O Diabo do Sertão escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 33
Uma nova política


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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Como um templo celeste, a prefeitura era o prédio mais luxuoso de Água Funda. Seguindo o estilo arquitetônico neocolonial, a estrutura era marcada pela simetria, uso de cores claras – aqui, o branco e o azul claro se revezavam – e, principalmente, pela sua grandiosidade. Tendo cerca de três andares, ela se destacava na cidade com facilidade, mesmo ficando razoavelmente distante da praça central e da igreja. O seu tamanho era desproporcional em relação aos outros trabalhos arquitetônicos do local, sendo injustificada a existência de um prédio daquela altura em Água Funda. O absurdo era tão visível que a maioria dos cômodos da obra ficavam vazios a maior parte do tempo, pois havia espaço de sobra para as poucas pessoas que trabalhavam no local. Com algumas décadas de existência, a estrutura foi feita a mando do avô paterno de Marcondes Maia, que também já fora prefeito de Água Funda. Além da grande quantidade de dinheiro desviado, a construção do prédio auxiliou na compra de apoio e na consolidação do poder político e econômico da família Maia.

Breno Farias e Padre Miguel sabiam de tudo isso. Vez ou outra, eles mesmos conversavam sobre o quão ridículo era ter uma obra com aquela suntuosidade enquanto a população sofria com a fome e a sede. Até brincavam sobre possíveis destinos que dariam ao prédio após a eleição: demolição, doação ou recusa de seu uso eram algumas das ideias que surgiam nessas brincadeiras. Entretanto, lá estavam eles: de frente para a prefeitura, eles encaravam fixamente a nova morada do trabalho que teriam pela frente. A porta-dupla da entrada deveria ter uns dois metros e cinquenta centímetros de altura, sendo ainda larga o suficiente para passar uma carruagem. Eles conseguiam enxergar bem: aquilo era um portal para a nova vida da cidade, o novo destino que a população teria graças ao trabalho que dupla desempenharia.

Agora, não pensavam mais em demolições, doações ou puro abandono. O prédio havia se transformado da água pro vinho, da Terra pro Éden. Miguel, ainda que fosse vez ou outra importunado por uma ideia de humildade ou comedimento, espantava tais tipos de pensamentos. Mais do que nunca, ele acreditava na importância dos símbolos. Por Deus, a fé que ele seguia era fortalecida pelo mesmo tipo de coisa: crucifixos, templos, santos, entre outros. Por que com a política seria diferente? Ele acreditava piamente: precisava de símbolos e, em nome de Jesus Cristo, aquele prédio era um símbolo maravilhoso! Que tipo de transformações ele não poderia auxiliar? Olhando para Breno, que seguia embasbacado com a beleza e o novo significado do edifício, o religioso disse:

— Que presentão que a família Maia deixou para a gente, hein?

— Eu já havia olhado este prédio de todas as posições possíveis — Breno parecia tomado por um encantamento divino. — Já entrei em todos os cômodos, falei com prefeitos e estudei como funcionava o local. Ainda assim, ele nunca me pareceu tão bonito como hoje.

— Seu novo escritório. Quer fazer as honras? — Miguel estendeu o braço, indicando que o novo prefeito deveria ser o primeiro a adentrar o edifício estando em posse do novíssimo título.

Sorrindo, Breno caminhou lentamente até a porta e, com um leve empurrão, abriu-a. Do lado de dentro, um grande salão de entrada aguardava os políticos. O piso de cerâmica refletia a rica iluminação do local, que era marcada por belíssimos lustres e incontáveis lâmpadas. Havia ainda largas janelas espalhadas pelas paredes, estendendo-se além dos pavimentos e chegando até uma altura próxima do teto. No térreo, algumas dezenas de pessoas olhavam com atenção para o prefeito. Quanto ao vice? Ninguém ligava pro vice. De toda forma, ali estavam recepcionistas, faxineiros, cozinheiros, secretários e outros funcionários da prefeitura. Eles conheciam bem o prédio: já haviam entrado em todas as suas salas, saletas e segredos. Ainda assim, sentiam-se com uma corda no pescoço: toda vez que mudava de prefeito, corriam o risco de perder o emprego. Nada mais normal do que acreditar que eles haviam votado em Marcondes Maia.

— Nosso grande prefeito Breno Farias! — Uma senhora larga e de baixa estatura se aproximou suavemente do político. — É tão bom poder vê-lo ocupando este prédio!

A suavidade rapidamente foi jogada fora: a mulher avançou e deu um abraço apertado em Breno. O coitado do homem foi intoxicado pelos incontáveis litros de perfume que a mulher havia passado, mas se segurou habilmente para não reagir de maneira impulsiva. Prendendo a respiração, o prefeito ficou naquele abraço por alguns segundos e, após se livrar dos braços da senhora, utilizou-se de seu sorriso mais falso para agradar aos trabalhadores. Quanto a Padre Miguel? Ele seguia sendo ignorado. Aquilo não era uma igreja. O templo pertencia a Breno Farias e a ninguém mais.

— Eu me chamo Luciana — ela se apresentou com empolgação crescente. — Sabe, eu sempre achei que o senhor fosse vencer essa eleição! Fiz tanta campanha que o senhor não ia acreditar.

“Mentirosa”, o prefeito pensou. No entanto, manteve o sorriso. Inclusive, vale dizer que ele não era o único a sorrir: quando olhou ao redor, percebeu que absolutamente todos os funcionários sorriam com uma clara falsidade. Não interessava quem havia votado ou não no atual prefeito: todos só queriam manter seus empregos. Breno resolveu entrar no jogo. Perguntou:

— Quem pode me apresentar o resto prédio?

Uma chuva de “eus” pôde ser ouvida. Os olhos de Farias nem mesmo conseguiam acompanhar: uma tal de Valéria apontava para um lado, enquanto Alexandre indicava o outro. Então, Gabriela apresentou-lhe uma terceira sala, Luísa uma quarta e Olavo uma sexta. Onde estaria a quinta? Breno não saberia dizer. Foi levado pela avalanche de interesseiros e, no fim, poderia dizer apenas duas coisas: primeiro, não aprendeu nada de novo sobre o prédio. Segundo, não conseguiu decorar nenhum dos tantos nomes que ouviu. Mas que importava? Aqueles miseráveis estavam sempre dispostos a se apresentar novamente, mesmo que pela décima nona vez.

— Ufa — foi o que o prefeito disse quando a tour finalmente acabou. Ele e o padre haviam adentrado a “Sala do Prefeito”, o cômodo mais sagrado do prédio e, exatamente por isso, o que era menos perturbado pela ralé. — Eu sabia que eu seria requisitado, mas isso é muito mais do que imaginei.

— O poder atrai esse tipo de coisa, Breno — Miguel não havia sentido nenhuma parcela dessa “requisição”. — Temos que manter o foco. O trabalho tem que começar já. Falta muito pro governador chegar?

— O governador — Breno repetiu enquanto refletia. Sentou-se na cadeira e colocou os pés sobre a mesa central. — Acho que em uma hora ele deve chegar, não muito longe disso.

— Ótimo.

De pé, o religioso andava de um lado para o outro enquanto pensava nos próximos passos. Mudando a postura, o prefeito percebeu que havia um bilhete sobre a mesa, exatamente sob seus pés. Conferindo o que havia escrito, falou com certo pesar:

— Ah, não. Parece que tem ainda mais coisa pra a gente fazer — as palavras do político chamaram a atenção do padre. — Eu não me lembro de ter marcado isto: “conversa com população”. O que é isso, padre?

— Ah, claro — Miguel parecia tranquilo. — Marcondes era um homem um tanto quanto distante do povo. Não quero repetir esse erro. Prefiro que falemos com a população e por isso eu defini que teríamos um horário reservado diariamente para ouvir o que o povo tem a dizer, sem distinção de classe, emprego ou qualquer coisa do tipo. Tem problema?

— Fazendo coisas sem conversar comigo antes, padre? — Breno não escondia a insatisfação. — “Falar com o povo”. Olha, essa ideia não é ruim, mas você poderia ter conversado antes, ? Que seja. Fale com Camila, Luísa, Maria, sei lá, aquela secretária. Diga pra ela transferir esse “povo” pra sua sala. Você conversa com eles e eu resolvo outras questões, como essa do governador.

— O “povo” ia gostar de falar com o prefeito que elegeu — Padre Miguel insistiu, mas deparou-se com uma expressão impávida do prefeito e, por isso, recuou. — Farei o meu melhor.

O político viu o vice-prefeito se retirar de forma quase humilhante. Miguel nem mesmo parou para olhar nos olhos de Breno. O religioso sabia bem demais: Farias estava aguardando a chegada do governador e, com toda certeza, aquela reunião influenciaria toda a postura do novíssimo prefeito de Água Funda. Era uma verdadeira pena que o religioso não fosse exatamente bem vindo para aquela conversa, mas ele resolveu não discutir: tinha seus próprios deveres e iria cumpri-los com honradez.

Quanto a Breno? Ficou ali confortavelmente sentado e imóvel, enquanto aguardava a chegada de Sérgio Bezerra, governador do estado. Por fim, teve que esperar menos que os sessenta minutos previstos; na verdade, o homem apareceu em menos de meia hora. Foi precedido por um bater de portas, quando Breno se ajeitou na cadeira e ouviu uma de suas secretárias afirmar que o governador havia chegado.

— Mande-o entrar, Rita — o político errou o nome da mulher, mas não foi corrigido.

Em instantes, o homem de configuração corpórea estranha – uma barriga redonda com um rosto ossudo, uma combinação ainda mais esquisita ao vivo que nas fotos de jornais – adentrou a sala do prefeito. Breno já estava de pé e, como manda o figurino, rapidamente caminhou em direção de seu superior. Com os braços abertos, deu um abraço tipicamente político em Sérgio, contando até com tapinhas nas costas.

— Grande Sérgio Bezerra! — Breno começou com palavras tenras e elogiosas. — É uma honra poder encontrá-lo nesta sala. O senhor não tem ideia de como eu ansiava por este encontro!

Em uma posição mais elevada de poder, Sérgio não parecia deslumbrado por aquelas palavras. Ele era um bicho velho na selva política, já estava mais que habituado a toda falsidade que se podia imaginar. Respondendo ao prefeito com um simples sorriso, logo caminhou até uma das cadeiras e se sentou. Vendo que não estavam na mesma sintonia, Farias apressou-se para sentar-se também. Ainda assim, manteve o controle: sorria de forma quase estúpida e tinha a respiração bem ritmada. Ele sabia que não podia vacilar num momento como aquele.

— Eu achava Marcondes Maia um homem um tanto quanto caloroso. Você sabia que nossas reuniões eram feitas na própria residência dele? — Sérgio Bezerra olhava para todos os lados, como se buscasse falhas na sala em que estava. — Por fim, o homem se mostrou um crápula, um bandido, um assassino e um traidor. Fico pensando se ele não teria envenenado uma bebida minha em um dos nossos encontros. Enfim, desde então, digamos que eu parei de confiar em aparências. Assim como o presidente, quero fazer política de verdade. O que você me diz?

“O que você me diz?”, o prefeito repetiu a pergunta mentalmente. O que deveria responder? O governador havia soltado tantas ideias implícitas, que se tornava um desafio escolher as palavras certas naquele momento. Breno até mesmo tentou se lembrar das frases anteriores do superior, mas tudo parecia muito nebuloso em sua mente. Era uma sensação estranha: diante do povo, o prefeito era quase um deus. No entanto, Sérgio fazia com que ele se lembrasse como era ser um mero mortal.

— Política de verdade? — o prefeito repetiu de forma estúpida. — É claro! Eu sempre fui um partidário da “política de verdade”, e sempre o vi como um exemplo disso. Fico feliz que tenha aberto os olhos para a verdadeira face do ex-prefeito. Que Deus o tenha.

— É, eu soube que ele morreu — o governador não transparecia muita confiança em relação a Breno. — Mas acho que esse é um bom ponto. Sabe, eu gosto de ir direto aos assuntos que importam, entende? Então, sabe o Marcondes? Digamos que ele tinha uma missão. Como você bem deve saber, o presidente está cansado desses grupelhos criminosos que se espalham por aí, os tais dos cangaceiros. Obviamente, ele cobra dos governadores algumas ações. Mas veja bem: eu não posso fazer nada sozinho. Eu preciso de ajuda, preciso do auxílio dos prefeitos. Marcondes Maia até parecia que ia me ajudar: enviei-lhe parte da guarda estadual para caçar esses bandidos. Pouco depois, a coisa só piorou: eu li as notícias. Água Funda pegou fogo e, dia após dia, o crime só aumentou.

— Terríveis dias — aos poucos, Breno sentia um pouco mais de coragem para falar como um verdadeiro político. — Pouco antes disso, eu fui até mesmo baleado por um desses cangaceiros.

— Eu sei bem disso. Por sorte, parece que a criminalidade esfriou, por mais quente que esteja no estado. Só tem um probleminha.

— Qual?

Sérgio Bezerra fez uma pausa. Parecia reflexivo e, olhando para o nada, mascava alguma comida que o prefeito não conseguia identificar. Após longos segundos, os olhos do governador se encontraram mais uma vez com os de Breno. Finalmente respondeu:

— A paz não basta. O presidente quer culpados, quer cabeças. Eu digo por mim mesmo: tem um Diabo aí solto, além de toda sua antiga trupe. Eu consigo ver a gente expondo as cabeças desses bárbaros na frente da igreja. O presidente vai amar e, finalmente, vai liberar as verbas que nosso miserável estado tanto precisa.

— Verbas, verbas... — a palavra reverberou através dos lábios de Farias.

— Sim, verbas — o governador repetiu com mais força na voz. — Você também precisa disso, ? Nos tempos de Marcondes, eu já sabia de alguns problemas de caixa vazio. A questão é bem simples, Breno: acabe com os cangaceiros e, quem sabe, você terá uma vida mais fácil para cuidar de Água Funda. O que me diz?

— Por que eu me recusaria a caçar criminosos? — O prefeito soltou uma gargalhada. — Obviamente eu vou precisar de auxílio nessa caçada, mas é claro que eu pretendo ajudar o país, senhor governador. Bandido nenhum deveria ter o conforto de circular livremente pelas nossas terras. Farei o meu melhor.

— Ótimo! — Pela segunda vez na reunião, Sérgio sorriu. — Agora onde consigo um cafezinho?

Enquanto Breno se apressava para suprir os desejos do governador, Padre Miguel encostava o ouvido na parede da sala, mas nada ouvia. Pelo visto, teria que aceitar que pouco saberia das estratégias do prefeito. O religioso podia prever: seria uma mera peça decorativa. No entanto, ele sabia que ainda havia tarefas a fazer e, rapidamente, adiantou os trabalhos.

Foi assim que, ainda naquela tarde, Miguel entregou um envelope para o jovem Saulo. Aproveitou um pequeno intervalo entre as conversas com o povo e, rapidamente, viu o rapaz correr até a saída da cidade. O destino: a residência de Gustavo Água-Santa, agora ocupada por José de Lima e sua família. Saulo foi veloz e, após pegar um cavalo emprestado pelo religioso, não tardou para chegar no lar da novíssima família.

Do lado de dentro, Maria Beatriz dava de mamar para sua pequena Alice. Diabo, voltando a ter sua expressão tipicamente fechada, encarava as paredes sem vida da casa. Quanto a Zé? Ele balançava a perna de forma repetitiva, externando por completo sua ansiedade. Ele sabia bem demais: em breve, teria que tomar uma atitude quanto a Bárbara, a mãe de Beatriz. Era sabido que a mulher estava em perigo, ainda mais após as denúncias que vieram à tona contra o cafetão. Era provável que, de alguma forma, o Francês resolvesse se vingar daqueles que o prejudicaram. Por algum motivo, José tinha quase certeza de que a mãe de Bia poderia acabar sendo vitimada no processo.

Entretanto, ainda que tivesse medo, o homem também estava cheio de coragem. Era evidente que os dois sentimentos não eram excludentes. Na verdade, Zé tinha a impressão de que a coragem se mostrava ainda mais intensa em tempos de grande medo. Dessa forma, ele mantinha a fé e, com um salto, avançou até a porta assim que ouviu o chamado do jovem.

— Saulo! — José cumprimentou calorosamente o rapaz após abrir a porta. — Como tá? E cadê Maria das Dores? E Socorro? Tem notícias?

— Maria tá trabaiando num restaurante — o garoto falava com uma voz mais grossa que o usual. — Socorro ajudando nos parto da cidade, mas é difícil eu ver ela.

Ao ouvir a voz do rapaz, Bia até mesmo pensou em se levantar para vê-lo. Ela não podia mentir: sentia falta dos tempos da Lagoa da Esperança, quando todos viviam unidos e parecia haver algum ideal para defender. Ela ainda acreditava nesse ideal, mas ele parecia distante, utópico. Talvez fosse, afinal de contas. De todo jeito, acabou não se levantando. Alice parecia feliz demais enquanto sugava o leite materno, e a mãe não se sentiu à vontade para interromper aquele momento sublime. Quanto a Diabo, o ex-cangaceiro permaneceu na sala apenas ouvindo. José parecia saber exatamente o que estava fazendo.

— O padre me mandou entregar isso — o garoto retirou o envelope de uma bolsa de couro e entregou nas mãos de Zé.

— Obrigado, Saulo — José falou com certo peso na voz. O pressentimento a respeito daquele envelope era evidente: tinha tudo a ver com o destino de Bárbara.

Com o dever cumprido, Saulo despediu-se do pai de família. Mais sério que o usual, Zé fechou a porta e caminhou até a sala, onde sentou-se ao lado de Diabo. O homem com o rosto cheio de cicatrizes olhou para o envelope. Havia curiosidade em seus olhos, mas ele nada disse. Quanto a José? Ele também encarava aquele pequeno pacote como se o seu próprio destino estivesse ali. Parado, olhou para o que tinha em mãos por longos minutos.

— Que se lasque! — Finalmente começou a abrir o envelope com certa brutalidade. — Chega de enrolação!

O fino pacote de papel guardava dois documentos: uma carte e algo que parecia um vale. Olhando para o vale, José viu que se tratava de uma espécie de bilhete ou passagem para a capital. Não entendeu exatamente como usaria aquilo, então passou a ler a carta. Ao seu lado, Diabo mantinha-se totalmente indiscreto: dividia olhares entre a carta e o rapaz, como se buscasse ligar palavras às diversas reações que surgiam. O rosto de Zé não escondia: suas expressões oscilavam entre o medo e a extrema preocupação. Não importava que palavras ali estavam escritas, o rapaz agora tinha a confirmação que estava diante da missão mais difícil da sua vida.

Estava tão absorto no papel que nem percebeu a aproximação de sua esposa. Com a pequena Alice nos braços, Bia já havia terminado de amamentá-la e a criança dormia como um anjo. A mãe rapidamente percebeu os sentimentos que dominavam a alma do marido e, lentamente, sentou-se ao seu lado no sofá.

— É o padre? — falou em voz baixa, pois não queria acordar a filhinha.

José demorou para responder. Só quando leu a última frase da carta que disse:

— Sim.

— E o que ele falou aí? — ela questionou.

— Disse que procurou pela sua mãe — Zé fez uma pausa, como se ainda tentasse processar as novíssimas descobertas. — Mas o homi sumiu. O Francês sumiu com ela. O padre mandou Saulo procurar, falar com o povo, mas num adiantou. Até que ele depois deu um jeito de descobriu: o safado foi pra capital. Ele levou sua mãe pra capital, Bia!

Por dentro, o mundo de Maria Beatriz desmoronava. Reencontrar a mãe era um desejo presente no âmago de seu ser. Ver esse desejo se afastar de forma tão brutal era algo extremamente destrutivo. Ainda assim, a moça manteve o controle. Não era uma menina, mas uma mulher. Tinha que encarar as dores do mundo e sabia que tinha força para isso.

— E então? — Bia foi fria, mas confiante. Ela queria acreditar que havia algum tipo de solução.

— E então que o padre me deu isso aqui — José de Lima mostrou o bilhete para a capital. — É uma carruagem que vai sair daqui ainda hoje. Ele disse pra eu apressar, que esse Francês podia fazer coisa ruim com Bárbara. E Bia...

Zé se segurava para não chorar. Vendo o estado do marido, Maria Beatriz colocou a mão em seu ombro. Diabo, silencioso, apenas observava.

— Eu prometi que eu ia dar um jeito nisso — José finalmente continuou. — E eu morrendo de medo, me tremendo todinho. Mas sou um homi de palavra. Eu vou buscar sua mãe, Bia. Eu vou dar um jeito!

A mulher sabia que podia confiar no homem. Por dentro, ela tremia de medo em decorrência de todos os riscos ali presentes, mas ela sabia que não havia outra opção. Rapidamente, Zé voltou-se para Diabo e disse:

— Diabo, é hoje que eu vou pro meio do mundo. Eu quero que cuide de Bia, mas cuide mesmo! — O ex-cangaceiro escutava com atenção e respeito. Ele via José de Lima como um igual, talvez até mesmo como alguém melhor. — Num deixe nada de ruim acontecer com minha muié ou a minha fia! certo?

tem minha palavra, José — o homem fez uma pausa. Parecia emocionado e levou um tempo para voltar a falar. — Num vai acontecer nada de ruim com essas duas. Antes eu sou crivado de balas, mas elas escapam de tudo. Eu prometo!

José confiou no ex-cangaceiro. O marido então olhou para a esposa e sorriu. Por fim, encarou sua pequena criança. Alice era tão linda e inocente. Era, também, muito sortuda por não ter a menor consciência do que estava acontecendo. Ainda olhando para ela, Zé rezou brevemente. Queria poder voltar para casa e aproveitar o resto da vida com as pessoas que tanto amava. Mas a consciência trazia uma enorme dor: ele sabia que não havia certeza alguma ali. Entretanto, tinha uma palavra a cumprir: iria salvar a vida Bárbara não importava o preço.


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela leitura! Espero que tenha gostado tanto quanto eu.

Até logo!



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