não posso, simplesmente, escolher os dados que me são pedidos. Forneço-os consoante me são solicitados. O ithoriano inseriu as diretivas e eu respondi.

— Jotassete… tens dados sobre mim?

— Nunca me perguntaste, senador. Mas se me tivesses perguntado, eu ter-te-ia devolvido os mesmos resultados ao inserires o teu nome no meu monitor de busca. Provavelmente, não seria a mesma informação, pois tudo depende das coordenadas que recebo no meu processador central, as possibilidades de combinações com os dados são infinitas e obtemos resultados nessa ordem de grandeza. Mas obviamente que também não te recusaria entregar-te o que sei sobre ti. Bastava teres feito a pergunta. Estou primeiro ao teu serviço, senador.

Voltou-se, então, para Onca, com os mesmos olhos azuis implacáveis.

— O Jotassete tem mesmo tudo sobre mim?

— A unidade J7-21 já provou variadas vezes que a sua base de dados é fiável, exaustiva e completa.

— O que descobriste sobre mim? Vá, confessa-te… nesta altura não irei dispensar-te. Tornaste-te imprescindível, para grande pena minha. Não ficarei chocado. Acho que me lembro de quase tudo o que me aconteceu, mesmo naqueles dias de delírio juvenil.

— Não fui tão fundo na minha prospeção.

— Ah… Acho que ficaria embaraçado se me mostrasses, neste momento, as canções idiotas que compus quando tinha vinte anos. Estava muito zangado, naquela época. Uma irritação genérica, não era nada direcionado a um alvo concreto. Bem, talvez a figura paterna e os seus exageros de decoro… A formalidade sempre me irritou.

— Só andei a vasculhar as tuas atividades desde que chegaste a Corulag. O que aconteceu no Senado está arrumado. Também fiz parte desses dias. E o que aconteceu quando tinhas vinte anos… poderá ser objeto de estudo posterior, quando te decidires a finalmente dar início à compilação das tuas memórias.

— Vasculhar…

— Quando os dados são imensos, sinto-me a vasculhar, precisamente, senhor.

— Hum… – Considerou, fazendo uma careta. – Sim, acho que o Jotassete poderá ajudar-me com as minhas memórias. Achei a ideia interessante. Poderei não me recordar de datas e de nomes com a precisão de uma base de dados profissional.

— Datas e nomes é a minha especialidade, senador.

— E o que foi que te surpreendeu na atitude de Omonda? A chantagem ou a persistência, Onca?

— As duas coisas, senhor. Não devias ter deixado que a situação se arrastasse tanto.

— Mon Mothma continua a enviar-me mensagens e o maldito juiz continua a saber que essas mensagens existem. Deve ter contactos privilegiados junto do centro de comunicações de Curamelle, que lhe passa as informações sobre quem anda a vigiar. E eu serei um dos seus objetos de escrutínio. Como posso pedir a Mon Mothma que use outros canais que não os oficiais, que são também usados pelo Império?

— Trocar comunicações na galáxia é bastante complicado, senhor – explicou Onca. – As redes mais fiáveis são todas controladas pelo Império, a partir de Coruscant. Tenho conhecimento que existem pequenas redes operadas por contrabandistas, que são constantemente desmanteladas pelos governadores locais e que, por isso, são demasiado voláteis e não tão fiáveis. Para além de terem um custo astronómico e não vale a pena pagar o preço para se obter um benefício tão escasso. Passarias para a chantagem de mercenários sem escrúpulos.

— Entre a chantagem feita por mercenários e a de Omonda… acho que cometo a heresia de preferir a de Omonda. Pelo menos, o homem está próximo e antes de se ter tornado num autêntico imbecil desmiolado e corrupto, era alguém com um certo nível.

— A chantagem será sempre chantagem, senhor – apontou o ithoriano com um leve cinismo –, mesmo que tenha origem numa pessoa de estatuto nobre.

— Mas existe um certo requinte na chantagem de um príncipe. Quase que nos sentimos agradecidos.

Onca emitiu alguns estalidos.

— Estiveste a beber vinho de alguma casta especial antes desta reunião, senhor.

— Claro que não! – Heskey esfregou as mãos uma na outra. – Bem, Onca. Já estabelecemos que a chantagem de que sou vítima por parte de Omonda existe porque a Mon Mothma não se cansa de me enviar saudações.

— Apenas saudações.

— Tu viste as informações que o Jotassete te forneceu! – indicou ele de paciência esgotada. – São apenas saudações. De uma ex-senadora para um ex-senador. Não existe qualquer código que permita decifrar essas mensagens e que revele o que quer que seja relacionado com a Aliança. E aposto que Omonda tem estado a examinar essas mensagens com a ajuda dos melhores criptógrafos. É para isso que lhe estou a pagar, nota bem a ironia, meu caro Onca. Eu entrego-lhe mensalmente a renda que ele me exige, para não me processar judicialmente por um assunto inócuo, quando na realidade quer condenar-me como traidor ao Império, assim como queria fazer com Lishma, e com esse dinheiro ele paga aos criptógrafos para lhe decifrarem as mensagens que troco com Mon Mothma. Hum? Estou a contar a verdade dos factos, não estou? Confere com o que andaste a espiolhar?

— Não andei a espiolhar, senhor… Sim, confere.

Heskey recostou-se na cadeira, fez um ar pedante.

— Podias, simplesmente, ter-me perguntado. Eu contava-te sobre Omonda.

O ithoriano hesitou.

— Julgo que nunca me contarias, senhor… queres tratar pessoalmente do juiz.

— Ainda não desisti da minha vingança.

— E crês que colaborando com a sua chantagem, conseguirás cumprir esse objetivo.

— Se ele me vigia, desse modo também o tenho vigiado. Sei o que ele anda a tramar e, por enquanto, não passa dessa chantagem reles e absurda. Uma vingança é um plano que é desenhado pacientemente, com todos os cuidados, percorrendo cada ponto sem deixar margens para improvisos.

— Não vale a pena, senhor – suspirou Onca. – Se agires contra Omonda, não estarás a afirmar a culpa que ele tanto te quer apontar?

— Que seja! Por enquanto, continuo inocente.

Mas a sua inocência iria ser beliscada e Heskey, que havia muito deveria ter tomado uma decisão sobre a sua posição em relação à guerra civil, percebeu que a escolha que Mon Mothma o vinha obrigando a fazer – as mensagens inofensivas destinavam-se a recordá-lo de que ele continuava a gozar de uma elevada reputação junto da Aliança e que poderia juntar-se à organização em qualquer momento, bastava responder com a palavra-chave correta – era inevitável.

Os acontecimentos precipitaram-se e, naquele dia que recebeu a notícia no seu holopad, o seu espírito ensombrou-se. Tinham-se passado alguns meses-padrão. Aliás, o tempo tinha transcorrido de uma forma tão fluida que ele se admirou por não se ter apercebido de que estava há demasiado tempo no mesmo lugar. Curamelle convertera-se numa cândida prisão.

Chamou Onca e pediu-lhe que verificasse o reporte que aparecia em duas curtas linhas no jornal quotidiano galáctico. O Império tinha conseguido, com um incrível sucesso, descobrir e destruir o quartel-general da Aliança para a Restauração da República. A guerra civil estava terminada com a vitória do Imperador.

Nessa noite, conheceu os detalhes daquela declaração sucinta.

Aconteceu uma terrível batalha em Hoth, depois de uma sonda imperial revelar o esconderijo dos rebeldes. O ataque foi liderado pela Esquadra da Morte, pelo próprio Darth Vader que cercou o pequeno planeta gelado com a Executor e os star destroyers que acompanhavam essa impressionante nave. A Aliança fora desmantelada, os seus membros espalhados pela galáxia, um rude golpe aplicado nessa organização que estava moribunda. Os aliados, amedrontados, recuavam e foram cortadas linhas de financiamento e de suprimentos.

A situação era desesperada.

O Império tinha contra-atacado.

Pensou em Leia Organa, o que seria feito da princesa. Pensou em Han Solo, no wookie Chewbacca, em Luke Skywalker e até naquele par de androides que ele tinha conhecido, que era tão incomum que lhe ficara na memória e com quem ele também estava preocupado, See-Threepio e Artoo-Detoo.

Tinha havido sobreviventes da batalha de Hoth. Naves de transporte médio GR-75 foram evacuadas do planeta com diverso pessoal e todos os X-Wing aí estacionados também conseguiram sair. Ele esperava e acreditava que nessas naves de transporte estariam aqueles que lhe ocupavam o pensamento. Até a Millenium Falcon deveria ter voado para longe de Hoth, aquele imenso balde de parafusos que reservava muitas surpresas por detrás de todos os seus remendos, pois um cargueiro corelliano pilotado por um dos melhores ex-contrabandistas da galáxia nunca seria de menosprezar.

Ficou comprazido com essa sua crença, de que todos se tinham salvado.

— Onca…

— Sim, senhor?

E queria reencontrá-los, numa galáxia livre.

— Quero enviar uma mensagem a Mon Mothma. Encriptada, desta vez. Usa um canal de comunicações operado por uma rede não oficial, por favor.

— Senhor?

Heskey sorria.

— Informa a mui respeitosa senadora de Chandrila, Mon Mothma, de que Heskey, senador de Corulag, junta-se à rebelião nesta hora negra em que a galáxia precisa dos seus melhores. Afiança-lhe que conta com o meu apoio incondicional e com a minha dedicação exclusiva.

— Senhor?! Não será prudente.

— Concordo! – E voltou-se para o nervoso ithoriano que estremecia e estalava. – É totalmente imprudente jurar lealdade à Aliança quando Vader venceu. É incoerente, perigoso e insensato. Por isso mesmo, meu caro Onca… por isso mesmo, agora sou um rebelde!


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Próximo capítulo:
Inesperadamente.



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "O Senador Rebelde" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.