O Diabo do Sertão escrita por Júlio Oliveira


Capítulo 34
Um estranho no ninho


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura!



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O velho não parecia ser natural do estado, mas tinha uma bela carruagem. Quando José lhe mostrou o bilhete, o condutor pegou o papel e começou a examiná-lo cautelosamente. Retirou ainda um monóculo do bolso e passou-o por cada uma das linhas presentes na passagem. Qualquer desvio poderia indicar uma fraude e, pela minuciosidade de seu trabalho, José de Lima poderia apostar que o homem já fora enganado em alguma outra ocasião. Passou alguns minutos ali, simplesmente buscando indícios de um esquema criminoso, mas nada encontrou.

— Quem te entregou isso? — o velho perguntou com um sotaque esquisito. José não entendia muito de geografia, então arriscaria dizer que ele veio do Noroeste.

— Padre Miguel — Zé falou com certa insegurança. — Quer dizer, quem mim entregou mesmo foi Saulo, mas quem mandou foi o padre.

O velho estreitou os olhos e encarou o fundo da alma de José. O rapaz não fez nada: não tinha qualquer outra opção. Após esse exame de espírito, o mais experiente ajeitou o fino bigode branco e gesticulou para que o mais jovem subisse na carruagem. Zé, afetado pela insegurança, ficou imóvel.

— O que está esperando? — o velho parecia irritado. — Vamos, suba logo! Tenho horários para cumprir!

Saindo do torpor, José de Lima subiu na carruagem, sentou-se num confortável assento estofado e, fechando a estreita porta, relaxou. Sabia que finalmente estava tomando uma ação que o levaria – literalmente – a algum lugar. Carregava consigo pouca coisa: dentro de sua bolsa de couro, contava com algumas notas de dinheiro, uma foto de dona Bárbara – caso precisasse mostrá-la a alguém – e um revólver. O rapaz não queria usar a arma, mas ele não era besta. Água Funda não era a única cidade a passar por tempos sombrios. Na verdade, José tinha uma perspectiva diferente: acreditava que toda aquela onda de crime e maldade se estendia por todo o país, quiçá o mundo. Ele não saberia dar uma explicação acadêmica para isso, mas confiava plenamente em seus instintos.

A viagem seguiu com tranquilidade. O velho de bigode fino não puxou qualquer assunto que fosse, então Zé nem mesmo chegou a conhecer o seu nome. Ao invés disso, o pequeno herói focou-se em apreciar o cenário do lado de fora. A capital, como ele bem sabia, ficava no litoral. Assim sendo, foi com grande deleite que José acompanhou o processo lento e gradual de transformação do ambiente ao seu redor. De início, ele via aquilo que já estava um tanto quanto acostumado: o amarelo e laranja do solo seco que se revezavam com um discreto verde que raramente aparecia aqui e ali. Cactos e gramíneas eram os representantes mais comuns desse verde, sendo completamente ausente a presença de árvores, mesmo que de médio porte.

Zé não achava esse cenário feio. Muito pelo contrário, ele conseguia enxergar beleza em tudo aquilo. Era interessante ver animais que coexistiam naquela natureza hostil, ao mesmo tempo em que o calor brincava com suas ondulações ao longo do horizonte. No fim, José de Lima não via um calor infernal, muito menos uma ausência de vida. Ele simplesmente enxergava a sua casa, a sua terra, a sua história. Ainda assim, ele não podia deixar de se encantar com o que se seguiu. Aos poucos, após subir e descer elevações de terra, ele começou a perceber um verde cada vez mais presente. Agora, arbustos se erguiam pelo caminho e, principalmente, o homem se encantava com as árvores que pintavam a natureza com um verde mais vivo.

Novos animais, vegetações e cores marcaram a vista, mas não só isso. O cheiro era diferente e até mesmo a pele de José compreendia que estava em um mundo diverso. A salinidade do mar, não muito distante, podia ser sentida até mesmo no paladar, enquanto a umidade esperada dessa proximidade trazia certo conforto aos lábios rotineiramente rachados pela aridez do sertão. José, de certa forma, sentia-se bem-vindo naquele novo ambiente.

No entanto, a natureza foi sendo rompida aos poucos. O rapaz do interior viu algo se desenhar no horizonte. Não eram árvores, rios ou mares. Na verdade, o que o rapaz via era o mais puro exemplo de intervenção humana. Lentamente, o horizonte ia sendo preenchido por silhuetas de prédios, igrejas e casas. José então percebeu que não se tratava mais do horizonte: ele já estava dentro da capital. Como que transportado para outro planeta, ele olhava para os lados e não se achava. Perdido na vastidão urbana, impressionava-se com o tamanho dos prédios ali presentes. A prefeitura de Água-Funda não era nada perto da suntuosidade existente na capital e, por um breve momento, o rapaz sentiu que não seria capaz de voltar para casa pelas próprias pernas.

— Jesus, Maria, José — ele deixou escapar em voz alta.

— Nunca veio aqui? — O velho soltou uma risada zombeteira. — Vamos, já estamos no centro. Dê o fora daqui!

Sem ter capacidade de responder, Zé de Lima saiu da carruagem enquanto segurava sua bolsa de couro com força. Tinha medo de que as forças da capital roubassem os seus simplórios bens de alguma forma. Com os pés no asfalto, sentiu um calor diferente. Quando olhou para o lado, finalmente entendeu: um diabo metálico – que as pessoas chamavam de “carro” – se aproximava de forma perigosa. Ele era lindo, brilhante, encantador e assustador ao mesmo tempo. Assustado com o ronco do motor, José agarrou sua bolsa com a ainda mais força e andou de costas, de maneira a se afastar do veículo. Infelizmente, acabou tropeçando em alguém e caiu sem jeito.

— Olhe por onde anda! — Uma voz grave falou com agressividade.

Levantando-se de forma atrapalhada, José olhou para trás e viu que havia trombado com um homem muito arrumado: ele usava um chapéu marrom e trajava um paletó chique. “Meu Deus, um político!”, o rapaz do interior pensou muito assustado.

Mim desculpe, meu senhor, pelo amor de Deus! — Zé balançava a mão do homem freneticamente.

Aos poucos, a face do homem transfigurou-se: da pura irritação, foi a uma aceitação somada a uma parcela de pena. No entanto, tudo isso foi muito breve: olhos de surpresa dominaram o seu rosto e, rapidamente, ele apontou para atrás de José.

— Sua bolsa! — alertou.

Zé se virou e presenciou um rapazinho carregando sua bolsa o mais rápido que podia. Desesperado, o ingênuo homem do interior partiu em disparada, pois sabia que não podia perder os poucos pertences que tinha.

— Esse minino roubou minha bolsa! — José gritou, mas as ocupadas pessoas da capital ignoraram.

Com os olhos focados no ladrãozinho, a vista da vítima se estreitou. Não via mais os prédios enormes, as ruas largas ou mesmo o amontoado de carros e pessoas. Tudo que enxergava era uma criança correndo o máximo que podia enquanto carregava a pequena bolsa de couro. Sem se importar com mais nada, José até tentou acelerar a corrida, mas não adiantava: o garoto era muito mais veloz e, claramente, conhecia a cidade e seus segredos. Entrou em uma ruazinha, depois em um beco, passou por uma passagem apertada e depois sumiu em uma viela. Quanto a Zé? Ele tinha perdido o jovenzinho de vista ainda no beco. Cercado de lixo e miséria, ele finalmente percebeu que não estava mais no centro da cidade.

Sentindo um tremor tomar conta do corpo, José se amaldiçoou. Como podia ter sido tão idiota? Era óbvio que aquilo aconteceria. Agora, a única chance de pegar o Francês estava perdida. Como poderia intimidar o homem sem nenhuma arma? Zé tinha certeza: o cafetão e traficante estaria o aguardando com uma espingarda, no mínimo. “Eu estou lascado mesmo”, o herói atrapalhado pensou. O que lhe restava? Rezar e gritar:

— Eu fui roubado!

Ele tinha fé de que, por algum motivo que não saberia explicar, as pessoas daquele bairro fossem mais empáticas. Saiu do beco e, a sua frente, espantou-se ao ver o que parecia ser uma feira livre, mas de produtos alternativos. Encontrou bebidas caseiras, cigarros diferenciados e outras coisinhas que ele não ousaria experimentar. No meio daquilo, ele era um estranho. Enquanto os passantes realmente tinham a cara da capital – seja em vestimentas, olhares ou postura –, José de Lima se portava da maneira mais contrastante possível. Para piorar, os seus gritos de “fui roubado” não eram encarados com bons olhos ou ouvidos.

— O que é que o matuto quer? — uma mulher mal encarada perguntou.

— Um minino roubou minha bolsa. Ele era dessa altura — José gesticulou enquanto rezava para ser levado a sério. — Minha senhora, me ajude, por favor. Eu vim do interior e essa bolsa é tudo que eu tenho!

A mulher deixou a seriedade de lado e deu uma gargalhada estridente. As pessoas ao redor ouviram, olharam e acompanharam o riso. Zé, sem entender o que se passava, optou por ficar calado. Já havia passado por humilhações demais e não queria piorar as coisas.

— Você veio do interior, é? — ela questionou. — Veio de onde?

— Água Funda — o homem respondeu sem pestanejar. — Onde num tem água nenhuma, minha senhora.

— Ah, já fui lá — ela voltou a rir, mas de forma mais contida. — bom, vou te dar uma colher de chá. Esta é a bolsa?

Com o braço levantado, a mulher segurava a bolsa de couro pertencente a José de Lima. Com espanto, o homem apenas balançou a cabeça de forma afirmativa.

— Tome — ela entregou-lhe o objeto. — Meu filho apronta de vez em quando. Normalmente eu não devolvo o que ele pega, mas você parece ser um pobre coitado perdido.

— Obrigado — Zé falou de cabeça baixa, enquanto sentia a dor da humilhação ainda pulsar. Pensou em ir embora, mas lembrou de seu objetivo principal: precisava achar Bárbara. Encontrar o Francês era o melhor caminho para cumprir tal objetivo. Com isso em mente, resolveu fazer uma pergunta. — Senhora, será que podia me passar uma informação?

— Toda informação tem um preço, senhor — ela zombou. — Mas o que você quer saber?

José parou por um instante. Questionou-se: “e se ela for uma aliada do Francês?”. O rapaz tremeu só de pensar no que aconteceria com ele caso isso fosse verdade. Entretanto, que opção ele tinha? Estava perdido na capital e não tinha a menor ideia do paradeiro verdadeiro de sua sogra. Tinha que assumir riscos e estava mais do que disposto a fazer isso.

— Tinha um cafetão em Água Funda, um francês — Zé continuaria com a explicação, mas fora interrompido pela mulher.

— Já entendi — ela falou com assertividade. — Você quer achar o homi.

— Isso.

— Só me pagar que eu conto o que sei.

Sem pestanejar, José de Lima pegou todo o dinheiro que carregava na bolsa. Não era muito e, exatamente por isso, rezava para que a mulher ficasse satisfeita.

— Só isso? — Foi o que ela disse ao ver as notas. O homem sentiu um frio atravessar a espinha, mas rapidamente o alívio veio. — É, vai servir.

José então ouviu com atenção as informações fornecidas pela negociante. Ele descobriu que o Francês tinha passado naquele mesmo lugar mais cedo. Além disso, ele vinha acompanhado de uma mulher. O interesse? Buscava algumas ervas e bebidas diferenciadas. A mulher ainda explicou que o cafetão se encaminhava para o porto, onde provavelmente aguardaria um navio para viajar de volta a Europa.

— Não seria a primeira vez — ela completou. — O homi já faz esse trajeto tem uns anos.

“Europa”, o nome reverberou na cabeça de José por longos segundos. Ele encheu-se de medo. Caso sua sogra fosse levada para a Europa, o rapaz tinha certeza de que nunca mais a veria. Como falaria disso para Bia? Não, ele não podia fracassar. Com um severo ímpeto tomando conta de sua alma, Zé olhou com estranha confiança para a mulher.

— Agora me diga — ele praticamente exigiu — qual o caminho mais curto pro porto?

Inicialmente, a mulher zombou. Não gostava de ser tratada daquela forma. No entanto, ela foi tomada em seguida por uma espécie de admiração. Apesar das trapalhadas e da falta de jeito, José era claramente um homem com uma meta bem estabelecida e, além disso, estava disposto a qualquer coisa para cumpri-la. Com isso em mente, ela disse:

— Eu normalmente cobraria mais alguma graninha, mas acho que você merece essa ajudinha.

Compreendendo as informações que recebeu, Zé saiu correndo daquele bairro esquisito. Cuidando muito bem para que não perdesse a bolsa, o homem só tinha um local em mente: o porto. Sabendo o caminho mais curto para chegar ao lugar, agora ele planejava suas próximas ações. O que faria? Ficaria escondido aguardando que o Francês desse as caras? Deveria ir de peito aberto para cima do homem? Ou será que teria a oportunidade de resgatar a sogra de forma indetectável? Não saberia responder nenhuma dessas perguntas. Na verdade, ele nem mesmo sabia dizer como era o porto. Nunca vira um e, no seu conhecimento deficitário, imaginava que era só achar um simples barco para encontrar o bandido.

Ledo engano. Conforme a umidade e a salinidade se elevavam, o matuto foi recebido pelo infindável horizonte azul. A sua frente, fundindo-se com o céu, o mar parecia tomar conta de todo o universo. O azul marinho da água se misturava com o sal, confundindo-se ainda com as nuvens e, mais ainda, com o reflexo do sol poente. Para piorar, não havia apenas um navio, mas dezenas. No fim das contas, o porto parecia mais uma cidade inteira do que um mero ambiente limitado. Mantendo o hábito, José de Lima sentia-se perdido.

— Minha Nossa Senhora! — Não escondeu o espanto diante daquela visão.

Embasbacado, atravessou a última rua antes do porto enquanto refletia sobre como estava lascado. Quase foi atropelado por mais um carro, mas conseguiu manter a bolsa e seus pertences seguros. Por fim, chegou ao destino e, olhando para todos os lados, procurou pelo Francês. Coitado! Primeiramente, foi inundado pelo cheiro de sal e peixe. Sentiu-se golpeado, atordoado. Depois, quando finalmente se adaptou àquela sensação, teve que se acostumar com o som: não havia silêncio algum, como era costumeiro no sertão. Além do barulho das ondas se quebrando, um milhão de vozes e sotaques se uniam ao ruído do vento. E a coisa ainda piorava: não eram apenas sotaques esquisitos, mas até mesmo idiomas. José, mais de uma vez, virou-se em diversas direções para conferir se ouviu alguém falando francês. Eram vários “señor, mister” e outras palavras que o rapaz mal conseguia imaginar como escrever.

“Use a cabeça, José! Olhe, meu filho!”, a mente de Zé gritou. Respirando fundo, o pai de família resolveu manter a calma, ou pelo menos tentar. Estreitando a vista diante daqueles milhões de estímulos, ele começou a focar no que sabia. Já conhecia Bárbara e tinha que admitir que as feições do Francês eram facilmente perceptíveis. Com isso em mente, começou a caminhar olhando com a tenção para cada uma das faces que aparecia. Uma hora ele veria quem procurava e, caso tudo falhasse, ainda teria a opção de perguntar.

Foi assim que, em um momento de inteligência incomum, José percebeu uma garrafa de bebida sobre o píer. Não tardou para que ele se lembrasse: o rótulo era exatamente igual aos que ele encontrara naquele bairro esquisito minutos atrás. Com os olhos arregalados – e os ouvidos bem atentos –, o rapaz aproximou-se lentamente do objeto e, rapidamente, encontrou exatamente quem ele queria.

Com os pés balançando sobre o mar, o Francês estava sentado no píer enquanto, vez ou outra, dava longos goles na bebida alcoólica. Ao lado dele, Bárbara seguia tensa, mas ainda trajava um belo vestido enquanto era admirada por olhares indiscretos dos homens que ali passavam. Estava evidente que a mulher não conhecia seu destino, mas o temia com todas as forças. Ainda assim, ela tinha medo de reagir: sabia como o Francês era um homem horrendo e, de alguma maneira, ele poderia trazer uma punição ainda pior do que a planejada.

Observando a cena com atenção, José de Lima sentiu o frio da morte atravessar a sua alma. O Francês estava aparentemente sozinho – além da presença de Bárbara –, mas o ambiente não parecia propício para o ataque. Olhando ao redor, Zé percebeu que havia uma inumerável quantidade de gringos e homens mal encarados. No preconceito do rapaz, isso só podia querer dizer uma coisa: eles iriam defender o bandido a todo custo.

Tremendo, José pensou em recuar e desistir. No entanto, tais ideias não se manifestaram em ações: o pai de Alice permanecia firme em seu propósito. Retirando a arma de forma discreta, ele manteve-a escondido em suas calças. O momento estava chegando e, independente do medo que o dominava, o marido de Beatriz já havia feito sua escolha.

— Ali! Pensei que não fossem chegar nunca — o Francês apontou para uma embarcação que se aproximava. Finalmente, olhou para Bárbara. — Melhor ir se preparando, madame.

Com uma expressão pouco amigável, a sogra de José levantou-se rapidamente. Ela não queria pegar aquele navio, mas, ao mesmo tempo, desejava com todas as forças que aquele pesadelo acabasse logo. Um pouco embriagado, o Francês tinha certa dificuldade em se levantar.

— Vamos, me ajude — ele ordenou.

Olhando para a água, Bárbara sentiu-se tentada. Tinha ciência de que se sentiria extremamente feliz caso empurrasse o desgraçado ali, ainda mais sabendo que ele não era exatamente um exímio nadador. Quantas vezes ela já não havia pensado em matá-lo? Na época em que estava no cabaré, não foram poucas as ocasiões em que se imaginou enforcando seu opressor com o travesseiro. No entanto, um certo medo sempre a paralisava. Junto com tais desejos violentos, também vinham as possibilidades sombrias: ela sabia que seria pega no cabaré pelos comparsas do homem, assim como também seria vista ali no píer. Por um momento, Bárbara acreditou: nada adiantava. Seu destino estava selado e só lhe restava aceitar isso. Mas algo aconteceu.

Em um impulso de coragem desmedida, José de Lima apareceu com a arma empunhada. Já destravado, o revólver estava apontado para o Francês, que nem mesmo viu quando o gatilho foi puxado. Com um estouro, o projétil viajou a curta distância e se alojou nas costas do bandido, perfurando um de seus pulmões. Tossindo morte, o cafetão caiu na água e manchou-a com seu sangue maculado. Bárbara rapidamente entendeu o que havia acontecido: viu José e a arma.

— Corra! — ela gritou com todas as forças.

Zé estava congelado. Não conseguia conceber o que havia feito. No entanto, o grito de sua sogra o tirou do torpor. Ele já havia captado: ela saberia o que fazer e certamente retornaria para Água Funda para reencontrar a filha. Quanto a ele? Restava correr e torcer para não ser pego. Dessa forma, arremessou o revólver para longe e, deixando até mesmo sua bolsa de couro para trás, correu para longe do píer. Dezenas de olhos o acompanharam com medo, simplesmente abrindo caminho para que o rapaz passasse. Porém, nem todos eram temerosos. Vendo o que parecia ser um assassino frio e calculista, alguns homens travaram o caminho de José. Fortes braços seguraram o rapaz e, incapaz de fugir, ele rezou para que não fosse morto ali.

Coitado! Pego por um grupo de homens revoltados, Zé de Lima viu-se coberto de socos e chutes. Levado ao chão, o pai de Alice fechou os olhos e rezou para que aquilo acabasse. Sentia-se um completo idiota: como que poderia perder a vida daquela forma? Estava simplesmente sendo espancado por uma turba raivosa sem ao menos ter a chance de se defender. Deus, o que Bia contaria para a filha?

— Eu sou inocente! — José gritava de forma inútil.

Quem poderia acreditar naquelas palavras? Eles viram o rapaz disparar contra um pobre bêbado. Então, após alguns segundos de pancadas violentas, Zé aceitou: estava morto. Sim, aquele era o fim e não adiantava fazer mais nada. Contudo, o homem ainda levava consigo um motivo para se alegrar: havia salvado a sogra. “Não fui um completo inútil”, pensou entre socos e chutes.

Então, no meio da escuridão, ouviu um disparo. Os agressores correram para longe dali. Abrindo os olhos inchados com dificuldade, José de Lima finalmente compreendeu: policiais viram a algazarra e atiraram para o alto.

— Parado aí! — um dos agentes da lei apontava o revólver para o homem caído. — Nem pense em se mexer!

Zé não se mexeria por nada nesse mundo. Além de dores se espalharem de forma crescente em seu corpo, o rapaz nem mesmo considerava a possibilidade de fuga. Já tinha sorte de não ter morrido para os espancadores, então não seria agora que ousaria fazer qualquer loucura na frente de armas de fogo.

— Isso, bem paradinho — um outro policial disse enquanto algemava o pai de família. — Você está preso!


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Notas finais do capítulo

Muito obrigado pela leitura!



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